O Patativa de Assaré – Antônio Gonçalves da Silva

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A festa da natureza

Na seca inclemente do nosso Nordeste,
O sol é mais quente e o céu mais azul
E o povo se achando sem pão e sem veste,
Viaja à procura das terra do Sul.

De nuvem no espaço, não há um farrapo,
Se acaba a esperança da gente roceira,
Na mesma lagoa da festa do sapo,
Agita-se o vento levando a poeira.

A grama no campo não nasce, não cresce:
Outrora este campo tão verde e tão rico,
Agora é tão quente que até nos parece
Um forno queimando madeira de angico.

Na copa redonda de algum juazeiro
A aguda cigarra seu canto desata
E a linda araponga que chamam Ferreiro,
Martela o seu ferro por dentro da mata.

O dia desponta mostrando-se ingrato,
Um manto de cinza por cima da serra
E o sol do Nordeste nos mostra o retrato
De um bolo de sangue nascendo da terra.

Porém, quando chove, tudo é riso e festa,
O campo e a floresta prometem fartura,
Escutam-se as notas agudas e graves
Do canto das aves louvando a natura.

Alegre esvoaça e gargalha o jacu,
Apita o nambu e geme a juriti
E a brisa farfalha por entre as verduras,
Beijando os primores do meu Cariri.

De noite notamos as graças eternas
Nas lindas lanternas de mil vagalumes.
Na copa da mata os ramos embalam
E as flores exalam suaves perfumes.

Se o dia desponta, que doce harmonia!
A gente aprecia o mais belo compasso.
Além do balido das mansas ovelhas,
Enxames de abelhas zumbindo no espaço.

E o forte caboclo da sua palhoça,
No rumo da roça, de marcha apressada
Vai cheio de vida sorrindo, contente,
Lançar a semente na terra molhada.

Das mãos deste bravo caboclo roceiro
Fiel, prazenteiro, modesto e feliz,
É que o ouro branco sai para o processo
Fazer o progresso de nosso país.

A terra dos posseiros de Deus

Esta terra é desmedida

e devia ser comum,

Devia ser repartida

um toco pra cada um,

mode morar sossegado.

Eu já tenho imaginado

Que a baixa, o sertão e a serra,

Devia sê coisa nossa;

Quem não trabalha na roça,

Que diabo é que quer com a terra?

A triste partida

Setembro passou, com oitubro e novembro

Já tamo em dezembro.

Meu Deus, que é de nós?

Assim fala o pobre do seco Nordeste,

Com medo da peste,

Da fome feroz.

A treze do mês ele fez a experiença,

Perdeu sua crença

Nas pedra de sá.

Mas nôta experiença com gosto se agarra,

Pensando na barra

Do alegre Natá.

Rompeu-se o Natá, porém barra não veio,

O só, bem vermeio,

Nasceu munto além.

Na copa da mata, buzina a cigarra,

Ninguém vê a barra,

Pois barra não tem.

Sem chuva na terra descamba janêro,

Depois, feverêro,

E o mêrmo verão

Entonce o rocêro, pensando consigo,

Diz: isso é castigo!

Não chove mais não!

Apela pra maço, que é o mês preferido

Do Santo querido,

Senhô São José.

Mas nada de chuva! ta tudo sem jeito,

Lhe foge do peito

O resto da fé.

Agora pensando segui ôtra tria,

Chamando a famia

Começa a dizê:

Eu vendo mau burro, meu jegue e o cavalo,

Nós vamo a São Palo

Vivê ou morrê.

Nòs vamo a São Palo, que a coisa tá feia;

Por terras aleia

Nós vamo vagá.

Se o nosso destino não fô tão mesquinho,

Pro mêrmo cantinho

Nós torna a vortá.

E vende o seu burro, o jumento e o cavalo,

Inté mêrmo o galo

Vendêro também,

Pois logo aparece feliz fazendêro,

Por pôco dinhêro

Lhe compra o que tem.

Em riba do carro se junta a famia;

Chegou o triste dia,

Já vai viajá.

A seca terrive, que tudo devora,

Lhe bota pra fora

Da terra natá.

O carro já corre no topo da serra.

Oiando pra terra,

Seu berço, seu lá,

Aquele nortista, partido de pena,

De longe inda acena:

Adeus, Ceará!

No dia seguinte, já tudo enfadado,

E o carro embalado,

Veloz a corrê,

Tão triste, o coitado, falando saudoso,

Um fio choroso

Escrama, a dizê:

– De pena e sodade, papai, sei que morro!

Meu pobre cachorro,

Quem dá de comê?

Já ôto pergunta: – Mãezinha, e meu gato?

Com fome, sem trato,

Mimi vai morrê!

E a linda pequena, tremendo de medo:

– Mamãe, meus brinquedo!

Meu pé fulô!

Meu pé de rosêra, coitado, ele seca!

E a minha boneca

Também lá ficou.

E assim vão dexando, com choro e gemido,

Do berço querido

O céu lindo e azu.

Os pai, pesaroso, nos fio pensando,

E o carro rodando

Na estrada do Su.

Chegaro em São Paulo – sem cobre, quebrado.

O pobre, acanhado,

Percura um patrão.

Só vê cara estranha, da mais feia gente,

Tudo é diferante

Do caro torrão.

Trabaia dois ano, três ano e mais ano,

E sempre no prano

De um dia inda vim.

Mas nunca ele pode, só veve devendo,

E assim vai sofrendo

Tormento sem fim.

Se arguma notícia das banda do Norte

Tem ele por sorte

O gosto de uvi,

Lhe bate no peito sodade de móio,

E as água dos óio

Começa a caí.

Do mundo afastado, sofrendo desprezo,

Ali veve preso,

Devendo ao patrão.

O tempo rolando, vai dia vem dia,

E aquela famia

Não vorta mais não!

Distante da terra tão seca mas boa,

Exposto à garoa,

À lama e ao paú,

Faz pena o nortista, tão forte, tão bravo,

Vivê como escravo

Nas terra do su.

ABC do Nordeste Flagelado

A — Ai, como é duro viver
nos Estados do Nordeste
quando o nosso Pai Celeste
não manda a nuvem chover.
É bem triste a gente ver
findar o mês de janeiro
depois findar fevereiro
e março também passar,
sem o inverno começar
no Nordeste brasileiro.

B — Berra o gado impaciente
reclamando o verde pasto,
desfigurado e arrasto,
com o olhar de penitente;
o fazendeiro, descrente,
um jeito não pode dar,
o sol ardente a queimar
e o vento forte soprando,
a gente fica pensando
que o mundo vai se acabar.

C — Caminhando pelo espaço,
como os trapos de um lençol,
pras bandas do pôr do sol,
as nuvens vão em fracasso:
aqui e ali um pedaço
vagando… sempre vagando,
quem estiver reparando
faz logo a comparação
de umas pastas de algodão
que o vento vai carregando.

