Falenas

Machado de Assis

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FLOR DA MOCIDADE

EU CONHEÇO a mais bela flor

És tu, rosa da mocidade

Nascida, aberta para o amor.

Eu conheço a mais bela flor.

Tem do céu a serena cor

E o perfume da virgindade.

Eu conheço a mais bela flor,

És tu, rosa da mocidade.

Vive às vezes na solidão

Como filha da brisa agreste.

Teme acaso indiscreta mão

Vive às vezes na solidão.

Poupa a raiva do furacão

Suas folhas de azul-celeste

Vive às vezes na solidão

Como filha da brisa agreste.

Colhe-se antes que venha o mal

Colhe-se antes que chegue o inverno;

Que a flor morta já nada vale.

Colhe-se antes que venha o mal.

Quando a terra é mais jovial

Todo o bem nos parece eterno

Colhe-se antes que venha o mal

Colhe-se antes que chegue o inverno.

QUANDO ELA FALA

She speaks!
O speak again, bright angel!
Shakespeare

QUANDO ela fala, parece

Que a voz da brisa se cala;

Talvez um anjo emudece

Quando ela fala.

Meu coração dolorido

As suas mágoas exala.

E volta ao gozo perdido

Quando ela fala.

Pudesse eu eternamente

Ao lado dela, escutá-la,

Ouvir sua alma inocente

Quando ela fala.

Minh’alma, já semimorta,

Conseguira ao céu alçá-la,

Porque o céu abre uma porta

Quando ela fala.

MANHÃ DE INVERNO

COROADA DE NÉVOAS surge a aurora

Por detrás das montanhas do oriente;

Vê-se um resto de sono e de preguiça

Nos olhos da fantástica indolente.

Névoas enchem de um lado e de outro os morros

Tristes como sinceras sepulturas

Essas que têm por simples ornamento

Puras capelas, lágrimas mais puras.

A custo rompe o sol; a custo invade

O espaço todo branco: e a luz brilhante

Fulge através do espesso nevoeiro.

Como através de um véu fulge o diamante.

Vento frio, mas barato agita as folhas

Das laranjeiras úmidas da chuva:

Erma de flores, curva a planta o colo

E o chão recebe o pranto da viúva.

Gelo não cobre o dorso das montanhas

Nem enche as folhas trêmulas a neve;

Galhardo moço, o inverno deste clima

Na verde palma a sua história escreve.

Pouco a pouco, dissipam-se no espaço

As névoas da manhã; já pelos montes

Vão subindo as que encheram todo o vale

Já se vão descobrindo os horizontes.

Sobe de todo o pano, eis aparece

Da natureza o esplêndido cenário

Tudo ali preparou cos sábios olhos

A suprema ciência do empresário.

Canta a orquestra dos pássaros no mato

A sinfonia alpestre, — a voz serena

Acorda os ecos tímidos do vale;

E a divina comédia invade a cena.

LA MARCHESA DE MIRAMAR

A misérrima Dido
Pelos paços reais vaga ululando.
Garção
DE QUANTO sonho um dia povoaste
A mente ambiciosa,

Que te resta? Uma página sombria,

A escura noite e um túmulo recente.

Ó abismo! Ó fortuna! Um dia apenas

Viu erguer, viu cair teu frágil trono.

Meteoro do século, passaste,

Ó triste império, alumiando as sombras.

A noite foi teu berço e teu sepulcro!

Da tua morte os goivos inda acharam

Frescas as rosas dos teus breves dias;

E no livro da história uma só folha

A tua vida conta; sangue e lágrimas.

No tranqüilo castelo,

Ninho d’amor, asilo de esperanças,

A mão de áurea, fortuna preparara,

Menina e moça um túmulo aos teus dias.

Junto do amado esposo,

Outra c’roa cingias mais segura,

A coroa do amor, dádiva santa

Das mãos de Deus. No céu de tua vida

Uma nuvem sequer não sombreava

A esplêndida manhã; estranhos eram

Ao recatado asilo

Os rumores do século.

