A Nossa Sé da Bahia

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Crônica do Viver Baiano Seiscentista

A nossa sé da bahia aos capitulares do seu tempo.

Pondera estando homiziado no carmo quam gloriosa he a paz da religião.

Ao ilustrissimo senhor d. Fr. Manuel da resurreyção.

A morte do mesmo senhor succedida de huma febre maligna em bellem andando
em visita.

Epitafio à sepultura do mesmo exmo. Senhor arcebispo.

A chegada do illustrissimo senhor d. João franco de oliveyra tendo
sido ja bispo em angolla.

A frota em que veyo o palliolo deste grande prelado.

Ao mesmo illustrissimo senhor chegando de visita a villa de s. Francisco,
onde ò esperavam muytos clerigos para tomarem ordens.

A magnificencia com que os moradores daquella vllla receberam o dito senhor
com varios artificios de fogo por mar, e terra concorrendo para a despeza
o vigario. Obrigados os ordenandos a cantar o canto cham desafinaram perturbados
a vista do prelado, e os obrigou, a que estudassem os sette signos. Celebra
o poeta este caso, e louva a predica, que fez sua illustrissima.

A morte violenta que luiz ferreyra de noronha capitão da guarda do
governador antonio luiz deo à jozé de mello sobrinho deste prelado.

Ao retiro que fes este illustrissimo prelado sentidissimo, e maguado pela
tyranna, e violenta morte que o capitão da guarda luiz ferreyra de
noronha deo a seu sobrinho.

Aos missionarios, à quem o arcebispo d. Fr. João da madre de
deus recomendava muyto as vias sacras, que enchendo a cidade de cruzes chamavão
do pulpito as pessoas por seus nomes, reprehendendo, à quem faltava.

A certo provincial de certa região que pregou o mandato em termos
ta, ridiculos que mais servio de motivo de rizo, do que de compaixão.

Ao cura da sé que era naquelle tempo, introduzida ali por dinheyro,
e com presunções de namorado satyriza o poeta como creatura
do prelado.

Ao illustrissimo d. Fr. João da madre de deos mudando-se para o seu
novo palacio, que comprou.

O deão andre gomes caveyra se introduzio de tal modo com êste
prelado em desabono do poeta, que estimulado o dito fêz o seguinte.

Como acreditou este prelado mais os mexericos de caveyra, do que as lizonjas
do poeta, lhe fez esta sátira

Louva o poeta o sermão, que pregou certo mestre na festa, que a justiça
faz, ao spirito santo no convento do carmo no ano 1686.

Celebra o poeta (estando homiziado no carmo), a burla, que fizeram os religiosos
com uma patente falsa de prior a frei miguel novellos, apelidado o latino
por ivertimento em hum dia de muyta chuva.

Ao vigario da villa de s. Francisco por huma pendencia, que teve com hum
ourives a respeyto de huma mulata, que se dizia correr por sua conta.

A outro vigario de certa freguezia, contra quem se amotinávam os freguezes
por ser muyto ambicioso.

Ao vigario antonio marques de perada encomendado na igreja da va de s. Francisco
ambicioso, e desconhecido.

Ao padre damaso da sylva parente do poeta, e seu opposto, homem desboccado,
e presunçoso com grandes implusos de ser ser vigario, sendo por algum
tempo em nossa senhora do loreto.

Retrato do mesmo clerigo.

Ao mesmo clerigo appellidando de asno ao poeta

Ao mesmo com presunções de sabio, e ingenhoso.

A outro clerigo amigo do frizão, que se dezia estar amancebado de
portas adentro com duas mulheres com huma negra, e outra mulata.

Ao padre manuel alvares capellão da marapé remoqueando ao poeta
huma pedrada que lhe deram de noyte estando se provendo: e perguntandolhe
porque se não satyrizava della! Escandalizado, e picado, porque o poeta
havia satyrizado os clerigos, que vinhão de portugal.

Entra agora o poeta a satirizar o dito padre.

Ao padre manuel domingues loureyro que rehusando ir por capellão para
angolla por ordem de sua ilustrissima, foy ao depois prezo, e maltratado,
porque resistio as ordens do mesmo prelado.

Ao vigario da madre de deos manuel rodrigues se queyxa o poeta de trez clerigos
que lhe foram a casa pela festa do natal, onde tambem elle estava e com galantaria
o persuade, a que sacuda os hospedes fora de casa pelo gasto, que faziam.

Aos mesmos padres hospedes entre os quais vinha o pe perico, que era pequenino.

Ao mesmo vigario galantea o poeta fazendo chistes de hum mimo, que lhe mandára
brites huma graciosa comadre sua, entre o qual vinha para o poeta hum cajú.

Ao celebre fr. Joannico comprehendido em lisboa em crimes de sodomita.

A fr. Pascoal que sendo abbade de n. S. Das brotas hospedou ali com grandeza
a d. Angela, e seus pays, que foram de romaria à aquelle santuario.

A fr. Thomaz d’apresentação pregando em termos laconicos a
primeyra dominga da quaresma.

Hum amigo deste religioso pedio ao poeta suas aprovações sobre
a mesma predica, a peditorio do mesmo pregador neste.

O mesmo amigo pedio ao poeta em outra occasião lhe glozasse este motte,
cuja materia foy haver triunfado o dito fr. Thomaz de certa opposição
capitular.

Ao sobredito religioso desdenhando critico de haver gonçallo ravasco,
e albuquerque na presença de sua freyra vomitado humas nauseas, que
logo cobrio com o chapeo.

A certo frade na villa de sam francisco, a quem hua moça fingindose
agradecida à seus repetidos galanteyos, lhe mandou em simulações
de doce huma panella de merda.

O certo frade que galanteando huas senhoras no convento de odivelas, lhes
entregou habito, e menores para um fingido entremez, e conhecendo o chasco,
em alta noyte deo em cantar o miserere, borrando, e ourinando todo o parlatorio,
pelo que a abadeça lhe deo os seus hábitos, e hua lanterna para
se retirar à lisboa.

A certo frade, que querendo embarcar-se para fora da cidade, furtou hum cabrito,
o qual sendo conhecido da may pelo berro o foy buscar dentro do barco, e como
não teve effeyto o dito roubo,tratou logo de furtar outro, e o levou
assado.

A certo frade que pregando muitos despropositos na madre de deos foi apedrejado
pelos rapazes, e se fingio desmayado por escapar: mas depois furtando ao poeta
um bordão, e ao arpista da festa um chapeo se retirou: porem sabendo-se
do furto lhe foy ao caminho tirar das mãos hum mulato
De domingos borges.

Indo certo frade a casa de huma meretriz lhe pedio esta quinze mll reis dantemão
para tirar humas argollas, que tinha empenhadas.

Satyriza outro caso de huma negra que foy achada com outro frade, e foy bem
moida com um bordão por seu amazio, por cuja causa se sagrou, e se
fingio manca de hum pé.

A certo frade que tratava com huma depravada mulata por nome vicencia que
morava junto ao convento, e atualmente á estava vigiando deste campanario.

Ao louco desvanecimento, com que este frade tirando esmollas cantava regaçando
o habito por mostrar as pernas, com presunções de gentilhomem,
bom membro, e boa voz.

Ao mesmo frade torna a satyrizar o poeta, sem outra materia nova, senão
presumindo, que quem o demo toma huma vez sempre lhe fica hum geyto.

A certo frade que indo pregar a hum convento de freyras, e estando com huma
na grade, lhe deo tal dor de barriga, que se cagou por si.

4 — A NOSSA SÉ DA BAHIA

com ser um mapa de festas
é um presépio de bestas.

e se nisto maldigo ou me engano,
eu me submeto à Santa Madre Igreja.

Se virdes um Dom Abade
sobre o púlpito cioso,
não Ihe chameis Religioso
chamai-lhe embora de Frade

Jesu, nome de Jesu!

AOS CAPITULARES DO SEU TEMPO

A nossa Sé da Bahia,
com ser um mapa de festas,
é um presépio de bestas,
se não for estrebaria:
várias bestas cada dia
vemos, que o sino congrega,
Caveira mula galega,
o Deão burrinha parda,
Pereira besta de albarda,
tudo para a Sé se agrega.

PONDERA ESTANDO HOMIZIADO NO CARMO QUAM GLORIOSA HE A PAZ DA RELIGIÃO

Quem da religiosa vida não se namora, e agrada,
já tem a alma danada,
e a graça de Deus perdida:
uma vida tão medida
pela vontade dos Céus,
que humildes ganham troféus,
e tal glória se desfruta,
que na mesa a Deus se escuta,
no Coro se louva a Deus.

Esta vida religiosa
tão sossegada, e segura
a toda a boa alma apura,
afugenta a alma viciosa:
há cousa mais deliciosa,
que achar o jantar, e almoço
sem cuidado, e sem sobrosso
tendo no bom, e mau ano
sempre o pão quotidiano,
e escusar o Padre nosso!

Há cousa como escutar
o silêncio, que a garrida
toca depois da comida
pare cozer o jantar!
há cousa como calar,
e estar só na minha cela
considerando a panela,
que cheirava, e recendia
no gosto de malvasia
na grandeza da tigela!

Há cousa como estar vendo
uma só Mãe religião
sustentar a tanto Irmão
mais, ou menos Reverendo!
há maior gosto, ao que entendo,
que agradar ao meu Prelado,
para ser dele estimado,
se ao obedecer-lhe me animo,
e depois de tanto mimo
ganhar o Céu de contado!

Dirão réprobos, e réus,
que a sujeição é fastio,
pois para que é o alvedrio,
senão para o dar a Deus:
quem mais o sujeita aos céus,
esse mais livre se vê,
que Deus (como ensina a fé)
nos deixou livre a vontade,
e o mais é mor falsidade,
que os montes de Gelboé.

Oh quem, meu Jesus amante,
do Frade mais descontente
me fizera tão parente,
que fora eu seu semelhante!
Quem me vira neste instante
tão solteiro, qual eu era,
que na Ordem mas austera
comera o vosso maná!
Mas nunca direi, que lá
virá a fresca Primavera.


AO ILUSTRISSIMO SENHOR D. Fr. MANUEL DA RESURREYÇÃO.

Subi a púrpura já, raio luzente
Do sol Americano, que em dourado
Dossel o Tibre vos verá sagrado
Dar um dia leis à sua corrente.

Entonces da Tiara a vossa frente,
E vosso Patriarca coroado
Um redil deveremos, e um cajado
Às vossas claves, e a seu zelo ardente.

Subi a cumes tão esclarecidos,
ó vos, de cuja remendada capa
sombras são já purpúreos resplandores.

Em quem divinamente reunidos
Os brasões de Seráfico, e de Papa
Verão os vossos dous Progenitores.


A MORTE DO MESMO SENHOR SUCCEDIDA DE HUMA FEBRE MALIGNA EM BELLEM ANDANDO
EM VISITA.

Neste túmulo a cinzas reduzido
Da virtude o Herói mais portentoso
Se oculta, feito estrago lastimoso
Da dura Parca, de que foi vencido.

De um incêndio cruel ficou rendido
Aquele peito forte, e valeroso,
Que por Deus tantas vezes amoroso
Tinha grandes incêndios padecido.

Porém a Parca andou muito advertida
Em Ihe tirar a vida desta sorte,
E tirana não foi, sendo homicida.

Que se o matou em um incêndio forte,
Foi, porque se de incêndios teve a vida,
De incêndios era bem tivesse a morte.


EPITAFIO À SEPULTURA DO MESMO EXmo. SENHOR ARCEBISPO

Este mármore encerra, ó Peregrino,
Se bem, que a nossos olhos já guardado,
Aquele, que na terra foi sagrado,
Para que lá no céu fosse divino.

De seu merecimento justo, e digno
Prêmio, pois na terra nunca irado
Se viu o seu poder, e o seu cajado
Neste nosso hemisfério ultramarino.

Enfim relíquias de um Prelado santo
Oculta este piedoso monumento:
As lágrimas detém, enxuga o pranto.