D — De manhã, bem de manhã,
vem da montanha um agouro
de gargalhada e de choro
da feia e triste cauã:
um bando de ribançã
pelo espaço a se perder,
pra de fome não morrer,
vai atrás de outro lugar,
e ali só há de voltar,
um dia, quando chover.

E — Em tudo se vê mudança
quem repara vê até
que o camaleão que é
verde da cor da esperança,
com o flagelo que avança,
muda logo de feição.
O verde camaleão
perde a sua cor bonita
fica de forma esquisita
que causa admiração.

F — Foge o prazer da floresta
o bonito sabiá,
quando flagelo não há
cantando se manifesta.
Durante o inverno faz festa
gorjeando por esporte,
mas não chovendo é sem sorte,
fica sem graça e calado
o cantor mais afamado
dos passarinhos do norte.

G — Geme de dor, se aquebranta
e dali desaparece,
o sabiá só parece
que com a seca se encanta.
Se outro pássaro canta,
o coitado não responde;
ele vai não sei pra onde,
pois quando o inverno não vem
com o desgosto que tem
o pobrezinho se esconde.

H — Horroroso, feio e mau
de lá de dentro das grotas,
manda suas feias notas
o tristonho bacurau.
Canta o João corta-pau
o seu poema funério,
é muito triste o mistério
de uma seca no sertão;
a gente tem impressão
que o mundo é um cemitério.

I — Ilusão, prazer, amor,
a gente sente fugir,
tudo parece carpir
tristeza, saudade e dor.
Nas horas de mais calor,
se escuta pra todo lado
o toque desafinado
da gaita da seriema
acompanhando o cinema
no Nordeste flagelado.

J — Já falei sobre a desgraça
dos animais do Nordeste;
com a seca vem a peste
e a vida fica sem graça.
Quanto mais dia se passa
mais a dor se multiplica;
a mata que já foi rica,
de tristeza geme e chora.
Preciso dizer agora
o povo como é que fica.

L — Lamento desconsolado
o coitado camponês
porque tanto esforço fez,
mas não lucrou seu roçado.
Num banco velho, sentado,
olhando o filho inocente
e a mulher bem paciente,
cozinha lá no fogão
o derradeiro feijão
que ele guardou pra semente.

M — Minha boa companheira,
diz ele, vamos embora,
e depressa, sem demora
vende a sua cartucheira.
Vende a faca, a roçadeira,
machado, foice e facão;
vende a pobre habitação,
galinha, cabra e suíno
e viajam sem destino
em cima de um caminhão.

N — Naquele duro transporte
sai aquela pobre gente,
agüentando paciente
o rigor da triste sorte.
Levando a saudade forte
de seu povo e seu lugar,
sem um nem outro falar,
vão pensando em sua vida,
deixando a terra querida,
para nunca mais voltar.

O — Outro tem opinião
de deixar mãe, deixar pai,
porém para o Sul não vai,
procura outra direção.
Vai bater no Maranhão
onde nunca falta inverno;
outro com grande consterno
deixa o casebre e a mobília
e leva a sua família
pra construção do governo.

P – Porém lá na construção,
o seu viver é grosseiro
trabalhando o dia inteiro
de picareta na mão.
Pra sua manutenção
chegando dia marcado
em vez do seu ordenado
dentro da repartição,
recebe triste ração,
farinha e feijão furado.

Q — Quem quer ver o sofrimento,
quando há seca no sertão,
procura uma construção
e entra no fornecimento.
Pois, dentro dele o alimento
que o pobre tem a comer,
a barriga pode encher,
porém falta a substância,
e com esta circunstância,
começa o povo a morrer.

R — Raquítica, pálida e doente
fica a pobre criatura
e a boca da sepultura
vai engolindo o inocente.
Meu Jesus! Meu Pai Clemente,
que da humanidade é dono,
desça de seu alto trono,
da sua corte celeste
e venha ver seu Nordeste
como ele está no abandono.

S — Sofre o casado e o solteiro
sofre o velho, sofre o moço,
não tem janta, nem almoço,
não tem roupa nem dinheiro.
Também sofre o fazendeiro
que de rico perde o nome,
o desgosto lhe consome,
vendo o urubu esfomeado,
puxando a pele do gado
que morreu de sede e fome.

T — Tudo sofre e não resiste
este fardo tão pesado,
no Nordeste flagelado
em tudo a tristeza existe.
Mas a tristeza mais triste
que faz tudo entristecer,
é a mãe chorosa, a gemer,
lágrimas dos olhos correndo,
vendo seu filho dizendo:
mamãe, eu quero morrer!

U — Um é ver, outro é contar
quem for reparar de perto
aquele mundo deserto,
dá vontade de chorar.
Ali só fica a teimar
o juazeiro copado,
o resto é tudo pelado
da chapada ao tabuleiro
onde o famoso vaqueiro
cantava tangendo o gado.

V — Vivendo em grande maltrato,
a abelha zumbindo voa,
sem direção, sempre à toa,
por causa do desacato.
À procura de um regato,
de um jardim ou de um pomar
sem um momento parar,
vagando constantemente,
sem encontrar, a inocente,
uma flor para pousar.

X — Xexéu, pássaro que mora
na grande árvore copada,
vendo a floresta arrasada,
bate as asas, vai embora.
Somente o saguim demora,
pulando a fazer careta;
na mata tingida e preta,
tudo é aflição e pranto;
só por milagre de um santo,
se encontra uma borboleta.

Z — Zangado contra o sertão
dardeja o sol inclemente,
cada dia mais ardente
tostando a face do chão.
E, mostrando compaixão
lá do infinito estrelado,
pura, limpa, sem pecado
de noite a lua derrama
um banho de luz no drama
do Nordeste flagelado.

Posso dizer que cantei
aquilo que observei;
tenho certeza que dei
aprovada relação.
Tudo é tristeza e amargura,
indigência e desventura.
— Veja, leitor, quanto é dura
a seca no meu sertão.

Aos Poetas Clássicos

Poetas niversitário,

Poetas de Cademia,

De rico vocabularo

Cheio de mitologia;

Se a gente canta o que pensa,

Eu quero pedir licença,

Pois mesmo sem português

Neste livrinho apresento

O prazê e o sofrimento

De um poeta camponês.

Eu nasci aqui no mato,

Vivi sempre a trabaiá,

Neste meu pobre recato,

Eu não pude estudá.

No verdô de minha idade,

Só tive a felicidade

De dá um pequeno insaio

In dois livro do iscritô,

O famoso professô

Filisberto de Carvaio.