Estendia-se
Em frente o largo mar, tranqüila face
Como a da consciência alheia ao crime,

E o céu, cúpula azul do equóreo leito.

Ali, quando ao cair da amena tarde,

No tálamo encantado do ocidente,

O vento melancólico gemia,

E a onda murmurando,

Nas convulsões do amor beijava a areia,

Ias tu junto dele, as mãos travadas,

Os olhos confundidos,

Correr as brandas, sonolentas águas,

Na gôndola discreta. Amenas flores

Com suas mãos teciam

As namoradas Horas; vinha a noite,

Mãe de amores, solícita descendo,

Que em seu regaço a todos envolvia

O mar, o céu, a terra, o lenho e os noivos…

Mas além, muito além do céu fechado,

O sombrio destino, contemplando

A paz do teu amor, a etérea vida

As santas efusões das noites belas

O terrível cenário preparava

A mais terríveis lances.

Então surge dos tronos

A profética voz que anunciava

Ao teu crédulo esposo:

“Tu serás rei, Macbeth!” Ao longe, ao longe.

No fundo do oceano, envolto em névoas

Salpicado de sangue, ergue-se um trono.

Chamam-no a ele as vozes do destino.

Da tranqüila mansão ao novo império

Cobrem flores a estrada, — estéreis flores

Que mal podem cobrir o horror da morte.

Tu vais, tu vais também, vítima infausta;

O sopro da ambição fechou teus olhos…

Ah! quão melhor te fora

No meio dessas águas

Que a régia nau cortava, conduzindo

Os destinos de um rei, achar a morte

A mesma onda os dous envolveria.

Uma só convulsão às duas almas.

O vínculo quebrara, e ambas iriam

Como raios partidos de uma estrela

À eterna luz juntar-se.

Mas o destino, alçando a mão sombria,

Já traçara nas páginas da história

O terrível mistério. A liberdade

Vela naquele dia a ingênua fronte.

Pejam nuvens de fogo o céu profundo.

Orvalha sangue a noite mexicana…

Viúva e moça, agora em vão procuras

No teu plácido asilo o extinto esposo.

Interrogas em vão o céu e as águas.

Apenas surge ensangüentada sombra

Nos teus sonhos de louca, e um grito apenas,

Um soluço profundo reboando

Pela noite do espírito, parece

Os ecos acordar da mocidade.

No entanto, a natureza alegre e viva,

Ostenta o mesmo rosto.

Dissipam-se ambições, impérios morrem,

Passam os homens como pó que o vento

Do chão levanta ou sombras fugitivas

Transformam-se em ruína o templo e a choça.

Só tu, só tu, eterna natureza,

Imutável, tranqüila

Como rochedo em meio do oceano

Vês baquear os séculos.

Sussurra

Pelas ribas do mar a mesma brisa;

O céu é sempre azul, as águas mansas;

Deita-se ainda a tarde vaporosa

No leito do ocidente

Ornam o campo as mesmas flores belas

Mas em teu coração magoado e triste

Pobre Carlota! o intenso desespero

Enche de intenso horror o horror da morte,

Viúva da razão, nem já te cabe

A ilusão da esperança.

Feliz, feliz, ao menos, se te resta,

Nos macerados olhos

O derradeiro bem: — algumas lágrimas!

SOMBRAS

QUANDO, assentada, à noite, a tua fronte inclinas,

E cerras descuidada as pálpebras divinas,

E deixas no regaço as tuas mãos cair,

E escutas sem falar, e sonhas sem dormir,

Acaso uma lembrança, um eco do passado,

Em teu seio revive?

O túmulo fechado
Da ventura que foi, do tempo que fugiu,
Por que razão, mimosa, a tua mão o abriu?

Com que flor, com que espinho, a importuna memória

Do teu passado escreve a misteriosa história?

Que espectro ou que visão ressurge aos olhos teus?

Vem das trevas do mal ou cai das mãos de Deus?

É saudade ou remorso? é desejo ou martírio?

Quando em obscuro templo a fraca luz de um círio

Apenas alumia a nave e o grande altar

E deixa todo o resto em treva, —e o nosso olhar

Cuida ver ressurgindo, ao longe, dentre as portas

As sombras imortais das criaturas mortas,

Palpita o coração de assombro e de terror;

O medo aumenta o mal. Mas a cruz do Senhor,

Que a luz do círio inunda, os nossos olhos chama;

O ânimo esclarece aquela eterna chama

Ajoelha-se contrito, e murmura-se então

A palavra de Deus, a divina oração.

Pejam sombras, bem vês, a escuridão do templo;

Volve os olhos à luz, imita aquele exemplo;

Corre sobre o passado impenetrável véu;

Olha para o futuro e vem lançar-te ao céu.

ITE, MISSA EST

FECHA O MISSAL do amor e a bênção lança

À pia multidão

Dos teus sonhos de moço e de criança,

Soa a hora fatal. —reza contrito

As palavras do rito:

Ite, missa est.

Foi longo o sacrifício; o teu joelho

De curvar-se cansou:

E acaso sobre as folhas do Evangelho

A tua alma chorou.

Ninguém viu essas lágrimas (ai tantas!)

Cair nas folhas santas.

Ite, missa est.

De olhos fitos no céu rezaste o credo

O credo do teu deus;

Oração que devia, ou tarde ou cedo

Travar nos lábios teus;

Palavra que se esvai qual fumo escasso

E some-se no espaço.

Ite, missa est.

Votaste ao céu, nas tuas mãos alçadas

A hóstia do perdão,

A vítima divina e profanada

Que chamas coração.

Quase inteiras perdeste a alma e a vida

Na hóstia consumida.

Ite, missa est.

Pobre servo do altar de um deus esquivo,

É tarde, beija a cruz

Na lâmpada em que ardia o fogo ativo,

Vê, já se extingue a luz.

Cubra-te agora o rosto macilento

O véu do esquecimento.

Ite, missa est.

RUÍNAS
No hay pájaros [hogaño] em los nidos de antaño.
Provérbio espanhol

COBREM PLANTAS sem flor crestados muros;

Range a porta anciã; o chão de pedra

Gemer parece aos pés do inquieto vate.

Ruína é tudo: a casa, a escada, o horto,

Sítios caros da infância.

Austera moça

Junto ao velho portão o vate aguarda;

Pendem-lhe as tranças soltas

Por sobre as roxas vestes

Risos não tem, e em seu magoado gesto

Transluz não sei que dor oculta aos olhos,

— Dor que à face não vem, — medrosa e casta

Intima e funda; — e dos cerrados cílios

Se uma discreta e muda

Lágrima cai, não murcha a flor do rosto

Melancolia tácita e serena,

Que os ecos não acorda em seus queixumes

Respira aquele rosto. A mão lhe estende

O abatido poeta. Ei-los percorrem

Com tardo passo os relembrados sítios,

Ermos depois que a mão da fria morte

Tantas almas colhera. Desmaiavam,

Nos serros do poente.

Aos rosas do crepúsculo.

“Quem és? pergunta o vate; o solo que foge

No teu languido olhar um raio deixa;

— Raio quebrado e frio: — o vento agita

Tímido e frouxo as tuas longas tranças.

Conhecem-te estas pedras; das ruínas

Alma errante pareces condenada

A contemplar teus insepultos ossos.

Conhecem-te estas árvores. E eu mesmo

Sinto não sei que vaga e amortecida

Lembrança de teu rosto.”

Desceu de todo a noite,

Pelo espaço arrastando o manto escuro

Que a loura Vésper nos seus ombros castos,

Como um diamante, prende. Longas horas

Silenciosas correram. No outro dia,

Quando as vermelhas rosas do oriente

Ao já próximo sol a estrada ornavam,

Das ruínas saíam lentamente

Duas pálidas sombras…

MUSA DOS OLHOS VERDES

MUSA dos olhos verdes, musa alada,

Ó divina esperança,

Consolo do ancião no extremo alento,

E sonho da criança;

Tu que junto do berço o infante cinges

Cos fúlgidos cabelos

Tu que transformas em dourados sonhos

Sombrios pesadelos;

Tu que fazes pulsar o seio às virgens;

Tu que às mães carinhosas

Enches o brando, tépido regaço

Com delicadas rosas;

Casta filha do céu, virgem formosa

Do eterno devaneio

Sê minha amante, os beijos recebe,

Acolhe-me em teu seio!

Já cansada de encher lânguidas flores

Com as lágrimas frias,

A noite vê surgir do oriente a aurora

Dourando as serranias.

Asas batendo à luz que as trevas rompe,

Piam noturnas aves.

E a floresta interrompe alegremente

Os seus silêncios graves.

Dentro de mim, a noite escura e fria

Melancólica chora

Rompe estas sombras que o meu ser povoam

Musa, sê tua a aurora!

NOIVADO

VÊS, QUERIDA, o horizonte ardendo em chamas?

Além desses outeiros
Vai descambando o sol, e à terra envia
Os raios derradeiros;
A tarde, como noiva que enrubesce,
Traz no rosto um véu mole e transparente;

No fundo azul a estrela do poente

Já tímida aparece.

Como um bafo suavíssimo da noite,

Vem sussurrando o vento.

As árvores agita e imprime às folhas

O beijo sonolento.

A flor ajeita o cálix: cedo espera

O orvalho, e entanto exala o doce aroma;

Do leito do oriente a noite assoma;

Como uma sombra austera.

Vem tu, agora, ó filha de meus sonhos,

Vem, minha flor querida;

Vem contemplar o céu, página santa

Que amor a ler convida;

Da tua solidão rompe as cadeias;

Desce do teu sombrio e mudo asilo;

Encontrarás aqui o amor tranqüilo…

Que esperas? que receias?

Olha o templo de Deus, pomposo e grande;

Lá do horizonte oposto

A lua, como lâmpada, já surge

A alumiar teu rosto;

Os círios vão arder no altar sagrado,

Estrelinhas do céu que um anjo acende;

Olha como de bálsamos recende

A c’roa do noivado.

Irão buscar-te em meio do caminho

As minhas esperanças;

E voltarão contigo, entrelaçadas

Nas tuas longas tranças

No entanto eu preparei teu leito à sombra

Do limoeiro em flor; colhi contente

Folhas com que alastrei o solo ardente

De verde e mole alfombra.

Pelas ondas do tempo arrebatados,

Até à morte iremos,

Soltos ao longo do baixel da vida

Os esquecidos remos.

Firmes, entre o fragor da tempestade,

Gozaremos o bem que amor encerra,

Passaremos assim do sol da terra

Ao sol da eternidade.

A ELVIRA
(LAMARTINE)

QUANDO, contigo a sós, as mãos unidas,

Tu, pensativa e muda, e eu, namorado,

Às volúpias do amor a alma entregando,

Deixo correr as horas fugidias

Ou quando às solidões de umbrosa selva

Comigo te arrebato; ou quando escuto

—Tão só eu,—teus terníssimos suspiros

E de meus lábios solto

Eternas juras de constância eterna;

Ou quando enfim, tua adorada fronte

Nos meus joelhos trêmulos descansa,

E eu suspendo meus olhos em teus olhos,

Como às folhas da rosa ávida abelha;

Ai, quanta vez então dentro em meu peito

Vago terror penetra, como um raio,

Empalideço, tremo;

E no seio da glória em que me exalto,

Lágrimas verto que a minha alma assombram!

Tu, carinhosa e trêmula,

Nos teus braços me cinges,—e assustada,

Interrogando em vão, comigo choras!

“Que dor secreta o coração te oprime?”

Dizes tu. “Vem, confia os teus pesares

Fala! eu abrandarei as penas tuas!

Fala! eu consolarei tua alma aflita!”

Vida do meu viver, não me interrogues!

Quando enlaçado nos teus níveos braços

A confissão de amor te ouço, e levanto

Languidos olhos para ver teu rosto,

Mais ditoso mortal o céu não cobre!

Se eu tremo, é porque nessas esquecidas

Afortunadas horas

Não sei que voz do enleio me desperta,

E me persegue e lembra

Que a ventura coo tempo se esvaece,

E o nosso amor é facho que se extingue!

De um lance, espavorida,

Minha alma voa às sombras do futuro,

E eu penso então: “Ventura que se acaba

Um sonho vale apenas”.

LÁGRIMAS DE CERA
PASSOU; viu a porta aberta.

Entrou; queria rezar.

A vela ardia no altar.

A igreja estava deserta.

Ajoelhou-se defronte

Para fazer a oração;

Curvou a pálida fronte

E pôs os olhos no chão.

Vinha trêmula e sentida.

Cometera um erro, a cruz

É a âncora da vida,

A esperança, a força, a luz.

Que rezou? Não sei. Benzeu-se

Ràpidamente. Ajustou

O véu de rendas. Ergueu-se

E à pia se encaminhou.

Da vela benta que ardera,

Como tranqüilo fanal,

Umas lágrimas de cera

Caíam no castiçal.

Ela porém não vertia

Ma lágrima sequer.

Tinha fé, – a chama a arder –

Chorar é que não podia.

LIVROS E FLORES

TEUS OLHOS são meu livros.

Que livro há aí melhor,

Em que melhor se leia

A página do amor?

Flores me são teus lábios.

Onde há mais bela flor

Em que melhor se beba

O bálsamo do amor?

PÁSSAROS
Je veux changer mes pensées em oiseaux..
C. MAROT

OLHA COMO, cortando os leves ares,

Passam do vale ao monte as andorinhas;

Vão pousar na verdura dos palmares,

Que, à tarde, cobre transparente véu;

Voam também como essas avezinhas

Meus sombrios, meus tristes pensamentos;

Zombam da fúria dos contrários ventos,

Fogem da terra, acercam-se do céu.

Porque o céu é também aquela estância

Onde respira a doce criatura,

Filha de nosso amor, sonho da infância,

Pensamento dos dias juvenis.

Lá, como esquiva flor, formosa e pura,

Vives tu escondida entre a folhagem,

Ó rainha do ermo, ó fresca imagem

Dos meus sonhos de amor calmo e feliz!

Vão para aquela estância enamorados,

Os pensamentos de minh’alma ansiosa;

Vão contar-lhe os meus dias mal gozados

E estas noites de lágrimas e dor.

Na tua fronte pousarão, mimosa,

Como as aves no cimo da palmeira,

Dizendo aos ecos a canção primeira

De um livro escrito pela mão do amor.

Dirão também como conservo ainda

No fundo de minh’alma essa lembrança

De tua imagem vaporosa e linda,

Único alento que me prende aqui

E dirão mais que estrelas de esperança

Enchem a escuridão das noites minhas

Como sobem ao monte as andorinhas

Meus pensamentos voam para ti.

O VERME

EXISTE uma flor que encerra

Celeste orvalho e perfume.

Plantou-a em fecunda terra

Mão benéfica de um nume.

Um verme asqueroso e feio,

Gerado em lodo mortal

Busca esta flor virginal

E vai dormir-lhe no seio.

Morde, sangra, rasga e mina,

Suga-lhe a vida e o alento;

A flor o cálix inclina;

As folhas, leva-as o vento.

Depois, nem resta o perfume

Nos ares da solidão…

Esta flor é o coração.

Aquêle verme o ciúme.

UN VIEUX PAYS
. . . juntamente choro e rio.
CAMÕES.

IL EST UN VIEUX pays, plein d’ombre et de lumière,

Où l’on rêve le jour, où l’on pleure le soir,

Un pays de blasphème, autant que de prière,

Né pour la doute et pour l’espoir.

On n’y voit point de fleurs sans un ver qui les ronge,

Point de mer sans tempête, ou de soleil sans nuit;

Le bonheur y paraît quelquefois dans un songe

Entre les bras du sombre ennui.

L’amour y va souvent, mais c’est tout un délire

Un désespoir sans fin, une énigme sans mot;

Parfois il rit gaîment, mais de cet affreux rire

Qui n’est peut-être qu’un sanglot.

On va dans ce pays de misère et d’ivresse,

Mais on le voit à peine, on en sort, on a peur

Je l’habit pourtant, j’y passe na jeunesse…

Hélas! ce pays, c’est mon coeur.

LUZ ENTRE SOMBRAS

É NOITE medonha e escura,

Muda como o passamento,

Uma só no firmamento

Trêmula estrela fulgura.

Fala aos ecos da espessura

A chorosa harpa do vento,

E num canto sonolento

Entre as árvores murmura.

Noite que assombra a memória,

Noite que os medos convida

Erma, triste, merencória.

No entanto… minh’alma olvida

Dor que se transforma em glória,

Morte que se rompe em vida.

LIRA CHINESA

I / O POETA A RIR
( HAN-TIÊ )

TAÇA D’ÁGUA parece o lago ameno;

Têm os bambus a forma de cabanas,

Que as árvores em flor, mais altas, cobrem

Com verdejantes tectos

As pontiagudas rochas entre flores,

Dos pagodes o grave aspecto ostentam…

Faz-me rir ver-te assim, ó natureza,

Cópia servil dos homens.

II / A UMA MUI IIER
(TCHÊ-TSI)

Cantigas modulei ao som da flauta,

Da minha flauta d’ébano;

Nelas minh’alma segredava à tua

Fundas, sentidas mágoas.

Cerraste-me os ouvidos. Namorados

Versos compus de júbilo,

Por celebrar teu nome, as graças tuas,

Levar teu nome aos séculos.

Olhaste, e, meneando a airosa frente,

Com tuas mãos puríssimas,

Folhas em que escrevi meus pobres versos

Lançaste às ondas trêmulas.

Busquei então por encantar tu’alma

Uma safira esplêndida,

Fui depô-la a teus pés… tu descerraste

Da tua boca as pérolas.

III / O IMPERADOR
(THU-FU)

Olha. O Filho do Céu, em trono de ouro,

E adornado com ricas pedrarias,

Os mandarins escuta: —um sol parece

De estrelas rodeado.

Os mandarins discutem gravemente

Cousas muito mais graves. E ele? Foge-lhe

O pensamento inquieto e distraído

Pela janela aberta.

Além, no pavilhão de porcelana,

Entre donas gentis está sentada

A imperatriz, qual flor radiante e pura

Entre viçosas folhas.

Pensa no amado esposo, arde por vê-lo,

Prolonga-se-lhe a ausência, agita o leque…

Do imperador ao rosto um sopro chega

De recendente brisa.

“Vem dela este perfume”, diz, e abrindo

Caminho ao pavilhão da amada esposa,

Deixa na sala, olhando-se em silêncio,

Os mandarins pasmados.

IV / O LEQUE
(TAN-JO-LU)

Na perfumada alcova a esposa estava.

Noiva ainda na véspera. Fazia

Calor intenso; a pobre moça ardia,

Com fino leque as faces refrescava.

Ora, no leque em boa letra feito

Havia neste conceito:
“Quando, imóvel o vento e o ar pesado,
Arder o intenso estio

Serei por mão amiga ambicionado;

Mas, volte o tempo frio,
Ver-me-eis a um canto logo abandonado”.

Lê a esposa este aviso, e o pensamento

Volve ao jovem marido.
“Arde-lhe o coração neste momento
(Diz ela) e vem buscar enternecido

Brandas auras de amor. Quando mais tarde

Tornar-se em cinza fria
O fogo que hoje lhe arde,

Talvez me esqueça e me desdenhe um dia.”

V / A FOLHA DO SALGUEIRO
(TCHAN-TIÚ-LIN)

Amo aquela formosa e terna moça

Que, à janela encostada, arfa e suspira;

Não porque tem do largo rio à margem

Casa faustosa e bela.

Amo-a, porque deixou das mãos mimosas

Verde folha cair nas mansas águas.

Amo a brisa de leste que sussurra,

Não porque traz nas asas delicadas

O perfume dos verdes pessegueiros

 

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