Prosta-te reverente, e beija atento
As cinzas, de quem deu ao mundo espanto,
E a todos os Prelados documento.

A CHEGADA DO ILLUSTRISSIMO SENHOR D. JOÃO FRANCO DE OLIVEYRA TENDO SIDO
JA BISPO EM ANGOLLA.

Hoje os Matos incultos da Bahia
Se não suave for, ruidosarnente
Cantem a boa vinda do Eminente
Príncipe desta Sacra Monarquia.

Hoje em Roma de Pedro se Ihe fia
Segunda vez a Barca, e o Tridente,
Porque a pesca, que fez já no Oriente,
A destinou para a do meio-dia.

Oh se quisera Deus, que sendo ouvida
A Musa bronca dos incultos Matos
Ficasse a vossa púrpura atraída!

Oh se como Arion, que a doces tratos
Uma pedra atraiu endurecida,
Atraísse eu, Senhor, vossos sapatos!


A FROTA EM QUE VEYO O PALLIOLO DESTE GRANDE PRELADO.

Tal frota nunca viram as idades
De rota, desmembrada, e detençosa,
Mui Santa deve ser, e religiosa,
Pois de dous em dous veio, como frades.

Não Ihe duvido eu destas qualidades,
Se veio na Almirante venturosa
Aquela insígnia Santa, e poderosa,
Que à Mitra episcopal dá potestades.

Chegou o Pálio enfim, que de um Prelado,
Que nos veio a medida do desejo
Tão merecido foi, como esperado.

Eu ouço repicar, e folgar vejo:
Repica a Sé, o Carmo está folgado,
Louco devo eu de ser, pois não doudejo.


AO MESMO ILLUSTRISSIMO SENHOR CHEGANDO DE VISITA A VILLA DE S. FRANCISCO,
ONDE Ò ESPERAVAM MUYTOS CLERIGOS PARA TOMAREM ORDENS.

Bem-vindo seja, Senhor, Vossa llustríssima
A este sítio famoso do Seráfico,
Onde nesta canção de verso alcaico
Ouça a ovelha balar sua amantíssima

Aqui verá correr água claríssima
Do grande Seregipe rio antártico,
Onde para tomar o eclesiástico
Caráter Santo há gente prestantíssima.

Aqui de Pedro a rede celebérrima
Cuido, que fez os lanços hiperbólicos,
Que na Bíblia se lêem Santa integérrima.

Porque estes Pescadores tão católicos
Nunca uma pesca fazem tão pulquérrima,
Que os buchos nos não deixem melancólicos.

A MAGNIFICENCIA COM QUE OS MORADORES DAQUELLA VlLLA RECEBERAM O DITO
SENHOR COM VARIOS ARTIFICIOS DE FOGO POR MAR, E TERRA CONCORRENDO PARA A DESPEZA
O VIGARIO.

Apareceram tão belas
no mar canoas, e truzes,
que se o céu é mar de luzes,
o mar era um céu de estrelas:
era uma armada sem velas
movida de outro elemento,
era um prodígio, um portento
ver com tanto desafogo
esta navegar com fogo,
se outras arribam com vento.

Sua Ilustríssima estava
assustado sobre absorto,
porque via um rio morto
o fogo, em que se abrasava:
grande cuidado Ihe dava ver,
que o mar morria então
infamado na opinião,
e como um judeu queimado,
sendo, que o mar é sagrado,
que inda é mais que ser cristão.

Lá no vale ardia o ar,
e por ser, comua a guerra,
no mar há fogo de terra,
na terra há fogo do mar:
toda a esfera a retumbar
fazia correspondência,
e com alegre aparênca
luzia na ardente empresa
fogo do ar por alteza,
e do mar por excelência.

Em cima as rodas paravam,
que varia a fortuna toda
desandava a sua roda,
e as do fogo não paravam:
os mestres se envergonhavam,
que era Lourenço, e Diogo:
e eu vi, que a Lourenço logo
a face se quebrantava,
com que a mim mais me queimava
o seu rosto, que o seu fogo.

Deu-se fogo em conclusão
a uma roda de encomenda,
foi como a minha fazenda,
que ardeu num abrir de mão:
estava em meio do chão
um rasto, para que ardesse
uma câmara, e parece,
que uma faísca caiu,
disparou: quem jamais viu,
que o fogo em câmeras desse.

Era grande a multidão
do Clero, e dos Seculares,
que a graça destes folgares
consiste na confusão:
Sua llustríssima então
se foi, que o fogo não zomba,
aqui queima, ali arromba:
segue-lhe o vigário os trilhos,
que as rodas não tinham filhos
mas pariam muita bomba.

A gente ficou pasmada,
porque viu a gente toda,
que era a resposta da roda
de bombarda respostada:
ficou a turba enganada,
porque enfim nos perturbarnos:
mas todos nos alegramos,
que isto somos, e isso fomos,
que então alegres nos pomos
quando mais nos enganamos.

Entre o desar, e entre o risco
a noite alegre passou:
que mais noite! se a gabou
té o Padre São Francisco:
nas mais paróquias foi cisco,
foi sombra, foi ar, foi nada
do nosso Prelado a entrada,
e a desconfiança é vã
de o Cura ter bolsa chã,
se a vontade é tão sobrada.

OBRIGADOS OS ORDENANDOS A CANTAR O CANTO CHAM DESAFINARAM PERTURBADOS
A VISTA DO PRELADO, E OS OBRIGOU, A QUE ESTUDASSEM OS SETTE SIGNOS. CELEBRA
O POETA ESTE CASO, E LOUVA A PREDICA, QUE FEZ SUA ILLUSTRISSIMA.

Senhor; os Padres daqui
por b quadro, e por b mol
cantam bem ré mi fá sol,
cantam mal lá sol fá mi:
a razão, que eu nisto ouvi,
e tenho para vos dar,
é, que como no ordenar
fazem tanto por luzir,
cantam bem para subir,
cantam mal para baixar.

Porém como cantariam
os pobres perante vós?
tão bem cantariam sós,
quão mal, onde vos ouviam:
quando o fabordão erguiam
cad’um parece, que berra,
e se um dissona, o outro erra,
mui justo me pareceu,
que sempre à vista do Céu
fique abatido, o que é terra.

Os Padres cantaram mal
como está já pressuposto,
e inda assim vos deram gosto,
que eu vi no riso o sinal.
foi-se logo cada qual
direito às suas pousadas
a estudar nas tabuadas
da música os sete signos,
não por cantar a Deus hinos,
mas por vos dar badaladas.

Vós com voz tão doce, e grata
enleastes meus sentidos,
que ficaram meus ouvidos,
engastados nessa prata:
tanto o povo se desata
ouvindo os vossos espritos!
que com laudatórios gritos
dou eu fé, que uma Donzela
disse, qual outra Marcela,
o cântico Benedictus.

A MORTE VIOLENTA QUE LUIZ FERREYRA DE NORONHA CAPITÃO DA GUARDA
DO GOVERNADOR ANTONIO LUIZ DEO À JOZÉ DE MELLO SOBRINHO DESTE
PRELADO.

Brilha em seu auge a mais luzida estrela,
Em sua pompa existe a flor mais pura,
Se esta do prado frágil formosura,
Brilhante ostentação do céu aquela.

Quando ousada uma nuvem a atropela,
Se a outra troca em lástima a candura,
Que há também para estrelas sombra escura,
Se para flores há, quem as não zela.

Estrela e flor, José, em ti se encerra,
Porque ser flor, e estrela mereceu
Teu garbo, a quem a Parca hoje desterra.

E para se admirar o indulto teu,
Como flor te sepultas cá na terra,
Como estrela ressurges lá no céu.

AO RETIRO QUE FES ESTE ILLUSTRISSIMO PRELADO SENTIDISSIMO, E MAGUADO
PELA TYRANNA, E VIOLENTA MORTE QUE O CAPITÃO DA GUARDA LUIZ FERREYRA
DE NORONHA DEO A SEU SOBRINHO.

Um benemérito peito,
uma Sacra Dignidade
sentir vem na soledade
da parca o cruel efeito:
que de um golpe sem respeito
quis cortar o vital fio,
sem atender Senhorio,
nem ver, o despojo horrendo,
de quem se agravara, vendo
desautorizado o brio.

Já de todo o mal distando
em Belém busca o retiro,
onde um, e outro suspiro
a pena estão aumentando:
e no pesar contemplando
jamais será divertido,
vendo de todo perdido
por culpa de um traidor vil
aquele Adônis gentil
a cadáver reduzido

Se a lei se deve observar,
como agora falta, e tarda?
a Justiça apenas guarda,
que agradou por aguardar:
privou por se depravar
pela via nunca usada,
deu ao vício franca entrada,
e bem se pode entender,
que enquanto vivo há de ser
privado pela privada.

Mas que muito haja amparado
um Calígula tirano
a seu amigo inumano
Capitão de cama, e lado?
o vulgo tem murmurado,
e a maldade não se doma,
e a sem-razão, que se assoma,
como demais já sobeja
contra um Ministro da Igreja
um nefando de Sodoma.

AOS MISSIONARIOS, À QUEM O ARCEBISPO D. FR. JOÃO DA MADRE DE DEUS RECOMENDAVA
MUYTO AS VIAS SACRAS, QUE ENCHENDO A CIDADE DE CRUZES CHAMAVÃO DO PULPITO
AS PESSOAS POR SEUS NOMES, REPREHENDENDO, À QUEM FALTAVA .

Via de perfeição é a sacra via,
Via do céu, caminho da verdade:
Mas ir ao Céu com tal publicidade,
Mais que à virtude, o boto à hipocrisia.

O ódio é d’alma infame companhia,
A paz deixou-a Deus à cristandade:
Mas arrastar por força, uma vontade,
Em vez de perfeição é tirania.

O dar pregões do púlpito e indecência,
Que de Fulano? venha aqui sicrano:
Porque o pecado, o pecador se veja:

E próprio de um Porteiro d’audiência,
E se nisto maldigo, ou mal me engano,
Eu me submeto à Santa Madre Igreja.

A CERTO PROVINCIAL DE CERTA REGIÃO QUE PREGOU O MANDATO EM TERMOS TA,
RIDICULOS QUE MAIS SERVIO DE MOTIVO DE RIZO, DO QUE DE COMPAIXÃO.

Inda está por decidir,
meu Padre Provincial,
se aquele sermão fatal
foi de chorar, se de rir:
cada qual pode inferir,
o que melhor lhe estiver,
porque aquela má mulher
da preversa sinagoga
fez no sermão tal chinoga,
que o não deixou entender.

Certo, que este lava-pés
me deixou escangalhado,
e quanto a mim foi traçado
para risonho entremez:
eu lhe quero dar das três
a outro qualquer Pregador,
seja ele quem quer que for,
já filósofo, ou já letrado,
e quero perder dobrado,
se fizer outro pior.

E vossa Paternidade,
pelo que deve à virtude,
de tais pensamentos mude,
que prega mal na verdade:
faça atos de caridade,
e trate de se emendar,
não nos venha mais pregar,
que jurou o Mestre Escola,
que por pregar pare Angola
o haviam de degradar.

AO CURA DA SÉ QUE ERA NAQUELLE TEMPO, INTRODUZIDA ALI POR DINHEYRO, E
COM PRESUNÇÕES DE NAMORADO SATYRIZA O POETA COMO CREATURA DO PRELADO.

O Cura, a quem toca a cura
de curar esta cidade,
cheia a tem de enfermidade
tão mortal, que não tem cura:
dizem, que a si só se cura
de uma natural sezão, que lhe dá na ocasião
de ver as Moças no eirado,
com que o Cura é o curado,
e as Moças seu cura são.

Desta meizinha se argúi,
que ao tal Cura assezoado
mais lhe rende o ser curado,
que o Curado, que possui,
grande virtude lhe influi
o curado exterior:
mas o vício interior
Amor curá-lo procura,
porque Amor todo loucura,
se a cura é de louco amor.

