Fernão Dias Pais

Fernão Dias Pais – Biografia

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Nascimento: 1608, São Paulo, São Paulo.

Falecimento: 1681, São Paulo, São Paulo.

Minas Gerais foi explorada pela primeira vez por Fernão Dias Pais entre 1664 e 1677, embora ele não foi o primeiro europeu a entrar na área.

A descoberta de ouro em 1692-1695 por bandos de aventureiros dos assentamentos São Paulo levou a uma corrida louca para as novas minas.

Fernão Dias Pais estava com 63 anos de idade quando, em 1671, foi convidado por Afonso Furtado, govemador do Estado do Brasil, para chefiar uma grande bandeira em busca de prata e esmeraldas.

Membro de uma ilustre família de bandeirantes, Fernão Dias conhecia de perto o sertão. Em 1636, acompanhara Raposo Tavares numa expedição contra as missões do Tape, voltando à região dois anos depois. Tomou-se, então, inimigo dos jesuítas, com os quais, entretanto, se reconciliaria alguns anos mais tarde.

Para satisfação do governador, o bandeirante não apenas concordou com a missão, como aceitou arcar portuguesa com as suas despesas. Receberia, em troca, honras e títulos para si e seus descendentes. Um desses títulos era o de governador das esmeraldas. O trabalho de organização da bandeira demorou quase dois anos. Para custeá-la, a Coroa contribuiu com a modesta cota de 215 mil réis, a título de empréstimo, a ser pago pelo bandeirante quando descobrisse as esmeraldas.

Bartolomeu da Cunha Gago e Matias Cardoso de Almeida, com a missão de plantar roças de mantimentos no Sumidouro. A bandeira saiu de São Paulo a 21 de julho de 1674. Fernão Dias tinha, então, 66 anos de idade. Com ele iam seu filho, Garcia Rodrigues Pais, e seu genro, Borba Gato, além de outros sertanistas experimentados. Eram cerca de quarenta brancos e muitos índios. Não se conhece com precisão o roteiro seguido pela bandeira. Sabe-se, porém, que seguiu até as cabeceiras do rio das Velhas (Minas Gerais), atravessando a serra da Mantiqueira. Para se abastecer plantava roças pelo caminho, estabelecendo pousos em lugares como Vituruna, Paraopeba, Sumidouro do Rio das Velhas, Roça Grande, Tucambira, Itamerendiba, Esmeraldas, Mato das Pedreiras e Serro Frio. Muitos desses arraiais transformaram-se em núcleos importantes para o povoamento de Minas Gerais. Do rio das Velhas, a bandeira teria atravessado o vale do Jequitinhonha, subindo até a lagoa de Vupabuçu.

Foram sete anos de marcha , durante os quais a bandeira sofreu toda sorte de dificuldades. Quando os recursos terminaram, Femão Dias enviou emissários a Sâo Paulo com instruções para que sua mulher vendesse tudo o que possuíam. D. Maria Pais Betim, esposa do bandeirante, cumpriu à risca as instruções, vendendo até mesmo as jóias de suas filhas. Mas os problemas não terminaram aí. Esgotados pela grande marcha, os bandeirantes começaram a desertar.

Para manter a coesão dos que restavam, Femão Dias estabeleceu uma disciplina férrea, provocando descontentamento entre seus companheiros. Um dos descontentes era seu filho natural, José Pais, que planejava, com outros membros da bandeira, assassinar o próprio pai. Segundo a tradição, o plano foi ouvido por uma índia velha que avisou o chefe.

Fernão Dias não vacilou: prendeu os conspiradores e mandou enforcar o filho como exemplo. Mas nem assim foi possível manter a disciplina.

Dois religiosos que acompanhavam a expedição desertaram e Matias Cardoso também partiu com os seus. Incansável, Fernâo Dias continuou a marcha com seu outro filho, Garcia Rodrigues, e seu genro, Borba Gato. Finalmente, após sete anos vagando pelo sertão, nas proximidades da lagoa de Vupabuçu, o bandeirante encontrou as pedras verdes que tanto procurava. Já doente, retirou-se para o arraial de Sumidouro carregando consigo amostras da preciosa descoberta.

Morreu pouco depois, entre 27 de março e 26 de junho de 1681, acreditando ter chegado a uma rica jazida de esmeraldas.

O que trazia, no entanto, eram simples turmalinas: pedras verdes, como as esmeraldas, mas sem valor. Embora sem a descoberta de riquezas minerais, o caminho aberto pela bandeira de Fernão Dias lançou as bases de futuras expedições que descobriram riquíssimas jazidas de ouro no território de Minas Gerais.

Fernão Dias Pais – Vida

No século XVII, ao norte de Minas Gerais, ficava uma serra muito alta ou Serra Resplandecente, assim chamada porque, quando o Sol ao nascer se projetava sobre ela, a montanha começava a brilhar, cheias de cintilações verdes. Tal notícia chegou a São Paulo, à Bahia e a Portugal.

Os reis de Portugal, ávidos por riquezas, prometeram céus e terras àqueles que descobrissem a tão famosa serra. Lá sim, é que havia esmeraldas, ao alcance da mão, tal qual cascalho em beira de rio.

Muitos bandeirantes, desejosos de se tornarem nobres, resolveram sair à procura da Serra Resplandecente. Era claro que a descoberta ficaria pertencendo ao rei de Portugal, único dono de tudo que era encontrado nas terras do Brasil. Mas seu descobridor, ganharia prestígio e um título de nobreza. Naquela época, ser fidalgo era uma inspiração que enlouquecia muitos brasileiros.

Entretanto, uma expedição deste tamanho, não era obra para qualquer um, pois era muito dispendiosa.

Foi então que, Fernão Dias Pais, já sexagenário, mas muito rico e poderoso, aceitou o maior desafio de sua vida. Investido pelo rei com o título de Governador das Esmeraldas, dedicou três anos apenas aos preparativos da expedição, financiada com seus próprios recursos.

Em 21 de julho de 1674, com longas barbas brancas, que denunciavam seus já 66 anos, partiu de São Paulo à frente de 674 homens.

Vagou por regiões desconhecidas e perigosas, semeando vilarejos pelo caminho e ajudando a expandir o Centro-Oeste as fronteiras do território brasileiro. Em meio a marchas e contramarchas, porém, os anos escoavam sem nenhuma riqueza fosse encontrada. O desânimo do grupo era geral. Muitos morriam, vítimas da fome ou de febres fulminantes. Outros desertavam, minados pelo esforço e pelas privações da busca infrutífera. Fernão Dias Pais, entretanto, obcecado por seu sonho, não aceitava desistir. Pelo contrário, escrevia a sua mulher, pedindo mais alimentos, pólvora, roupas e remédios. Maria Betim vendeu as terras que restavam, empenhou as jóias, enfronhou-se na pobreza, só para contentar o marido.

