O Burgo

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Crônica do Viver Baiano Seiscentista

I – O BURGO

Meus males de quem procedem?
Não é de vós? claro é isso:

Que eu não faço mal a nada

por ser terra e mato arisco.

Isto sois, minha Bahia,

Isto passa em vosso burgo

E POIS CORONISTA SOU

Se souberas falar também falarás também satirizaras,
se souberas,

e se foras poeta, poetaras.

Cansado de vos pregar
cultíssimas profecias,

quero das culteranias

hoje o hábito enforcar:

de que serve arrebentar,

por quem de mim não tem mágoa?

Verdades direi como água,

porque todos entendais

os ladinos, e os boçais

a Musa praguejadora.

Entendeis-me agora?

Permiti, minha formosa,
que esta prosa envolta em verso

de um Poeta tão perverso

se consagre a vosso pé,

pois rendido à vossa fé

sou já Poeta converso

Mas amo por amar, que é liberdade.

DESCREVE O QUE ERA REALMENTE NAQUELLE TEMPO A CIDADE DA BAHIA DE MAIS
ENREDADA POR MENOS CONFUSA.

A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar a cabana, e vinha,

Não sabem governar sua cozinha,

E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um freqüentado olheiro,

Que a vida do vizinho, e da vizinha

Pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,

Para a levar à Praça, e ao Terreiro.

Muitos Mulatos desavergonhados,

Trazidos pelos pés os homens nobres,

Posta nas palmas toda a picardia.

Estupendas usuras nos mercados,

Todos, os que não furtam, muito pobres,

E eis aqui a cidade da Bahia.

À CIDADE E ALGUNS PICAROS, QUE HAVIÃO NELLA.

Quem cá quiser viver, seja um Gatão,

Infeste toda a terra, invada os mares,

Seja um Chegai, ou um Gaspar Soares,

E por si terá toda a Relação.

Sobejar-lhe-á na mesa vinho, e pão,

E siga, os que Ihe dou, por exemplares,

Que a vida passará sem ter pesares,

Assim como os não tem Pedro de Unhão

Quem cá se quer meter a ser sisudo

Nunca Ihe falta um Gil, que o persiga,

E é mais aperreado que um cornudo.

Furte, coma, beba, e tenha amiga,

Porque o nome d’EI-Rei dá para tudo

A todos, que El-Rei trazem na barriga.

FlNGINDO O POETA QUE ACODE PELAS HONRAS DA CIDADE,
ENTRA A FAZER JUSTIÇA EM SEUS MORADORES,
SIGNALANDOLHES OS VICIOS, EM QUE ALGUNS
DELLES SE DEPRAVAVÃO

Uma cidade tão nobre,

uma gente tão honrada

veja-se um dia louvada

desde o mais rico ao mais pobre:

Cada pessoa o seu cobre,

mas se o diabo me atiça,

que indo a fazer-lhe justiça,

algum saia a justiçar,

não me poderão negar,

que por direito, e por Lei

esta é a justiça, que manda El-Rei.

0 Fidalgo de solar

se dá por envergonhado

de um tostão pedir prestado

para o ventre sustentar:

diz, que antes o que furtar

por manter a negra honra,

que passar pela desonra,

de que Ihe neguem talvez;

mas se o virdes nas galés

com honras de Vice-Rei,

esta é a justiça, que manda El-Rei.

A Donzela embiocada

mal trajada, e mal comida,

antes quer na sua vida

ter saia, que ser honrada:

à pública amancebada

por manter a negra honrinha,

e se Iho sabe a vizinha,

e Iho ouve a clerezia

dão com ela na enxovia,

e paga a pena da lei:

esta é a justiça, que manda El-Rei.

A casada com adorno

e o Marido mal vestido,

crede, que este mal Marido

penteia monho de corno:

se disser pelo contorno,

que se sofre a Fr. Tomás,

por manter a honra o faz,

esperai pela pancada,

que com carocha pintada

de Angola há de ser Visrei:

esta é a justiça, que manda El-Rei.

Os Letrados Peralvilhos

citando o mesmo Doutor

a fazer de Réu, o Autor

comem de ambos os carrilhos:

se se diz pelos corrilhos

sua prevaricação,

a desculpa, que lhe dão,

é a honra de seus parentes

e entonces os requerentes,

fogem desta infame grei:

esta é a justiça, que manda El-Rei.