No premêro livro havia

Belas figuras na capa,

E no começo se lia:

A pá — O dedo do Papa,

Papa, pia, dedo, dado,

Pua, o pote de melado,

Dá-me o dado, a fera é má

E tantas coisa bonita,

Qui o meu coração parpita

Quando eu pego a rescordá.

Foi os livro de valô

Mais maió que vi no mundo,

Apenas daquele autô

Li o premêro e o segundo;

Mas, porém, esta leitura,

Me tirô da treva escura,

Mostrando o caminho certo,

Bastante me protegeu;

Eu juro que Jesus deu

Sarvação a Filisberto.

Depois que os dois livro eu li,

Fiquei me sintindo bem,

E ôtras coisinha aprendi

Sem tê lição de ninguém.

Na minha pobre linguage,

A minha lira servage

Canto o que minha arma sente

E o meu coração incerra,

As coisa de minha terra

E a vida de minha gente.

Poeta niversitaro,

Poeta de cademia,

De rico vocabularo

Cheio de mitologia,

Tarvez este meu livrinho

Não vá recebê carinho,

Nem lugio e nem istima,

Mas garanto sê fié

E não istruí papé

Com poesia sem rima.

Cheio de rima e sintindo

Quero iscrevê meu volume,

Pra não ficá parecido

Com a fulô sem perfume;

A poesia sem rima,

Bastante me disanima

E alegria não me dá;

Não tem sabô a leitura,

Parece uma noite iscura

Sem istrela e sem luá.

Se um dotô me perguntá

Se o verso sem rima presta,

Calado eu não vou ficá,

A minha resposta é esta:

Sem a rima, a poesia

Perde arguma simpatia

E uma parte do primô;

Não merece munta parma,

É como o corpo sem arma

E o coração sem amô.

Meu caro amigo poeta,

Qui faz poesia branca,

Não me chame de pateta

Por esta opinião franca.

Nasci entre a natureza,

Sempre adorando as beleza

Das obra do Criadô,

Uvindo o vento na serva

E vendo no campo a reva

Pintadinha de fulô.

Sou um caboco rocêro,

Sem letra e sem istrução;

O meu verso tem o chêro

Da poêra do sertão;

Vivo nesta solidade

Bem destante da cidade

Onde a ciença guverna.

Tudo meu é naturá,

Não sou capaz de gostá

Da poesia moderna.

Dêste jeito Deus me quis

E assim eu me sinto bem;

Me considero feliz

Sem nunca invejá quem tem

Profundo conhecimento.

Ou ligêro como o vento

Ou divagá como a lêsma,

Tudo sofre a mesma prova,

Vai batê na fria cova;

Esta vida é sempre a mesma.

Caboclo roceiro

Caboclo Roceiro, das plaga do Norte

Que vive sem sorte, sem terra e sem lar,

A tua desdita é tristonho que canto,

Se escuto o meu pranto me ponho a chorar

Ninguém te oferece um feliz lenitivo

És rude e cativo, não tens liberdade.

A roça é teu mundo e também tua escola.

Teu braço é a mola que move a cidade

De noite tu vives na tua palhoça

De dia na roça de enxada na mão

Julgando que Deus é um pai vingativo,

Não vês o motivo da tua opressão

Tu pensas, amigo, que a vida que levas

De dores e trevas debaixo da cruz

E as crides constantes, quais sinas e espadas

São penas mandadas por nosso Jesus

Tu és nesta vida o fiel penitente

Um pobre inocente no banco do réu.

Caboclo não guarda contigo esta crença

A tua sentença não parte do céu.

O mestre divino que é sábio profundo

Não faz neste mundo teu fardo infeliz

As tuas desgraças com tua desordem

Não nascem das ordens do eterno juiz

A lua se apaga sem ter empecilho,

O sol do seu brilho jamais te negou

Porém os ingratos, com ódio e com guerra,

Tomaram-te a terra que Deus te entregou

De noite tu vives na tua palhoça

De dia na roça , de enxada na mão

Caboclo roceiro, sem lar , sem abrigo,

Tu és meu amigo, tu és meu irmão.

Cante lá, que eu canto cá

Poeta, cantô de rua,

Que na cidade nasceu,

Cante a cidade que é sua,

Que eu canto o sertão que é meu.

Se aí você teve estudo,

Aqui, Deus me ensinou tudo,

Sem de livro precisá

Por favô, não mêxa aqui,

Que eu também não mexo aí,

Cante lá, que eu canto cá.

Você teve inducação,

Aprendeu munta ciença,

Mas das coisa do sertão

Não tem boa esperiença.

Nunca fez uma paioça,

Nunca trabaiou na roça,

Não pode conhecê bem,

Pois nesta penosa vida,

Só quem provou da comida

Sabe o gosto que ela tem.

Pra gente cantá o sertão,

Precisa nele morá,

Tê armoço de fejão

E a janta de mucunzá,

Vivê pobre, sem dinhêro,

Socado dentro do mato,

De apragata currelepe,

Pisando inriba do estrepe,

Brocando a unha-de-gato.

Você é muito ditoso,

Sabe lê, sabe escrevê,

Pois vá cantando o seu gozo,

Que eu canto meu padecê.

Inquanto a felicidade

Você canta na cidade,

Cá no sertão eu infrento

A fome, a dô e a misera.

Pra sê poeta divera,

Precisa tê sofrimento.

Sua rima, inda que seja

Bordada de prata e de ôro,

Para a gente sertaneja

É perdido este tesôro.

Com o seu verso bem feito,

Não canta o sertão dereito,

Porque você n&atilatilde;o conhece

Nossa vida aperreada.

E a dô só é bem cantada,

Cantada por quem padece.

Só canta o sertão dereito,

Com tudo quanto ele tem,

Quem sempre correu estreito,

Sem proteção de ninguém,

Coberto de precisão

Suportando a privação

Com paciença de Jó,

Puxando o cabo da inxada,

Na quebrada e na chapada,

Moiadinho de suó.

Amigo, não tenha quêxa,

Veja que eu tenho razão

Em lhe dizê que não mêxa

Nas coisa do meu sertão.

Pois, se não sabe o colega

De quá manêra se pega

Num ferro pra trabaiá,

Por favô, não mêxa aqui,

Que eu também não mêxo aí,

Cante lá que eu canto cá.

Repare que a minha vida

É deferente da sua.

A sua rima pulida

Nasceu no salão da rua.

Já eu sou bem deferente,

Meu verso é como a simente

Que nasce inriba do chão;

Não tenho estudo nem arte,

A minha rima faz parte

Das obra da criação.

Mas porém, eu não invejo

O grande tesôro seu,

Os livro do seu colejo,

Onde você aprendeu.

Pra gente aqui sê poeta

E fazê rima compreta,

Não precisa professô;

Basta vê no mês de maio,

Um poema em cada gaio

E um verso em cada fulô.