Certa noite, uma índia acordou o bandeirante e avisou-lhe que um grupo tinha se reunido para tramar a sua morte. Sem ser notado, Fernão aproximou-se dos conspiradores e escutou a conversa.

Na manhã seguinte, mandou enforcar o líder da rebelião: José Dias Pais, seu próprio filho.

Fernão Dias Pais
Fernão Dias Pais

Incansável, Fernão Dias continuou a marcha com seu outro filho, Garcia Rodrigues Pais, e seu genro e amigo, Borba Gato. Avançou pelas serras, chegando ao Vale do Jequitinhonha, no norte mineiro.

Chegando as cercanias da lagoa Vupabuçu, que ficava no sopé da tão sonhada Serra Resplandecente, um índio mapaxó lhe avisou que não era permitido que os civilizados chegassem até lá.

O bandeirante quis saber o motivo e o índio respondeu:

-“A Uiara mora nas águas claras da Lagoa Vupabuçu. Seu canto seduzia os guerreiros indígenas. Nas noites de Cairê (Lua Cheia), ela sobia à flor das águas e se põe a cantar. Atraídos por seus cânticos os guerreiros chegavam à margem da lagoa e eram puxados para o fundo, de onde eles nunca mais voltavam. Foi então, que os índios mapaxós, pediram ao Deus da Guerra (Macaxera), que salvasse seus jovens guerreiros. O Deus Macaxera fêz a Uiara dormir e mandou que os mapaxós vigiassem o seu sono e a sua vida. Seus cabelos eram verdes do limo da água que se encontra no fundo da lagoa. Esses cabelos, muito longos, entraram pela terra e, em contato com a terra viraram pedra.

Mas o Deus da Guerra ainda avisou, que a vida da Uiara estava em seus cabelos. Um fio a menos, significa um dia de vida que ela perderá. Arrancar suas pedras verdes acordará a Uiara e ela poderá morrer. E, se ela morrer, uma grande desgraça poderá acontecer!”

Fernão Dias Pais, entretanto, não acreditava em lendas, muito menos em coisas do outro mundo. Por isso, não levou a sério o aviso do índio e mandou seus homens arrancarem os cabelos verdes da Mãe Uiara, sem dó nem piedade. O importante era não voltar de mãos vazias.

Pouco depois do bandeirante apropriar-se das pedras verdes, uma febre abate o desbravador. Tremores sacodem todo o seu corpo. Aos 73 anos, ele agoniza no sertão mineiro. Morre apertando entre as mãos um punhado de pedras, consolado com o sucesso de sua empreitada. Não sabe que as pedras verdes não possuem valor, pois são apenas turmalinas. Para os índios, sua morte foi atribuída a Tupã, como castigo por ter retirado um pouco dos cabelos de Uiara.

Entretanto, foi Fernão Dias Pais que abriu o caminho para a descoberta do ouro.

Fernão Dias Pais – História

UM HOMEM DURO E DECIDIDO: UM BANDEIRANTE

Os caminhos que abriu e as cidades que plantou foram uma obra bem maior que o sonho frustrado das minas de esmeralda.

No início do século XVII, São Paulo era uma pequena vila com menos de dois mil habitantes. A economia do lugar era baseada numa agricultura de subsistência.

Foi nessa vila, em 1608, que nasceu Fernão Dias Paes, filho de uma respeita família. Aos 18 anos de idade, Fernão é eleito pela Câmara Municipal para ocupar o cargo público de fiscal de mercadorias. Logo se destaca por seu trabalho enérgico e começa a fazer uma brilhante carreira de administrador. Cuidando de suas próprias terras, Fernão Dias acabou por fazer a maior fortuna de São Paulo daquele tempo. Toda essa riqueza Fernão dissiparia na busca de ouro e pedras preciosas.

Fernão Dias Pais
A morte de Fernão Dias, óleo de Rafael Falco

Fernão Dias Pais
Morte de Fernão Dias Pais

Mas antes disso participara daquilo que até então era a principal “riqueza” de São Paulo: a venda de escravos índios capturados nas matas das terras sob controle dos paulistas. No ano de 1661 Fernão Dias arma uma bandeira de apresamento e marcha contra as tribos indígenas do Guairá, atual Estado do Paraná, de onde retorna, 3 anos e alguns meses depois, com mais de 4 mil índios. Mas uma grande decepção o aguardava à chegada. Não há mais mercado para os índios, que geralmente eram vendidos para trabalharem na agroindústria açucareira do Nordeste. Com o fim do bloqueio do tráfico de negros africanos, queda da produção açucareira e desgaste da economia da região, não havia mais interesse na mão escrava indígena. Os índios trazidos, segundo se diz, formaram uma aldeia às margens do rio Tietê, sob a administração do próprio Fernão Dias.

Naquele mesmo ano o administrador recebe uma carta do Rei de Portugal solicitando ajuda numa expedição que, sob o comando de Barbalho Bezerra, sairá à procura de ouro. Fernão Dias participa dessa missão, que marca o início de um novo ciclo. Em outubro de 1672 é nomeado “Governador de toda gente de guerra e outra qualquer que tiver ido ao descobrimento das minas de prata e esmeralda”. Os preparativos para a expedição duraram três anos; apesar das promessas das autoridades portuguesas, tudo foi financiado pelo próprio Fernão Dias. A 21 de julho de 1674 de 674 homens. Supõe-se que a expedição tenha rumado para a cabeceira do rio das Velhas, pela serra da Mantiqueira, passando por Atibaia e Camanducaia. Ao longo do caminho iam surgindo pousos e roças.

Eram embriões de futuras cidades: Vituruna, Paraopeba, Roça Grande, Sumidouro do Rio das Velhas. Depois de sete anos dentro do sertão, os bandeirantes estão virtualmente dizimados por ataques indígenas e pelas doenças tropicais. Muitos retornam para São Paulo. Já desanimados, os esgotados remanescentes jogam suas redes na lagoa Vupabuçu e, por fim, recolhem algumas pedras verdes. É o suficiente para se festejar. Finalmente inicia-se o retorno, mas Fernão Dias, corroído pela febre que já havia matado tantos de seu grupo, morre em pleno sertão, sem saber que havia encontrado turmalinas e não as sonhadas esmeraldas.

FERNÃO DIAS

Setenta e três anos de idade, olhos brilhando de febre, as mãos apertando um punhado de esmeraldas, o velho deixa a lagoa de Vupabuçu e retorna ao arraial do Sumidouro. Está há sete anos no sertão. Agora, o corpo cheio de tremores, o velho vai sendo consumido pela mesma febre que já destruíra muitos de seus homens. A seu lado, como sempre estiveram durante todos os anos da longa jornada, seu filho Garcia Rodrigues Paes e o genro e amigo Borba Gato.

Os homens voltaram a São Paulo, carregados de esmeraldas encontradas em Vupabuçu. No entanto, depois de toda a campanha que venceram unidos, ia o destino separá-los.

Fernão Dias Pais
Fernão Dias, óleo de Manuel Victor

Fernão Dias nunca voltaria a São Paulo. Ali mesmo, a caminho do arraial do Sumidouro, a morte esperava por ele. Apenas seu corpo, conduzido pelo filho, é que voltaria à cidade natal.

Rodrigues Paes chegaria vivo a São Paulo. Fernão Dias regressava morto. Mas, para Manuel de Borba Gato, não haveria retorno tão cedo. A jornada de volta, que iniciaram todos juntos, será para ele interrompida, e vão-se passar dezoito anos antes que possa avistar novamente a aldeia de Piratininga.

Setenta e três anos de idade, sete anos de sertão: Fernão Dias está morrendo longe da sua terra e da sua família. E morre em paz, as mãos se fechando sobre as pedras verdes que tanto ambicionara. Terminaram as aventuras de Fernão Dias. As de Borba Gato estavam apenas começando. Nas vidas de ambos, todo um ciclo de bandeirismo.

QUE ESTRANHO REI É ESTE QUE CORRE PELAS RUAS?

Nascido em 1608, Fernão Dias gozava do prestígio que lhe vinha da família, uma das mais antigas do planalto, anterior mesmo à fundação de São Paulo. Seu bisavô, João do Prado, chegou ao Brasil com Martim Afonso. Outros ancestrais dar-lhe-iam até mesmo parentesco com Pedro Álvares Cabral. Entre seus tios e primos, contavam-se alguns bandeirantes de destaque como Luís e Jerônimo Pedroso de Barros, Sebastião Pais de Barros e Fernão Dias Pais (chamado “o velho”).

São Paulo desse tempo é um pequeno vilarejo, cuja vida gira em torno de 370 famílias, quase dois mil habitantes. E nele Fernão Dias consegue seu primeiro emprego público. Em 1626, com dezoito anos, a Câmara Municipal o elege almotacé, pelo prazo de dois meses. Sua missão era fiscalizar as mercadorias postas à venda.

Pães pesando menos que o fixado em lei, vinho misturado com água e fazendas com o preço alterado, esses eram alguns dos problemas que o almotacé tinha que resolver e o fazia, enérgico que era.

Filho de família respeitada, sobrinho e primo de desbravadores dos sertões, Fernão, o jovem fiscal, logo se impôs e fez carreira na administração, onde vários de seus parentes já se destacavam. Com o trabalho e bem cuidando de seus terras, Fernão Dias acabou por fazer fortuna, a maior de São Paulo. E toda essa riqueza ele iria usar até o fim na busca de ouro e pedras preciosas.

UM SEGREDO: OURO E PEDRAS PRECIOSAS

São Paulo de Fernão Dias era uma vila de poucas ruas, com choupanas de pau-a-pique e alguns casarões de taipa, que se estendiam entre os rios Tamanduateí e Anhangabaú. Além dos rios, a bem pouca distância, estendiam-se fazendas e sítios, onde os paulistas passavam a maior parte do seu tempo, o que explica o abandono da vila, onde em geral só se ia para tratar de obrigações religiosas, de negócios ou de política.

A economia do lugar era pobre, sem nenhum grande produto de exportação, baseada numa agricultura de subsistência que incluía o trigo, o algodão, as vinhas, o marmelo e a cana-de-açúcar. A insipiência dessas culturas e o obstáculo da serra do Mar barravam o progresso.

Nesse tempo, a falta de dinheiro levava os paulistas ao primitivismo das trocas. O trigo e a marmelada de São Paulo eram os produtos mais aceitos. A pouca exportação e o isolamento natural reduziam a vila a um esquecido lugar onde o bem mais precioso era a autonomia dos que ali viviam, desligados da administração da metrópole. Os paulistas consideravam-se uma “república”, governada por uma Câmara Municipal eleita.

Falava-se muito em ouro, prata e pedras preciosas. Mas, sobre a existência dessas riquezas, os paulistas faziam muito mistério, temendo que a descoberta de jazidas trouxesse os homens do rei e o fim de uma era de tranqüilidade.

SEM REI POR UM DIA

Fernão Dias Pais
Aclamação de Bueno Amador da Ribeira, óleo de Oscar Pereira da Silva

Em 1640, após sessenta anos sob o jugo espanhol dos reis Filipes, Portugal se liberta e restaura a monarquia portuguesa, subindo ao trono, em Lisboa, Dom João IV. Em março do ano seguinte, quando a notícia chega a São Paulo, os paulistas temem que o novo rei venha a intervir na relativa liberdade de que gozavam.

E num momento de audácia respondem aos emissários lusitanos:

– Se Portugal quis ser livre, porque nós não havemos de querer também a liberdade? Por que devemos sair do jugo de uma nação para nos submetermos a outra? A liberdade é tão boa que Portugal lutou para consegui-la. Façamos como Portugal. Busquemos a libertação. Que o Brasil se separe de Portugal e nós, paulistas, obedeçamos a um rei paulista.

É possível que Fernão Dias tenha assistido e até participado dessa rebelião, que culminou com a aclamação de um rei paulista, Amador Bueno da Ribeira , homem de “opulentas searas em dilatadas lavouras com centenas de índios”.

Mas Amador Bueno, um homem de bom senso, não quis ser rei e aos que o aclamavam respondeu com vivas a Dom João IV, rei de Portugal.

NAS GARRAS DO TIGRE, O PRINCÍPIO DA GUERRA CIVIL

Com isso irritou o povo, que o perseguiu às carreiras até uma igreja, onde se refugiou. Com menos de 2 mil habitantes brancos, pobre e sem defesa, São Paulo teria sido um reino de vida muito curta. A aclamação de um rei paulista fora apenas um momento de entusiasmo pelos espanhóis que habitavam São Paulo.