O Clérigo julgador,

que as causas julga sem pejo,

não reparando, que eu vejo,

que erra a Lei, e erra o Doutor:

quando vêem de Monsenhor

a Sentença Revogada

por saber, que foi comprada

pelo jimbo, ou pelo abraço,

responde o Juiz madraço,

minha honra é minha Lei:

esta é a justiça, que manda El-Rei.

0 Mercador avarento,

quando a sua compra estende,

no que compra, e no que vende,

tira duzentos por cento:

não é ele tão jumento,

que não saiba, que em Lisboa

se Ihe há de dar na gamboa;

mas comido já o dinheiro

diz, que a honra está primeiro,

e que honrado a toda Lei:

esta é a justiça, que manda El-Rei.

A viúva autorizada,

que não possui um vintém,

porque o Marido de bem

deixou a casa empenhada:

ali vai a fradalhada,

qual formiga em correição,

dizendo, que à casa vão

manter honra da casa,

se a virdes arder em brasa,

que ardeu a honra entendei:

esta é a justiça, que manda EL-Rei.

0 Adônis da manhã,

o Cupido em todo o dia,

que anda correndo a Coxia

com recadinhos da Irmã:

e se Ihe cortam a lã,

diz, que anda naquele andar

por a honra conservar

bem tratado, e bem vestido,

eu o verei tão despido,

que até as costas Ihe verei:

esta é a justiça, que manda El-Rei.

Se virdes um Dom Abade

sobre o púlpito cioso,

não Ihe chameis Religioso,

chamai-lhe embora de Frade:

e se o tal Paternidade

rouba as rendas do Convento

para acudir ao sustento

da puta, como da peita,

com que livra da suspeita

do Geral, do Viso-Rei:

esta é a justiça, que manda El-Rei.

DEFINE A SUA CIDADE MOTE

De dous ff se compõe
esta cidade a meu ver
um furtar, outro foder.

Recopilou-se o direito,

e quem o recopilou

com dous ff o explicou

por estar feito, e bem feito:

por bem Digesto, e Colheito

só com dous ff o expõe,

e assim quem os olhos põe

no trato, que aqui se encerra,

há de dizer, que esta terra

De dous ff se compõe.

Se de dous ff composta

está a nossa Bahia,

errada a ortografia

a grande dano está posta:

eu quero fazer aposta,

e quero um tostão perder,

que isso a há de preverter,

se o furtar e o foder bem

não são os ff que tem

Esta cidade a meu ver.

Provo a conjetura já

prontamente como um brinco:

Bahia tem letras cinco

que são B-A-H-I-A:

logo ninguém me dirá

que dous ff chega a ter,

pois nenhum contém sequer,

salvo se em boa verdade

são os ff da cidade

um furtar, outro foder.

QUEYXA-SE A BAHIA POR SEU BASTANTE PROCURADOR,
CONFESSANDO, QUE AS CULPAS, QUE LHE INCREPÃO, NÃO
SÃO SUAS, MAS SIM DOS VICIOSOS MORADORES,
QUE EM Sl ALVERGA.

Já que me põem a tormento

murmuradores nocivos,

carregando sobre mim

suas culpas, e delitos:

Por crédito de meu nome,

e não por temer castigo

confessar quero os pecados,

que faço, e que patrocino.

E se alguém tiver a mal

descobrir este sigilo,

não me infame, que eu serei

pedra em poço, ou seixo em rio.

Sabei, céu, sabei, estrelas,

escutai, flores, e lírios,

montes, serras, peixes, aves

luz, sol, mortos, e vivos:

Que não há, nem pode haver

desde o Sul ao Norte frio

cidade com mais maldades,

nem província com mais vícios:

Do que sou eu, porque em mim

recopilados, e unidos

estão juntos, quantos têm

mundos, e reinos distintos.

Tenho Turcos, tenho Persas

homens de nação Impios

Magores, Armênios, Gregos,

infiéis, e outros gentios.

Tenho ousados Mermidônios,

tenho Judeus, tenho Assírios,

e de quantas castas há,

muito tenho, e muito abrigo.

E se não digam aqueles

prezados de vingativos,

que santidade têm mais,

que um Turco, e um Moabito?

Digam Idólatras falsos,

que estou vendo de contino,

adorarem ao dinheiro,

gula, ambição, e amoricos.

Quantos com capa cristã

professam o judaísmo,

mostrando hipocritamente

devoção à Lei de Cristo!

Quantos com pele de ovelha

são lobos enfurecidos,

ladrões, falsos, e aleivosos,

embusteiros, e assassinos!

Estes por seu mau viver

sempre péssimo, e nocivo

são, os que me acusam de danos,

e põem labéus inauditos.

Mas o que mais me atormenta,

é ver, que os contemplativos,

sabendo a minha inocência,

dão a seu mentir ouvidos.

Até os mesmos culpados

têm tomado por capricho,

para mais me difamarem,

porem pela praça escritos.

Onde escrevem sem vergonha

não só brancos, mas mestiços,

que para os bons sou inferno,

e para os maus paraíso.

Ó velhacos insolentes,

ingratos, mal procedidos,

se eu sou essa, que dizeis,

porque não largais meu sítio?

Por que habitais em tal terra,

podendo em melhor abrigo?

eu pego em vós? eu vos rogo?

respondei! dizei, malditos!

Mandei acaso chamar-vos

ou por carta, ou por aviso?

não viestes para aqui

por vosso livre alvedrio?

A todos não dei entrada,

tratando-vos como a filhos?

que razão tendes agora

de difamar-me atrevidos?

Meus males, de quem procedem?

não é de vós? claro é isso:

que eu não faço mal a nada

por ser terra, e mato arisco.

Se me lançais má semente,

como quereis fruito limpo?

lançai-a boa, e vereis,

se vos dou cachos opimos.

Eu me lembro, que algum tempo

(isto foi no meu princípio)

a semente, que me davam,

era boa, e de bom trigo.

Por cuja causa meus campos

produziam pomos lindos,

de que ainda se conservam

alguns remotos indícios.

Mas depois que vós viestes

carregados como ouriços

de sementes invejosas,

e legumes de maus vícios:

Logo declinei convosco,

e tal volta tenho tido,

que, o que produzia rosas,

hoje só produz espinhos.

Mas para que se conheça

se falo verdade, ou minto,

e quanto os vossos enganos

têm difamado o meu brio:

confessar quero de plano,

o que encubro por servir-vos

e saiba, quem me moteja,

os prêmios, que ganho nisso.

Já que fui tão pouco atenta,

que a luz da razão, e o siso

não só quis cegar por gosto,

mas ser do mundo ludíbrio.

Vós me ensinastes a ser

das inconstâncias arquivo,

pois nem as pedras, que gero,

guardam fé aos edifícios.

Por vosso respeito dei

campo franco, e grande auxílio

para que se quebrantassem

os mandamentos divinos.

Cada um por suas obras

conhecerá, que meu xingo,

sem andar excogitando,

para quem se aponta o tiro.

PRECEITO 1

Que de quilombos que tenho

com mestres superlativos,

nos quais se ensinam de noite

os calundus, e feitiços.

Com devoção os freqüentam

mil sujeitos femininos,

e também muitos barbados,

que se presam de narcisos.

Ventura dizem, que buscam;

não se viu maior delírio!

eu, que os ouço, vejo, e calo

por não poder diverti-los.

O que sei, é, que em tais danças

Satanás anda metido,

e que só tal padre-mestre

pode ensinar tais delírios.

Não há mulher desprezada,

galã desfavorecido,

que deixe de ir ao quilombo

dançar o seu bocadinho.

E gastam pelas patacas

com os mestres do cachimbo,

que são todos jubilados

em depenar tais patinhos.

E quando vão confessar-se,

encobrem aos Padres isto,

porque o têm por passatempo,

por costume, ou por estilo.

Em cumprir as penitências

rebeldes são, e remissos,

e muito pior se as tais

são de jejuns, e cilícios.

A muitos ouço gemer

com pesar muito excessivo,

não pelo horror do pecado,

mas sim por não consegui-lo.

PRECEITO 2

No que toca aos juramentos,

de mim para mim me admiro

por ver a facilidade,

com que os vão dar juízo.

Ou porque ganham dinheiro,

por vingança, ou pelo amigo,

e sempre juram conformes,

sem discreparem do artigo.

Dizem, que falam verdade,

mas eu pelo que imagino,

nenhum, creio, que a conhece,

nem sabe seus aforismos.

Até nos confessionários

se justificam mentindo

com pretextos enganosos,

e com rodeios fingidos.

Também aqueles, a quem

dão cargos, e dão ofícios,

suponho, que juram falso

por conseqüências, que hei visto.

Prometem guardar direito,

mas nenhum segue este fio,

e por seus rodeios tortos

são confusos labirintos.

Honras, vidas, e fazendas

vejo perder de contino,

por terem como em viveiro

estes falsários metidos.

PRECEITO 3

Pois no que toca a guardar

dias Santos, e Domingos:

ninguém vejo em mim, que os guarde,

se tem, em que ganhar jimbo.

Nem aos míseros escravos

dão tais dias de vazio,

porque nas leis do interesse,

é preceito proibido.

Quem os vê ir para o templo

com as contas e os livrinhos

de devoção, julgará,

que vão p’ra ver a Deus Trino:

Porém tudo é mero engano,

porque se alguns escolhidos

ouvem missa, é perturbados

desses, que vão por ser vistos.

E para que não pareça,

aos que escutam, o que digo,

que há mentira, no que falo

com a verdade me explico:

Entra um destes pela Igreja,

sabe Deus com que sentido,

e faz um sinal-da-cruz

contrário ao do catecismo.

Logo se põe de joelhos,

não como servo rendido,

mas em forma de besteiro

cum pé no chão, outro erguido.

Para os altares não olha,

nem para os Santos no nicho,

mas para quantas pessoas

vão entrando, e vão saindo.

Gastam nisto o mais do tempo,

e o que resta divertidos

se põem em conversação,

com os que estão mais propínquos

Não contam vidas de Santos,

nem exemplos ao divino,

mas sim muita patarata,

do que não há, nem tem sido.

Pois se há sermão, nunca o ouvem,

porque ou se põem de improviso

a cochilar como negros,

ou se vão escapulindo.

As tardes passam nos jogos,

ou no campo divertidos

dando Leis, e dando arbítrios.

As mulheres são piores,

porque se lhes faltam brincos

manga a volá, broche, troço,

ou saia de labirintos,

não querem ir para a Igreja,

seja o dia mais festivo,

mas em tendo essas alfaias,

saltam mais do que cabritos.

E se no Carmo repica,

ei-las lá vão rebolindo,

o mesmo para São Bento,

Colégio, ou São Francisco.

Quem as vir muito devotas,

julgará sincero, e liso,

que vão na missa, e sermão

a louvar a Deus com hinos.

Não quero dizer, que vão,

por dizer mal do Maridos,

aos amantes, ou talvez

cair em erros indignos.

Debaixo do parentesco,

que fingem pelo apelido,

mandando-lhes com dinheiro

muitos, e custosos mimos.


PRECEITO 4

Vejo, que morrem de fome

os Pais daquelas, e os Tios,

ou porque os vêem Lavradores,

ou porque tratam de ofícios.

Pois que direi dos respeitos,

com que os tais meus mancebinhos

tratam esses Pais depois

que deixam de ser meninos?

Digam-no quantos o vêem,

que eu não quero repeti-lo,

a seu tempo direi como

criam estes morgadinhos.

Se algum em seu testamento

cerrado, ou nuncupativo

a algum parente encarrega

sua alma, ou legados pios:

Trata logo de enterrá-lo

com demonstrações de amigo,

mas passando o Resquiescat

tudo se mate no olvido.

Da fazenda tomam posse

até do menor caquinho;

mas para cumprir as deixas

adoecem de fastio.

E desta omissão não fazem

escrúpulo pequenino,

nem se Ihes dá, que o defunto

arda, ou pene em fogo ativo.

E quando chega a apertá-los

o tribunal dos resíduos,

ou mostram quitações falsas,

ou movem pleitos renhidos.

Contados são, os que dão

a seus escravos ensino,

e muitos nem de comer,

sem Ihes perdoar serviço.

Oh quantos, e quantos há

de bigode fernandino,

que até de noite às escravas

pedem selários indignos,

Pois no modo de criar

aos filhos parecem símios,

causa por que os não respeitam,

depois que se vêem crescidos.

Criam-nos com liberdade

nos jogos, como nos vício,

persuadindo-lhes, que saibam

tanger guitarra, e machinho.

As Mães por sua imprudência

são das filhas desperdício,

por não haver refestela,

onde as não levem consigo.

E como os meus ares são

muito coados, e finos,

se não há grande recato,

têm as donzelas perigo.

Ou as quebranta de amores

o ar de algum recadinho,

ou pelo frio da barra

saem co ventre crescido.

Então vendo-se opiladas,

se não é do santo vínculo,

para livrarem do achaque,

buscam certos abortinhos.

Cada dia o estou vendo,

e com ser isto sabido,

contadas são, as que deixam

de amar estes precipícios.

Com o dedo a todas mostro,

quanto indica o vaticínio,

e se não querem guardá-lo,

não culpam meu domicílio.

PRECEITO 5

Vamos ao quinto preceito,

Santo Antônio vá comigo,

e me depare algum meio,

para livrar do seu risco.

Porque suposto que sejam

quietos, mansos, benignos,

quantos pisam meus oiteiros,

montes, vales, e sombrios;

Pode suceder, que esteja

algum áspide escondido

entre as flores, como diz

aquele provérbio antigo.

Faltar não quero à verdade

nem dar ao mentir ouvidos,

o de César dê-se a César,

o de Deus a Jesus Cristo.

Não tenho brigas, nem mortes

pendências, nem arruídos,

tudo é paz, tranqüilidade,

cortejo com regozijo:

Era dourada parece,

mas não é como eu a pinto

porque debaixo deste ouro

tem as fezes escondido.

Que importa não dar aos corpos

golpes, catanadas, tiros,

e que só sirvam de ornato

espada, e cotós limpos?

Que importa, que não se enforquem

os ladrões, e os assassinos,

os falsários, maldizentes,

e outros a este tonilho?

Se debaixo desta paz,

deste amor falso, e fingido

há fezes tão venenosas,

que o ouro é chumbo mofino

É o amor um mortal ódio,

sendo todo o incentivo

a cobiça do dinheiro,

ou a inveja dos ofícios.

Todos pecam no desejo

de querer ver seus patrícios

ou da pobreza arrastados,

ou do crédito abatidos.

E sem outra cousa mais

se dão a destro, e sinistro

pela honra, e pela fama

golpes cruéis, e infinitos.

Nem ao sagrado perdoam,

seja Rei, ou seja Bispo,

ou Sacerdote, ou Donzela

metida no seu retiro.

A todos enfim dão golpes

de enredos, e mexericos

tão cruéis, e tão nefandos,

que os despedaçam em cisco.

Pelas mãos nada; porque

não sabem obrar no quinto;

mas pelas línguas não há

leões mais enfurecidos.

E destes valentes fracos

nasce todo o meu martírio;

digam todos, os que me ouvem,

se falo a verdade, ou minto.


PRECEITO 6

Entremos pelos devotos

do nefando Deus Cupido,

que também esta semente

não deixa lugar vazio.

Não posso dizer, quais são

por seu número infinito,

mas só digo, que são mais

do que as formigas, que crio.

Seja solteiro, ou casado,

é questão, é já sabido

não estar sem ter borracha

seja do bom, ou mau vinho.

Em chegando a embebedar-se

de sorte perde os sentidos.

que deixa a mulher em couros,

e traz os filhos famintos:

Mas a sua concubina

há de andar como um palmito,

para cujo efeito empenham

as botas com seus atilhos.

Elas por não se ocuparem

com costuras, nem com bilros,

antes de chegar aos doze

vendem o signo de Virgo.

Ouço dizer vulgarmente

(não sei, é certo este dito)

que fazem pouco reparo

em ser caro, ou baratinho.

O que sei é, que em magotes

de duas, três, quatro, cinco

as vejo todas as noites

sair de seus esconderijos

E como há tal abundância

desta fruita no meu sítio,

para ver se há, quem as compre,

dão pelas ruas mil giros.

E é para sentir, o quanto

se dá Deus por ofendido

não só por este pecado,

mas pelos seus conjuntivos:

como são cantigas torpes,

bailes, e toques lascivos,

venturas, e fervedouros,

pau de forca, e pucarinhos.

Quero entregar ao silêncio

outros excessos malditos,

como do Pai carumbá,

Ambrósio, e outros pretinhos.

Com os quais estas formosas

vão fazer infames brincos

governados por aqueles,

que as trazem num cabrestinho.


PRECEITO 7

Já pelo sétimo entrando

sem alterar o tonilho,

digo, que quantos o tocam

sempre o tiveram por crítico

Eu sou, a que mais padeço

de seus efeitos malignos,

porque todos meus desdouros

pelo sétimo têm vindo.

Não falo (como lá dizem)

ao ar, ou libere dicto,

pois diz o mundo loquaz,

que encubro mil latrocínios

Se é verdade, eu o não sei,

pois acho implicância nisto

porque o furtar tem dous verbos

um furor, outro surrípio.

Eu não vejo cortar bolsas,

nem sair pelos caminhos,

como fazem nas mais partes

salvo alguns negros fugidos.

Vejo, que a forca, ou picota

paga os altos do vazio,

e que o carrasco não ganha

nem dous réis para cominhos

Vejo, que nos tribunais

há vigilantes Ministros,

e se houvera em mim tal gente

andara à soga em contino.

Porém se disto não há,

com que razão, ou motivo

dizem por aí, que sou

um covil de Latrocínios!

Será por verem, que em mim

é venerado, e querido

Santo Unhate, irmão de Caco,

porque faz muitos prodígios.

Sem questão deve de ser,

porque este Unhate maldito

faz uns milagres, que eu mesma

não sei, como tenho tino.

Pode haver maior milagre

(ouça bem quem tem ouvidos)

do que chegar um Reinol

de Lisboa, ou lá do Minho

ou degredado por crimes

ou por Moço ao Pai fugido,

ou por não ter que comer

no Lugar, onde é nascido:

E saltando no meu cais

descalço, roto, e despido,

sem trazer mais cabedal,

que piolhos, e assobios:

Apenas se ofrece a Unhate

de guardar seu compromisso,

tomando com devoção

sua regra, e seu bentinho:

Quando umas casas aluga

de preço, e valor subido,

e se põe em tempo breve

com dinheiro, e com navios?

Pode haver maior portento,

nem milagre encarecido,

como de ver um Mazombo

destes cá do meu pavio,

que sem ter eira, nem beira

engenho, ou juro sabido

tem amiga, e joga largo

veste sedas, põe polvilhos?

Donde Ihe vem isto tudo?

Cai do Céu? Tal não afirmo;

ou Santo Unhate Iho dá,

ou do Calvário é prodígio.

Consultam agora os sábios,

que de mim fazem corrilhos

se estou ilesa da culpa,

que me dão sobre este artigo.

Mas não quero repetir

a dor e o pesar, que sinto

por dar mais um passo avante

para o oitavo suplício.

PRECEITO 8

As culpas, que me dão nele,

são, que em tudo o que digo,

me aparto do verdadeiro

com ânimo fementido.

Muito mais é, do que falo,

mas é grande barbarismo,

quererem, que pague a albarda,

o que comete o burrinho.

Se por minha desventura

estou cheia de percitos,

como querem, que haja em mim

fé, verdade, ou falar liso?

Se como atrás declarei,

se oudera cobro nisto,

a verdade aparecera

cruzando os braços comigo.

Mas como dos tribunais

proveito nenhum se há visto,

a mentira está na terra,

a verdade vai fugindo.

O certo é, que os mais deles

têm por gala, e por capricho

não abrir a boca nunca

sem mentir de fito a fito.

Deixar quero os pataratas,

e tornando a meu caminho,

quem quiser mentir o faça,

que me não toca impedi-lo.


PRECEITO 9

Do nono não digo nada,

porque para mim é vidro,

e quem o quiser tocar,

vá com o olho sobreaviso.

Eu bem sei, que também trazem

o meu crédito perdido,

mas valha sem sê-lo ex causa,

ou Ihos ponham seus maridos.

Confesso, que tenho culpas,

porém humilde confio,

mais que em riquezas do mundo,

da virtude num raminho.


PRECEITO 10

Graças a Deus que cheguei

a coroar meus delitos

com o décimo preceito,

no qual tenho delinqüido.

Desejo, que todos amem,

seja pobre, ou seja rico,

e se contentem com a sorte,

que têm, e estão possuindo.

Quero finalmente, que

todos, quantos têm ouvido,

pelas obras, que fizerem,

vão para o Céu direitinhos.

QUEIXAS DA SUA MESMA VERDADE

Quer-me mal esta cidade……………………………..pela verdade,

Não há, quem me fale, ou veja……………………..de inveja,

E se alguém me mostra amor……………………….é temor.

De maneira, meu Senhor,
que me hão de levar a palma

meus três inimigos d’alma

Verdade, Inveja, e Temor.

Oh quem soubera as mentiras………………………..do Milimbiras,
Fora aqui senhor do bolo……………………………. como tolo,

E feito tolo, e velhaco………………………………….fora um caco.

Meteria assim no saco
Servindo, andando e correndo

as ligas, que vão fazendo

Milimbiras, Tolo, e Caco.

Tirara cinzas tiranas……………………………………..das bananas,

Outro se os meus dez réis……………………………..de pastéis,

E porque isento não fosse……………………………..até
do doce.

Teria assim, com que almoce
o meu amancebamento,

pois lhe basta por sustento

Bananas, Pastéis, e Doce.

Prendas, que a empenhar obrigo……………………..pelo amigo,
Dobrar-lhe eu o valor……………………………………e primor,

Cobrando em dous bodegões………………………….os tostões.

E seus donos asneirões
ao desfazer da moeda

perdem da mesma assentada

Amigo, Primor, Tostões.

Ao jimbo, que se lhe conta………………………………….boa conta,

E já por amigo vejo……………………………………………sem
ter pejo,

Pois lhe tira de corrida……………………………………….a medida.

Mas verdadeira, ou mentida
a conta ajustada vem,

sendo um homen, que não tem,

Conta, Pejo, nem Medida.

Dever-me-ão camaradas……………………………………mil
passadas,
E o triste do companheiro…………………………………o dinheiro,

E à conta das minhas brasas……………………………….as
casas.

Assim lhe empatara as vazas,
pois o mesmo, que eu devia,

por força me deveria

Passadas, Dinheiro, e Casas.

TORNA A DEFINIR O POETA OS MAOS MODOS DE OBRAR
NA GOVERNANÇA DA BAHIA, PRINCIPALMENTE NAQUELA
UNIVERSAL FOME, QUE PADECIA A CIDADE.

Que falta nesta cidade?……………………………….Verdade

Que mais por sua desonra……………………………Honra

Falta mais que se lhe ponha………………………….Vergonha.

O demo a viver se exponha,
por mais que a fama a exalta,

numa cidade, onde falta

Verdade, Honra, Vergonha.

Quem a pôs neste socrócio?………………………….Negócio

Quem causa tal perdição?……………………………..Ambição

E o maior desta loucura?………………………………Usura.

Notável desventura
de um povo néscio, e sandeu,

que não sabe, que o perdeu

Negócio, Ambição, Usura.

Quais são os seus doces objetos?………………….Pretos

Tem outros bens mais maciços?…………………………….Mestiços

Quais destes lhe são mais gratos? ……………………Mulatos.

Dou ao demo os insensatos,
dou ao demo a gente asnal,

que estima por cabedal

Pretos, Mestiços, Mulatos.

Quem faz os círios mesquinhos?………………………..Meirinhos

Quem faz as farinhas tardas?…………………………….Guardas

Quem as tem nos aposentos?…………………………….Sargentos.

Os círios lá vêm aos centos,
e a terra fica esfaimando,

porque os vão atravessando

Meirinhos, Guardas, Sargentos,

E que justiça a resguarda? ………………………………Bastarda

É grátis distribuída?……………………………………….Vendida

Quem tem, que a todos assusta?……………………….Injusta.

Valha-nos Deus, o que custa,

o que EL-Rei nos dá de graça,

que anda a justiça na praça

Bastarda, Vendida, Injusta.

Que vai pela clerezia?……………………………………….Simonia

E pelo membros da Igreja?…………………………………Inveja

Cuidei, que mais se lhe punha?…………………………….Unha.

Sazonada caramunha!

enfim que na Santa Sé

o que se pratica, é

Simonia, Inveja, Unha.

E nos Frades há manqueiras?……………………………..Freiras

Em que ocupam os serões?………………………………..Sermões

Não se ocupam em disputas?………………………………Putas.

Com palavras dissolutas

me concluís na verdade,

que as lidas todas de um Frade

são Freiras, Sermões, e Putas.

O açúcar já se acabou?………………………………………Baixou

E o dinheiro se extinguiu?………………………………….Subiu

Logo já convalesceu?…………………………………………Morreu.

À Bahia aconteceu

o que a um doente acontece,

cai na cama, o mal lhe cresce,

Baixou, Subiu, e Morreu.

A Câmara não acode?………………………………………Não
pode

Pois não tem todo o poder?………………………………Não
quer

É que o governo convence?……………………………..Não
vence.

Quem haverá que tal pense,

que uma Câmara tão nobre

por ver-se mísera, e pobre

Não pode, não quer, não vence,

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