Disto cura o nosso Cura,
porque é curador maldito,
mas ao mal de ser cabrito
nunca pôde dar-lhe cura:
É verdade, que a tonsura
meteu o Cabra na Sé,
e quando vai dizer “Te
Deum laudamus” aos doentes,
se lhe resvela entre dentes,
e em lugar de Te diz me.

Como ser douto cobiça,
a qualquer Moça de jeito
onde pôs o seu direito,
logo acha, que tem justiça:
a dar-lhe favor se atiça,
e para o fazer com arte,
não só favorece a parte,
mas toda a prosápia má,
se justiça lhe não dá,
lhe dá direito, que farte.

Porque o demo lhe procura
tecer laços, e urdir teias,
não cura de almas alheias,
e só do seu corpo cura:
debaixo da capa escura
de um beato capuchinho
é beato tão maligno
o cura, que por seu mal
com calva sacerdotal
é sacerdote calvino.

Em um tempo é tão velhaco,
tão dissimulado, e tanto,
que só por parecer santo
canoniza em santo um caco:
se conforme o adágio fraco
ninguém pode dar, senão
aquilo, que tem na mão,
claro está que no seu tanto
não faria um ladrão santo,
senão um Santo Ladrão.

Estou em crer, que hoje em dia
já os cânones sagrados
não reputam por pecados
pecados de simonia:
os que vêem tanta ousadia,
com que comprados estão
os curados mão por mão,
devem crer, como já creram,
que ou os cânones morreram,
ou então a Santa unção.

AO ILLUSTRISSIMO D. FR. JOÃO DA MADRE DE DEOS MUDANDO-SE PARA O SEU NOVO
PALACIO, QUE COMPROU.

Sacro Pastor da América florida,
Que para o bom regímen do teu gado
De exemplo fabricastes o cajado,
E de frauta te sene a mesma vida.

Outros tua virtude esclarecida
Cantem: mas teu palácio por sagrado
Cante Apolo de raios coroado
Na musa humilde de álamos cingida.

Gusano a tua folha me alimente,
Tua sombra me ampare peregrino,
Passarinho o teu ramo me sustente.

Tecerei tua historia em ouro fino,
De meus versos serás templo freqüente,
Onde glórias te cante de contino.

O DEÃO ANDRE GOMES CAVEYRA SE INTRODUZIO DE TAL MODO COM ÊSTE PRELADO
EM DESABONO DO POETA, QUE ESTIMULADO O DITO FÊZ O SEGUINTE.

MOTE

O mundo vai-se acabando,
cada qual olhe por si,
porque dizem, que anda aqui
uma Caveira falando.

Chegou o nosso Prelado
tão galhardo, e tão luzido,
tão douro, e esclarecido,
tão nobre, e tão ilustrado,
e não houve Prebendado,
que para o ir enganando
se lhe não fosse chegando;
mas só Caveira asnaval
é, quem co Prelado val:
O mundo vai-se acabando.

Como não há de acabar-se,
se uma Caveira tão feia
ao Prelado galanteia
a risco de enamorar-se!
onde se viu galantear-se
o roxete carmesi
pela caveira de Heli?
não é mentira, é verdade;
pois para seguridade
cada qual olhe por si.

Olhe por si cada qual,
e não se dêem por seguros,
sabendo, que anda extramuros
esta Caveira infernal:
ela anda pelo arrebal,
e dacolá para aqui,
eu por mil partes a vi:
o leigo, o frade, e o monge
não a imaginem de longe,
Porque dizem, que anda aqui.

Aqui anda, e aqui está
rosnando sempre entre nós,
Deão com cara de algoz,
e pertensões de Bispá:
ele é, o que os pontos dá,
e os vícios vai acusando
com zelo torpe, e nefando,
com que nos bota a perder:
porque quem não há de crer
Uma Caveira falando.

COMO ACREDITOU ESTE PRELADO MAIS OS MEXERICOS DE CAVEYRA, DO QUE AS LIZONJAS
DO POETA, LHE FEZ ESTA SÁTIRA

Eu, que me não sei calar,
mas antes tenho por míngua,
não purgar-se qualquer língua
a risco de arrebentar:
vos quero, amigo, contar,
pois sois o meu secretário,
um sucesso extraordinário,
um caso tremendo, e atroz;
porém fique aqui entre nós.

Do Confessor Jesuíta,
que ao ladrão do confessado
não só absolve o pecado,
mas os furtos lhe alcovita:
do Percursor da visita,
que na vanguarda marchando
vai pedindo, e vai tirando,
o demo há de ser algoz:
porém fique aqui entre nós.

O ladronaço em rigor
não tem para que o dizer
furtos, que antes de os fazer,
já os sabe o confessor:
cala-os para ouvir melhor,
pois com ofício alternado
confessor, e confessado
ali se barbeiam sós:
porém fique aqui entre nós.

Aqui o Ladrão consente
sem castigo, e com escusa,
pois do mesmo se lhe acusa
o confessor delinqüente:
ambos alternadamente
um a outro, e outro a um
o pecado, que é comum
confessa em comua voz:
porém fique aqui entre nós.

Um a outro a mor cautela
vem a ser neste acidente
confessor, e penitente,
porque fique ela por ela:
o demo em tanta mazela
diz: faço, porque façais,
absolvo, porque absolvais,
pacto inopinado pôs;
porém fique aqui entre nós.

Não se dá a este Ladrão
penitência em caso algum,
e somente em um jejum
se tira a consolação:
ele estará como um cão
de levar a bofetada:
mas na cara ladrilhada
emenda o pejo não pôs:
porém fique aqui entre nós.

Mecânica disciplina
vem a impor por derradeiro
o confessor marceneiro
ao pecador carapina:
e como qualquer se inclina
a furtar, e mais furtar,
se conjura a escavacar
as bolsas um par de enxós:
porém fique aqui entre nós.

O tal confessor me abisma,
que releve, e não se ofenda,
que um Frade Sagrado venda
o sagrado óleo da crisma:
por dinheiro a gente crisma,
não por cera, havendo queixa,
que nem a da orelha deixa,
onde crismando a mão pôs:
porém fique aqui entre nós.

Que em toda a Franciscania
não achasse um mau Ladrão,
quem lhe ouvisse a confissão,
mais que um padre da panhia!
nisto, amigo, há simpatia,
e é, porque lhe veio a pêlo,
que um atando vá no orelo,
e outro enfiando no cós:
porém fique aqui entre nós.

Que tanta culpa mortal
se absolva! eu perco o tino,
pois absolve um Teatino
pecados de pedra, e cal:
quem em vida monacal
quer dar à Filha um debate
condenando em dote, ou date
vem a dar-lhe o pão, e a noz;
porém fique aqui entre nós.

As Freiras com santas sedes
saem condenadas em pedra,
quando o ladronaço medra
roubando pedra, e paredes:
vós, amigo, que isto vedes,
deveis a Deus graças dar
por vos fazer secular,
e não zote de albernoz:
porém fique aqui entre nós.

LOUVA O POETA O SERM ÃO, QUE PREGOU CERTO MESTRE NA FESTA, QUE A JUSTIÇA
FAZ, AO SPIRITO SANTO NO CONVENTO DO CARMO NO ANO 1686.

Alto sermão, egrégio, e soberano
Em forma tão civil, tão erudita,
Que sendo o pregador um carmelita,
Julguei eu, que pregava um Ulpiano.

Não desfez Alexandre o nó Gordiano,
Co’a espada o rompeu (traça esquisita)
Soltais na forma legal, e requisita
Soltais o nó do magistrado arcano.

Ó Príncipes, Pontífices, Monarcas,
Se o Mestre excede a Bártolos, e Abades
Vesti-lhe a toga, despojai-lhe alparcas.

Rompam-se logo as leis das Majestades,
Ouçam Ministros sempre os Patriarcas,
Pois mais podem, que leis, autoridades.

CELEBRA O POETA (ESTANDO HOMIZIADO NO CARMO), A BURLA, QUE FIZERAM OS
RELIGIOSOS COM UMA PATENTE FALSA DE PRIOR A FREI MIGUEL NOVELLOS, APELIDADO
O LATINO POR DIVERTIMENTO EM HUM DIA DE MUYTA CHUVA.

Victor, meu Padre Latino,
que só vós sabeis latim,
que agora se soube enfim,
para um breve tão divino:
era num dia mofino
de chuva, que as canas rega,
eis a patente aqui chega,
e eu por milagre o suspeito
na Igreja Latina feito,
para se pregar na grega.

Os sinos se repicaram
de seu moto natural,
porque o Padre Provincial,
e outros Padres lhe ordenaram:
os mais Frades se abalaram
a lhe dar obediência,
e eu em tanta complacência,
por não faltar ao primor,
dizia a um Victor Prior,
Victor, vossa Reverência.

Estava aqui retraído
o Doutor Gregório, e vendo
um breve tão reverendo
ficou co queixo caído:
mas tornando em seu sentido
de galhofa perenal,
que não vi patente igual,
disse: e é cousa patente,
que se a patente não mente,
é obra de pedra, e cal.

Vctor, Victor se dizia,
e em prazer tão repentino,
sendo os vivas ao latino
soavam a ingresia:
era tanta a fradaria,
que nesta casa Carmela
não cabia refestela,
mas recolheram-se enfim
cada qual ao seu celim,
e eu fiquei na minha cela.

AO VIGARIO DA VILLA DE S. FRANCISCO POR HUMA PENDENCIA, QUE TEVE COM
HUM OURIVES A RESPEYTO DE HUMA MULATA, QUE SE DIZIA CORRER POR SUA CONTA.

Naquele grande motim,
onde acudiu tanta gente,
a título de valente
também veio valentim:
puxou pelo seu faim,
e tirando-lhe a barriga,
você se quer, que lho diga,
disse ao Ourives da prata,
na obra desta Mulata
mete muita falsa liga:
Briga, briga.

É homem tão desalmado,
que por lhe a prata faltar,
a estar sempre a trabalhar
bate no vaso sagrado:
não vê que está excomungado,
porque com tanta fadiga
a peça da igreja obriga
numa casa excomungada
com censura reservada,
pela qual Deus o castiga:
Briga, briga.

Porque com modos violentos
a um vigário tão capaz
sobre quatro, que já traz,
cornos, lhe põe quatrocentos!
deixe-se desses intentos,
e reponha a rapariga,
pois a repô-la se obriga,
quando afirma, que a possui,
e se a razão não conclui,
vai esta ponta à barriga:
Briga, briga.

Senhor Ourives, você
não é ourives da prata?
pois que quer dessa Mulata,
que cobre, ou tambaca é?
Restitua a Moça, que
é peça da Igreja antiga:
restitua a rapariga,
que se vingará o Vigário
talvez no confessionário,
e talvez na desobriga:
Briga, briga.

A Mulata já lhe pesa
de trocar odre por odre,
pois o leigo é membro podre,
e o Padre membro da igreja:
sempre esta telha goteja,
sempre dá grão esta espiga,
e a bola da rapariga
quer desfazer esta troca,
e deixando a sua toca
quer fazer co Padre liga
Briga, briga.

Largai a Mulata, e seja
logo logo a bom partido,
que como tem delinqüido
se quer acolher à igreja:
porque todo o mundo veja,
que quando a carne inimiga
tenta a uma rapariga,
quer no cabo, quer no rabo
a Igreja vence ao diabo
com outra qualquer cantiga.
Briga, briga.

A OUTRO VIGARIO DE CERTA FREGUEZIA, CONTRA QUEM SE AMOTINÁVAM OS FREGUEZES
POR SER MUYTO AMBICIOSO.

Reverendo vigário,
Que é título de zotes ordinário,
Como sendo tão bobo,
E tendo tão larguíssimas orelhas,
Fogem vossas ovelhas
De vós, como se fôsseis voraz Lobo.