Logo depois, verificaram que não havia nenhuma razão para se presumir que Dom João IV fosse dispensar ao planalto um tratamento diferente de seu predecessor. E, poucos dias mais tarde, quase todos os paulistas de renome, entre os quais o quase rei Amador Bueno e o rico e respeitado Fernão Dias,

assinam a ata de aclamação de “el-Rei Dom João, o quarto de Portugal”.

O ano de 1640 marca também, para São Paulo, o início de tempos tumultuados, em que as disputas pelo poder local entre duas famílias rivais, os Pires e os Camargo, levam o planalto a uma intermitente guerra civil. Ao mesmo tempo acontecem os episódios, ligados à disputa, que culminaram com a expulsão dos jesuítas da vila. De acordo com determinações expressas da Coroa, os padres defendiam os índios e lutavam contra a escravatura. Conseguiram até um documento do Papa Urbano VIII excomungado os escravizadores de indígenas. Mas a escravidão era uma imposição econômica e nem o papa pôde ser atendido pela gente de São Paulo. Uma ata assinada por 226 paulistas importantes, entre os quais Fernão Dias, oficializa a expulsão dos jesuítas.

A luta contra os missionários da Companhia de Jesus foi liderada pelos Camargo. Os Pires, seus rivais, nem assinaram o documento, não se sabe se por discordarem da expulsão ou se para não se submeterem à liderança dos adversários. Ainda que ligado aos Pires, Fernão assinou o documento dos Camargo. Era homem independente, com fama de coragem comprovada

VINTE ANOS DE GUERRA ENTRE CLÃS

No início de 1641, Fernão de Camargo, o “Tigre”, assassina Pedro Taques, líder dos Pires, na porta da matriz. É a guerra civil entre os dois clãs, que se estende, com breves intervalos, até 1660 e que envolve as figuras mais destacadas da vila.

Fernão Dias, apesar de cunhado de Pedro Taques, tem participação apenas discreta na primeira fase da luta. Entre 1644 e 46, a exemplo do que já fizera em 1638, quando chefiou uma bandeira na região do Tape, no Sul, parte em nova investida ao sertão. No ano de 1650, está empenhado em prestar ajuda na construção de um mosteiro para os monges beneditinos, o atual Mosteiro de São Bento, em São Paulo. Já em 1651, pregando a pacificação da guerra das famílias, Fernão Dias é eleito juiz ordinário. No ano seguinte, novo assassínio reacende a luta entre as famílias inimigas, acirrada ainda mais pela atitude dos Camargo, que, dominando a Câmara. Prorrogam o mandato de seus membros.

A esta altura, Fernão Dias já é favorável à volta dos jesuítas e, em 1653, com a chegada a São Paulo do ouvidor geral, uma espécie de ministro da Justiça, ele promove uma reconciliação geral entre os Camargo e os Pires, e entre todos os paulistas e os jesuítas.

Quem vai buscar os padres no Rio é o próprio Fernão Dias.

O acordo por ele firmado é simples e claro: os jesuítas se comprometem a não interferir na questão da escravidão dos indígenas e a não abrigar índio fugido.

A paz, porém, dura pouco. A luta pela maioria na Câmara logo põe novamente em pé de guerra os Pires e os Camargo. Parente de vereador não podia se eleger vereador. E essa lei leva a intermináveis debates sobre quem é ou seria parente de quem, as duas famílias querendo mandar na Câmara.

A política, somada às questões pessoais, volta a ensangüentar a vila. Recomeça a guerra civil, violenta, com a destruição de casas e incêndios de plantações.

Mas, nesta segunda fase de lutas, os Pires têm novo comandante: Fernão Dias. E é ele quem, tempos depois, no dia 25 de janeiro de 1660, data de aniversário de fundação da vila assina a paz entre os Pires e os Camargo, uma paz mais do que necessária, pois a vila tinha chegado “ao mais miserável estado, desamparada quase inteiramente de seus moradores”. A paz assinada entre Fernão Dias e José Ortiz Camargo incluía o compromisso de consertar o Caminho do Mar, estrada de ligação entre São Paulo e São Vicente.

Fernão Dias demora em cumprir essa parte do tratado e, quando a Câmara o adverte, dá uma resposta em que transparece o caos econômico produzido pelo conflito:

– Ontem, que foi Domingo, recebi de Vossas Mercês o que me ordenam sobre o caminho, que está por fazer, coisa que bem longe daqui me dava cuidado. Mas achei esta casa sem milho, não tenho trigo que segar, como os mais; acabando a sega, já há mantimentos, para logo o irmos fazer, como há de ser e não por cumprimento.

CHEGA DE ÍNDIOS: AGORA, OURO!

Os índios ainda eram a principal riqueza dos habitantes da região e atrás deles Fernão Dias volta ao sertão no ano seguinte, 1661. A venda de escravos índios, principalmente para a rica agro-indústria açucareira do Nordeste, é o que dá aos paulistas condições de importar armas, munições, talheres, louça, tudo enfim de que precisam.

A vida em São Paulo, nesse tempo, era um constante ir e vir e trazer e vender índios. E as bandeiras de apresamento vão desbravando o sertão, destruindo as missões, onde os jesuítas abrigavam os índios, e ampliando as terras sob o controle dos paulistas, integrando ao Brasil vastas áreas do Oeste e Centro-Sul, reivindicadas pela Espanha segundo o Tratado de Tordesilhas.

Em 1661, pois, Fernão Dias marchava contra as tribos indígenas do Guairá, no atual Estado do Paraná, de onde retorna, três anos e alguns meses depois, com mais de 4 mil índios.

Mas na volta encontra os tempos mudados: quase não há mais mercado para os índios.

Entre as razões do declínio do comércio de índios destacam-se o fim do bloqueio do tráfico de negros africanos, com a expulsão dos holandeses de Pernambuco (1654); a queda da produção açucareira do Nordeste, em função da concorrência do açúcar das Antilhas, e o desgaste da economia da região, resultante das próprias lutas contra os holandeses.

Os índios trazidos por Fernão Dias, segundo se diz, reunidos sem o uso da força, formaram uma aldeia às margens do Tietê, sob a administração do próprio Fernão Dias.

No mesmo ano de seu regresso, 1665, recebe apelo de Afonso VI: o rei quer ouro. Um novo ciclo estava começando. E Fernão Dias ajuda a primeira expedição, comandada por Barbalho Bezerra, e as seguintes, chefiadas por Brás Arzão e Baião Parente.

JUSTIÇA PATERNA. AO TRAIDOR, A FORCA!

Por todos esses anos Portugal andara empenhado em descobrir as lendárias minas de ouro, prata e pedras preciosas, que supunha existir no interior da Colônia.

Muitas expedições haviam fracassado, levando os portugueses a insistir com os paulistas, tão conhecedores dos sertões, para descobrirem as fortunas.

Em 1671, ano seguinte à morte de sua mãe octogenária, Fernão Dias recebe uma carta do governador geral, com elogios, promessas e a recomendação de descobrir esmeraldas. Em outubro de 1672, o bandeirante recebe uma nomeação oficial, com o pomposo título de “governador de toda a gente de guerra e outra e qualquer que tiver ido ao descobrimento das minas de prata e esmeraldas”.

E Fernão Dias, um ano depois, presta juramento diante do capitão-mor de São Vicente.

Duraram três anos os preparativos da expedição, que recebeu muitas promessas das autoridades portuguesas, mas acabou sendo financiada pelo próprio Fernão Dias.

Em 21 de julho de 1674, com 66 anos de idade, de barbas brancas e com a determinação de só voltar vitorioso, parte Fernão Dias à frente de 674 homens.

Desses, apenas 40 eram brancos; os demais, índios e mamelucos. Já o esperavam no interior as tropas de Matias Cardoso de Almeida e Bartolomeu da Cunha Cago, que haviam partido antes dele.

Não se conhece a rota da expedição. Supõe-se que Fernão Dias rumou para as cabeceiras do rio das Velhas, vencendo a serra da Mantiqueira, cortando-a pela região de Atibaia e Camanducaia. Ao longo do caminho iam surgindo pousos e roças.

Procurando fortuna, Fernão e seus homens iam plantando futuras cidades: Vituruna (Ibituruna, no rio das Mortes), Paraopeba, Sumidouro do Rio das Velhas, Roça Grande (sertão de Diamantina), Tucambira, Esmeraldas, Serro Frio.

CHEFE DA CONSPIRAÇÃO: O PRÓPRIO FILHO

Foram sete anos de sertão. Fracassada a busca de minas de prata na serra de Sabarabuçu, a bandeira entranha-se ainda mais no sertão. E nas marchas, da Mantiqueira à serra do Espinhaço e dali à chapada Diamantina, gastam-se os seus recursos em munição e alimentos, assim como se reduz o número de bandeirantes, brancos e índios, dizimados por ataques dos selvagens ou derrubados pela doença.

O desânimo que toma conta da tropa só é contido pela determinação de Fernão Dias. Emissários regressam a São Paulo em busca de recursos. Para atendê-los, Dona Maria Paes Betim, mulher de Fernão, vende todos os objetos de ouro e prata que possui, até mesmo as jóias das filhas. O Padre João Leite da Silva, irmão do bandeirante, providencia mantimentos, e Dona Maria faz um grande empréstimo de mais de três mil cruzados.

O orgulho dos paulistas os impedia de recorrer às autoridades da Colônia ou do Reino.

NAS MÃOS MORTAS, BRILHAM AS ESMERALDAS

Fernão Dias espera auxílio acampado no arraial do Sumidouro. O descontentamento é grande entre os seus comandados.

Certa noite, uma índia acorda o bandeirante e lhe dá o aviso: um grupo está reunido, tramando sua morte e a volta da bandeira a São Paulo.

Silenciosamente, Fernão vai até o local da conversa e identifica os conspiradores.

Na manhã seguinte, prende-os e manda enforcar o líder da conspiração: era José Dias Pais, filho natural do velho bandeirante.

Outros problemas surgem em seguida: Matias Cardoso de Almeida, lugar-tenente de Fernão Dias Pais, volta a São Paulo com parte da tropa. E novas deserções continuam a acontecer. Até os capelães da bandeira regressam. Mas Fernão Dias não desiste, segue para Itamirindiba, lugar tido como o da descoberta de esmeraldas, no começo do século, por Marcos de Azevedo, que morrera sem confessar onde encontra as pedras preciosas.

Os bandeirantes jogam suas redes na lagoa Vupabuçu: só lama e pedras. Porém, a vontade de ferro de Fernão Dias não os deixa desistir. Tudo em vão, apenas pedras.

Súbito, gritos, correria: numa rede aberta, entre o cascalho, estão brilhando as verdes esmeraldas.

A FORÇA DE PORTUGAL CHEGA A SÃO PAULO

Nesse meio tempo, um velho temor dos paulistas transforma-se em realidade. Já em 1674, chegara à Bahia Dom Rodrigo de Castel Blanco, fidalgo espanhol nomeado comissário de minas pelo Rei Pedro II, de Portugal.

Castel Blanco era perito em pedras e metais preciosos e, depois de percorrer diversas regiões, chegara à decepcionante conclusão: ou não existia ouro, prata, esmeraldas, ou era tão pouco que não valia a pena explorar.

Assim mesmo, o medo dos paulistas ante a ingerência das autoridades da Colônia e do Reino era fundamentado.

Depois de passar por Itabaiana, Iguape, Cananéia, Paranaguá, Curitiba e Itu, Castel Blanco chega a São Paulo, em 1680, com um propósito: encontrar a bandeira de Fernão Dias Pais.

Na qualidade de enviado do rei, Dom Rodrigo parte ao encontro de Fernão, guiado por Matias Cardoso de Almeida, nomeado tenente-general para o descobrimento de prata no Sabarabuçu.

Fernão aguarda o emissário do rei. Já haviam mesmo trocado algumas cartas e o bandeirante quer mostrar, cheio de orgulho, as suas esmeraldas.

Entretanto, roído pela febre, Fernão Dias não chega a conhecer Dom Rodrigo nem a saber qual a missão do espanhol. A mesma epidemia que matara muitos dos seus homens, também o levou, em 1681, aos 73 anos, em pleno sertão.

Fernão Dias Pais morre com todos os seus bens empenhados na expedição, deixando viúva Dona Maria Pais Betim, de apenas 39 anos, cinco filhas solteiras e cinco sobrinhas órfãs. Atendendo seu último pedido, o corpo do bandeirante foi embalsamado e, segundo parece, levado para São Paulo por seu filho, Garcia Rodrigues Pais, comandante do que sobrou da tropa. Ao atravessar o rio das Velhas, a canoa que transportava o corpo de Fernão Dias virou. Só alguns dias depois o cadáver reaparece, boiando. Conduzido finalmente até São Paulo, o corpo do bandeirante foi depositado na capela-mor do Mosteiro de São Bento, que ele ajudara a construir.

Cumprindo determinações expressas do pai, Garcia Rodrigues Pais colocou à disposição do enviado do rei as feitorias e os mantimentos que tinham deixado no arraial do Sumidouro, bem como os entrepostos estabelecidos no sertão. Além disso, entregou as esmeraldas.

De posse das pedras, o comissário do rei assumiu o comando da região percorrida pela bandeira.

O Padre João Leite da Silva, irmão de Fernão, protestou junto à Câmara:

– Eu, o Padre João Leite da Silva, por mim e como irmão do defunto, o Capitão Fernão Dias Pais, descobridor das esmeraldas, e em nome da viúva, sua mulher, requeiro às suas mercês, uma e muitas vezes, da parte de Vossa Alteza que Deus guarde, que atalhem, pelos meios convenientes, a Dom Rodrigo de Castel Blanco, os intentos que tem de apoderar-se das minas de esmeraldas que o dito meu irmão descobriu…

Mas o enviado do rei tem resposta:

– O Padre está muito enganado em fazer-me protesto do que eu tenho pela obrigação de fazer pela razão do meu posto.

Era a autoridade real que chegava ao planalto. Esperava-se uma reação de Garcia Rodrigues Pais, o sucessor de Fernão Dias. Mas Garcia preocupa-se apenas em seguir as ordens de seu pai, que não conhecera a tarefa de Dom Rodrigo.

OURO! PODER E GLÓRIA NA VIDA DE UM BANDEIRANTE

No arraial do Sumidouro, entretanto, um genro de Fernão, que participava de toda a aventura da bandeira, defende a descoberta do sogro e de seus companheiros. Quando Castel Blanco chega, encontra a oposição de Manuel de Borba Gato.

Depois de se negar a fornecer alimentos e a submeter seus homens ao comando do espanhol, trava com ele uma feroz disputa. Em agosto de 1682, após violenta discussão, um dos homens de Borba Gato atira o comissário real do alto de um penhasco.

Da vida de Borba Gato, antes da morte de Dom Rodrigo, pouco se sabe. Teria uns 46 anos quando partiu na longa bandeira do sogro, onde logo se distinguiu e tornou-se um dos capitães de maior prestígio. Era casado com Maria Leite, filha de Fernão. E nada mais se conhece.

Após a morte do espanhol é que começam as atribulações de Borba Gato.

Fugindo, embrenha-se logo para além da Mantiqueira, no sertão do São Francisco, acompanhado de alguns servidores. E ali se instala, respeitado como um cacique, convivendo com os índios. Seu paradeiro como homem procurado pela Coroa era desconhecido oficialmente, o que não o impedia de, através de emissários, manter correspondência com a família, em São Paulo. Estava, pois, a par das gestões que se faziam para absolvê-lo.

Os ourives portugueses haviam proclamado o pequeno valor das pedras verdes, desiludindo profundamente Garcia Rodrigues Pais e seu tio, o Padre João, que tinham ido a Portugal pedir recompensa ao rei.

De regresso, Garcia vai ao encontro de Borba Gato, no sertão de Cataguases, para confirmar a notícia do triste engano: Fernão Dias Pais morrera agarrando-se a simples turmalinas, pedras de pouco valor na época.

O sonho de Fernão Dias Pais desfaz-se após sua morte. A fortuna que encontrara não existia. Mas a decepção dos paulistas ia se transformar em vitória. Borba Gato, foragido, encontrou o ouro.

A ninguém, nem a Garcia, Borba Gato revela o local da descoberta. Em troca do seu segredo, pretende o perdão da Coroa e autoridade sobre as jazidas. E, enquanto aguarda o atendimento do pedido, continua procurando, quer mais ouro. A fama do rio das Velhas se alastra. Mas só Borba Gato e seus homens sabiam onde estava o ouro. Anos depois, em 1693, Borba Gato e seus homens sabiam onde estava o ouro. Anos depois, em 1693, Borba Gato, Antônio Rodrigues Arzão e outros aparecem explorando os tabuleiros auríferos de Cataguases e Sabará.

Borba Gato, durante 25 anos, nada mais faz do que correr atrás da fortuna, das minas de ouro. Volta a São Paulo apenas em 1699, aos 71 anos

A NOVA MISSÃO É ENCONTRAR PRATA

Garcia Rodrigues Pais resolve decidir de uma vez por todas a situação de Borba Gato e procura o governador do Rio de Janeiro, Artur de Sá e Meneses.

O governador, que já conhecia amostras do ouro descoberto por Borba Gato, não perde tempo:

– Pelas notícias que tenho, nas paragens a que chamam Sabarabuçu, haverá mina de prata; a cujo serviço mando Borba Gato para que explore os morros e serras que houver naquelas partes…

Só a descoberta de novas riquezas perdoaria o crime do bandeirante. E Borba Gato volta ao sertão, com dois genros, Antônio Tavares e Francisco de Arruda, rumo à região que tão bem conhecia.

Pouco tempo depois, pelo caminho de Taubaté, surge um emissário do governo, querendo notícias da expedição: Borba Gato manda dizer que encontrara a serra de Sabarabuçu e que lá não havia nem prata nem esmeraldas. Mas, acrescenta, na serra existe ouro, muito ouro, tão puro e tão rico como nenhum outro.

O governador, avisado, entra sertão adentro para ver de perto a grande descoberta, concedendo a Borba Gato, desde logo, uma carta de franquia para andar pela região sem ser molestado. Por outro lado, consta que o governador visitou as minas mais como particular que como funcionário do rei. Com isso, Artur de Sá e Meneses ficou rico, mas acabaria perdendo o posto.

Apesar da pressa com que se dirigiu para as minas, o governador já encontrou muita gente minerando ouro, inclusive no lugar em que se ergueria Vila Rica.

A descoberta de Borba Gato era apenas a primeira de muitas efetuadas por Antônio Rodrigues Arzão, Salvador Furtado de Mendonça, Antônio Dias de Oliveira e Garcia Rodrigues Paes, o filho de Fernão Dias Paes. De repente, começava a grande corrida ao outro.

Ao ultrapassar a Mantiqueira e encontrar Borba Gato, o governador pode contemplar toda a riqueza de Sabarabuçu, além das novas minas no rio das Velhas, ribeirão do Inferno e gari.

Artur de Sá e Meneses não tem dúvidas: concede o perdão a Borba Gato e ordena que daquele dia em diante não se fale mais na morte de Dom Rodrigo Castel Blanco.

DE FORAGIDO A GENERAL-DO-MATO

Em 1700, de perseguido pela Justiça, Manuel de Borba Gato passa a homem de confiança do Governo.

É o próprio Governador Artur de Sá e Meneses quem o nomeia:

– Para o distrito do Rio das Velhas se necessita um guarda-mor; vendo eu que o tenente-general Manuel de Borba Gato, além dos grandes merecimentos que tem por sua pessoa, prudência e zelo do real serviço, é prático no dito sertão e, pela muita experiência e do que desta fica, dará inteiro cumprimento ao que lhe foi ordenado e ao regimento que mandei dar aos guardas-mores das minas, hei por bem de o nomear no cargo de guarda-mor do distrito do Rio das Velhas.

Com isso, Borba Gato se transforma em general-do-mato.

Logo o Governo tratou de organizar as minas administrativamente.

Os postos principais ficaram com os paulistas: Borba Gato é promovido a superintendente, com jurisdição civil e criminal no distrito do Rio das Velhas; seu cunhado, Garcia Rodrigues Paes, é capitão-mor e administrador das entradas e descobertas de minas.

A remessa de ouro para Portugal cresce rapidamente: dos 725 quilos de 1699, sobe a 4350 quilos em 1703. Os pequenos arraiais passam de simples pousadas a povoados fixos. A zona das minas, praticamente desabitada, chega, já em 1710, a 30 mil habitantes e torna-se o centro econômico da Colônia. A Coroa estimula ao máximo a exploração do ouro e a região das minas, povoada e enriquecida, vai se transformando em importante mercado consumidor. A febre do ouro se alastra, os paulistas controlam com dificuldade a região.

De toda parte, acorreram forasteiros que, na maior parte das vezes, contestavam a autoridade de Borba Gato.

Era inevitável a formação de grupos rivais: de um lado, os paulistas, do outro, os recém-chegados. Os primeiros se unem sob a liderança de Borba Gato. Por sua vez, os forasteiros, apelidados emboabas – portugueses e brasileiros de outras regiões – também cerram fileiras, tendo como chefe Manuel Nunes Viana, português de origem humilde, que fizera fortuna contrabandeando ouro pelo vale do São Francisco.

As posições se radicalizam. A tensão aumenta. Pequenos incidentes se transformam em provocações.

Em 1708, o conflito se agrava: um português, denunciado por roubar arma de fogo, pede a proteção de Nunes Viana; o acusador, um paulista, consegue o auxílio do bandeirante Jerônimo Pedroso de Barros. Viana desafia o paulista para um duelo, este se esquiva. Enquanto isso, os dois grupos se preparam para a luta.

A 12 de outubro de 1708, Borba Gato manda afixar na porta da igreja de Caeté, como era costume, um edital expulsando Nunes Viana do distrito, por perturbação da ordem pública e sonegação de impostos. Nunes Viana repele a ordem e a desacata. A guerra se aproxima.

MASSACRE NO CAPÃO DA TRAIÇÃO

Borba Gato, então com oitenta anos, já não tinha a energia que a situação requeria. Diante da reação de Nunes Viana, limitou-se a repetir a ordem de expulsão, com ameaças de confisco de bens e de prender quem ajudasse o emboaba. Enquanto isso, Nunes Viana continua se armando.

Sempre tentando evitar a guerra, Borba Gato comete dois erros táticos: firma uma espécie de paz provisória com Nunes Viana, estabelecendo uma dupla autoridade nas minas, e, pior ainda, deixa o centro dos acontecimentos, voltando para sua fazenda no rio Paraopeba.

Com Borba Gato ausente, um português é assassinado. Em represália, os emboabas lincham José Prado, pai do criminoso. As lutas se generalizam. Os paulistas, inferiorizados em homens e armas, retiram-se do lugar, incendiando, de passagem, as plantações do inimigo. Os emboabas reagem pondo fogo nos campos dos paulistas, em Ribeirão do Carmo (hoje, cidade de Mariana). Com estes concentrados na região do rio das Mortes, os emboabas estabelecem um governo próprio para a região. Nunes Viana é escolhido chefe e, depois de alguma relutância, pois o desrespeito à Coroa era claro, acaba aceitando. Para o lugar de Borba Gato, Nunes Viana nomeia Mateus Moura, um homem que já havia assassinado a própria irmã.

Para seus lugar-tenentes, Nunes Viana escolhe dois foragidos da Justiça: Bento do Amaral Coutinho e Francisco do Amaral Gurgel.

Borba Gato, senhor dos sertões, não mandava mais.

E de nada valiam suas cartas ao governador do Rio de Janeiro, Fernando Martins Mascarenhas de Lencastre, denunciando Nunes Viana como contrabandista e acusando os emboabas:

– São homens que entraram desaforando de toda a sorte. Cada vez que querem fazer um motim ou levantamento; para isso têm elegido cabos nesse distrito, e dado senhas, que não há mais que dá-la um, para todos estarem juntos.

Mas os emboabas ainda não estão satisfeitos: Bento do Amaral Coutinho ruma para o rio das Mortes. Sua missão é expulsar de vez os paulistas. Mesmo com menos gente, estes conseguem bater Bento do Amaral no arraial da Ponta do Morro. Mas sabendo da vinda de reforços para auxiliar o português, os paulistas recuam na direção de Parati e São Paulo.

Um grupo de cinqüenta bandeirantes, entretanto, não consegue escapar e é cercado pelos emboabas. Sob promessa de serem poupados, entregam suas armas e se rendem. Ao vê-los desarmados, Bento do Amaral Coutinho ordena o massacre. Nenhum paulista escapou.

E o lugar do crime ganhou nome: Capão da Traição.

NO FIM DA VIDA, UM PACIFICADOR

Em março de 1709, um mês da tragédia do Capão da Traição, o Governador Fernando de Lencastre decide ir até as minas para por fim à guerra.

Antes de partir, o governador informa ao rei:

– Meu propósito é conservar os paulistas nas minas, por serem estes os seus descobridores, e só eles capazes de prosseguirem e aumentarem, pois nos forasteiros se não acha o préstimo de talharem o sertão para novos descobrimentos.

Chegando ao arraial do rio das Mortes, Fernando de Lencastre faz uma conciliação precária entre os paulistas remanescentes e os emboabas.

Mas, em Congonhas do Campo, é impedido de continuar viagem por uma tropa comandada pelo próprio Nunes Viana. Constatando a inferioridade de suas forças, o governador retorna ao Rio, derrotado.

A esta altura, entretanto, São Paulo está transformada em praça de guerra. Um verdadeiro exército está sendo armado, sob o comando de Amador Bueno da Veiga. Prepara-se a desforra. Enquanto isso, o humilhado Fernando de Lencastre entrega o Governo de São Paulo e das minas de ouro a Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, que também prepara uma expedição.

Destino: as minas de ouro.

Duas forças ameaçam os emboabas. Quem chega primeiro às minas é o novo governador, com uma anistia geral que exclui Nunes Viana e Bento do Amaral Coutinho.

O chefe rebelde é, então, intimado a se retirar da região, o que faz ao se ver abandonado por seus companheiros, que à luta preferem o ouro. O novo governador percorre as minas, sempre bem acolhido, reconduzindo o velho Borba Gato ao seu antigo posto.

Na sua volta ao Rio, na altura de Guaratinguetá, o governador encontra o exército dos paulistas, e tenta fazê-lo desistir da vingança. Em vão. Prevenidos, os emboabas se reagrupam e um novo choque, violento, se trava no arraial da Ponta do Morro, onde Amador Bueno da Veiga consegue difícil vitória. É ainda Borba Gato, ao lado do Governador Antônio de Albuquerque, quem faz a paz.

Em carta ao rei, o governador fala de Borba Gato:

– Um dos mais fiéis vassalos que Vossa Majestade tem entre eles, o qual o tenho com toda a estimação.

O OURO ATRAI OS PIRATAS

Até então, formalmente, São Vicente era uma capitania hereditária cuja capital desde 1681 era São Paulo. A riqueza das minas levou o rei a adquirir a capitania, comprando-a de seu donatário, o Marquês de Cascais. E em novembro de 1709, Dom João V criou a capitania de São Paulo e Minas de Ouro, passando a nomear o governador. São Paulo, elevava à categoria de cidade em 1711, ainda gozava de relativa autonomia, pois as autoridades reais preferiam ficar em Vila do Carmo, mais perto do Rio de Janeiro.

O Rio é, nessa época, o grande centro de atração da Colônia.

O ouro das minas não passa mais pelos antigos caminhos dos paulistas: Taubaté, Guaratinguetá e Parati. Mas segue direto pela estrada construída por Garcia Rodrigues Paes, a pedido do Governador Sá Meneses. E a riqueza do Rio, porto de embarque do ouro para Portugal, atrai os piratas.

Em, agosto de 1710, surgem diante do Rio cinco navios de guerra franceses, comandados por Jean François Duclerc. Rechaçados pela fortaleza de Santa Cruz, um mês depois desembarcam em Guaratiba e seguem a pé para o Rio, tomando o centro da cidade e atacando o palácio do Governo. Na defesa do palácio está o emboaba Bento do Amaral Coutinho, no comando de 48 estudantes.

A reação popular surpreende os franceses: 280 são mortos e 650 se rendem. Duclerc é preso, com as honras devidas ao seu posto. Mas é morto, meses depois, por um grupo de mascarados que o acusa de ” tentar seduzir mulheres honradas”.

O assassínio do prisioneiro de guerra é pretexto para novo ataque.

A 12 de setembro de 1711, aproveitando a cerração, 17 naus comandadas por René Duguay-Trouin forçam entrada na baía: 5300 franceses atacam o Rio.

Após conquistar algumas posições, Duguay-Trouin manda mensagem ao Governador Francisco de Castro Morais; quer lata indenização “pelas crueldades cometidas contra os prisioneiros” franceses no ano anterior, ou então a cidade ficará reduzida a cinzas.

O governador responde: as acusações dos franceses são injustas e ele defenderá a cidade até a última gota de sangue. Porém, diante dos violentos ataques franceses, o governador foi obrigado a retirar-se para fora da cidade e o povo debandou para as matas próximas.

Os franceses, então, saqueiam a cidade, e o governador, desmoralizado, é obrigado a vir tratar de resgatá-la. Não há dinheiro que chegue. Os franceses querem 610 mil cruzados. Para conseguir tal quantia é preciso juntar todo o dinheiro da população. Não há quem não maldiga o governador.

Nem os reforços que chegam da Capitania de São Paulo e Minas de Ouro, comandados pelo seu Governador Antônio de Albuquerque, resolvem a questão.

Essas tropas pouco podem fazer, pois não têm munição. Os franceses são os senhores absolutos do Rio de Janeiro, onde ficam ainda cerca de mês e meio, chegando a fazer amizade com parte da população.

A grande vítima da invasão, o Governador Francisco de Castro Morais, é denunciado pela Câmara e condenado à prisão perpétua nas Índias, tendo seus bens seqüestrados.

Com a invasão francesa, Portugal decide melhorar as condições de defesa da Colônia. E ordena um aumento geral dos impostos. Em vários pontos do Brasil surgem protestos; ao mesmo tempo que aumentava as taxas, a Coroa recebia cada vez mais ouro das minas. A corte de Dom João V torna-se uma das mais ricas da Europa. Em 1720, a remessa de ouro atinge seu ponto máximo.

Nesse mesmo ano vieram transformações políticas: a Capitania de Minas separa-se da de São Paulo. Os paulistas perdem, de vez, o controle da região.

Mas o velho espírito dos bandeirantes não morre. E os paulistas descobrem ouro na região de Cuiabá. Um novo ciclo de ouro se inicia. Alguns anos antes em 1718, aos noventa anos de idade, não se sabe se em sua fazenda de Paraopeba ou na vila de Sabará, por ele fundada, depois de tirar da terra mais de 750 quilos de ouro, rico e respeitado havia morrido Borba Gato.

Em 1722, mais uma grande expedição parte de São Paulo, desta vez rumo ao ouro do oeste. No comando, está Bartolomeu da Silva, filho de antigo bandeirante de mesmo nome que, em 1682, explorava os sertões goianos.

Como o pai, o filho também ficaria conhecido pelo apelido de Anhanguera, Diabo Velho. Depois de três anos, Bartolomeu Bueno da Silva, que já fizera fama de valoroso na guerra com os emboabas, retorna com novas conquistas para São Paulo; as minas de Goiás.

Contudo, o tempo dos bandeirantes estava passando. Logo a Corte estende seu domínio até o longínquo Goiás. Chegam os governadores, os fiscais, os funcionários onde antes só havia a mata fechada. A época das aventuras, das destemidas entradas, dos combates ferozes já vai passando. O ouro foi finalmente descoberto e agora só resta explorá-lo. Vai longe o tempo de Fernão Dias Paes. Vai longe o tempo de Manuel de Borba Gato.

Fonte: www.rosanevolpatto.trd.br/www.geocities.com/www.pick-upau.org.br

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