Seu verso é uma mistura,

É um tá sarapaté,

Que quem tem pôca leitura

Lê, mais não sabe o que é.

Tem tanta coisa incantada,

Tanta deusa, tanta fada,

Tanto mistéro e condão

E ôtros negoço impossive.

Eu canto as coisa visive

Do meu querido sertão.

Canto as fulô e os abróio

Com todas coisa daqui:

Pra toda parte que eu óio

Vejo um verso se bulí.

Se as vêz andando no vale

Atrás de curá meus male

Quero repará pra serra

Assim que eu óio pra cima,

Vejo um divule de rima

Caindo inriba da terra.

Mas tudo é rima rastêra

De fruita de jatobá,

De fôia de gamelêra

E fulô de trapiá,

De canto de passarinho

E da poêra do caminho,

Quando a ventania vem,

Pois você já tá ciente:

Nossa vida é deferente

E nosso verso também.

Repare que deferença

Iziste na vida nossa:

Inquanto eu tô na sentença,

Trabaiando em minha roça,

Você lá no seu descanso,

Fuma o seu cigarro mando,

Bem perfumado e sadio;

Já eu, aqui tive a sorte

De fumá cigarro forte

Feito de paia de mio.

Você, vaidoso e facêro,

Toda vez que qué fumá,

Tira do bôrso um isquêro

Do mais bonito metá.

Eu que não posso com isso,

Puxo por meu artifiço

Arranjado por aqui,

Feito de chifre de gado,

Cheio de argodão queimado,

Boa pedra e bom fuzí.

Sua vida é divirtida

E a minha é grande pená.

Só numa parte de vida

Nóis dois samo bem iguá:

É no dereito sagrado,

Por Jesus abençoado

Pra consolá nosso pranto,

Conheço e não me confundo

Da coisa mió do mundo

Nóis goza do mesmo tanto.

Eu não posso lhe invejá

Nem você invejá eu,

O que Deus lhe deu por lá,

Aqui Deus também me deu.

Pois minha boa muié,

Me estima com munta fé,

Me abraça, beja e qué bem

E ninguém pode negá

Que das coisa naturá

Tem ela o que a sua tem.

Aqui findo esta verdade

Toda cheia de razão:

Fique na sua cidade

Que eu fico no meu sertão.

Já lhe mostrei um ispeio,

Já lhe dei grande conseio

Que você deve tomá.

Por favô, não mexa aqui,

Que eu também não mêxo aí,

Cante lá que eu canto cá.

Dois Quadros

Na seca inclemente do nosso Nordeste,

O sol é mais quente e o céu mais azul

E o povo se achando sem pão e sem veste,

Viaja à procura das terra do Sul.

De nuvem no espaço, não há um farrapo,

Se acaba a esperança da gente roceira,

Na mesma lagoa da festa do sapo,

Agita-se o vento levando a poeira.

A grama no campo não nasce, não cresce:

Outrora este campo tão verde e tão rico,

Agora é tão quente que até nos parece

Um forno queimando madeira de angico.

Na copa redonda de algum juazeiro

A aguda cigarra seu canto desata

E a linda araponga que chamam Ferreiro,

Martela o seu ferro por dentro da mata.

O dia desponta mostrando-se ingrato,

Um manto de cinza por cima da serra

E o sol do Nordeste nos mostra o retrato

De um bolo de sangue nascendo da terra.

Porém, quando chove, tudo é riso e festa,

O campo e a floresta prometem fartura,

Escutam-se as notas agudas e graves

Do canto das aves louvando a natura.

Alegre esvoaça e gargalha o jacu,

Apita o nambu e geme a juriti

E a brisa farfalha por entre as verduras,

Beijando os primores do meu Cariri.

De noite notamos as graças eternas

Nas lindas lanternas de mil vagalumes.

Na copa da mata os ramos embalam

E as flores exalam suaves perfumes.

Se o dia desponta, que doce harmonia!

A gente aprecia o mais belo compasso.

Além do balido das mansas ovelhas,

Enxames de abelhas zumbindo no espaço.

E o forte caboclo da sua palhoça,

No rumo da roça, de marcha apressada

Vai cheio de vida sorrindo, contente,

Lançar a semente na terra molhada.

Das mãos deste bravo caboclo roceiro

Fiel, prazenteiro, modesto e feliz,

É que o ouro branco sai para o processo

Fazer o progresso de nosso país.

Eu quero

Quero um chefe brasileiro

Fiel, firme e justiceiro

Capaz de nos proteger

Que do campo até à rua

O povo todo possua

O direito de viver

Quero paz e liberdade

Sossego e fraternidade

Na nossa pátria natal

Desde a cidade ao deserto

Quero o operário liberto

Da exploração patronal

Quero ver do Sul ao Norte

O nosso caboclo forte

Trocar a casa de palha

Por confortável guarida

Quero a terra dividida

Para quem nela trabalha

Eu quero o agregado isento

Do terrível sofrimento

Do maldito cativeiro

Quero ver o meu país

Rico, ditoso e feliz

Livre do jugo estrangeiro

A bem do nosso progresso

Quero o apoio do Congresso

Sobre uma reforma agrária

Que venha por sua vez

Libertar o camponês

Da situação precária

Finalmemte, meus senhores,

Quero ouvir entre os primores

Debaixo do céu de anil

As mais sonoras notas

Dos cantos dos patriotas

Cantando a paz do Brasil

Flores murchas

Depois do nosso desejado enlace

Ela dizia, cheia de carinho,

Toda ternura a segredar baixinho:

— Deixa, querido, que eu te beije a face!

Ah! se esta vida nunca mais passasse!

Só vejo rosas, sem um só espinho;

Que bela aurora surge em nosso ninho!

Que lindo sonho no meu peito nasce!

E hoje, a coitada, sem falar de amor,

Em vez daquele natural vigor,

Sofre do tempo o mais cruel carimbo.

E assim vivendo, de mazelas cheia,

Em vez de beijo, sempre me aperreia

Pedindo fumo para o seu cachimbo.

Linguage dos óio

Quem repara o corpo humano

E com coidado nalisa,

Vê que o Autô Soberano

Lhe deu tudo o que precisa,

Os orgo que a gente tem

Tudo serve munto bem,

Mas ninguém pode negá

Que o Auto da Criação

Fez com maior prefeição

Os orgo visioná.

Os óio além de chorá,

É quem vê a nossa estrada

Mode o corpo se livrá

De queda e barruada

E além de chorá e de vê

Prumode nos defendê,

Tem mais um grande mistér

De admirave vantage,

Na sua muda linguage

Diz quando qué ou não qué.

Os óios consigo tem

Incomparave segredo,

Tem o oiá querendo bem

E o oiá sentindo medo,

A pessoa apaixonada

Não precisa dizê nada,

Não precisa utilizá

A língua que tem na bôca,

O oiá de uma caboca

Diz quando qué namorá.

