História da MTV

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1 – Introdução
2 – Histórico da MTV
3. Aspectos da cultura pós-moderna envolvidos na construção da linguagem visual da MTV
4. A relação entre a linguagem visual da MTV e a cultura pós moderna
5. Videodesign e a linguagem visual pós-moderna: as vinhetas da MTV
6. Conclusão

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Logo da MTV

Introdução

“Causa pouca surpresa que a relação do artista com a história (…) tenha mudado, que, na era da televisão de massa, tenha surgido um apego antes às superfícies do que às raízes, à colagem em vez do trabalho em profundidade, a imagens citadas superpostas e não às superfícies trabalhadas, a um sentido de tempo e de espaço decaído em lugar do artefato cultural solidamente realizado. E todos esses elementos são aspectos vitais da prática artística da condição pós-moderna” (HARVEY, 1989, p.63).

A cultura pós-moderna, com suas características, suas condições de surgimento e suas implicações éticas e estéticas, é um dos assuntos que mais suscita discussões no âmbito acadêmico na atualidade. Os aspectos que são creditados por diferentes autores a esta cultura, como a multiplicidade, o pastiche, a efemeridade, a fragmentação, o consumismo, o resgate do passado, a descartabilidade, a descontinuidade, dentre outras, refletiu-se nas mais diversas áreas econômicas, artísticas e sociais, incluindo o design.

Porém, uma das áreas de atuação do design mais privilegiada em expressar essa influência advinda da cultura pós-moderna seria o videodesign, que representa o design gráfico voltado para o vídeo, principalmente para a televisão, tendo como um dos melhores exemplos a criação de vinhetas televisivas. Algumas características peculiares ao videodesign contribuiriam para que houvesse tal privilégio de expressão.

Uma delas seria o fato do videodesign surgir quase simultaneamente à emergência da pós-modernidade, que teria ocorrido entre os anos 60 e 70, juntamente com as inovações tecnológicas que apareceram na mesma época, como advento da computação gráfica.

Além disso, o ambiente de criação do videodesigner, que utiliza o computador de forma maciça, através de programas de edição e manipulação de imagens, faria com que esse profissional fosse ao mesmo tempo produto e reprodutor da cultura pós-moderna.

As tecnologias computacionais inerentes ao seu trabalho, que geram recursos como edição nãolinear e modificação digital de imagens, comporiam o ambiente ideal para permitir que o videodesigner consiga expressar graficamente as manifestações pós-modernas presentes a sua volta, através da criação de imagens em movimento.

A linguagem visual da Music Television (MTV), um canal de televisão voltado para música e entretenimento, também assumiria um lugar de destaque na reprodução da cultura pós-moderna, já que a emissora, como meio de comunicação de massa, é parte integrante da indústria cultural, proclamada por Adorno e Horkheimer, fazendo uso dos principais artifícios atribuídos a esta indústria para gerar lucros e prender a atenção de sua jovem audiência.

As vinhetas da MTV aparecem como um dos principais elementos representativos da linguagem da emissora e por isso exprimiriam graficamente aspectos da cultura pós-moderna incorporados pela MTV. Além disso, o alto grau de experimentação associado às vinhetas da emissora incentivaria ainda mais a tradução de aspectos que rondam o mundo pós-moderno, como a fragmentação e a transitoriedade.

A partir do rápido panorama descrito acima sobre os elementos que serviram como escopo desta dissertação, o principal objetivo desta pesquisa foi mostrar a relação existente entre o videodesign e a cultura pós-moderna, tendo como foco de estudo a linguagem visual das vinhetas da MTV, que foram objeto de uma análise específica relatada no capítulo cinco.

A linguagem visual da emissora, incluindo programação, VJs, videoclipes, cenários, dentre outros, recebeu atenção especial, antes das vinhetas serem propriamente analisadas, uma vez que a linguagem gráfica dessas peças audiovisuais está inserida no sistema visual praticado pela MTV em todas os seus departamentos. Para entender melhor como a linguagem visual das vinhetas se constitui, foi importante conhecer primeiro o universo no qual essa linguagem está imersa, estando repleto de mecanismos que se referem à cultura pós-moderna.