O certo é, que sois Pastor danado,
E temo, que se a golpe vem de fouce,
Vos há de cada ovelha dar um couce:
Sirva de exemplo a vosso desalinho,
O que ovelhas têm feito ao Padre Anjinho,
Que por sua tontice, e sua asnia
o tem já embolsado na euxovia;
Porém a vós, que sois fidalgo asneiro,
Temo, que hão de fazer-vos camareiro.

Quisestes tosquear o vosso gado,
E saístes do intento tosqueado;
Não vos cai em capelo,
O que o provérbio tantas vezes canta,
Que quem ousadamente se adianta.
Em vez de tosquear fica sem pêlo?

Intentastes sangrar toda a comarca,
Mas ela vos sangrou na veia d’arca
Pois ficando faminto, e sem sustento,
Heis de buscar a dente qual jumento
Erva para o jantar, e para a ceia,
E se talvez o campo a escasseia,
Mirrado heis de acabar no campo lhano,
Fazendo quarentena todo o ano:
Mas então poderá vossa porfia
Declarar aos Fregueses cada dia.

Sois tão grande velhaco,
Que a pura excomunhão meteis no saco:
Já diz a freguesia,
Que tendes de Saturno a natureza,
Pois os Filhos tratais com tal crueza,
Que os comeis, e roubais, qual uma harpia;
Valha-vos; mas quem digo, que vos valha?
Valha-vos ser um zote, e um canalha:
Mixelo hoje de chispo,
Ontem um passa-aqui do Arcebispo.
Mas oh se Deus a todos nos livrara
De Marão com poder, vilão com vara!
Fábula dos rapazes, e bandarras,
conto do lar, cantiga das guitarras.

Enquanto vos não parte algum corisco,
Que talvez vos despreza como cisco,
E fugindo a vileza desse couro,
Vos vai poupando a cortadora espada,
Azagaia amolada,
A veloz seta, o rápido pelouro:

Dizei a um confessor dos aprovados,
Vossos torpes pecados,
Que se bem o fazeis, como é preciso
Fareis um dia cousa de juízo:
E uma vez confessado,
Como vos tenha Deus já perdoado,
Todos vos perdoaremos
Os escândalos mil, que de vós temos,
E comendo o suor de vosso rosto
Dareis a Deus prazer, aos homens gosto.

AO VIGARIO ANTONIO MARQUES DE PERADA ENCOMENDADO NA IGREJA DA Va DE S.
FRANCISCO AMBICIOSO, E DESCONHECIDO.

Da tua Perada mica
não te espantes, que me enoje,
porque é força, que a entoje
sendo doce de botica:
o gosto não se me aplica
a uma conserva afamada,
e em botes tão redomada,
que sempre por ter que almoces,
achas para tão maus doces
a tutia preparada.

Se tua Tia arganaz
te fez essa alcomonia,
com colher não ta faria,
com espátula ta faz:
criaste-te de rapaz
co pingue dessas redomas,
e hoje tal asco lhe tomas,
que tendo uma herança rica
hás raízes da botica,
contudo não tens, que comas.

Teu juízo é tão confuso,
que quando a qualquer cristão
lhe entra o uso de rezão,
de então lhe perdeste o uso:
sempre foste tão obtuso,
que já desde estudantete
te tinham por um doudete,
porque eras visto por alto,
na fala falso contralto,
na vista fino falsete.

Correndo os anos cresceste,
e se dizia em sussurro,
que era o teu crescer de burro,
pois cresceste, e aborreceste:
logo em tudo te meteste,
querendo ser eminente
nas artes, que estuda a gente,
mas deixou-te a tua asnia
Abel na filosofia,
na poesia inocente.

Deram-te as primeiras linhas
versos de tão baixa esfera,
que o seu menor erro era
serem feitos às Negrinhas:
com estas mesmas pretinhas,
por mais que te desbatizes,
gastaste os bens infelizes
do Marquês fino herbolário,
porque todo o Boticário
é mui rico de raízes.

Sendo um zote tão supino,
és tão confiado alvar,
que andas por i a pregar
geringonças ao divino:
pregas como um capuchino,
porque essa traça madura
um curado te assegura,
crendo Sua Senhoria,
que a botica te daria
as virtudes pare a cura.

Mas ele se acha enganado,
porque vê evidentemente,
que os botes para um doente
são, mas não pare um curado:
entraste tao esfaimado
a comer do sacrifício,
que todo o futuro ofício
cantaste sobre fiado,
pelo tirar de contado
ao dono do benefício.

Nenhuma outra cousa é
este andar dos teus alparques,
mais que ser Filho de Marques
vizinho da Santa Sé:
outro da mesma ralé
tão Marques, e tão bribante
te serve agora de Atlante,
porque para conjurer-se,
é facil de congregar-se
um com outro semelhante.

AO PADRE DAMASO DA SYLVA PARENTE DO POETA, E SEU OPPOSTO, HOMEM DESBOCCADO,
E PRESUNÇOSO COM GRANDES IMPLUSOS DE SER SER VIGARIO, SENDO POR ALGUM TEMPO
EM NOSSA SENHORA DO LORETO.

Dâmaso, aquele madraço,
que em pés, mãos, e mais miúdos
pode bem dar seis, e ás
ao major Frisão de Hamburgo:
Cuja boca é mentideiro,
onde acode todo o vulgo
a escutar sobre la tarde
las mentiras como punho:
Mentideiro freqüentado
de quantos senhores burros
perdem o nome de limpos
pela amizade de um sujo.
Cuja língua é relação
aonde acham os mais puros
para acusar um fiscal
para cortar um verdugo.
Zote muito parecido
aos vícios todos do mundo,
pois nunca os alheios corta,
sem dar no seu próprio escudo:
Santo Antônio de baeta,
que em toda a parte do mundo
os casos, que sucederam,
viu, e foi presente a tudo:
O Padre papa jantares,
hóspede tão importuno,
que para todo o banquete
traz sempre de trote o bucho:
Professo da providência,
que sem lograr bazaruco,
para passar todo um ano
nem dous vinténs faz de custo:
Que os amigos o sustentam,
e lhe dão como de juro
o jantar, quando lhes cabe
a cada qual por seu turno.
Essa vez, que tem dinheiro,
que é de sete em sete lustros:
três vinténs com um tostão,
ou dous tostões quando muito:
Com um vintém de bananas,
e de farinha dous punhos,
para passar dia, e meio
tem certo o pão, e conduto:
Lisonjeiro sem recato
adulador sem rebuço,
que por papar-lhe um jantar
de um sacristão faz um Núncio:
De um Tambor um General,
um Branco de um Mamaluco,
de uma senzala um palácio,
e um galeão de um pantufo.
Em passando a ocasião,
tendo já repleto o bucho,
desanda co’a taramela,
e a todos despe de tudo:
Outro sátiro de Esopo,
Que co mesmo bafo astuto
Esfriava o caldo quente,
E aquentava o frio punho:
O Zote, que tudo sabe
O grande Jurisconsulto
Dos Litígios fedorentos
Desta cidade monturo:
O Bártolo de improviso,
O subitâneo Licurgo,
Que anoitece um sabe-nada,
E amanhece um sabe-tudo:
O Letrado gratis dato,
e o que com saber infuso
quer ser Legista sem mestre,
canonista sem estudo:
Agraduado de douto
na academia dos burros,
que é braba universidade
para doutorar brandúzios:
desaforado sem susto,
entremetido sem riso,
e sem desar abelhudo:
Filho da puta com dita,
alcoviteiro sem lucro,
cunhado do Mestre-Escola,
parente que preza muito.
Fraquíssimo pelas mãos,
e valentão pelo vulto,
no corpo um grande de Espanha,
no sangue escória do mundo.
Este tal, de quem falamos,
como tem grandes impulsos
de ser batiza-crianças,
para ser soca-defuntos:
A Majestade d’El-Rei
tem já com mil esconjuros
ordenado, que o não colem
nem numa igreja de juncos.
Ele por matar desejos
foi-se ao adro devoluto
da Senhora do Loreto,
onde está Pároco intruso:
Ouvir é um grande prazer,
e vê-lo é um gosto sumo,
quando diz “os meus fregueses”
sem temor de um abrenuntio.
Item é um grande prazer
nas manhãs, em que madrugo
vê-lo repicar o sino,
para congregar o vulgo.
E como ninguém acode,
se fica o triste mazulo
em solitária estação
dizendo missa aos defuntos:
Quando o Frisão considero,
o menos que dele cuido,
é ser Pároco boneco
feito de trapos imundos.

RETRATO DO MESMO CLERIGO

Pois me enfada o teu feitio,
quero, Frisão, neste dia
retratar-te em quatro versos
as maravi, maravi, maravilhas.
Ouçam, olhem,
venham, venham, verão
o Frisão, da Bahia,
que está retratado
às maravi, maravi, maravilhas.

A cara é um fardo de arroz,
que por larga, e por comprida
é ração de um Elefante
vindo da Índia.
Ouçam, olhem,
venham, venham, verão
o Frisão da Bahia,
que está retratado
às maravi, maravi, maravilhas

A boca desempenada
é a ponte de Coimbra,
onde não entram, nem saem,
mais que mentiras.
Ouçam, olhem,
venham, venham, verão
o Frisão da Bahia
que está retratado
às maravi, maravi, maravilhas.

Não é a língua de vaca
por maldizente, e maldita,
mas pelo muito, que corta
de Tiriricas.
Ouçam, olhem,
venham, venham, verão
o Frisão da Bahia,
que está retratado
às maravi, maravi, maravilhas.

No corpanzil torreão
a natureza prevista
formou a fresta da boca
para guarita.
Ouçam, olhem,
venham, venham, verão
o Frisão da Bahia,
que está retratado
às maravi, maravi, maravilhas.

Quisera as mãos comparar-lhe
às do Gigante Golias,
se as do Gigante não foram
tão pequeninas.
Ouçam, olhem,
venham, venham, verão
o Frisão da Bahia,
que está retratado
às maravi, maravi, maravilhas

Os ossos de cada pé
encher podem de relíquias
para toda a cristandade
as sacristias.
Ouçam, olhem,
venham, venham, verão
o Frisão da Bahia,
que está retratado
às maravi, maravi, maravilhas.

É grande conimbricense,
sem jamais pôr pé em Coimbra,
e sendo ignorante sabe
mais que galinha.
Ouçam, olhem,
venham, venham, verão
o Frisão da Bahia,
que está retratado
às maravi, maravi, maravilhas.

Como na lei de Mafoma
não se argumenta, e se briga
ele, que não argumenta,
tudo porfia.
Ouçam, olhem,
venham, venham, verão
o Frisão da Bahia,
que está retratado
às maravi, maravi, maravilhas.

AO MESMO CLERIGO APPELLIDANDO DE ASNO AO POETA

Padre Frisão, se vossa Reverência
Tem licença do seu vocabulário
Para me pôr um nome incerto, e vário,
Pode fazê-lo em sua consciência:

Mas se não tem licença, em penitência
De ser tão atrevido, e temerário
Lhe quero dar com todo o Calendário,
Mais que a testa lhe rompa, e a paciência.

Magano, infame, vil alcoviteiro,
Das dodas corretor por dous tostões,
E enfim dos arreitaços alveitar:

Tudo isto é notório ao mundo inteiro,
Se não seres tu obra dos culhões
De Duarte Garcia de Bivar.

AO MESMO COM PRESUNÇÕES DE SABIO, E INGENHOSO.

Este Padre Frisão, este sandeu
Tudo o demo lhe deu, e lhe outorgou,
Não sabe musa musae, que estudou,
Mas sabe as ciências, que nunca aprendeu.

Entre catervas de asnos se meteu,
E entre corjas de bestas se aclamou,
Naquela Salamanca o doutorou,
E nesta salacega floresceu.

Que é um grande alquimista, isso não nego,
Que alquimistas do esterco tiram ouro,
Se cremos seus apógrafos conselhos.

E o Frisão as Irmãs pondo ao pespego,
Era força tirar grande tesouro,
Pois soube em ouro converter pentelhos.

A OUTRO CLERIGO AMIGO DO FRIZÃO, QUE SE DEZIA ESTAR AMANCEBADO DE PORTAS
ADENTRO COM DUAS MULHERES COM HUMA NEGRA, E OUTRA MULATA
.

A vós, Padre Baltasar,
vão os meus versos direitos,
porque são vossos defeitos
mais que as areias do mar:
e bem que estais num lugar
tão remoto, e tão profundo
com concubinato imundo,
como sois Padre Miranda,
o vosso pobre tresanda
pelas conteiras do mundo.

Cá temos averiguado,
que os vossos concubinatos
são como um par de sapatos
um negro, outro apolvilhado:
de uma, e outra cor calçado
saís pela porta fora,
hora negra, e parda hora,
que um zote camaleão
toda a cor toma, senão
que a da vergonha o não cora.

Vossa luxúria indiscreta
é tão pesada, e violenta,
que em dous putões se sustenta
uma Mulata, e uma Preta:
c’uma puta se aquieta
o membro mais desonesto,
porém o vosso indigesto,
há mister na ocasião
a negra para trovão,
e a parda para cabresto.

Sem uma, e outra cadela
não se embarca o Polifemo,
porque a negra o leva a remo,
e a mulata o leva a vela:
ele vai por sentinela,
porque elas não dêem a bomba;
porém como qualquer zomba
do Padre, que maravilha,
que elas disponham da quilha,
e ele ao feder faça tromba.

Elas sem mágoa, nem dor
lhe põem os cornos em pinha,
porque a puta, e a galinha,
têm o ofício de pôr:
ovos a franga pior,
cornos a puta mais casta,
e quando a negra se agasta,
e c’o Padre se disputa,
lhe diz, que antes quer ser puta,
que fazer com ele casta.

A negrinha se pespega
c’um amigão de corona,
que sempre o Frisão se entona,
que ao maior amigo apega:
a mulatinha se esfrega
c’um mestiço requeimado
destes do pernil tostado,
que a cunha do mesmo pau
em obras de bacalhau
fecha como cadeado.

Com toda esta cornualha
diz ele cego do amor,
que as negras tudo é primor,
e as brancas tudo canalha:
isto faz a erva, e palha,
de que o burro se sustenta,
que um destes não se contenta
salvo se lhe dão por capa
para a rua numa gualdrapa,
para a cama uma jumenta.

Há bulhas mnito renhidas
em havendo algum ciúme,
porque ele sempre presume
de as ver sempre presumidas:
mas elas de mui queridas
vendo, que o Padre de borra
em fogo de amor se torra,
andam por negar-lhe a graça
elas com ele de massa,
se ele com elas à porra.

Veio uma noite de fora,
e achando em seu vitupério
a mulata em adultério
tocou alarma por fora:
e por que pegou com mora
no raio do chumbo ardente,
foi-se o cão seguramente:
que como estava o coitado
tão leve, e descarregado
se pôde ir livremente.

Porque é grande demandão
o senhor zote Miranda,
que tudo, o que vê demanda,
seja de quem for o chão:
por isso o Padre cabrão
de contino está a jurar
que os cães lhe hão de pagar,
e que as fodas, que tem dado,
lhas hão de dar de contado,
e ele as há de recadar.

AO PADRE MANUEL ALVARES CAPELLÃO DA MARAPÉ REMOQUEANDO AO POETA HUMA
PEDRADA QUE LHE DERAM DE NOYTE ESTANDO SE PROVENDO: E PERGUNTANDOLHE PORQUE
SE NÃO SATYRIZAVA DELLA! ESCANDALIZADO, E PICADO, PORQUE O POETA HAVIA SATYRIZADO
OS CLERIGOS, QUE VINHÃO DE PORTUGAL.

Não me espanto, que você,
meu Padre, e meu camarada,
me desse a sua cornada
sendo rês de Marapé:
mas o que lhe lembro, é,
que se acaso a carapuça
da sátira se lhe aguça,
e na testa se ajustou,
a chuçada eu não lhe dou,
você se meta na chuça.

E se por estes respeitos
diz, que versos não farei
à pedrada, que eu levei
quando fazia os meus feitos:
agora os dará por feitos,
pois eu de boga arrancada
a uma, e outra pedrada
os faço, à que levei já,
e à que agora você dá,
que é inda maior pedrada.

Era pelo alto serão,
fazia um luar tremendo,
quando eu estava fazendo
ou câmara, ou vereação:
não sei, que notícia então
teve um Moço, um boa-peça,
pôs-se à janela com pressa
tão sem propósito algum,
que quis ter comigo um
quebradeiro de cabeça.

Cum torrão na mão se apresta,
e tirando-o com seu momo
me fez o memento homo,
pondo-me a terra na testa:
fez-me uma pequena fresta,
de que arto Sangue corria,
mas eu disse, quem seria
um Médico tão sem lei,
que primeiro me purguei,
do que levasse a sangria.

Ergui-me com pressa tanta,
que um amigo me gritou,
inda agora se purgou,
tão depressa se levanta?
Sim, Senhor, de que se espanta?
Se este Médico, este tramposo
é médico tão forçoso,
que faz levantar num dia
depois de curso, e sangria
ao doente mais mimoso.

Este caso, e desventura
foi na verdade, contado,
e sendo eu por mim curado,
o Moço me deu a cura:
com uma, e outra brabura
jurei, e prometi, que
lhe daria um pontapé:
mas o Moço acautelado
me deixou calamocado
para servir a você.

ENTRA AGORA O POETA A SATIRIZAR O DITO PADRE.

Reverendo Padre Alvar,
basta, que por vossos modos
saís a campo por todos
os Mariolas de altar?
mal podia em vos falar,
quem notícia, nem suspeita
tem d’asno de tão má seita:
mas como vos veio ao justo
a sátira, estais com susto,
de que por vós fora feita.

Convosco a minha camena
não fala, se vos não poupa,
porque sois mui fraca roupa
para alvo da minha pena:
se alguém se queima, e condena,
por que vê, que os meus apodos
vão frisando por seus modos,
ninguém os tome por si,
um pelo outro isso si,
que assim frisarão com todos.

Vós com malícia veloz
aplicai-o a um coitado,
que este tal terá cuidado
de vo-lo aplicar a vós:
desta aplicação atroz
de um por outro, e outro por um,
como não livrar nenhum,
ninguém do Poeta então
se virá a queixar, senão
do poema que é comum.

Bonetes na minha mão,
como os lanço ao ar direitos,
caindo em vários sujeitos
nuns servem, e noutros não:
não consiste o seu senão,
nem menos está o seu mal
na obra, ou no oficial,
está na torpe cabeça,
que se ajusta, e endereça
pelos moldes de obra tal.

E pois, Padre, vos importa
nos meus moldes não entrar,
deveis logo endireitar
a cabeça, que anda torta:
mas sendo uma praça morta,
e um zotíssimo ignorante
vir-vos-á a Musa picante
a vós, Padre mentecapto,
de molde como sapato,
e ajustada como um guante.

Outra vez vos não metais
sentir alheios trabalhos,
que dirão, que comeis alhos
galegos, pois vos queimais:
e porque melhor saibais,
que os zotes, de que haveis dor,
são de abatido valor,
vede nos vossos sentidos,
quais serão os defendidos,
sendo vós o defensor.

AO PADRE MANUEL DOMINGUES LOUREYRO QUE REHUSANDO IR POR CAPELLÃO PARA
ANGOLLA POR ORDEM DE SUA ILUSTRISSIMA, FOY AO DEPOIS PREZO, E MALTRATADO,
PORQUE RESISTIO AS ORDENS DO MESMO PRELADO.

Para esta Angola enviado
vem por força do destino,
um marinheiro ao divino,
ou mariola sagrado:
com ser no monte gerado
o espírito lhe notei,
que com ser besta de lei,
tanto o ser vilão esconde,
que vem da vila do conde
morar na casa d’EI-Rei.

Por não querer embarcar
com ousadia sobeja
atado das mãos da Igreja
veio ao braço secular:
a empuxões, e a gritar
deu baque o Padre Loureiro:
riu-se muito o carcereiro,
mas eu muito mais me ri,
pois nunca Loureiro vi
enxertado em Limoeiro.

No argumento, com que vem
da navegação moral,
diz bem, e argumenta mal,
diz mal, e argumenta bem:
porém não cuide ninguém,
que com tanta matinada
deixou de fazer jornada,
porque a sua teima astuta
o pôs de coberta enxuta,
mas mal acondicionada.

O Mestre, ou o capitão
(diz o Padre Fr. Orelo),
que há de levar um capelo,
se não levar capelão:
vinha branco, e negro pão
diz, que no mar fez a guerra,
pois logo sem razão berra,
quando na passada mágoa
trouxe vinho como água,
e farinha como terra.

Com gritos a casa atroa,
e quando o caso distinga,
quer vomitar na moxinga,
antes que cagar na proa:
querer levá-lo a Lisboa
com brandura, e com carinho,
mas o Padre é bebedinho,
e ancorado a porfiar
diz, que não quer navegar
salvo por um mar de vinho.

Aquentou muito a História
sobre outras ações velhacas
ter-lhe aborcado as patacas .-
o magano do Chicória:
mas sendo a graça notória,
diz o Padre na estacada,
que ficarão a pancada,
quando um, e outro desfeche
se o Loureiro de escabeche,
o Chicória de selada.

AO VIGARIO DA MADRE DE DEOS MANUEL RODRIGUES SE QUEYXA O POETA DE TREZ
CLERIGOS QUE LHE FORAM A CASA PELA FESTA DO NATAL, ONDE TAMBEM ELLE ESTAVA
E COM GALANTARIA O PERSUADE, A QUE SACUDA OS HOSPEDES FORA DE CASA PELO GASTO,
QUE FAZIAM.

Padre, a casa está abrasada,
porque é mais danosa empresa
pôr três bocas numa mesa,
que trezentas numa espada:
esta trindade sagrada,
com que toda a case abafa
a tomara ver já safa,
porque à casa não convém
trindade, que em si contém
três Pessoas, e uma estafa.

Vós não podeis sem dar pena
pôr à mesa três Pessoas,
nem sustentar três coroas
em cabeça tão pequena:
se a fortuna vos condena,
que vejais a casa rasa
com gente, que tudo abrasa,
não sofro, que desta vez
vos venham coroas três
fazer princípio de casa.

Se estamos na Epifania,
e os três coroas são Magos,
hão de fazer mil estragos
no caju, na valancia:
mágica é feitiçaria,
e a terra é tão pouco esperta,
e a gentinha tão incerta,
que os três a vosso pesar
não vos hão de oferta dar,
e hão de mamar-vos a oferta.

O incenso, o ouro, a mirra
que eles vos hão de deixar,
é, que vos hão de mirrar,
se vos não defende um irra:
o Crasto por pouco espirra,
porque é dado a valentão,
e se lhe formos à mão
no comer, e no engolir,
aqui nos há de frigir
como postas de cação.

AOS MESMOS PADRES HOSPEDES ENTRE OS QUAIS VINHA O Pe PERICO, QUE ERA
PEQUENINO.

Vierarn Sacerdotes dous e meio
Para a casa do grande sacerdote,
Dous e meio couberam em um bote,
Notável carga foi para o granjeiro.

O barco, e o Arrais, que ia no meio,
Tanto que em terra pôs um, e outro zote,
Se foi buscar a vida a todo o trote,
Deixando a carga, o susto, e o recreio.

Assustei-me em ver tanta clerezia,
Que como o trago enfermo de remela,
Cuidei, vinham rezar-me a agonia.
Porém ao pôr da mesa, e postos nela,
Entendi, que vieram da Bahia
Não mais que por papar a cabidela.

AO MESMO VIGARIO GALANTEA O POETA FAZENDO CHISTES DE HUM MIMO, QUE LHE
MANDÁRA BRITES HUMA GRACIOSA COMADRE SUA, ENTRE O QUAL VINHA PARA O POETA
HUM CAJÚ.

Ao Padre Vigário a flor,
ao pobre Doutor o fruito,
há nisto, que dizer, muito,
e dirá muito o Doutor:
tenho por grande favor,
que a título de compadre
deis, Brites, a flor ao Padre:
mas dando-me o fruito a mim,
o que se me deu assim,
é força, que mais me quadre.

Quadra-me, que o fruito influa,
que uma flor, que eu não queria,
Se dê, a quem principia
e o fruito, a quem continua:
se o fruito faz, que se argua,
que eu sou o dono da planta,
a flor seja tanto, ou quanta,
sempre o dono a quer perdida,
porque pelo chão caída
faz, que o fruito se adianta.

Quem é do fruito Senhor
sabe as Leis d’agricultura,
que todo o fruito assegura,
e despreza toda a flor:
e inda que chamam favor
dar a sua flor a Dama
àquele, por quem se inflama
eu entendo de outro modo,
e ao fruito mais me acomodo,
que honra, e proveito se chama.

Porque na testa vos entre
o mistério, que isto encerra,
quem me dá o fruito da terra,
me pode dar do seu ventre:
e porque se reconcentre
este vaticínio imundo
no vosso peito fecundo,
digo qual bem augureiro,
que quem me deu o primeiro,
me pode dar o segundo.

O Padre andou muito tolo
em vos estimar a flor,
porque era folha o favor,
e o meu todo era miolo:
com meu favor me consolo
de sorte, e tão por inteiro,
que afirmou por derradeiro,
que um favor, e outro suposto,
eu levo de vós o gosto,
e o Padre vigário o cheiro.

Eu do Vigário zombei,
porque vejo, que levou
uma flor, que se murchou,
e eu o fruito vos papei:
este exemplo lhe gravei,
y este desengaño doy
dela dicha, em que me estoy
cantando a su flor ansi,
que ayer maravilla fui,
y oy sombra mia aun no soy.


AO CELEBRE FR. JOANNICO COMPREHENDIDO EM LISBOA EM CRIMES DE SODOMITA.

Furão das tripas, sanguessuga humana,
cuja condição grave, meiga, e pia,
sendo cristel dos Santos algum dia,
hoje urinol dos presos vive ufana.

Fero algoz já descortês profana
Sua imagem do nicho da enxovia,
Que esse amargoso traje em profecia
Com a lombriga racional se dana.

Ah, Joanico fatal, em que horoscopos,
Ou porque à costa, ou porque à vante deste,
Da camandola Irmão quebraste os copos.

Enfim Papagaio humano te perdeste,
Ou porque enfim darias nos cachopos,
Ou porque em culis mundi te meteste.

A FR. PASCOAL QUE SENDO ABBADE DE N. S. DAS BROTAS HOSPEDOU ALI COM GRANDEZA
A D. ANGELA, E SEUS PAYS, QUE FORAM DE ROMARIA À AQUELLE SANTUARIO.

Prelado de tan alta perfecion,
Que supo em un aplauso, en un festin
Congregar en su casa um serafin
Cercado de tan alta relacion:

Ya mas tenga en su cargo dissension,
Ni en sus Fraylecitos vea motin:
Ninguno Hijuelo suyo sea ruin,
Y los crie en su santa bendicion.

Llena estè la cosina de sarten,
Y siempre el refectorio abunde en pan,
Que bien merece Frayle tan de bien.

A quien el sacro bago se le dan
Regir la casa santa de Belen,
Y que ya sela quite al soliman.

A FR. THOMAZ D’APRESENTAÇÃO PREGANDO EM TERMOS LACONICOS A PRIMEYRA DOMINGA
DA QUARESMA.

Padre Tomás, se Vossa Reverência
Nos pregar as Paixões desta arte mesma,
Viremos a emender, que na Quaresma
Não há mais pregador do que vossência.

Pregar com tão lacônica eloqüência
Em um só quarto, o que escrevo em resma,
À fé, que o não fazia Frei Ledesma,
Que pregava uma resma de abstinência.

Quando pregar o vi, vi um São Francisco,
Senão mais eficaz, menos chagado,
E de o ter por um Anjo estive em risco.

Mas como no pregar é tão azado,
Achei, que no evangélico obelisco
É Cristo no burel ressuscitado.

HUM AMIGO DESTE RELIGIOSO PEDIO AO POETA SUAS APROVAÇÕES SOBRE A MESMA
PREDICA, A PEDITORIO DO MESMO PREGADOR NESTE.

MOTE

Louvar vossas orações
é próprio do Pregador,
e a mim me dá mais temor
o Pregador, que os sermões.

Só o vosso entendimento
vos pode Tomás louvar,
e eu se pudera imitar
qualquer vosso pensamento:
para mostrar seu talento
fez um círculo em borrões
Apeles com dous carvões;
quem vira uma risca vossa?
Riscai vós, para que eu possa
Louvar vossas orações.

A causa é melhor, que o efeito
na boa filosofia,
e assim é vossa energia
menor, que o vosso sujeito:
logo se no humano peito
não há alcançar o primor
nas obras de tal autor,
mal a causa alcançarão,
pois o pregar do sermão
É próprio do Pregador.

Se louvo vossa alta idéia,
sou culpado em me atrever,
e sou culpado em meter,
a fouce em seara alheia:
nesta empresa, em que receia
entrar o engenho major,
entra o néscio sem pavor,
porque a louca valentia
dá ao néscio a ousadia,
E a mim me dá mais temor.

Ou cobarde, ou atrevido,
ou ousado, ou não ousado
hei de dizer empenhado,
o que calava entendido:
um amigo a vós rendido
pede a vossas orações
as minhas aprovações,
e eu calando lhe obedeço,
porque fique em maior preço
O Pregador, que os sermões.

O MESMO AMIGO PEDIO AO POETA EM OUTRA OCCASIÃO LHE GLOZASSE ESTE MOTTE,
CUJA MATERIA FOY HAVER TRIUNFADO O DITO FR. THOMAZ DE CERTA OPPOSIÇÃO CAPITULAR.

MOTE

Nuvens, que em oposição
o sol querem desluzir,
seus raios sabem sentir
por ser seu cuidado em vão.

No Céu pardo de Francisco
pardo à força de nublados
há vapores humilhados,
e soberbos com seu risco:
o soberbo ao sol arisco
se põe, e o humilhado não,
e o sol menos queima então
as nuvens, que chegar vê
em acatamentos, que
Nuvens, que em oposição.

As nuvens, que se lhe opõem
com tão néscio atrevimento,
o sol de um raio violento
queima, abrasa, e descompõe:
tudo o mais o sol dispõe
pare o manter, e cobrir
criar, e reproduzir,
e com razão não tem fé
co’as nuvens ingratas, que
O sol querem desluzir.

O sol por sua altiveza,
e nativo luzimento
não recebe abatimento
e abatê-lo é louca empresa:
quando se atreve a vileza
do vapor, que o vai seguir
na nuvem, que o quer cobrir,
se a subir não tem desmaios,
ao resistir dos seus raios
Seus raios sabem sentir.

Sentem com tanto pesar,
que têm por melhor partido
não haver ao sol subido
que subir para baixar:
era força escarmentar
na queda de Faetão,
e na Icária perdição,
que estes outros se arruinaram,
quando ao sol subir cuidaram,
Por ser seu cuidado em vão.

AO SOBREDITO RELIGIOSO DESDENHANDO CRITICO DE HAVER GONÇALLO RAVASCO,
E ALBUQUERQUE NA PRESENÇA DE SUA FREYRA VOMITADO HUMAS NAUSEAS, QUE LOGO COBRIO
COM O CHAPEO.

Quem vos mete, Fr. Tomás,
em julgar as mãos de amor,
falando de um amador
que pode dar-vos seis e ás?
Sendo vós disso incapaz,
quem vos mete, Fr. Franquia,
julgar, se foi policia
o vômito, que arrotastes,
se quando vós o julgastes,
vomitastes uma asnia:

Sabeis, por que vomitou
aquele amante em jejum?
lembrou-lhe o vosso budum,
e a lembrança o enjoou;
e porque considerou,
que o tal budum vomitado
era um fedor refinado,
por não ver poluto um céu,
o cobriu com seu chapéu,
e em cobri-lo o fez honrado.

Vós sois um pantufo em zancos,
mais oco do que um tonel,
e se estudais no burel,
entendereis de tamancos:
que as ações dos homens brancos,
tão brancos como Fuão,
não as julga um maganão
criado em um oratório,
julgador de refectório,
que dá o nosso Guardião.

O que sabeis, Frei Garrafa,
é a traça, e a maneira,
com que estafais uma Freira,
dizendo, que vos estafa:
vós saís com a manga gafa
do palangana, e tigela
d’ovos moles com canela,
e tão mal correspondeis,
que esse tempo, que a comeis,
são as têmporas para ela.

Item sabeis tresladar
falto de próprios conselhos
de trezentos sermões velhos
um sermão para pregar:
e como entre o pontear,
e cirgir obras alheias
se enxergam vossas idéias,
mostrais pregando de falso,
que sendo um Frade descalço,
andais pregando de meias.

E pois vossa Reverência
quis ser julgador de nora,
tenha paciência, que agora
se lhe tira a residência:
e inda que a minha clemência
se há com dissimulação,
livre-se na relação
dos cargos, em que é culpado
ser glutão como um capado,
como um bode fodinchão.

A CERTO FRADE NA VILLA DE SAM FRANCISCO, A QUEM HUA MOÇA FINGINDOSE
AGRADECIDA À SEUS REPETIDOS GALANTEYOS, LHE MANDOU EM SIMULAÇÕES DE DOCE HUMA
PANELLA DE MERDA.

Reverendo Frei Antônio
se vos der venérea fome,
praza a Deus, que Deus vos tome,
como vos toma o demônio:
uma purga de antimônio
devia a moça tomar,
quando houve de vos mandar
um mimo, em que dá a emender,
que já vos ama, e vos quer
tanto, como o seu cagar.

Fostes-vos mui de lampeiro
vós, e os amigos de cela
ao miolo da panela,
e achastes um camareiro:
metestes a mão primeiro,
de que vos desenganásseis,
e foi bem feito, que achásseis,
cagalhões, que então sentistes,
porque aquilo, que não vistes,
quis o demo, que cheirásseis.

A hora foi temerária,
o caso tremendo, e atroz,
e essa merda para vós
se não serve, é necessária:
se a peça é mui ordinária,
eu de vós não tenho dó:
e se não dizei-me: é pó
mandar-vos a ponto cru
a Moça prendas do cu,
que tão vizinho é do có?

Se vos mandara primeiro
o mijo num panelão,
não ficáreis vós então
mui longe do mijadeiro:
mas a um Frade malhadeiro
sem correia, nem lacerda,
que não sente a sua perda,
seu descrédito, ou desar,
que havia a Moça mandar,
senão merda com mais merda?

Dos cagalhões afamados
diz esta plebe inimiga,
que eram de ouro de má liga
não dobrões, porém dobrados:
aos Fradinhos esfamiados,
que abrindo a panela estão,
daí por cabeça um dobrão,
e o mais mandai-o fechar;
que por isso, e por guardar,
manhã serei guardião.

Se os cagalhões são tão duros,
tão gordos, tão bem dispostos,
é, porque hoje foram postos,
e ainda estão mal maduros:
que na enxurrada dos tais
é de crer, que abrandem mais,
porque a Moça cristãmente
não quer, que quebreis um dente,
mas deseja, que os comais.

O CERTO FRADE QUE GALANTEANDO HUAS SENHORAS NO CONVENTO DE ODIVELAS,
LHES ENTREGOU HABITO, E MENORES PARA UM FINGIDO ENTREMEZ, E CONHECENDO O CHASCO,
EM ALTA NOYTE DEO EM CANTAR O MISERERE, BORRANDO, E OURINANDO TODO O PARLATORIO,
PELO QUE A ABADEÇA LHE DEO OS SEUS HÁBITOS, E HUA LANTERNA PARA SE RETIRAR
À LISBOA.

Reverendo Frei Carqueja,
quentárida com cordão,
magano da religião,
e mariola da Igreja:
Frei Sarna, ou Frei Bertoeja,
Frei Pirtigo, que o centeio
moes, e não dás receio,
Frei Burro de Lançamento,
pois que sendo um Frei Jumento,
és um jumento sem freio.

Tu, que nas pardas cavernas
vives de um grosso saial,
és carvoeiro infernal,
pois andas com saco em pernas:
lembram-te aquelas fraternas,
que levaste a teu pesar,
quando a Prelada Bivar
por culpa, que te cavou,
de dia te desfradou
para à noite te expulsar.

Pela dentada, que Adão
deu no vedado fruteiro,
de folhas fez um cueiro,
e cobriu seu cordavão:
a ti o querer ser glutão
de outra maçã reservada,
ao vento te pôs a ossada,
mas com diferença muita,
que se nu te pôs a fruita,
tu não lhe deste a dentada.

De José se diz cad’hora,
que o fez um seno de chapa
deixar pela honra a capa
nas mãos da amante senhora:
tu na mão, que te namora,
por honra, e por pundonor
deixas hábito, e menor,
mas com desigual partido,
que José de acometido,
e tu de acometedor.

Desfradado em conclusão
te vistes em couro puro,
como vinho bem maduro,
sendo, que és um cascarrão:
era pelo alto serão,
quando a gente às adivinhas
viu entre queixas mesquinhas
na varanda um Frade andeiro
saído do Limoeiro
a berrar pelas casinhas.

Como Galeno na praça
apareceste ao luar
pobre, roubado do mar,
que era ver-te um mar de graça:
quando um pasma, e outro embaça;
não me tenham por visão,
frade sou inda em cueiros,
tornei-me aos anos primeiros,
e Bivar foi meu Jordão.

Porque luz se te não manda,
tu por não dar num ferrolho,
dizem, que abriste o teu olho,
que é cancela, que tresanda:
chovias por uma banda,
e por outra trovejavas,
viva tempestade andavas,
porque à comédia assistias,
que era tramóia fingias,
e na verdade o passavas.

Ninguém há, que vitupere
aquele lanço estupendo,
quando o teu pecado vendo
tomaste o teu miserere:
mas é bem, que me exaspere
de ver, que todo o sandeu,
que nos tratos se meteu
de Freiras, logo confessa,
que isso lhe deu na cabeça,
e a ti só no cu te deu.

Dessa hora temerária
ficou a grade de guisa,
que se até ali foi precisa,
desde então foi necessária:
tu andaste como alimária,
mas isso não te desdoura,
porque fiado na coura
da brutesca fradaria
estercaste estrebaria,
o que gostas manjedoura.

Que és frade de habilidade,
dás grandíssima suspeita,
pois deixas câmara feita,
o que foi té agora grade:
tu és um corrente Frade
nos lances de amor, e brio,
pois achou teu desvario
ser melhor, e mais barato,
do que dar o teu retrato,
pôr na grade o teu feitio.

Corrido enfim te ausentaste,
mas obrando ao regatão,
pois levaste um lampião
pela cera, que deixaste:
sujamente te vingaste
Frei Azar, ou Frei Piorno,
e estás com grande sojorno,
e posto muito de perna,
sem veres, que essa lanterna
te deram, por dar-te um corno.

O com que perco o sentido,
é ver, que em tão sujo tope
levando a Freira o xarope
tu ficaste o escorrido:
na câmara estás provido
e de ruibarbo com capa,
mas lembro-te Frei Jalapa,
que por cagar no sagrado
o cu tens excomungado,
se não recorres ao Papa.

Muito em teus negócios medras
com furor, que te destampa,
pois sendo um louco de trampa,
te tem por louco de pedras:
é muito, que não desmedras,
vendo-te trapo, e farrapo,
antes co’a Freira no papo,
como no sentido a tinhas,
parece, que a vê-la vinhas,
pois vinhas com todo o trapo.

Tu és magano de lampa,
Bivar é Freira travessa,
a Freira pregou-te a peça,
mas tu armaste-lhe a trampa:
se o teu cagar nunca escampa,
nunca estie o seu capricho,
e pois ta pregou, Frei Mixo,
chame-se por todo o mapa
ela travessa de chapa,
e tu magano de esguicho.

A CERTO FRADE, QUE QUERENDO EMBARCAR-SE PARA FORA DA CIDADE, FURTOU
HUM CABRITO, O QUAL SENDO CONHECIDO DA MAY PELO BERRO O FOY BUSCAR DENTRO
DO BARCO, E COMO NÃO TEVE EFFEYTO O DITO ROUBO,TRATOU LOGO DE FURTAR OUTRO,
E O LEVOU ASSADO.

De fornicário em ladrão
se converteu Frei Foderibus
o lascivo em mulieribus,
o mui alto fodinchão:
foi o caso, que um verão
tratando o Frade maldito
de ir da cidade ao distrito,
querendo a cabra levar,
para mais a assegurar,
embarcou logo o cabrito.

Mas a cabra esquiva, e crua
a outro pasto já inclinada
não quis fazer a jornada,
nem que a faça cousa sua:
balou uma, e outra rua
com tal dor, e tal paixão,
que respondendo o mamão
alcançou todo o distrito
nas respostas do cabrito
o codilho do cabrão.

Estava ele muito altivo
com seu jogo bem assaz,
porém, por roubar sem ás
perdeu bolo, cabra, e chibo:
porque sem pôr pé no estrivo
saltou na barca do Alparca,
e dizendo desembarca
saiu co filho a correr,
porque então não quis meter
com tal cabrão pé em barca.

O Frade ficou num berro,
porque temia o maldito
se não levasse o cabrito,
de achar, que lhe pegue um perro:
e por não cair nesse erro
num rebanho em boa fé
outro, a quem o Frei Caziqui,
quando ele dizia mihi,
ele respondia mé.

Do mé desaparecido
foi logo o dono avisado,
que o Frade lhe havia achado
antes dele o haver perdido:
e sendo o sítio corrido,
se achou, que a modo de pá
num forno o cabrito está,
que o Frade é destro ladrão
porém nesta ocasião
saiu-lhe a fornada má.

A CERTO FRADE QUE PREGANDO MUITOS DESPROPOSITOS NA MADRE DE DEOS FOI
APEDREJADO PELOS RAPAZES, E SE FINGIO DESMAYADO POR ESCAPAR: MAS DEPOIS FURTANDO
AO POETA UM BORDÃO, E AO ARPISTA DA FESTA UM CHAPEO SE RETIROU: POREM SABENDO-SE
DO FURTO LHE FOY AO CAMINHO TIRAR DAS MÃOS HUM MULATO DE DOMINGOS BORGES.

Reverendo Padre em Cristo,
Fr. Porraz por caridade,
Padre sem paternidade
salvo a tem pelo Anticristo:
não me direis, que foi isto,
que dizem, quando pregastes,
tão depressa vos pagastes,
que antes que o sermão findara
tanto cascalho embolsastes.

Pregastes tanta parvoíce
de tolo, e de beberrão,
que o povo bárbaro então
entendeu, que era louquice:
quis-vos seguir a doudice,
e posto no mesmo andar,
em lugar de persignar
uma pedrada vos prega,
que a testa ainda arrenega
de tal modo de pregar.

Aqui-d’EI-Rei me aturdistes,
e como um Paulo pregáveis,
entendi, quando gritáveis,
que do cavalo caístes:
vós logo me desmentistes,
dizendo, não tenho nada,
fingi aquela gritada,
porque entre tantos maraus
com seixos, limões, e paus
não viesse outra pedrada.

Bem creio eu, Peralvilho,
que sois cavalo de Troia,
e fazeis uma tramóia
co’a morte no garrotilho:
mas se perdendo o codilho,
que ganhais a mão, dizeis,
a vós o engano fazeis,
porque se quem compra, e mente,
se diz, que na bolsa o sente,
vós na testa o sentireis.

Vendo-vos escalavrado
o Vigário homem do céu
em casa vos recolheu,
por vos salvar no sagrado:
vós sois tão desaforado,
que não quisestes cear,
não mais que pelo poupar,
sendo que sois tão má preia,
que lhe poupastes a ceia,
por lhe roubar o jantar.

Fostes-vos de madrugada,
deixando-lhe aberta a porta,
mas a porta pouco importa,
importa a casa roubada:
fizestes uma trocada,
que só a pudera fazer
um beberrão a meu ver,
d’um por outro chapéu podre,
que trocar odre por odre
venha o demo a escolher.

Ficou o Mestre solfista
sem chapéu destro, ou sinestro,
e ainda que na arpa é destro,
vós fostes maior arpista:
quem por ladrão vos alista,
saiba, que sois mau ladrão,
que não perdendo ocasião,
lá em cima na vossa estada,
levastes a bordoada,
cá em baixo o meu bordão.

Tomastes do rio a borda,
e vendo os amigos Borges,
que leváveis tais alforjes,
trataram de dar-vos corda:
mas vendo, que vos engorda,
mais do que a vaca, o capim,
puseram-vos um selim,
um freio, e um barbicacho,
porque sendo um burro baio
logreis honras de rocim.

Vendo-vos ajaezado,
pela ocasião não perder,
botastes logo a correr
atrás das éguas mangado:
apenas tínheis chegado
de Caípe à casaria,
quando um Mulataço harpia
arrogante apareceu,
e vos tirou o chapéu
sem vos fazer cortesia.

Tirou-vos o meu cajado,
porque sois ladrão tão mau,
que levastes o meu pau,
que não serve a um barbado:
e vendo-vos despojado
dos furtos deste lugar
vos pusestes a admirar,
de que um Mulato valente
de vos despir se contente,
podendo-vos açoutar.

Nunca vós, borracho alvar,
a pregar-nos vos metais,
que se a rapazes pregais,
eles vos lá hão de pregar:
tratai logo de buscar
alguma Dona Bertola,
para pregar pela gola,
como aqui sempre fizestes,
que esse é o pregar, que aprendestes,
do que podeis pôr escola.

E guardai-vos, maganão
bêbado, jeribiteiro,
de tornar a este oiteiro
fazer vossa pregação:
que o Mestre Pantaleão,
e o Doutor, a quem roubastes,
e os mais, que aqui encontrastes
vos esperam com escarbas.
para arrancar-vos as barbas,
se é que a vinho as não pelastes.

INDO CERTO FRADE A CASA DE HUMA MERETRIZ LHE PEDIO ESTA QUINZE MlL REIS
DANTEMÃO PARA TIRAR HUMAS ARGOLLAS, QUE TINHA EMPENHADAS.

Quinze mil-réis dantemão
Cota a pedir-me se atreve,
o diabo a mim me leve,
se ela val mais que um tostão:
que outra fêmea de canhão,
por seis tostões, que lhe dei
toda a noite a pespeguei,
e a quem faz tal peditório
Borrório.

Ora está galante o passo;
Menina, não me direis,
se vos deu quinze mil-réis,
quem vos tirou o cabaço?
fazeis de mim tão madraço,
que vos dê tanto dinheiro
por um triste parrameiro,
que está junto ao cagatório?
Borrório.

Quereis argolas tirar
Co’as moedas, que são minhas?
para tirar argolinhas
só lança vos posso dar;
vós pedis por pedinchar
sem vergonha, nem receio,
como se eu tivera cheio
de dinheiro um escritório:
Borrório.

Saís muito à vossa Mãe
nos costumes de pedir,
e eu em não contribuir
me pareço com meu Pai:
essa petição deixai;
quereis sustentar-vos só
vossa Mãe, e vossa Avó,
e todo o mais avolório?
Borrório.

Vindes a mui ruim mato,
Menina, fazer a lenha,
que outra fêmea mais gamenha
mo fazia mais barato:
buscai outro melhor pato;
quereis depenar, a quem
a penas segura tem
a ração do refeitório?
Borrório.

Quereis, que o Prelado astuto
me tome conta da esmola,
e que a bom livrar dê a sola?
que tal faça! fideputo:
eu não sou amba macuto,
nem sou tampouco matreiro,
que vós comais o dinheiro,
e eu fique de gorgotório?
Borrório.

Vós quereis sem mais nem mais,
que no sermão de repente
eu faça chorar a gente,
para que vós vos riais?
tão ruim alma me julgais,
que para as vossas cobiças
tome capelas de missas,
e que chore o Purgatório?
Borrório.

Ora enfim vós a pedir,
e eu Cota a vo-lo negar,
ou vós havei de cansar,
ou eu me hei de sacudir:
com que venho a inferir
destas vossas petições,
que heis de pedir-me os culhões,
a parvoíce, e zimbório
Borrório.

SATYRIZA OUTRO CASO DE HUMA NEGRA QUE FOY ACHADA COM OUTRO FRADE, E FOY
BEM MOIDA COM UM BORDÃO POR SEU AMAZIO, POR CUJA CAUSA SE SAGROU, E SE FINGIO
MANCA DE HUM PÉ.

Nunca cuidei do burel,
nem menos do seu cordão,
que fosse tão cascarrão,
tão duro, nem tão cruel:
mas vós como sois novel,
e ignorais o bom, e o mau,
e o que tirastes do escote
foi ver, que era o seu picote
tão duro como um bom p**

Vós fostes bem esfregada
do burel esfregador,
mas depois o pão do amor
vos deixou mais bem pisada:
no bananal enramada
vos atastes ao cordão,
que vos fez a esfregação;
depois quem vos vigiou,
nas costas vos assentou
as costuras cum bordão.

Fingistes-vos mui doente,
e atastes no pé um trapo,
sendo a doença o marzapo
do Franciscano insolente:
enganastes toda a gente
fingidamente traidora,
mas eu soube na mesma hora,
que nos tínheis enganado,
e por haver-vos deitado,
fingis deitar-vos agora.

Eu sinto em todo o rigor
os vossos sucessos maus,
pois levastes com dois paus
um do Frade, outro do amor:
qual destes paus foi pior
vós nos haveis de dizer,
que eu não deixo de saber,
que sendo negras, ou brancas
é sempre um só pau de trancas
pouco para uma mulher.

Não vades ao bananal,
que e cousa escorregadia,
e eis de levar cada dia
lá no có, cá no costal:
sed libera nos a mal
dizei no vosso rosário,
e se o Frade é frandulário,
vá folgar a seu convento,
que vós no vosso aposento
tendes certo o centenário.

Muito mal considerastes,
no que o sucesso parou,
que o Frade vos não pagou,
e vós em casa o pagastes:
tal miserere levastes,
que vos digo na verdade,
fora melhor dá-lo ao Frade
porque é maior indecência
dá-lo a vossa negligência,
que à sua Paternidade.

A CERTO FRADE QUE TRATAVA COM HUMA DEPRAVADA MULATA POR NOME VICENCIA
QUE MORAVA JUNTO AO CONVENTO, E ATUALMENTE Á ESTAVA VIGIANDO DESTE CAMPANARIO.

Reverendo Fr. Sovela,
saiba vossa Reverência,
que a caríssima Vivência
põe cornos de cabidela:
tão vária gente sobre ela
vai, que não entra em disputa,
se a puta é mui dissoluta,
sendo, que em todos os povos
a galinha põe os ovos
e põe os cornos a puta.

Se está vossa Reverência
sempre à janela do coro,
como não vê o desaforo
dos Vicêncios co’a Vicência?
como não vê a concorrência
de tanto membro, e tão vário,
que ali entra de ordinário?
mas se é Frade caracol,
bote esses cornos ao sol
por cima do campanário.

Do alto verá você
a puta sem intervalos
tangida de mais badalos,
que tem a torre da Sé:
verá andar a cabra mé
berrando atrás dos cabrões,
os ricos pelos tostões
os pobres por piedade,
os leigos por amizade,
os Frades pelos pismões.

Verá na realidade
aquilo, que já se entende
de uma puta, que se rende
às porcarias de um Frade:
mas se não vê de verdade
tanto lascivo exercício,
é, porque cego do vício
não lhe entra no oculorum
o secula seculorum
de uma puta de ab initio.

AO LOUCO DESVANECIMENTO, COM QUE ESTE FRADE TIRANDO ESMOLLAS CANTAVA
REGAÇANDO O HABITO POR MOSTRAR AS PERNAS, COM PRESUNÇÕES DE GENTILHOMEM, BOM
MEMBRO, E BOA VOZ.

Ouve, Magano, a voz, de quem te canta
Em vez de doces passos de garganta
Amargos pardieiros de gasnate:
Ouve, sujo Alparcate,
As aventuras vis de um Dom Quixote
Revestido em remendo de picote.

Remendado dos pés até o focinho
Me persuado, que és Frade Antoninho:
Por Frei Basílio sais de São Francisco,
E entras Frei Basilisco,
Pois que deixas à morte as Putas todas,
Ou já pela má vista, ou pelas fodas.

Tu tens um membralhaz aventureiro,
Com que sais cada trique ao terreiro
A manter cavalhadas, e fodengas,
Com que as putas derrengas;
Valha-te: e quem cuidara, olhos de alpistre,
Que seria o teu membro o teu enristre!

Gabas-te, que se morrem as Mulatas
Por ti, e tens razão, porque as matas
De puro pespegar, e não de amores,
Ou de puros fedores,
Que exalam, porcalhão, as tuas bragas,
Com que matas ao mundo ou as estragas.

Dizem-me, que presumes de três partes,
E as de Pedro serão de malas artes:
Boa voz, boa cara, bom badalo,
Que é parte de cavalo:
Que partes podes ter, vilão agreste,
Se não sabes a parte, onde nasceste?

Vestido de burel um salvajola
Que partes pode ter? de mariola:
Quando o todo é suor, e porcaria,
A parte que seria?
Cada parte budum, catinga, e lodos,
Que estas as partes são dos Frades todos.

Não te desvaneça andar-te a puta ao rabo,
Que Joana Lopes dormirá c’o diabo;
E posto que a Mangá também forniques,
Que é moça de alfiniques,
Supõe, que tinha então faminta a gola,
E que te quis mamar o pão da esmola.

Não hão mister as putas gentilezas,
Que arto bonitas são, arto belezas:
O que querem somente, é dinheiro,
E se as cavalgas tu, pobre sendeiro,
É, porque dando esmolas, e ofertório,
Quando as pespegas, geme o refectório.

Prezas-te de galã, bonito, e pulcro,
E os fedores da boca é um sepulcro
A cães mortos te fede a dentadura,
E se há puta, que te atura
Tais alentos de boca, ou de traseiro,
É porque tu as incensas com dinheiro.

O hábito levantas no passeio,
E cuidas, que está nisso o galanteio,
Mostras a perna mui lavada, e enxuta,
Sendo manha de puta
Erguer a saia por mostrar as pernas,
Com que és hermafrodita nas cavernas.

Tu és Filho de um sastre de bainhas,
E botas muito mal as tuas linhas,
Pois quando fidalgão te significas,
A ti mesmo te picas,
E dando pontos em grosseiro pano,
Mostras pela entertela, que és magano.

Torna em teu juízo, louco Durandarte,
Se algum dia o tiveste, a quem tornar-te;
Teme a Deus, que em tão louco desatino
De algum celeste signo
Hei medo, que um badalo se despeça,
E te rompa a cabaça, ou a cabeça.

Se és Frade, louva ao Santo Patriarca,
Que te sofre calçar-lhe a sua alparca,
Que juro a tal, se ao século tornaras,
Nem ainda te fartaras
De ser um tapanhuno de carretos,
Por não ser mariola, onde há pretos.

AO MESMO FRADE TORNA A SATYRIZAR O POETA, SEM OUTRA MATERIA NOVA, SENÃO
PRESUMINDO, QUE QUEM O DEMO TOMA HUMA VEZ SEMPRE LHE FICA HUM GEYTO.

Reverendo Fr. Fodaz,
não tenho matéria nova,
de que vos faça uma trova,
mas de antiga tenho assaz:
que como sois tão capaz
de ires de mau a pior,
suponho de vosso humor,
que enquanto a velha, e o frade
sois sempre em qualquer idade
mais ou menos fodedor.

Na boa filosofia
mais ou menos não difere,
e assim vós que estais, se infere,
na mesma velhacaria:
Lembra-me a mim cada dia
tanto sucesso indecente,
que de vós refere a gente,
que inda que d’outra monção,
sei, que de hoje para então
nada tendes diferente.

Se o burel, que se remenda,
e o ser frade, e ser vilão
vos fazem mais fodinchão,
como haveis de ter emenda?
Será inútil contenda
querer, que vos emendeis,
pois como vós não deixeis
de ser frade, e ser vilão,
sempre heis de ser fodinchão,
fodereis, mais fodereis.

Quem a causa não desfaz,
não destrói o seu efeito,
com que vós no hábito estreito
sempre haveis de ser fodaz.
Valha o diabo o mangaz,
que em vendo a pinta, e a franga
aqui, em Jacaracanga,
em público, e em secreto,
se lhe cheira o vaso preto,
logo a porra se lhe emanga.

De um pirtigo tão velhaco,
que tão súbito se engrossa,
que direi, senão que almoça
vinte picas de Macaco:
membro, que em todo o buraco
se quer meter apressado,
qual arganaz assustado,
fugindo ao ligeiro gato,
que direi, que é membro rato?
Não: porque este é consumado.

Pois logo que hei de dizer,
como, e com que paridade
porei o membro de um frade,
a quem não farta o foder?
Eu não me sei nisto haver,
nem por que apodo me reja:
mas o mundo saiba, e veja,
que o membro deste mangado
é já membro desmembrado
da justiça, mais da Igreja.

A CERTO FRADE QUE INDO PREGAR A HUM CONVENTO DE FREYRAS, E ESTANDO COM
HUMA NA GRADE, LHE DEO TAL DOR DE BARRIGA, QUE SE CAGOU POR SI.

Ficaram neste intervalo
pagos a Freira, e o Frade,
ela a ele deu-lhe a grade,
que a vós não convém correr
com homem tão despejado,
ele a ela deu-lhe o ralo:
fê-lo ir com tanto abalo
o seu sujo proceder,
que se andar tão desatado,
logo vos há de feder.

Estas novas enxurradas
fizeram com novo estilo
na casa da grade um Nilo,
catadupa nas escadas:
não foram mal suportadas
dos vizinhos do lugar,
se chegaram a alcancar
(como ouvimos referir)
que os índios perdem o ouvir,
cá perdessem o cheirar.

Ao Frade, que assim vos trata,
porque outra vez não se entorne,
mandai, que à grade não torne,
até soldar a culatra:
que escopeta, que não mata,
quando tão junto atirou,
bem mostra, que se errou,
e toda a munição troca,
não rebentou pela boca,
pela escorva rebentou.

Neste hediondo tropel
cem mil causas achareis,
que não são para papéis,
posto que as ponha em papel:
o passo foi tão cruel,
que a dizê-lo me tentou:
se bem lastimado estou,
do que deste Frade ouvi,
torne ele mesmo por si,
já que por si se entornou.

Do monte Olimpo se conta,
que quando há maior tromento
deixa sua altura isenta,
porque das mais se remonta:
não sei, se vós nessa conta
entrastes, Senhora, então
naquela suja ocasião;
só sei, que o Frade seria,
pelo que dele corria,
monte, mais o limpo não.

Deste Frade ouvi dizer,
e é cousa digna de riso,
que tendo-se por Narciso,
fez fonte para se ver:
e deve-se reprender,
Dama bela, se vos praz
o que este Narciso faz,
pois ofende o fino amante,
deixando claro diante,
ver-se no escuro de trás.

Foi o Padre aqui mandado
para pregar: grande error!
Não pode ser pregador
um Frade tão despregado:
seja do ofício privado,
e de entre a gente falar,
pois todos vêem alcançar
o seu salvo presumir,
que sendo mau para ouvir,
é pior para cheirar.

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