Munta comunicação

Os óio veve fazendo

Por izempro, oiá pidão

Dá siná que tá querendo

Tudo apresenta na vista,

Comparo com o truquista

Trabaiando bem ativo

Dexando o povo enganado,

Os óios pissui dois lado,

Positivo e negativo.

Mesmo sem nada falá,

Mesmo assim calado e mudo,

Os orgo visioná

Sabe dá siná de tudo,

Quando fica namorado

Pela moça despresado

Não precisa conversá,

Logo ele tá entendendo

Os óios dela dizendo,

Viva lá que eu vivo cá.

Os óios conversa munto

Nele um grande livro inziste

Todo repreto de assunto,

Por izempro o oiá triste

Com certeza tá contando

Que seu dono tá passando

Um sofrimento sem fim,

E o oiá desconfiado

Diz que o seu dono é curpado

Fez arguma coisa ruim.

Os óis duma pessoa

Pode bem sê comparado

Com as água da lagoa

Quando o vento tá parado,

Mas porém no mesmo istante

Pode ficá revortante

Querendo desafiá,

Infuricido e valente;

Neste dois malandro a gente

Nunca pode confiá.

Oiá puro, manso e terno,

Protetó e cheio de brio

É o doce oiá materno

Pedindo para o seu fio

Saúde e felicidade

Este oiá de piedade

De perdão e de ternura

Diz que preza, que ama e estima

É os óio que se aproxima

Dos óio da Virge Pura.

Nem mesmo os grande oculista,

Os dotô que munta estuda,

Os mais maió cientista,

Conhece a lingua muda

Dos orgo visioná

E os mais ruim de decifrá

De todos que eu tô falando,

É quando o oiá é zanoio,

Ninguém sabe cada óio

Pra onde tá reparando.

Nordestino sim, nordestinado não

Nunca diga nordestino

Que Deus lhe deu um destino

Causador do padecer

Nunca diga que é o pecado

Que lhe deixa fracassado

Sem condições de viver

Não guarde no pensamento

Que estamos no sofrimento

É pagando o que devemos

A Providência Divina

Não nos deu a triste sina

De sofrer o que sofremos

Deus o autor da criação

Nos dotou com a razão

Bem livres de preconceitos

Mas os ingratos da terra

Com opressão e com guerra

Negam os nossos direitos

Não é Deus quem nos castiga

Nem é a seca que obriga

Sofrermos dura sentença

Não somos nordestinados

Nós somos injustiçados

Tratados com indiferença

Sofremos em nossa vida

Uma batalha renhida

Do irmão contra o irmão

Nós somos injustiçados

Nordestinos explorados

Mas nordestinados não

Há muita gente que chora

Vagando de estrada afora

Sem terra, sem lar, sem pão

Crianças esfarrapadas

Famintas, escaveiradas

Morrendo de inanição

Sofre o neto, o filho e o pai

Para onde o pobre vai

Sempre encontra o mesmo mal

Esta miséria campeia

Desde a cidade à aldeia

Do Sertão à capital

Aqueles pobres mendigos

Vão à procura de abrigos

Cheios de necessidade

Nesta miséria tamanha

Se acabam na terra estranha

Sofrendo fome e saudade

Mas não é o Pai Celeste

Que faz sair do Nordeste

Legiões de retirantes

Os grandes martírios seus

Não é permissão de Deus

É culpa dos governantes

Já sabemos muito bem

De onde nasce e de onde vem

A raiz do grande mal

Vem da situação crítica

Desigualdade política

Econômica e social

Somente a fraternidade

Nos traz a felicidade

Precisamos dar as mãos

Para que vaidade e orgulho

Guerra, questão e barulho

Dos irmãos contra os irmãos

Jesus Cristo, o Salvador

Pregou a paz e o amor

Na santa doutrina sua

O direito do bangueiro

É o direito do trapeiro

Que apanha os trapos na rua

Uma vez que o conformismo

Faz crescer o egoísmo

E a injustiça aumentar

Em favor do bem comum

É dever de cada um

Pelos direitos lutar

Por isso vamos lutar

Nós vamos reivindicar

O direito e a liberdade

Procurando em cada irmão

Justiça, paz e união

Amor e fraternidade

Somente o amor é capaz

E dentro de um país faz

Um só povo bem unido

Um povo que gozará

Porque assim já não há

Opressor nem oprimido

O alco e a gasolina

Neste mundo de pecado
Ninguém qué vivê sozinho
Quem viaja acompanhado
Incurta mais o caminho
Tudo que no mundo existe
Se achando sozinho e triste,
O alco vivia só
Sem ninguém lhe querê bem
E a gasolina também
Vivia no caritó.

O alco tanto sofreu
Sua dura e triste sina
Até que um dia ofreceu
Seu amô a gasolina
Perguntou se ela queria
Ele em sua companhia,
Pois andava aperriado
Era grande o padecê
Não podia mais vivê
Sem companhêra ao seu lado.

Disse ela: dou-lhe a resposta
Mas fazendo uma proposta
Sei que de mim você gosta
E eu não lhe acho tão feio
Porém eu sou moça fina,
Sou a prenda gasolina
Bem recatada, granfina
E gosto muito de asseio.

Se você não é nogento
É grande o contentamento
E tarvez meu sofrimento
Da solidão eu arranque,
Nós não vamo nem casá
Do jeito que o mundo tá
Nós dois vamo é se juntá
E morá dentro do tanque.

Se quisé me acompanhá
No tanque vamo morá
E os apusento zelá
Com carinho e com amô,
Porém lhe dou um conseio
Não vá fazê papé feio
Quero limpeza e asseio
Dentro do carboradô.

Se o meu amô armeja
E andá comigo deseja,
É necessaro que seja
Limpo, zeladô e esperto,
Precisa se controlá,
Veja que eu sou minerá
E você é vegetá,
Será que isto vai dá certo?

Disse o alco: meu benzinho
Eu não quero é tá sozinho
Pra gozá do teu carinho
Todo sacrifiço faço,
Na nossa nova aliança
Disponha de confiança
Com a minha substança
Eu subo até no espaço.

Quero é sê feliz agora
Morá onde você mora
Andá pelo mundo afora
E a minha vida gozá,
Entre nós não há desorde
Basta que você concorde
Nós se junta com as orde
Da senhora Petrobá.

Tudo o alco prometia.
Queria por que queriá
Na Petrobá neste dia
Houve uma festa danada
A Petrobá ordenou
Um ao outro se entregou
E o querozene chorou
Vendo a parenta amigada.

Porém depois de algum dia
Começou grande narquia,
O que o alco prometia
Sem sentimento negou,
Fez uma ação traiçoêra
Com a sua companhêra
Fazendo a maió sugêra
Dentro do carboradô.