Essa pesquisa também visou aprofundar o saber teórico do designer acerca da influência do pós-moderno sobre seus trabalhos, principalmente no campo do vídeo, que é uma área de atuação muito vasta, porém ainda pouco estudada e explorada. Através desse conhecimento, o designer que já atua nessa área ou pretende atuar pode assumir um papel mais seguro e consciente sobre a matériaprima utilizada nas suas criações digitais, aprimorando seus julgamentos e escolhas.

O segundo capítulo traz um panorama histórico da MTV, desde sua inauguração nos Estados Unidos, em 1981, até a chegada no Brasil quase dez anos mais tarde. Alguns dos fatos mais importantes relativos à emissora, que tem filiais espalhadas pelo mundo inteiro e que se constitui um dos meios de comunicação de massa mais influentes em nível global, principalmente em relação ao público jovem, serão mencionados durante o capítulo, incluindo as diferentes etapas experimentadas pela filial brasileira ao longo de seus já quinze anos de existência.

Esse resumo histórico servirá para situar o leitor sobre a função da MTV no universo musical e cultural, expondo fatos de sua história que contribuíram para que a emissora se transformasse em uma influente ferramenta midiática da indústria cultural.

A cultura pós-moderna é o tema do capítulo três, que apresenta uma parte dos aspectos que são atribuídos a esta cultura, principalmente aqueles que se referem à produção de imagens, à sociedade do espetáculo e à indústria cultural, além de outros que guardam estreita relação com a linguagem visual exibida pela MTV. Neste capítulo são definidos os autores que nortearam as discussões empreendidas ao longo da dissertação, em torno de algumas das mais importantes expressões pós-modernas. No início deste capítulo também são discutidas as diferenças que existem entre os diferentes termos que foram empregados durante a pesquisa, como pós-modernidade, pós-modernismo e cultura pós-moderna, de acordo com as teorias dos autores que são analisados.

A lógica econômica que permearia a cultura pós-moderna foi abordada em uma sintética exposição sobre a emergência da acumulação flexível de capital em função da “crise da modernidade”, que teria uma relação indissociável com as práticas culturais da contemporaneidade. A cultura seria uma das principais áreas responsáveis pela expansão e manutenção do capitalismo avançado. Várias mercadorias seriam geradas a partir do âmbito cultural, sustentando a nova indústria de bens de serviço “instantâneos”, baseados na descartabilidade. Com isso, o consumismo que domina a sociedade atual também seria incentivado pelas performances, happenings e outros eventos transitórios que geram mercadorias, sendo muito apropriada a expressão “sociedade do espetáculo” para defini-la.

O capítulo quatro expõe a relação existente entre a linguagem visual da MTV e a cultura pós-moderna, discutindo se a emissora seria realmente uma representante dos aspectos simbólicos de tal cultura ou seria apenas avant-garde e provocadora, sem qualquer tipo de compromisso com a indústria cultural. Os principais elementos concernentes à linguagem visual da emissora, incluindo videoclipes, programas, cenários, comerciais e VJs são abordados neste capítulo sob a ótica das manifestações da cultura pós-moderna.

O principal objeto de estudo da pesquisa, as vinhetas da MTV, ocupa as reflexões relatadas no capítulo cinco. Porém, antes da análise das vinhetas selecionadas, são enumeradas as principais características peculiares ao videodesign, incluindo os mais importantes fatos ao longo de sua história que contribuíram para que essa recente área de atuação fosse realmente estabelecida e delimitada. O ambiente de criação do videodesigner também é discutido, defendendo-se que esse ambiente seria propício para captar parte das manifestações creditadas à cultura pós-moderna. É abordada também a relação existente entre o videodesign e o design pós-moderno.

Em seguida, são analisados legítimos produtos do videodesign: as vinhetas da MTV, que foram selecionadas a partir da programação da emissora, de acordo com critério estabelecido na introdução deste capítulo. Dessa forma, poderá ser percebido como as vinhetas da emissora expressam graficamente diversos aspectos da cultura pós-moderna, que foram discutidos ao longo da dissertação.

Em relação à metodologia da pesquisa, não foi aplicada uma metodologia previamente estabelecida, mas houve a construção de um procedimento metodológico no decorrer da própria pesquisa. Ao mesmo tempo em que realizava a pesquisa bibliográfica sobre as teorias e os autores que discutem a pósmodernidade, busquei apreender as características sensíveis que permeiam a cultura pós-moderna, como a fragmentação, a efemeridade, o pastiche e outras que já foram indicadas no início desta introdução. De maneira gradativa, observei que estas características correspondiam a determinados processos e efeitos utilizados e obtidos na produção de videoclipes e nas criações do videodesign, podendo ser citadas a colagem, a superposição de imagens, a quebra da narrativa, dentre outros.

A partir disso, procurei evidenciar através da análise das vinhetas da MTV, a presença desses processos e destes efeitos, relacionando-os com as características da cultura pós-moderna anteriormente mencionadas.

A pesquisa conta com uma extensa bibliografia, que não inclui apenas obras de autores que falam sobre o pós-moderno, mas também teóricos que discutem outros assuntos importantes relacionados a este trabalho, como a comunicação e a história do design. Além disso, vários artigos e matérias publicados em revistas, jornais e anais de eventos compõem o material bibliográfico.

A dissertação também se baseou em entrevistas e depoimentos com profissionais vinculados à MTV Brasil ou que já trabalharam para o canal, e em uma pesquisa de campo na própria MTV Brasil, que permitiu um conhecimento mais apurado do ambiente de criação das vinhetas da emissora.

A MTV Brasil inclusive forneceu parte das peças audiovisuais que foram analisadas no capítulo cinco. Outras vinhetas foram captadas através de recursos próprios, via computador ou VHS.

É importante também dizer que engendrar uma pesquisa sobre a relação entre a cultura pós-moderna e o design em uma de suas formas mais contemporâneas, representada pelo videodesign, significa permitir que o comunicador visual conconsiga entender e conhecer melhor como sua participação ocorre nesse processo.

“Assim como já imaginava na década de 50 o designer holandês Wim Crouwel, os meios eletrônicos alteraram profundamente a maneira de os indivíduos entenderem e atuarem na sociedade. Logo, o design gráfico teria que dar conta de tais transformações na sensibilidade do público” (JACQUES, 1998, p.8).

Através da delimitação temática traduzida pela análise pontual de vinhetas selecionadas a partir da programação da MTV desde sua inauguração, o reconhecimento das peças gráficas geradas pelo videodesign como expressão gráfica de signos visuais referentes à cultura pós-moderna pode ganhar forma e legitimidade.

2. Histórico da MTV

Durante o segundo capítulo são abordados os principais elementos que contribuíram para a construção da história da MTV e transformaram a emissora em um dos meios de comunicação mais influentes e conhecidos ao redor do mundo. O capítulo fornece informações gerais sobre a matriz americana da emissora desde sua inauguração, incluindo a influência exercida sobre a linguagem visual adotada pelas outras emissoras de TV.

A superexposição dos astros musicais através da MTV, que atingiu também a moda e o comportamento dos jovens, também é explanada ao longo do capítulo.

Outros pontos enfocados foram os desafios enfrentados pela MTV a partir do momento que se instala no Brasil e as diversas novidades inseridas pela emissora na televisão brasileira a partir de sua inauguração no país. Além disso, é mostrada a busca da MTV Brasil por uma identidade própria, com uma influência em menor escala da matriz americana sobre a linguagem visual adotada pela emissora, havendo também a preocupação em respeitar as particularidades da audiência brasileira.

Este capítulo fala sobre as grandes mudanças processadas na MTV Brasil a partir de 1999, quando a emissora sofreu uma reformulação geral na sua programação com o objetivo principal de começar a gerar lucro para os donos da emissora. Com isso, houve a diminuição do tempo dedicado a clipes, e a substituição de diversos programas que estavam no ar por programas populares de humor e entretenimento, que passaram a ocupar o horário nobre da emissora.

Porém, a popularização da MTV Brasil se deu em outros aspectos que também são mencionados.

É importante dizer que o capítulo teve como principal fonte bibliográfica matérias e artigos publicados nos principais jornais de diferentes épocas, que versavam sobre assuntos referentes à MTV desde sua inauguração até a atualidade. Este material foi captado principalmente no Banco de dados TVPesquisa, vinculado à PUC-Rio. Como o material histórico sobre a emissora ainda é relativamente escasso, principalmente no que se refere à filial brasileira, essas fontes foram essenciais para que pudesse ser realizada a reconstituição de parte da história da MTV.

Vale também ressaltar que quando esse capítulo foi escrito, ainda não havia sido lançado o livro Admirável Mundo MTV Brasil, em comemoração aos quinze anos da emissora, que aparece como a primeiro livro publicado com conteúdo inteiramente dedicado à MTV Brasil. Vários dados contidos nesta obra foram posteriormente aproveitados no capítulo quatro, quando é realizada uma reflexão sobre a linguagem visual da emissora. No entanto, a pesquisa feita para este capítulo, através das fontes já mencionadas, é também de suma importância, já que oferece inclusive dados pertinentes que não constam neste recém-lançado livro, contribuindo para enriquecer a bibliografia relacionada à MTV Brasil.

Este capítulo tem um caráter mais expositivo e pretende ser uma introdução às reflexões que serão realizadas em capítulos posteriores sobre a estrutura e a linguagem visual da emissora e de suas vinhetas. Alguns dos fatos expostos durante o capítulo serão retomados em outros, mas de forma mais reflexiva, sob a ótica da cultura pós-moderna.

O segundo capítulo também será importante para situar os leitores que não conhecem a emissora ou que tem informações escassas sobre sua estrutura e história. A partir do conteúdo expresso neste capítulo, será possível entender com mais clareza os estudos que são feitos sobre as manifestações pós-modernas em relação à MTV nesta pesquisa.

2.1 – I want my MTV

Ao som de Video killed the radio star, do Buggles, a MTV fez sua estréia, no dia 1º de agosto de 1981, nos Estados Unidos. A emissora começou fazendo história, ao figurar como o primeiro canal 24 horas no ar, dedicado exclusivamente à música, que utilizava VJs (vídeo-jóqueis) para apresentar seus diversos videoclipes durante a programação.

A primeira vinheta exibida mostrava a imagem de um astronauta cravando a bandeira da emissora na Lua. A figura do astronauta com a marca da MTV acabou se tornando um símbolo representativo do canal por um tempo considerável.

O termo VJ foi cunhado a partir da palavra DJ (disk-jóquei), utilizada para designar os profissionais responsáveis por animar festas e boates, com uma cuidadosa seleção musical, a partir dos anos 70.

“I want my MTV” foi o slogan publicitário adotado para divulgar o canal, sendo responsável pela criação de diversas peças promocionais para difundir a emissora entre seu público-alvo. Algumas vinhetas foram desenvolvidas com o mesmo objetivo e contavam com a participação de ídolos da música pop, como Michael Jackson e Madonna, que repetiam ao final de cada vinheta a célebre frase “I want my MTV”.

Porém, o slogan não se restringia apenas ao âmbito da MTV. Ele estava presente em todas as partes e nas camisetas de milhares de jovens americanos. A música Money for nothing, do grupo inglês Dire Straits, liderado pelo guitarrista escocês Mark Knopfler, possuía em um de seus versos o referido slogan, o que acabou contribuindo para que se tornasse o grande hino da chamada “geração MTV”, embora fosse na verdade uma crítica à sociedade de consumo, da qual a própria audiência da emissora também faz parte.

A matriz da MTV está localizada na Times Square, em Nova Iorque, e pertence ao conglomerado de mídia Viacom, que detém a MTV Networks, a CBS e a UPN, dentre outros meios de comunicação (JULIANO, 2001).

A MTV acabou se tornando um dos negócios mais rentáveis da Viacom, o que contribuiu para a geração de novos canais especializados e agregados a emissora, como o VH1 e a MTV2, que visam suprir as preferências específicas de diferentes públicos não contempladas pelo canal principal e que serão abordadas mais à frente.

A MTV foi o primeiro canal com programação dedicada exclusivamente ao “público jovem”, englobando principalmente a faixa etária de 12 a 34 anos (ASSEF, 2001). Com isso, a emissora se tornou referência para aqueles que desejam se comunicar de modo eficiente com essa fatia de mercado. Nenhum outro canal até então tinha dedicado tanta atenção a um público específico e conseguido conquistá-lo de maneira tão ampla e eficiente, a ponto de fazer com que sua audiência passasse a utilizar com orgulho camisetas, adesivos ou cadernos estampados com a marca da emissora.

A MTV Networks engloba as emissoras Music Television, VH1, MTV2 e o canal infantil Nickelodeon.

Em entrevista concedida ao Meio & Mensagem, em 1995, o então presidente da MTV Internacional, William Roedy, disse que a emissora americana demorou cinco anos para começar a dar lucro, mas que em média as filiais demoram cerca de três anos (MOURA, 1995).

A MTV está presente em 164 países espalhados pelo mundo: MTV Europa (a maior de todas, baseada em Londres e transmitida para toda a Europa), MTV Latino (presente em Miami e transmitida para a América Latina), MTV Brasil, MTV Japão, MTV Ásia, MTV Mandarim (China e Hong Kong), MTV África do Sul, MTV Austrália e MTV Rússia.

A estratégia-chave utilizada para conquistar a audiência de diferentes culturas e lugares onde a emissora se instala é tentar respeitar e se adaptar às características locais. Embora as filiais possuam muitos aspectos importados da matriz americana, os funcionários são locais e parte da programação é produzida na própria filial. Além disso, há um constante intercâmbio de idéias e programas entre as diversas filiais. Isso garante uma renovação contínua da MTV (Ibid, 1995).

Além disso, a emissora procura manter um contato freqüente com sua audiência, buscando apresentar e falar sobre assuntos que chamem a atenção do público-alvo que assiste à emissora, como é o caso das campanhas sobre voto consciente ou abuso de drogas promovidas pela MTV. A criatividade também é estimulada nos diferentes departamentos da emissora e não só na área de criação.

Ao final do primeiro ano de exibição, a MTV americana já contava com mais de dois milhões de assinantes. No ano de 2000, a marca chegou a quase 80 milhões de assinantes.

O formato inicial da emissora, que preenchia a maior parte do seu tempo com clipes, foi sendo gradualmente substituído por um modelo mais diversificado, que inclui programas de entretenimento e humor. Atualmente, o canal MTV2 é o responsável por suprir essa lacuna deixada pela MTV, em função da adoção desse novo formato. A MTV2 exibe clipes de forma maciça e com inserções de notícias relacionadas ao mundo da música.

Outra opção é o canal VH1, que também pertence à MTV Networks, e possui uma programação voltada para um público numa faixa etária mais avançada, de 29 a 49 anos. O VH1 exibe clipes mais antigos e possui programas que se tornaram populares como o Where are they now?, que mostra como estão atualmente artistas de sucesso do passado, que há muito tempo não são vistos nas paradas musicais. Tanto a MTV2 quanto o VH1 não possuem VJ’s, pois eles são encarados como ídolos teen.

2.1.1 – A influência da MTV na estética do cotidiano midiático dos americanos

A estética presente no cotidiano midiático dos americanos sofreu sensíveis mudanças com o surgimento da MTV e a linguagem visual do videoclipe evidenciada pela emissora. A influência aconteceu de forma marcante, podendo ser constatada nos mais diferentes âmbitos, desde uma simples previsão meteorológica de um jornal de TV até as imagens frenéticas dos videogames.

Além disso, os clipes exibidos pela emissora influenciaram a linguagem visual de séries de TV, como os Simpsons e Miami Vice, ou mesmo do cinema, através de filmes que abusam de edição não-linear, ritmo entrecortado e valorizam as trilhas sonoras (BBC, 2001).

Com o estrondoso sucesso alcançado pelo desenho animado da hilária dupla Beavis e Butt-Head, levada ao ar pela emissora, vários outros desenhos animados no mesmo estilo foram criados para ocupar o horário nobre dos canais de televisão a partir do final dos anos 90. Esse tipo de entretenimento nunca antes havia recebido tanta simpatia e atenção do público adulto. O foco do desenho era abordar o cotidiano de dois típicos jovens americanos, ironizando de forma ácida a superficialidade, o impulso destrutivo e o nonsense que fazem parte do conteúdo das conversas e das ações da juventude que vive na atualidade.

Imagens que se multiplicam e se fundem, surrealismo, iconografia desvairada, banalidades, cores e formas diferenciadas e ousadas. Esse é a atmosfera que envolve a linguagem visual do videoclipe intrínseca à MTV e que deixou suas marcas também na moda, no marketing e até mesmo na política americana.

A emissora foi pioneira na prática de fazer marketing interagindo com diferentes mídias, que pode ser representada por um videoclipe desenvolvido para uma música que por sua vez também faz parte da trilha sonora de um filme e anima também uma vinheta da emissora. Todas essas vertentes interconectadas com o objetivo final de divulgar o artista e incentivar as vendas tanto do CD, quanto do filme, do DVD e assim por diante.

Além disso, a MTV aparece como um inigualável exemplo de autopromoção, através da aplicação de sua marca em diferentes situações e locais, com muito bom humor e irreverência, o que acaba contribuindo para que consiga ser bem recebida pelo público em geral.

A marca da MTV poderia até figurar como uma metáfora da cultura pósmoderna, através de sua inconstância na maneira como se apresenta, havendo somente a manutenção de sua forma e tipografia utilizadas.

Aliás, essa foi mais uma das inovações lançadas pela MTV, ao permitir que sua marca sofresse constantes mudanças, principalmente no campo das cores e texturas utilizadas na letra M do seu logotipo, o que acabou depois influenciando outras empresas também a adotarem o mesmo recurso visual, podendo se citar como exemplo atual a marca da Oi, uma empresa de telefonia celular.

A mutação da marca é o símbolo maior da MTV, uma emissora que consegue se manter jovem ao longo do tempo, graças a uma fórmula infalível que até hoje conquista audiências do mundo inteiro e contribuiu para que outras empresas também conseguissem se comunicar com o jovem de maneira mais eficiente, seguindo o exemplo da emissora.

Aliás, com o surgimento da linguagem visual proposta pela MTV, outras emissoras americanas também sofreram uma espécie de “rejuvenescimento” nos projetos gráficos adotados. As vinhetas de abertura dos programas e a própria forma de apresentação dos famosos “âncoras” dos jornais televisivos americanos absorveram muitas características presentes no universo da Music Television.

Começou a ser priorizada uma maior dinâmica na forma como os jornais eram conduzidos e também na própria linguagem de edição das reportagens.

Muitos apresentadores passaram a comandar seus programas “em pé”, seguindo a forma como os VJs anunciavam os clipes da emissora, o que garante maior mobilidade e interação com o público.

2.1.2 – