Luta Pela Redemocratização no Brasil

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Luta Pela Redemocratização no Brasil – O que foi

No final da década de 70, na passagem do governo Geisel para o de Figueiredo, estava ficando claro que a ditadura estava acabando. A palavra da moda era abertura, especialmente abertura política.

Vimos que os generais castelistas, como Geisel e Figueiredo, eram favoráveis à abertura política. Mas seria um grave erro atribuir o fim do regime à boa vontade democrática dos militares.

Na verdade, a ditadura estava afundando.

Para começar, a crise econômica: inflação, diminuição do crescimento econômico, aumento da pobreza.

Foi só Geisel abrandar a censura para que os escândalos de corrupção no governo começassem a pipocar. Tudo isso tirava a confiança da população no governo. Bastava ter eleição e pimba, o MDB ganhava mais votos do que a Arena. No começo do regime, castrado pelas cassações, o MDB era uma presença tímida. Praticamente só havia Arena no Brasil, Aos poucos, entretanto, o MDB foi ampliando sua capacidade de fustigar a ditadura,

Nele havia desde liberais até comunistas, todos unidos com um propósito básico: acabar com o regime militar, restaurar a democracia no Brasil.

Portanto, ao contrário do que disse a propaganda oficial, a tal abertura política não foi resultado simplesmente da boa vontade do governo.

Foi o recuo de um regime acossado pela crise e atacado por um povo que se organizava.

Em nenhum momento do regime a oposição democrática se calou. Todavia, a partir de 1975, essa oposição atuava de outro jeito. Não eram mais estudantes jogando pedras para enfrentar a polícia, como nas memoráveis passeatas de 1968, nem eram meia dúzia de guerrilheiros cutucando a onça blindada com vara curta. Agora, a luta contra o regime ainda tinha o mesmo ardor, o mesmo idealismo, só que com maturidade, com substância. O segredo era a mobilização da sociedade civil.

Sociedade civil não é o contrário de sociedade militar. A sociedade civil se opõe ao Estado.

Quem faz parte do Estado?

Os políticos, os juízes e tribunais, a administração pública, a polícia, o Exército etc.

As instituições da sociedade civil são organizações como sindicatos, associações de moradores, grupos feministas, igrejas, comitês de defesa de direitos humanos, sociedades ecológicas e culturais etc.

Para começar, a Igreja Católica passava por um processo de grandes mudanças. Em 1964, ela jogou água benta nos tanques. Agora, crescia a consciência de que ser cristão era ser também contra o pecado da opressão social, contra o pecado de nada fazer diante da injustiça social; ser solidário com os pobres; lutar por um mundo mais justo.

Não tinha mais essa de que “Deus quis que os pobres fossem submissos”.

Era a Teologia da Libertação. A visita do papa João Paulo II ao Brasil, em 1980, foi interpretada como uma força para esse tipo de atitude de engajamento social dos católicos. Enquanto apoiou o regime, a Igreja foi elogiada. Bastou que uma parte dela (o chamado clero progressista) se voltasse contra as barbaridades do nosso capitalismo selvagem, para que logo a acusassem de “fazer politicagem”.

Grandes figuras, como D. Hélder Câmara, D. Evaristo Arns e D. Pedro Casaldáliga, frei Betto e frei Leonardo Boff, defenderam os direitos humanos, denunciaram as injustiças sociais, exigiram que o governo mudasse suas atitudes. Organizada nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), a população católica ia se conscientizando.

Descobria-se que o Evangelho não era uma mensagem para manter escravos, mas justamente o contrário, uma boa-nova de libertação, de libertação de toda a opressão, incluindo a opressão social.

O homem deve ganhar o pão com o suor do seu rosto e, portanto, para que todos os que produzem o pão possam ter um pedaço justo desse pão, é preciso suar o rosto para transformar a sociedade no sentido da justiça cristã.

E a justiça cristã não é apenas a da caridade, mas a do respeito aos direitos de todos. Não estamos fazendo propaganda da Teologia da Libertação, mas exprimindo algumas de suas idéias.

Essa novidade seria importantíssima para compreender o Brasil contemporâneo: nos anos 80, diversos movimentos de operários e camponeses ergueram sua voz para exigir direitos.

Um estudo de suas origens revelará que muitos deles nasceram das CPT (Comissões Pastorais da Terra) e das CEBs católicas.

O próprio movimento estudantil universitário renascia. Nas principais universidades do Brasil, o pessoal reorganizava as entidades representativas (Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos, Diretórios Centrais dos Estudantes).

Esta geração do final dos anos 70 e começo dos 80 mostraria que a política ainda corria no sangue dos estudantes. Mas as coisas não eram fáceis.

As faculdades ainda estavam cheias de agentes secretos do SNI infiltrados. E a tentativa de refazer a UNE, através de um encontro de estudantes na PUC-SP em 1977, foi desfeita com brutalidade pela polícia, que bateu tanto que uma menina ficou cega. Mesmo assim, em 1979, num Congresso emocionante na bela Salvador, a UNE estava recriada.

Entidades como a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) – esta sob a liderança do dr. Raymundo Faoro – e intelectuais de prestígio se manifestavam contra o regime. A imprensa alternativa, representada pelos jornais O Pasquim, Movimento e Opinião, não descansava.

A censura tinha sido abrandada no final do governo Geisel e, portanto, já havia um espaço para falar de coisas novas na política. Cada número novo de um desses jornais era lido com voracidade.

Em 1975, foi criado o MFA (Movimento Feminino pela Anistia), para que os presos políticos fossem soltos, os exilados pudessem voltar à pátria e os cassados recebessem justiça. Em 1978, foi criado o CBA (Comitê Brasileiro pela Anistia). 0 Brasil inteiro repudiava a tortura e a arbitrariedade. A saudosa Elis Regina emocionaria o país cantando o hino da anistia; O Bêbado e o Equilibrista. Outros cantores populares, como Chico Buarque e Milton Nascimento, compunham músicas com críticas sutis ao regime militar.

Como você vê, a oposição estava articulada: jornalistas, MDB, estudantes, Igreja Católica, intelectuais, movimento pela anistia. Mas as coisas não seriam tão fáceis assim.

A extrema direita respondeu com fogo. D. Adriano Hipólito, bispo de Nova Iguaçu (Rio de Janeiro), foi seqüestrado e espancado. Bombas explodiram na ABI (Associação Brasileira de Imprensa), e na Editora Civilização Brasileira. No mesmo ano (1976), o DOI-CODI invadiu a tal casa na Lapa e massacrou os ocupantes, todos da direção do PC do B, como já foi dito. Assim, as forças retrógradas deixavam claro que não aceitariam qualquer avanço democrático.

A situação ficou tensa. As forças democráticas avançavam, mas a direita replicava: 0 governo, irritado, se confundia, reprimia, vacilava. Era o impasse.

Para onde iria o Brasil?

A extrema direita teria mesmo o poder de barrar o povo? Quem decidiria o nosso futuro?

Os dias de medo pareciam eternos. Apesar de toda a articulação da sociedade, o regime autoritário dava a impressão de ser capaz de resistir por muito tempo.

Seria uma muralha indestrutível?

A violência talvez não terminasse nunca.

Quem teria a capacidade de mudar a correlação de forças? Quem seria capaz de abalar decisivamente o regime? Haveria algum movimento social capaz de provocar a virada decisiva?

As pessoas se entreolhavam angustiadas; e agora?

Nasce o Partido dos Trabalhadores

Saab-Scania, multinacional sueca de salários brasileiros localizada em São Bernardo do Campo (São Paulo). São 7 horas da manhã. 13 de maio de 1978, sexta-feira.

Os diretores e executivos observam e não acreditam no que vêem: os operários estão ali, bateram cartão de ponto, mas nada funciona.

Braços cruzados, máquinas paradas. E sem o peão, nada existe. A greve. Apesar da rígida proibição da ditadura, os trabalhadores pararam. E dali se espalharam e paralisaram o cinturão industrial do ABC Paulista.

Foi uma loucura. Todo mundo ficou perplexo. Desde o governo até a esquerda tradicional, incapazes de aceitar que a classe trabalhadora pudesse, por conta própria, resolver seus problemas.

Na liderança, uma nova cabeça no país, que não estava ligada a nenhum partido, a nenhum grupelho de esquerda: Luís Inácio Lula da Silva, o Lula, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Filho de miseráveis camponeses nordestinos que emigraram para São Paulo, Lula trabalhava desde criança.

Bom operário, torneiro-mecânico, perdeu o dedo num acidente de trabalho tão comum no Brasil. Na adolescência, não ligava muito para política nem para sindicato. Queria mesmo era jogar bola e namorar.

Amadureceu, começou a tomar consciência das coisas e entrou para o sindicato, até ser eleito presidente. Assim, iria se tornar o mais influente líder sindical operário de toda a história do Brasil.

Depois do susto da greve de 1978, o governo respondeu. Na greve de 1979, o presidente já era Figueiredo. O sindicato de São Bernardo sofreu intervenção. A polícia federal ocupou a sede.

E quem precisava do prédio?

Nas assembléias, compareciam dezenas de milhares de metalúrgicos.

O Brasil inteiro explodiu em greves. Todo mundo queria de volta o que a inflação tinha levado para os patrões. Categorias que antes de 1964 jamais teriam organizado um movimento (afinal, eram de “classe média”), como professores, médicos e engenheiros, descobriram a necessidade de também participar do sindicalismo combativo.

A ditadura reprimia sem dó. O operário Santo Dias, ativista sindical, foi assassinado pela PM na rua. Era preciso deixar claro que novas rebeldias não seriam toleradas. A fábrica da Fiat (Minas Gerais) foi invadida pela PM com cães amestrados. Os trabalhadores deviam se calar!

Pois não se intimidaram. Contra os abusos dos patrões, novas greves no ABC, em 1980. A ditadura mostrava, mais uma vez, que estava sempre do lado da burguesia.

Uma operação de guerra foi montada. Guerra contra trabalhadores desarmados. O comandante do II Exército planejou as ações bélicas. Mobilizaram-se homens, armas, recursos. A polícia federal chefiada pelo dr. Romeu Tuma, o DOPS e o DOI-CODI prenderam Lula e mais 15 dirigentes sindicais. Ficaram incomunicáveis.

Esperavam que, prendendo a liderança, acabariam as greves. Engano. Esse era um novo sindicalismo. Organizado pela base, sem chefes supremos a decidir tudo. Cada peão era um responsável. A hidra de 250 mil cabeças.

A greve continuava. Proibida pelo governo, decretada ilegal pelo Tribunal do Trabalho. Mais prisões de políticos, advogados e sindicalistas. A televisão só entrevistava ministro, patrão, policial e pelego, para dar a impressão de que o Brasil era contra. Mas o povo colhia donativos nas ruas para ajudar as famílias dos operários. Provocadores da polícia destruíram lojas, para criar a fama de que greve é baderna.

Jornalistas os fotografaram e desmascararam a armação.

O Exército deu, então, o ultimato. As ruas de São Bernardo do Campo foram ocupadas por blindados, soldados de fuzis automáticos, ninhos de metralhadoras.

Helicópteros equipados com bombas patrulhavam a cidade. Estava terminantemente proibido fazer assembléia operária.

Pois uma multidão de 120 mil pessoas desafiou o poder. Cabeças erguidas, fona da verdade no coração. Massacrá-los seria dar início a uma guerra civil.

No dia seguinte, não havia mais soldados em São Bernardo. A luta da classe operária havia derrotado a ditadura.

General João Batista Figueiredo (1979 – 1985)

O general João Batista Figueiredo foi o nosso presidente eqüestre. Ex-chefe do SNI, declarou que “preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo”. Infelizmente, no Brasil o povo podia escolher o desodorante, mas não o presidente.

O regime deveria ser condecorado com uma ferradura. A inflação veio ã galope, dando coices nos salários. O ministro Delfim Netto, o “gordinho sinistro” achava que “primeiro o bolo deveria crescer, para depois ser dividido”.

Pois aí está a grande empulhação da ditadura: o Brasil teve um grande crescimento econômico e sua renda per capita ficou bem maior. Mas o bolo foi comido pelos ricos.

Segundo o IBGE, em 1980 aos 5% mais ricos cabiam 37,9% do total da renda do país, e aos 50% mais pobres sobravam 12,6%. Portanto, a fatia a ser partilhada pelos 5% mais ricos era três vezes maior que a fatiazinha que ainda tinha de ser rachada entre a multidão dos 50% mais famintos!

Êta festazinha de aniversário safada: isso tinha de dar bolo!

Através da inflação, os salários eram comidos pelos patrões. Não satisfeito, o governo Figueiredo inventou várias leis que deveriam proibir aumentos salariais para compensar ã inflação.

Mas os tempos eram outros e o Congresso Nacional barrou as medidas.

A dívida externa alcançou cifras absurdas: quase 100 bilhões de dólares. Ora, ela fez com que o Brasil tivesse de pagar, todos os anos, vários bilhões de dólares aos banqueiros internacionais que tinham financiado o país. O resultado é que pagamos os tais 100 bilhões, mas continuamos devendo ã mesma quantia! E continuamos tendo de pagar!

Uma verdadeira bomba de sucção na economia.

A partir de 1982, o país começou a negociar com o FMI (Fundo Monetário Internacional), para ajudar no pagamento da dívida externa.

O FMI, como sempre, fez exigências cruéis: o Brasil deveria reduzir os salários, cortar os gastos públicos (menos dinheiro para as escolas e universidades, para os hospitais, para investir na economia), aceitar que a economia parasse de crescer.

Tudo isso em nome da estabilização econômica. Para a oposição, recorrer ao FMI era botar a economia do Brasil nas mãos do capitalismo internacional.

Na verdade, o regime militar tinha simplesmente desgraçado nossa economia.

O crescimento dos tempos do “milagre” era ilusório: um país não pode crescer por muito tempo mantendo tanta injustiça social.

Daí que em 1981 aconteceu, pela primeira vez desde os anos da crise de 1929, o crescimento negativo da economia do país. O Brasil tinha ficado mais pobre ainda. Era a terrível estagflação, mistura de estagnação econômica (tudo parando) com inflação.

Figueiredo gostava de dizer que “jurou fazer deste país uma democracia”. (Engraçado, antes não era?) Mas sua abertura foi uma mistura de oportunismo com recuo. É bem verdade que a censura abrandou, embora fosse mais fácil publicar revistas pornôs do que jornaizinhos de esquerda. Realmente, Figueiredo era tolerante com as manifestações democráticas.

Não foi à toa que os generais linha-dura nunca o perdoaram e até hoje o xingam de “traidor do regime”. Ponto favorável para ele no julgamento da história.

Mas não se deve esquecer o lado repressor do governo Figueiredo: reprimiu greves; prendeu militantes do PCB e do PC do B; expulsou padres estrangeiros que colaboravam com a luta camponesa pela reforma agrária; impôs novidades nas regras eleitorais, para favorecer o governo; fez com que mudanças na Constituição só ocorressem com aprovação de dois temos do Congresso; enquadrou estudantes na LSN.

A extrema direita, que nunca foi reprimida, continuou fazendo das suas: um atentado terrorista à secretária da OAB (1980). No ano seguinte, durante um show de MPB comemorando o dia 1º de maio, várias bombas foram instaladas no Riocentro (Rio de Janeiro).

Se explodissem, podemos imaginar quantos morreriam. Só uma delas estourou, no colo de um sargento do Exército que estava num carro estacionado por lá. Ele ao lado de um capitão.

O que faziam ali?

O inquérito policial-militar concluiu que ambos foram “vítimas”. Para muita gente, porém, tinha sido um frustrado atentado de extrema direita. Os dois morreram de acidente de trabalho…

A anistia veio em 1979. Mas não foi “ampla, geral e irrestrita”. O pior é que os torturadores também foram anistiados, sem jamais terem sentado no banco dos réus. De qualquer modo, ela permitiu o retorno dos exilados e a libertação dos presos políticos. Os reencontros no aeroporto e na saída da cadeia emocionaram uma geração que havia sacrificado sua juventude por seu patriotismo.

Nova política partidária

O governo falava em abertura mas criava artifícios para manter o controle da situação. Já dissemos que a ditadura militar tinha a participação ativa de muitos civis, incluindo empresários, administradores e os políticos da Arena. Para dividir as oposições, Figueiredo baixou a Nova Lei Orgânica dos Partidos (1979) que acabava com a divisão Arena e MDB.

Foi assim que nasceram cinco novos partidos políticos:

O PDS (Partido Democrático Social) era o novo nome da Arena. Representava os políticos que apoiaram a ditadura. Portanto, tinha bem pouco de democrático e quase nada de social.

O líder era o senador José Sarney, do Maranhão.

O PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) herdava o antigo MDB. Continuou sendo o grande partido da oposição, reunindo diversas correntes políticas, incluindo conservadores moderados, liberais e até os comunistas (os PCs ainda estavam proibidos de funcionar). O líder era o deputado Ulisses Guimarães, figura importante na luta contra o regime militar.

O PDT (Partido Democrático Trabalhista) era chefiado por Leonel Brizola, que tinha voltado do exílio. Naquela época, Brizola gozava de enorme prestígio como 0 homem contrário a tudo de ruim do regime militar. Ele quis refundar o antigo PTB mas levou uma pernada da justiça. Propunha ser herdeiro do trabalhismo de Vargas e Jango, misturado à social-democracia, que ele tinha aprendido a admirar na França, na Alemanha e na Suécia (uma espécie de capitalismo reformado com medidas inspiradas no socialismo).

O PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) não tinha nada a ver com o antigo PTB. Pelo contrário, chegou a abrigar antigos udenistas e até algumas figuras da antiga Arena. Ficou nas mãos da deputada Ivete Vargas e foi visto como uma criação ardilosa do regime, uma espécie de filial camufla da do PDS.

O PT (Partido dos Trabalhadores) aparecia como o grande partido de esquerda do Brasil. Na sua origem, o movimento operário organizado no ABC paulista, liderado por Lula, mas também dirigentes sindicais de outras categorias operárias e até de setores como o bancário, o de professores e de funcionários públicos. O PT também recebeu apoio de setores da Igreja Católica (ligados à Teologia da Libertação), estudantes universitários e intelectuais, reunindo desde marxistas a social-democratas.

Ainda houve um partido de existência efêmera, o PP (Partido Popular), que tinha pouco de popular, já que sua liderança estava nas mãos de grandes banqueiros e políticos tradicionais como Tancredo Neves. Mas como a lei eleitoral de 1982 obrigava a votação de todos os candidatos (de vereador a governador) do mesmo partido, o PP acabou se fundindo ao PMDB.

Em 1982, com as eleições diretas para governador restabelecidas, a oposição obteve vitórias espetaculares: Franco Monturo (PMDB-SP), Leonel Brizola (PDT-RJ) e Tancredo Neves (PMDB-MG), embora tenha perdido no Rio Grande do Sul.

As “Diretas-Já!”

O acontecimento final do governo do general Figueiredo foi a campanha pelas Diretas Já, em 1984. Uma coisa maravilhosa, na qual praticamente o país inteiro tomou parte, lutando pelo direito de votar para presidente.

Nos últimos comícios, no Rio de Janeiro e em São Paulo, reuniram-se milhões de pessoas. Foram as maiores manifestações de massa da história do Brasil.

No dia em que a Emenda Dante de Oliveira, restabelecendo as diretas, foi votada pela Câmara dos Deputados, Brasília ficou em estado de emergência. O general Newton Cruz, a cavalo como um Napoleão desvairado, queria prender todo mundo vestido de amarelo (símbolo da campanha) e chicoteava os carros que buzinavam a favor da emenda.

O pior aconteceu: apesar de os “sim” ganharem de 298 a 65, inclusive com alguns votos do PDS, faltaram 22 votos para a vitória. Vários canalhas tinham votado contra ou simplesmente não compareceram.

Na verdade, uma batalha tinha sido perdida, mas não a guerra. Ainda dava para botar o povo de novo na rua para protestar e exigir uma nova votação.

Mas a cúpula do PMDB já estava armando um acordo com políticos descontentes do PDS.

Praticamente só o PT, ainda pequeno, protestou contra a armação. Pelas regras antigas que foram mantidas, o presidente seria eleito indiretamente pelo Colégio Eleitoral. O Colégio Eleitoral, formado pelo Congresso e por deputados estaduais (seis por cada Assembléia Estadual, do partido majoritário no respectivo estado), era uma armação que sempre dava vitória ao governo.

Acontece que o candidato oficial do PDS, sr. Paulo Maluf, estava muito queimado. Sua ligação com a podridão do regime atraía o ódio popular. Se ele fosse presidente seria uma decepção muito grande para o Brasil.

Muitos políticos do PDS perceberam que não dava para Maluf. Liderados pelo senador José Sarney, eles formaram a Frente Liberal que, no Colégio Eleitoral, elegeu Tancredo Neves presidente do Brasil (o vice era Sarney). Pouco depois, esse pessoal, que saiu do PDS mas que mantinha as velhas idéias conservadoras, fundou o PFL (Partido da Frente Liberal).

Tancredo Neves fez carreira no PSD junto das oligarquias mineiras. Foi ministro da Justiça de Getúlio e esteve no MDB. Moderadíssimo, nunca tivera atritos graves com o regime militar. Pois é, um político hábil, mas que nunca se ligou a nenhuma luta popular, virou salvador da pátria. Talvez, porque tenha falecido antes de tomar posse.

Assim, por ironia da história, o presidente que poria fim ao regime militar seria o ex-líder do regime no Senado: José Sarney, vice de Tancredo. A tragédia da história se repetia como farsa.

A “Nova” República

“O neoliberalismo reinterpreta o processo histórico de cada país: os vilões do atraso econômico passam a ser os sindicatos, e junto com eles, as conquistas sociais… Ao mesmo tempo, a direita, os conservadores, se reconvertem à modernidade na sua versão neoliberal, via privatizações e um modelo de Estado mínimo.”

Luta Pela Redemocratização no Brasil – História

luta pela redemocratização no Brasil teve na chamada imprensa alternativa um de seus marcos mais importantes.

Tal imprensa ficou marcada pela prática de denúncias sistemáticas contra as torturas e violações dos direitos humanos praticados pela ditadura militar e também pelas críticas ao modelo econômico então vigente; de maneira geral, a imprensa alternativa ficou caracterizada pelo princípio de oposição ao discurso oficial. Nesse sentido, Sonia Virginia Moreira define imprensa alternativa como “os jornais e revistas que nasceram nos últimos vinte anos [décadas de 1970 e 1980], e não estavam ligados, via cordão umbilical, à chamada grande imprensa ou imprensa oficial”.

O jornal Movimento, criado em abril de 1975 e que circulou semanalmente de julho de 1975 até novembro de 1981, foi, certamente, uma das experiências mais significativas da imprensa alternativa.

Conhecer a sua história, identificar sua proposta político-editorial, particularmente naquilo que diz respeito à luta pela redemocratização no Brasil e analisar a presença e a importância discursiva das charges no jornal Movimento se coloca como o objetivo principal desse trabalho.

Como a charge foi fartamente utilizada no Movimento, o que exigiria um trabalho de maior densidade e envergadura, decidimos realizar nossa análise fundamentalmente em algumas charges publicadas na sessão

“Corta Essa” que tematizaram a luta pela redemocratização no Brasil, num período em que o jornal já não se encontrava mais sob a condição de censura prévia.

Para desenvolver nossa análise, faremos uso de uma metodologia de análise do discurso chárgico, que visa aprofundar a compreensão do contexto sócio-histórico e as condições de produção que possibilitaram a construção de um determinado discurso, aqui materializado sob a forma de uma produção iconográfica, a charge.

Jornal Movimento: uma experiência de luta pela redemocratização no Brasil

jornal Movimento, criado em abril de 1975 por um grupo de jornalistas que se desligou do jornal Opinião e liderados por Raimundo Rodrigues Pereira, ficou conhecido na história da imprensa alternativa como “o jornal dos jornalistas”.

A concepção de administração do jornal foi assim sintetizada pela historiadora Maria Aparecida de Aquino:

O jornal foi montado como uma sociedade anônima com o controle acionário distribuído entre aproximadamente duzentas pessoas. A forma de sociedade acabou sendo definida por exigências legais, pois a idéia original era a de que o semanário fosse propriedade dos que lá trabalhavam. O compromisso foi o de, com o passar do tempo, preservar o controle para a redação de Movimento.

Com relação à proposta política do jornal Movimento, foi aprovado um programa político mínimo que, de acordo com Raimundo Pereira, consistia em:

Apresentar, analisar e comentar os principais acontecimentos políticos, econômicos e culturais da semana; descrever a cena brasileira, as condições de vida da gente brasileira; acompanhar a luta dos cidadãos brasileiros pelas liberdades democráticas, pela melhoria da qualidade de vida da população; contra a exploração do país por interesses estrangeiros; pela divulgação dos reais valores artísticos e culturais do povo; pela defesa de nossos recursos naturais e por sua exploração planejada em benefício da coletividade.

O jornal Movimento já nasceu sob a censura prévia. Desde o número zero, e até a edição nº 153 de junho de 1978, todas as edições foram submetidas à censura. De acordo com Bernardo Kucinski, só nas primeiras 15 edições do jornal, 1.099 laudas foram censuradas, culminando na proibição de circulação da edição número 15. Essa situação permaneceu praticamente inalterada até o dia 08 de junho de 1978, quando a equipe do Movimento recebeu o comunicado do governo federal informando que o jornal deixaria de sofrer censura prévia.

Ainda de acordo com Kucinski, uma característica marcante do jornal Movimento, como conseqüência da imposição da censura prévia, foi a adoção da estética do feio como manifesto político.

Como o projeto editorial e gráfico não conseguiu ser implantado por força dos excessivos vetos dos censores, a equipe passou a valorizar o programa político em detrimento do acabamento gráfico e isso acabou servindo como pretexto para justificar a menor preocupação dispensada à diagramação e à organização estética do jornal, que se revelou desastrosa.

Essa questão, porém, teve impacto direto na história financeira do semanário, que foi marcada por desastres sucessivos. O projeto inicial, que previa um jornal de 28 páginas com tiragem de 50 mil exemplares, não chegou a ser cumprido. De acordo com Kucinski, a edição nº 1 vendeu apenas 21 mil exemplares e daí por diante a vendagem foi diminuindo drasticamente, devido, em grande parte, à censura prévia; os próprios produtores do Movimento perceberam que os leitores não estavam dispostos a comprar um jornal mutilado apenas por apoio político.

Muitas modificações foram implementadas para evitar maiores prejuízos, mas a mais comprometedora foi o corte das despesas com folha de pagamento que eliminou qualquer possibilidade de constituir uma redação profissionalizada.

No período em que esteve sob censura prévia, destacou-se a sessão “Ensaios Populares”, não apenas pela sua natureza editorial, mas por ter sido estopim de algumas das mais intensas divergências políticas internas, algumas delas resultando em rachas e dissidências na equipe com a saída de alguns dos fundadores do projeto do jornal Movimento.

Sobre os “Ensaios Populares”, Kucinski afirma:

Os Ensaios Populares destacaram-se pela clareza de estilo e linguagem pedagógica. Propunham-se a ‘fazer educação popular’, desenvolvendo um tema em forma editorial, a partir de fatos da semana ou da conjuntura.

Aos poucos, vão definindo, com vigor e estilo econômico, posições políticas, e passam a desempenhar dentro do jornal e junto ao público o papel de símbolo ou comprovação de existência de uma determinada hegemonia política no jornal.

O tencionamento das forças políticas no interior do jornal provocou divergências e rachas que se mostraram fatais para o Movimento. Com um quadro político partidário em constituição, por ocasião do encerramento do ciclo do bipartidarismo, e com a aglutinação de importantes lideranças políticas de esquerda em torno da criação do Partido dos Trabalhadores (PT), Raimundo Pereira, na condição de principal articulador do Movimento e não adepto à idéia de criação do referido partido, atuou de maneira a impedir o controle político do jornal pelo PT, levando isso à última conseqüência, qual seja, o fechamento do Movimento.

Kucinski assim sentencia a atitude de Raimundo Pereira:

Raimundo fechou o jornal para que ele não caísse sob o controle da força política que se tornava hegemônica no movimento popular, o PT. Como um general que, entre deixar uma ponte cair nas mãos do inimigo ou destruí-la, prefere a última hipótese, Raimundo decidiu fechar MOVIMENTO.

Tal decisão, porém, não dependia exclusivamente de Raimundo Pereira.

Ele apenas apresentou uma recomendação pelo fechamento do jornal em uma convenção nacional dos trabalhadores do Movimento que acabou aprovada pela maioria dos delegados presentes. Assim, em 15 de novembro de 1981 foi decretado o fechamento do jornal Movimento, que publicou sua última edição (nº 334) na semana de 23 a 29 de novembro de 1981.

A charge no jornal Movimento

Em várias outras oportunidades, já declaramos nossa convicção quanto à importância política e persuasiva da charge na constituição de uma estratégia discursiva. De natureza intertextual, dissertativa, lúdica e humorística, a charge cumpre invariavelmente a função de “editorial gráfico”.

Pelo humor, a charge ganha ares de transgressão. Umberto Eco chega a afirmar que o humor mina os limites da lei 10 e essa afirmação se aplica perfeitamente bem à função cumprida pela charge no jornal Movimento.

Considerando a proposta do Movimento de analisar os principais acontecimentos políticos e econômicos do país na perspectiva de defender o direito às liberdades democráticas, acreditamos que a charge cumpria papel decisivo neste intento, pois como afirmamos em outras ocasiões,

Estamos convencidos de que a charge pretende não somente dissertar sobre um determinado assunto, mas levar o seu receptor ao convencimento, objetivando inclusive uma mudança de consciência e atitude.

A charge se converte, por influência da instituição que a produz e dissemina, num verdadeiro discurso de convencimento.

Durante o período em que o Movimento conviveu com a censura prévia, a publicação de charges não era uma prática recorrente. Para se ter uma idéia, de acordo com Aquino, no referido período os dados do próprio semanário registraram o corte de 3.162 ilustrações. sendo aproximadamente 2.200 só de charges.

As charges se tornaram alvos constantes dos censores em razão das críticas e ironias que faziam aos militares e ao regime.

Com o fim da censura prévia, imediatamente o Movimento registrou sua posição em relação à censura das charges, publicando algumas delas:

A charge, o humor, têm sido instrumentos críticos dos mais eficazes em todo jornal de oposição.

E por isso não é de se estranhar que sejam justamente eles os primeiros a sofrerem uma censura mais feroz sempre que a polícia resolve manter sob seu controle qualquer publicação. Em Movimento não foi diferente.

Três anos de censura significaram a não publicação de cerca de 2.200 charges, dos melhores cartunistas brasileiros. Um trabalho que acompanhou dia-a-dia os sofrimentos, as humilhações de grande parte da população pobre. Aqui está uma pequena amostra desses desenhos críticos, que na verdade não são apenas para a gente rir, mas também para perceber a ironia das injustiças.

Na edição seguinte, nº 155 de 19 de junho de 1978, o Movimento criou a sessão “Corta Essa”, publicada na última página de cada edição, com uma coletânea de várias charges de diferentes desenhistas.

A criação da sessão veio acompanhada de uma mensagem da equipe do Movimento, reforçando a importância da charge para o jornal e aproveitando a nova situação (sem censura) para reafirmar seu tom provocativo, sob o pretexto de justificar a escolha do nome da referida sessão:

Aproveitando o espaço conquistado e revivendo o saudável hábito da gozação, os humoristas de Movimento cumprimentam os leitores e pedem licença para apresentar mimosa coletânea de diatribes contra a prepotência.

E desafiam: corta essa! Corta essa, leitor, e cola na escrivaninha, na oficina, na parede do bar…

A sessão “Corta Essa”, nas suas primeiras aparições, foi acompanhada de frases que procuravam sintetizar o tema recorrente das charges publicadas naquela referida edição.

A primeira delas, porém, fez referência à própria natureza da sessão, além de um trocadilho sobre o potencial de censura das charges: “Humor cortante: pode causar apreensões”. Outros exemplos: “Ê! Poderosos!

Vão mais devagar pros humoristas poderem acompanhar!” (edição nº 157); “Eu não sei porque implicam tanto com o Figueiredo, eu adoro ele. Eu o Geisel.” (edição nº 158); “Mandato tampão “Ato excepcional”.

Pelas vias indiretas? Isso é pura sem-vergonhice!” (edição nº 169); “Brasília não tem poluição ambiental mas, rapaz! Como cheira mal!” (edição nº 172); “Diga-me com quem andas e… conforme a grana eu direi que não tens nada a ver com isso!” (edição nº 173); “Descoberto o livro de cabeceira do Planalto: como fazer leis e enquadrar pessoas” (edição nº 174); “Até tu, Dinarte?

Assim matas o Erasmo… de enfarte!” (edição nº 187).

A sessão “Corta Essa” foi produzida a partir da edição nº 155 de 19 de junho de 1978 e permaneceu até a edição nº 251 de 21 de abril de 1980 como sessão exclusiva para publicação de charges, ocupando integralmente a última página de cada edição; nesse período, apenas em raras ocasiões a sessão não foi produzida.

Durante mais algumas edições, a sessão “Corta Essa” dividiu espaço com outras sessões, como entretenimento, cartas, culinária, descaracterizando a proposta inicial, até o seu desaparecimento completo a partir da edição nº 264 de 21 de julho de 1980. Depois disso, a sessão “Corta Essa” só reapareceu uma única vez, na edição nº 299 de 23 de março de 1981, como uma provocação ao então presidente João Baptista Figueiredo que assumiu não gostar de se ver caricaturado.

Assim anunciava a sessão “Corta Essa, Figueiredo”:

O recado foi captado primeiro pela seção ‘Radar’, da Veja: o general-presidente não gosta de se ver caricaturado.

De radar em radar o recado se espalhou, isso é, passou a ser dado nos ouvidos dos chargistas pelos editores da grande imprensa: ‘Vê se manera!’. Não maneramos, não!

Se o homem não está gostando é sinal que estamos acertando, por isso lutaremos até a última gota de tinta nanquim pelo direito de caricaturizá-lo.

Neste CORTA-ESSA, ESPECIAL lançamos nosso grito de guerra: pela caricatura ampla, geral e irrestrita!

O discurso chárgico no jornal Movimento

A principal dificuldade para a realização deste trabalho foi a seleção de charges para as análises. O grande volume e a qualidade da produção chárgica nos obrigou a delimitar algumas temáticas; nesse sentido, selecionamos as charges que tematizaram exclusivamente a anistia e a democracia.

Durante o governo do general Ernesto Geisel (março/1974 a março/1979), foi anunciada a chamada abertura política, lenta, gradual e segura, que se propunha ser um processo de transição rumo à democracia.

Apesar das divergências e conflitos em torno dessa condução política ao regime, especialmente por ainda existir um setor militar (linha dura) favorável à manutenção de posições menos moderadas, o Governo Geisel proporcionou algumas importantes ações em favor da redemocratização; destacam-se o fim do AI-5 e a restauração do habeas-corpus.

A vitória do MDB nas eleições de 1978 “acelerou” o processo de redemocratização. Esse fato obrigou o general João Baptista Figueiredo, que assumira a Presidência da República em 15 de março de 1979, a promulgar em 28 de agosto do mesmo ano a Lei da Anistia Política (Lei nº 6.683) que concedia o direito aos exilados, condenados por crimes políticos, de retornarem ao Brasil.

Essa lei, contudo, apresentava limitações e deformações que foram assim demarcadas por José Damião de Lima Trindade:

Por um lado, a lei concedeu uma anistia política apenas parcial, dela excetuando todos os que tivessem sido condenados por práticas da luta armada – ou seja, todos os que exerceram o direito de rebelião contra a violência ilegítima dos usurpadores do poder; e, por outro lado, a mesma lei estendeu a anistia aos torturadores e homicidas – isto é, premiou com impunidade perpétua os que praticaram todas as violências a favor da ditadura.

Apesar das limitações e deformações é necessário reconhecer que a Lei da Anistia de agosto de 1979 foi uma conquista do movimento contra a ditadura militar. A anistia “ampla, geral e irrestrita” não chegou a ser conquistada, mas foi avaliada como um avanço significativo nas lutas pela redemocratização no país e foi explorada exaustivamente no discurso chárgico do Movimento. Para a análise dessa temática, selecionamos algumas charges que demonstraram, com ênfase, a natureza parcial da anistia, como forma de denúncia das tímidas modificações que vinham se operando na sociedade.

A primeira charge a ser analisada foi produzida pelo chargista Jota e publicada na edição nº 187 de 29 de janeiro de 1979.

Na charge observamos claramente a crítica às condições proporcionadas por uma anistia parcial (que seria oficializada alguns meses depois). No primeiro quadro o personagem que representava a ditadura militar, caracterizado por um brutamonte bem à vontade (sem camisa), assim como se sentiam os torturadores no exercício de sua “função” durante o regime autoritário, caminhava em direção a um prisioneiro, simbolizando os prisioneiros e perseguidos políticos, e anunciando, com as chaves na mão, o estado de anistia. No segundo quadro, concluiu que se tratava de anistia parcial, deixando o prisioneiro ainda preso, mas apenas por uma das mãos e um dos pés.

Essa imagem expressa a convicção de que havia uma compreensão de que a situação principal não havia sofrido nenhuma grande mudança.

A condição de prisioneiro ou perseguido permanecia praticamente inalterada com a anistia, pois permanecer preso pelas duas mãos e os dois pés ou por uma das mãos e um dos pés não mudava a sua situação de prisioneiro. A expressão de contentamento do portador das chaves representava a satisfação (mesmo que parcial) dos defensores da ditadura militar em relação à referida situação.

Em outra charge sobre a temática da anistia, produzida por Nilson e publicada na edição nº 208 de 16 de junho de 1979, a revelação de que o então presidente João Baptista Figueiredo procurava fazer de tudo para impedir a aprovação da anistia ampla, total e irrestrita (reivindicação geral dos movimentos e organizações populares na luta pela redemocratização) se fez explícita. Representado pela imagem de um halterofilista, a situação retratada mostrou o presidente simulando um esforço descomunal (pelo suor saltando do rosto) para erguer a “pesada bandeira” (haltere) da anistia; mas, ao mesmo tempo, observamos que ele se apóia no haltere para impedir o seu levantamento. A crítica reside na tentativa de denunciar sua postura demagógica de se apresentar como defensor da causa da anistia.

Ainda sobre a crítica à forma como acontecia a discussão em torno da anistia, a charge de Fausto publicada na edição nº 209 de 2 de julho de 1979 reforçou o insignificante avanço que caracterizava a “anistia relativa”, representada pela imagem da soltura de um pássaro (supostamente uma pomba branca, símbolo da paz e da liberdade) do interior do Palácio do Planalto.

Dar liberdade a um pássaro como gesto simbólico pode ser significativo, mas como ação concreta não representa nada.

E assim era a compreensão de muitos dos perseguidos políticos em relação à anistia política da época.

Um detalhe importante nesta charge é a expressão de medo do pássaro; ele saiu voando rapidamente do interior do espaço que simboliza o poder político institucional, numa clara alusão ao terror que imperou nas entranhas do regime militar.

Outro tema recorrente nas charges da sessão “Corta Essa!” foi “democracia”. Ora para defendê-la como bandeira de luta dos movimentos sociais, ora para denunciar as arbitrariedades dos defensores do regime militar, ora ainda para ironizar a concepção de democracia proferida e/ou praticada pelos militares, esse tema foi alvo do “humor cortante” dos chargistas.

Na charge de Alcy, publicada na edição nº 194 de 19 de março de 1979 vemos uma cena em que apareceu o presidente Ernesto Geisel discursando (fazendo referência à solenidade de posse do novo presidente da República) e se enroscando na leitura da palavra democracia.

Ao seu lado estavam o então presidente empossado João Baptista Figueiredo e o ditador paraguaio Alfredo Stroessner (1954-1989) refletindo (balões de pensamento) sobre qual seria a correta grafia de democracia, porém nenhum dos dois conseguia se lembrar.

Ao retratar uma situação que sugeria que aqueles representantes de governos autoritários desconheciam ou se esqueceram de como se pronuncia a palavra democracia, a crítica residia na insinuação de que a referida palavra, e portanto as condições para o seu exercício, não faziam parte do vocabulário cotidiano de nenhum deles.

Numa das charges da sessão “Corta Essa!” da edição nº 221 de 24 de setembro de 1979, de produção coletiva de Jota e Alcy, temos a denúncia do conceito (e da prática) de diálogo como definidor de democracia.

A charge mostra que, no momento do anúncio de sua concepção de que “a democracia que defendo é a democracia do diálogo”, o presidente Figueiredo foi obrigado a interromper o seu discurso para chamar a atenção de alguns subordinados porque ele também havia sido atingido pelos efeitos do despejo de gás lacrimogêneo. Esse produto era (e continua sendo) usado freqüentemente por militares para conter mobilizações populares, inclusive de natureza pacífica, e a charge fez alusão a uma suposta investida de militares contra manifestantes contrários ao regime, sob ordens do então presidente, contrariando a idéia de que o mesmo defendesse qualquer espécie de diálogo.

A expressão “pára um pouquinho aí” reafirma que a intenção era de que houvesse uma interrupção apenas momentânea, que fosse suficiente para concluir seu discurso, mas que depois poderiam continuar com o mesmo tratamento autoritário (e não de “diálogo”).

Um detalhe significativo a ser observado nesta charge é a posição em riste do dedo indicador do presidente nos momentos em que consegue iniciar e concluir seu pronunciamento.

Esse gesto é característico dos atos de autoritarismo, prepotência e de intimidação em relação ao interlocutor.

Por fim, selecionamos uma outra charge de Nilson, publicada na edição nº 246 de 17 de março de 1980, quando o Governo Figueiredo acabara de completar um ano de mandato, em que aparece o presidente sendo entrevistado e questionado sobre a possibilidade de se estabelecer a democracia, considerando os desdobramentos daquela conjuntura.

A resposta à pergunta “vamos acabar caindo numa democracia?” foi uma negativa e veio em forma de trocadilho: “Não, pois numa democracia, vamos acabar caindo!”.

Essa resposta fazia referência à própria convicção do presidente e de seus ministros de que, por serem defensores ou colaboradores do regime militar, teriam sua situação bastante complicada na eventualidade da implantação de uma efetiva democracia.

A expressão de alegria estampada no rosto dos ministros representava a absoluta concordância dos mesmos com a idéia de que a democracia não deveria ser estabelecida sob pena de também sofrerem as suas conseqüências e, mais do que isso, de que não acreditavam que a democracia pudesse ocorrer em curto prazo.

Luta Pela Redemocratização no Brasil – Reforma

Revolução. A simples menção desta palavra leva-nos a crer que estamos diante de uma revolta que está prestes a melhorar algo ou simplesmente a no mínimo, deixar uma marca histórica.

Heróicos foram aqueles que na época da ditadura militar brasileira exigiram mudanças, dignidade ou simplesmente o que hoje, seria a nossa corriqueira liberdade. Esta que foi fruto de muitas vidas, de muito sofrimento, mas por ironia do destino, ou simples ignorância deste povo muitas vezes desprovido de patriotismo, está sendo deixado de lado.

Durante a ditadura militar, os conceitos de vida eram diferentes, a teoria era diferente da prática, mas principalmente: não existia o termo liberdade. Ao longo dos anos que se passaram nesta ditadura, a estagnação cultural foi tamanha, que apenas atualmente, estamos começando a desenvolver obras dignas de vestir a camisa verde amarela.

Mas como pode um povo tão grande e revolucionário como o nosso deixar a democracia entrar neste imenso país tropical?

Em plena guerra fria, no governo do então presidente João Goulart, o povo brasileiro, como supracitado, começou a formar cada vez mais organizações sociais, tais como movimentos estudantis e organizações de trabalhadores. Tamanha foi a força e a imposição destes grupos para sociedade como um todo, que as partes mais conservadoras como a Igreja Católica, os militares e os grandes empresários temeram que o Brasil acabasse vindo a ser um país socialista. Isto gerou tanta repercussão que até mesmo os Estados Unidos tiveram medo que isso viesse a acontecer.

Com isso, não demorou que as alas conservadoras e os partidos opositores ao governo se unissem com um único ideal: tirar João Goulart do poder, e impedir a disseminação de pensamentos socialistas.

As crises políticas começaram cada vez mais a gerar tensões sociais, que teve seu clímax em 31 de março de 1964, onde inclusive as tropas militares tiveram que sair às ruas em algumas regiões para se evitar uma guerra civil, isso fez com que João Goulart se exilasse no Uruguai, deixando vago o cargo presidencial.

Com imensa lábia e malícia, os militares e conservadores iludiram a massa brasileira (assemelhando-se muito com o caso do Hitler e os alemães), fazendo-os acreditar que iriam lutar ao máximo para que a crise se desintegrasse e a liberdade e os direitos fossem respeitados. Os militares não tardaram a eleger o seu próprio candidato, Castello Branco.

Começou assim o inferno autoritário, surgiram medidas duras e calculistas, como o bipartidarismo (ARENA – militares e o MDB – oposição moderada e altamente controlada), eleições indiretas para presidente, ou seja, eleitos pelo Colégio Eleitoral, fora os vários cidadãos que tiveram seus direitos políticos e constitucionais cancelados e os sindicatos que receberam intervenção do governo militar.

A opressão fez muitas mentes brilhantes se calarem ou se exilarem, fazendo com que às vezes, essas encontrassem meios alternativos para passar sutilmente uma mensagem de sublevação, tais como: “Vem vamos embora que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, e não espera acontecer – Geraldo Vandré”, cujo intuito era gerar uma revolta para com o militarismo em relação à censura que se instalava cada vez mais nas entranhas da imprensa.

Com a eminência cada vez maior de revoltas sociais, o governo se viu numa situação onde a única alternativa plausível seria a de abrandar suas atitudes autoritárias, uma vez que, mesmo possuindo um grande arsenal de armas e homens, os jovens começaram a assaltar bancos e seqüestrar embaixadores com o intuito de angariar fundos para a iniciação de uma revolução armada.

Mas para a surpresa do povo, não foi bem isso o que veio a acontecer…

Com os atos institucionais sempre tirando a luz da esperança dos brasileiros, veio então o mais duro golpe militar, o AI-5, que incredulamente veio à tona, aposentando juizes, cassando mandatos, acabando com as garantias do habeas-corpus e aumentando a repressão militar e policial.

Não muito tempo depois se segue os “anos de chumbo”, período mais duro e repressivo da ditadura, com repressão à luta armada e com uma severa política de censura, – governo Médici.

O fato é que no campo econômico havia crescimento, no entanto se contradizia com o lado político que era cada vez mais de repressão.

Os avanços no campo econômico na época do dito Milagre Econômico do país são inigualáveis comparados com o da nossa história, gerando inúmeros empregos pelo país com algumas obras faraônicas – Rodovia Transamazônica e Ponte Rio – Niterói – e dívidas futuras, devido aos empréstimos do exterior. Não podemos negar que algumas dessas obras foram de suma importância para o desenvolvimento do país, porém tiveram um custo altíssimo, onerando o país até os dias de hoje.

A insatisfação popular em função das altas taxas de juros e outros inúmeros fatores fizeram que o novo governo de Geisel tomasse medidas diferentes em relação ao andamento do país, ocorrendo um processo lento de rumo à redemocratização tão desejada, com uma abertura política lenta, gradual e segura e com o término do AI-5.

Os ventos estão começando a mudar, João Figueiredo – último ditador – decreta a Lei Anistia, permitindo a volta dos brasileiros exilados, e aprova a lei que restabelece o pluripartidarismo no Brasil.

Nos últimos anos do governo militar, o Brasil apresentava grandes problemas, principalmente com a inflação, em que os salários dos trabalhadores não conseguiam acompanhar a alta dos preços.

Mesmo com a Emenda Constitucional de 1980 que decretava eleições diretas para governadores percebia-se com as várias fraudes que tudo não passava de pura propaganda e que o povo ainda não havia conseguido sua liberdade.

Por volta desta época, Florianópolis atraiu todas as atenções do Brasil. Novembrada. O então presidente Figueiredo foi recepcionado com o “calor” do povo catarinense.

Muitos universitários por estarem revoltados com a ausência do presidente no estado desde a sua eleição, uniram-se com o intuito de organizar uma revolta. Professores, alunos, todos unidos por esse ideal, começaram a distribuir panfletos, num total de 2000, e conseguiram conquistar o apoio de mais ou menos 300 pessoas, as quais foram para o centro da cidade onde a homenagem ao presidente se daria.

Toda a patota elitista se encontrava bajulando o presidente, e, com o sol iluminando a Praça XV de Novembro, para todos os presentes se deu uma cena digna de marcar a história. E marcou.

Começou com faixas de protestos, sabotaram a caixa de som e começaram os gritos de revolta os quais a polícia tentou abafar com a Banda da Polícia Militar.

Foi então que por volta de 1984 começou a se organizar a campanha pelas “Diretas Já”, que levou a população às ruas para protestar contra a repressão que estava sendo sujeita há anos.

Brigaram pela aprovação da Emenda Dante Oliveira que garantia a eleição direta para presidente naquele ano, o que não aconteceu.

Somente em 1985 com a eleição de Tancredo Neves tivemos um “ensaio” de redemocratização, uma vez que o mesmo recebeu apoio dos militares e dos civis conservadores.

Um exemplo é o caso de Sarney que desde 1964 participava de partidos de fachada da Ditadura como o PDS e a ARENA.

Logo após a morte de Tancredo, Sarney assumiu o poder e somente em 1986 com a eleição dos primeiros deputados constituintes e em 1988 com a promulgação da Constituição é que tivemos os primeiros verdadeiros sinais de avanços na redemocratização. As seguidas altas da inflação, o crescimento do desemprego e a seqüência de planos econômicos mostram a persistência da crise econômica brasileira.

Em 1989 temos finalmente as primeiras eleições diretas para presidente com a vitória de Fernando Collor, que teve sua campanha feita através dos “esportes”, que expressava a juventude, que por sua vez era presença massiva das revoltas populares. Porém, acabou se descobrindo o envolvimento do presidente com casos de corrupção, o que levou ao seu impeachment.

Com isso, a inflação só tendeu a aumentar, onde para tentar controlá-la, vários planos foram feitos com esse objetivo, como o Plano Cruzado, o Plano Real, entre outros. Mas mesmo assim, a inflação continuou assombrando a nossa economia, agravando ainda mais a crise econômica brasileira.

Com o desenrolar dos anos, a economia brasileira começou a dar esperanças de que poderia vir a crescer. A inflação foi contida, superávits começaram a surgir, e enfim, nos dias atuais, a situação econômica esta, sem a menor sombra de dúvidas, começando a florescer, conseguindo até começar a pagar uma parte do montante da nossa dívida externa.

Contudo, ainda há muito por fazer e conquistar. Como falar de democracia, direitos e liberdade quando os semi-alfabetizados do país representam boa parte da população?

Qual a democracia possível para o idoso que, depois de aposentado sobrevive com um salário mínimo?

As carências do Brasil não são de fundo econômico, mas de distribuição de renda, pois somente com consciência e estruturação, poderíamos pensar numa melhora da democracia, e não é essa a nossa realidade atual, pois com toda essa desigualdade social, a democracia não é nada além de uma utopia brasileira, mas quem sabe, com o fim progressivo da corrupção, talvez possamos usufruir não de uma democracia plena, mas quem sabe, pelo menos, de um lugar mais digno de se viver […].

Fonte: www.redealcar.jornalismo.ufsc.br/www.culturabrasil.pro.br/Gustavo Soldateli/Leandro Liberal/Leonardo Martins/Luiz Antônio

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