Fez o alco uma ruína
Prometeu a gasolina
Que seguia a diciprina
Mas não quis lhe obedecê
Como o cabra embriagado
Descuidado e deslêxado
Dêxava tudo melado,
Agúia, bóia e giclê.

A gasolina falava
E a ele aconceiava,
Mas o alco não ligava,
Inxia o saco a zomba
Lhe respondendo, eu não ligo,
Se achá que vivê comigo
Tá sendo grande castigo
Se quêxe da Petrobá.

E assim ele permanece
No carro a tudo aborrece,
Se a gasolina padece
O chofé também se atrasa
Hoje o alco veve assim
Do jeito do cabra ruim
Que bebe no butiquim
E vai vomitá na casa.

(mantida a grafia original)

O Burro

Vai ele a trote, pelo chão da serra,
Com a vista espantada e penetrante,
E ninguém nota em seu marchar volante,
A estupidez que este animal encerra.

Muitas vezes, manhoso, ele se emperra,
Sem dar uma passada para diante,
Outras vezes, pinota, revoltante,
E sacode o seu dono sobre a terra.

Mas contudo! Este bruto sem noção,
Que é capaz de fazer uma traição,
A quem quer que lhe venha na defesa,

É mais manso e tem mais inteligência
Do que o sábio que trata de ciência
E não crê no Senhor da Natureza.

O Desgosto do Medêro

Ô Joana este mundo tem
Sugeito com tanta faia
Que quanto mais qué sê bom
Mais no êrro se escangaia,
Istuda mais não prospera
E pra sê burro de vera
Só farta levá cangaia

Ô Joana, tu já deu fé,
Tu já prestou atenção,
Que tanta gente que tinha
Com nós boa relação
Anda agora deferente
Sem querê sabê da gente
Pru causa das inleição?

Óia Joana, o Benedito
Que era camarada meu
Anda agora todo duro
Sem querê falá com eu
Na maió intipatia
Pruquê vota em Malaquia
E eu vou votá no Romeu.

Se ele vota em Malaquia
E eu no Romeu vou votá
Cada quá tem seu partido
Isto é munto naturá.
Disarmonia não traz
E este motivo não faz
Nossa relação cortá.

O Zé Lolo que me vendo
Brincava e dizia trova
Anda todo infarruscado
Com certa manêra nova
Sem morá e ingnorante,
Com a cara do istudante
Que não passou pela prova.

Ô meu Deus, nunca pensei
De vê o que agora tô vendo,
Joana, basta que eu lhe diga
Que até mesmo o Zé Rozendo
Anda falando grossêro
Não fala mais no dinhêro
Que ele ficou me devendo.

Pra que tanta deferença,
Pra que tanta cara estranha?
O mundo intêro conhece
Que quando chega a campanha
Tudo alegre pega fôgo,
Inleição é como o jôgo
Quem tem mais ponto é quem ganha.

Ô meu Deus como é que eu vivo
Sem tê comunicação?
Ô Joana, só dá vontade
De sumi num sucavão
Pra ninguém me aborrecê
E somente aparecê
Quando passá as inleição

— Medêro, não seja tolo
Pruquê você se aperreia?
Tudo isto é gente inconstante
Que sempre fez ação feia,
É gente que continua
Na mesma fase da lua,
Crescente, minguante e cheia.

— Medêro, não entristeça
Você não vai ficá só
O que fez o Benidito
Zé Rozendo e Zé Loló
Eu sei que foi munto ruim
Porém se os home é assim
As muié são mais pió.

— Medêro, tanta muié
Que dizia a todo istante:
Como é que tu vai Joaninha?
Todo fôfa e elegante,
Pruquê voto no Romeu
Agora passa pru eu
Com a tromba de elefante.

Eu onte vi a Francisca
A Ginuveva e a Sofia
Dizendo até palavrão
Com Filismina e Maria,
No maió ispaiafato
Pro causa dos candidato
O Romeu e o Malaquia

Tu não vê a Zefa Peba,
Que é até colegiá?
Nunca mais andou aqui
E agora vou lhe contá
O que ela já fez comigo
Que até merece castigo
Mas eu vou lhe perdoar

A Zefa Peba chegou
Reparou e não vendo eu
Subiu na nossa carçada
Se ístícou, gunzou, se ergueu
Com os óio de cabra morta
E tirou da nossa porta
O retrato do Romeu.

Eu tava escondida vendo
E achei aquilo bem chato
Será que ela tá pensando
Que rasgando este retrato
O Romeu fica pequeno
E tem um voto a meno
Para o nosso candidato?

Eu vi tudo que ela fez
Porém não quis arengá,
Mas no momento que vi
A Peba se retirá ,
Provando que eu sou muié
Agarrei outro papé
Preguei no mesmo lugá

Por isso você Medêro
Não se importe com pagode
Se lembre deste ditado
E com nada se incomode,
Tudo é farta de respeito,
“Quem é bom já nasce feito
Quem qué se fazê não pode”

(Mantida a grafia original)

O peixe

Tendo por berço o lago cristalino,

Folga o peixe, a nadar todo inocente,

Medo ou receio do porvir não sente,

Pois vive incauto do fatal destino.

Se na ponta de um fio longo e fino

A isca avista, ferra-a insconsciente,

Ficando o pobre peixe de repente,

Preso ao anzol do pescador ladino.

O camponês, também, do nosso Estado,

Ante a campanha eleitoral, coitado!

Daquele peixe tem a mesma sorte.

Antes do pleito, festa, riso e gosto,

Depois do pleito, imposto e mais imposto.

Pobre matuto do sertão do Norte!

O poeta da roça

Sou fio das mata, cantô da mão grossa,

Trabáio na roça, de inverno e de estio.

A minha chupana é tapada de barro,

Só fumo cigarro de páia de mío.

Sou poeta das brenha, não faço o papé

De argum menestré, ou errante cantô

Que veve vagando, com sua viola,

Cantando, pachola, à percura de amô.

Não tenho sabença, pois nunca estudei,

Apenas eu sei o meu nome assiná.

Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre,

E o fio do pobre não pode estudá.

Meu verso rastêro, singelo e sem graça,

Não entra na praça, no rico salão,

Meu verso só entra no campo e na roça

Nas pobre paioça, da serra ao sertão.

Só canto o buliço da vida apertada,

Da lida pesada, das roça e dos eito.

E às vez, recordando a feliz mocidade,

Canto uma sodade que mora em meu peito.

Eu canto o cabôco com suas caçada,

Nas noite assombrada que tudo apavora,

Por dentro da mata, com tanta corage

Topando as visage chamada caipora.

Eu canto o vaquêro vestido de côro,

Brigando com o tôro no mato fechado,

Que pega na ponta do brabo novio,

Ganhando lugio do dono do gado.

Eu canto o mendigo de sujo farrapo,

Coberto de trapo e mochila na mão,

Que chora pedindo o socorro dos home,

E tomba de fome, sem casa e sem pão.

E assim, sem cobiça dos cofre luzente,

Eu vivo contente e feliz com a sorte,

Morando no campo, sem vê a cidade,

Cantando as verdade das coisa do Norte.

O sabiá e o gavião

Eu nunca falei à toa.

Sou um cabôco rocêro,

Que sempre das coisa boa

Eu tive um certo tempero.

Não falo mal de ninguém,

Mas vejo que o mundo tem

Gente que não sabe amá,

Não sabe fazê carinho,

Não qué bem a passarinho,

Não gosta dos animá.

Já eu sou bem deferente.

A coisa mió que eu acho

É num dia munto quente

Eu i me sentá debaxo

De um copado juazêro,

Prá escutá prazentêro

Os passarinho cantá,

Pois aquela poesia

Tem a mesma melodia

Dos anjo celestiá.

Não há frauta nem piston

Das banda rica e granfina

Pra sê sonoroso e bom

Como o galo de campina,

Quando começa a cantá

Com sua voz naturá,

Onde a inocença se incerra,

Cantando na mesma hora

Que aparece a linda orora

Bejando o rosto da terra.

O sofreu e a patativa

Com o canaro e o campina

Tem canto que me cativa,

Tem musga que me domina,

E inda mais o sabiá,

Que tem premêro lugá,

É o chefe dos serestêro,

Passo nenhum lhe condena,

Ele é dos musgo da pena

O maiô do mundo intêro.

Eu escuto aquilo tudo,

Com grande amô, com carinho,

Mas, às vez, fico sisudo,

Pruquê cronta os passarinho

Tern o gavião maldito,

Que, além de munto esquisito,

Como iguá eu nunca vi,

Esse monstro miserave

É o assarsino das ave

Que canta pra gente uví.

Muntas vez, jogando o bote,

Mais pió de que a serpente,

Leva dos ninho os fiote

Tão lindo e tão inocente.

Eu comparo o gavião

Com esses farão cristão

Do instinto crué e feio,

Que sem ligá gente pobre

Quê fazê papé de nobre

Chupando o suó alêio.

As Escritura não diz,

Mas diz o coração meu:

Deus, o maió dos juiz,

No dia que resorveu

A fazê o sabiá

Do mió materiá

Que havia inriba do chão,

O Diabo, munto inxerido,

Lá num cantinho, escondido,

Também fez o gavião.

De todos que se conhece

Aquele é o passo mais ruim

É tanto que, se eu pudesse,

Já tinha lhe dado fim.

Aquele bicho devia

Vivê preso, noite e dia,

No mais escuro xadrez.

Já que tô de mão na massa,

Vou contá a grande arruaça

Que um gavião já me fez.

Quando eu era pequenino,

Saí um dia a vagá

Pelos mato sem destino,

Cheio de vida a iscutá

A mais subrime beleza

Das musga da natureza

E bem no pé de um serrote

Achei num pé de juá

Um ninho de sabiá

Com dois mimoso fiote.

Eu senti grande alegria,

Vendo os fíote bonito.

Pra mim eles parecia

Dois anjinho do Infinito.

Eu falo sero, não minto.

Achando que aqueles pinto

Era santo, era divino,

Fiz do juazêro igreja

E bejei, como quem bêja

Dois Santo Antõi pequenino.

Eu fiquei tão prazentêro

Que me esqueci de armoçá,

Passei quage o dia intêro

Naquele pé de juá.

Pois quem ama os passarinho,

No dia que incronta um ninho,

Somente nele magina.

Tão grande a demora foi,

Que mamãe (Deus lhe perdoi)

Foi comigo à disciprina.

Meia légua, mais ou meno,

Se medisse, eu sei que dava,

Dali, daquele terreno

Pra paioça onde eu morava.

Porém, eu não tinha medo,

Ia lá sempre em segredo,

Sempre. iscondido, sozinho,

Temendo que argúm minino,

Desses perverso e malino

Mexesse nos passarinho.

Eu mesmo não sei dizê

O quanto eu tava contente

Não me cansava de vê

Aqueles dois inocente.

Quanto mais dia passava,

Mais bonito eles ficava,

Mais maió e mais sabido,

Pois não tava mais pelado,

Os seus corpinho rosado

Já tava tudo vestido.

Mas, tudo na vida passa.

Amanheceu certo dia

O mundo todo sem graça,

Sem graça e sem poesia.

Quarqué pessoa que visse

E um momento refritisse

Nessa sombra de tristeza,

Dava pra ficá pensando

Que arguém tava malinando

Nas coisa da Natureza.

Na copa dos arvoredo,

Passarinho não cantava.

Naquele dia, bem cedo,

Somente a coã mandava

Sua cantiga medonha.

A menhã tava tristonha

Como casa de viúva,

Sem prazê, sem alegria

E de quando em vez, caía

Um sereninho de chuva.

Eu oiava pensativo

Para o lado do Nascente

E não sei por quá motivo

O só nasceu diferente,

Parece que arrependido,

Detrás das nuve, escondido.

E como o cabra zanôio,

Botava bem treiçoêro,

Por detrás dos nevoêro,

Só um pedaço do ôio.

Uns nevoêro cinzento

Ia no espaço correndo.

Tudo naquele momento

Eu oiava e tava vendo,

Sem alegria e sem jeito,

Mas, porém, eu sastifeito,

Sem com nada me importá,

Saí correndo, aos pinote,

E fui repará os fiote

No ninho do sabiá.

Cheguei com munto carinho,

Mas, meu Deus! que grande agôro!

Os dois véio passarinho

Cantava num som de choro.

Uvindo aquele grogeio,

Logo no meu corpo veio

Certo chamego de frio

E subindo bem ligêro

Pr’as gaia do juazêro,

Achei o ninho vazio.

Quage que eu dava um desmaio,

Naquele pé de juá

E lá da ponta de um gaio,

Os dois véio sabiá

Mostrava no triste canto

Uma mistura de pranto,

Num tom penoso e funéro,

Parecendo mãe e pai,

Na hora que o fio vai

Se interrá no cimitéro.

Assistindo àquela cena,

Eu juro pelo Evangéio

Como solucei com pena

Dos dois passarinho véio

E ajudando aquelas ave,

Nesse ato desagradave,

Chorei fora do comum:

Tão grande desgosto tive,

Que o meu coração sensive

Omentou seus baticum.

Os dois passarinho amado

Tivero sorte infeliz,

Pois o gavião marvado

Chegou lá, fez o que quis.

Os dois fiote tragou,

O ninho desmantelou

E lá pras banda do céu,

Depois de devorá tudo,

Sortava o seu grito agudo

Aquele assassino incréu.

E eu com o maiô respeito

E com a suspiração perra,

As mão posta sobre o peito

E os dois juêio na terra,

Com uma dó que consome,

Pedi logo em santo nome

Do nosso Deus Verdadêro,

Que tudo ajuda e castiga:

Espingarda te preciga,

Gavião arruacêro!

Sei que o povo da cidade

Uma idéia inda não fez

Do amô e da caridade

De um coração camponês.

Eu sinto um desgosto imenso

Todo momento que penso

No que fez o gavião.

E em tudo o que mais me espanta

É que era Semana Santa!

Sexta-fêra da Paixão!

Com triste rescordação

Fico pra morrê de pena,

Pensando na ingratidão

Naquela menhã serena

Daquele dia azalado,

Quando eu saí animado

E andei bem meia légua

Pra bejá meus passarinho

E incrontei vazio o ninho!

Gavião fí duma égua!

O Vaqueiro

Eu venho dêrne menino,

Dêrne munto pequenino,

Cumprindo o belo destino

Que me deu Nosso Senhô.

Eu nasci pra sê vaquêro,

Sou o mais feliz brasilêro,

Eu não invejo dinhêro,

Nem diproma de dotô.

Sei que o dotô tem riquêza,

É tratado com fineza,

Faz figura de grandeza,

Tem carta e tem anelão,

Tem casa branca jeitosa

E ôtas coisa preciosa;

Mas não goza o quanto goza

Um vaquêro do sertão.

Da minha vida eu me orgúio,

Levo a Jurema no embrúio

Gosto de ver o barúio

De barbatão a corrê,

Pedra nos casco rolando,

Gaios de pau estralando,

E o vaquêro atrás gritando,

Sem o perigo temê.

Criei-me neste serviço,

Gosto deste reboliço,

Boi pra mim não tem feitiço,

Mandinga nem catimbó.

Meu cavalo Capuêro,

Corredô, forte e ligêro,

Nunca respeita barsêro

De unha de gato ou cipó.

Tenho na vida um tesôro

Que vale mais de que ôro:

O meu liforme de côro,

Pernêra, chapéu, gibão.

Sou vaquêro destemido,

Dos fazendêro querido,

O meu grito é conhecido

Nos campo do meu sertão.

O pulo do meu cavalo

Nunca me causou abalo;

Eu nunca sofri um galo,

pois eu sei me desviá.

Travesso a grossa chapada,

Desço a medonha quebrada,

Na mais doida disparada,

Na pega do marruá.

Se o bicho brabo se acoa,

Não corro nem fico à tôa:

Comigo ninguém caçoa,

Não corro sem vê de quê.

É mêrmo por desaforo

Que eu dou de chapéu de côro

Na testa de quarqué tôro

Que não qué me obedecê.

Não dou carrêra perdida,

Conheço bem esta lida,

Eu vivo gozando a vida

Cheio de satisfação.

Já tou tão acostumado

Que trabaio e não me enfado,

Faço com gosto os mandado

Das fia do meu patrão.

Vivo do currá pro mato,

Sou correto e munto izato,

Por farta de zelo e trato

Nunca um bezerro morreu.

Se arguém me vê trabaiando,

A bezerrama curando,

Dá pra ficá maginando

Que o dono do gado é eu.

Eu não invejo riqueza

Nem posição, nem grandeza,

Nem a vida de fineza

Do povo da capitá.

Pra minha vida sê bela

Só basta não fartá nela

Bom cavalo, boa sela

E gado pr’eu campeá.

Somente uma coisa iziste,

Que ainda que teja triste

Meu coração não resiste

E pula de animação.

É uma viola magoada,

Bem chorosa e apaxonada,

Acompanhando a toada

Dum cantadô do sertão.

Tenho sagrado direito

De ficá bem satisfeito

Vendo a viola no peito

De quem toca e canta bem.

Dessas coisa sou herdêro,

Que o meu pai era vaquêro,

Foi um fino violêro

E era cantadô tombém.

Eu não sei tocá viola,

Mas seu toque me consola,

Verso de minha cachola

Nem que eu peleje não sai,

Nunca cantei um repente

Mas vivo munto contente,

Pois herdei perfeitamente

Um dos dote de meu pai.

O dote de sê vaquêro,

Resorvido marruêro,

Querido dos fazendêro

Do sertão do Ceará.

Não perciso maió gozo,

Sou sertanejo ditoso,

O meu aboio sodoso

Faz quem tem amô chorá.

 

Saudade

Saudade dentro do peito
É qual fogo de monturo
Por fora tudo perfeito,
Por dentro fazendo furo.

Há dor que mata a pessoa
Sem dó e sem piedade,
Porém não há dor que doa
Como a dor de uma saudade.

Saudade é um aperreio
Pra quem na vida gozou,
É um grande saco cheio
Daquilo que já passou.

Saudade é canto magoado
No coração de quem sente
É como a voz do passado
Ecoando no presente.

A saudade é jardineira
Que planta em peito qualquer
Quando ela planta cegueira
No coração da mulher,
Fica tal qual a frieira
Quanto mais coça mais quer.

 

Vaca Estrela e boi Fubá

Seu doutor me dê licença pra minha história contar.

Hoje eu tô na terra estranha, é bem triste o meu penar

Mas já fui muito feliz vivendo no meu lugar.

Eu tinha cavalo bom e gostava de campear.

E todo dia aboiava na porteira do curral.

Ê ê ê ê la a a a a ê ê ê ê
Vaca Estrela,

ô ô ô ô Boi Fubá.

Eu sou filho do Nordeste , não nego meu naturá

Mas uma seca medonha me tangeu de lá pra cá

Lá eu tinha o meu gadinho, num é bom nem imaginar,

Minha linda Vaca Estrela e o meu belo Boi Fubá

Quando era de tardezinha eu começava a aboiar

Ê ê ê ê la a a a a ê ê ê ê
Vaca Estrela,

ô ô ô ô Boi Fubá.

Aquela seca medonha fez tudo se atrapalhar,

Não nasceu capim no campo para o gado sustentar

O sertão esturricou, fez os açude secar

Morreu minha Vaca Estrela, já acabou meu Boi Fubá

Perdi tudo quanto tinha, nunca mais pude aboiar

Ê ê ê ê la a a a a ê ê ê ê
Vaca Estrela,

ô ô ô ô Boi Fubá.

Hoje nas terra do sul, longe do torrão natá

Quando eu vejo em minha frente uma boiada passar,

As água corre dos olho, começo logo a chorá

Lembro a minha Vaca Estrela e o meu lindo Boi Fubá

Com saudade do Nordeste, dá vontade de aboiar

Ê ê ê ê la a a a a ê ê ê ê
Vaca Estrela,

ô ô ô ô Boi Fubá.

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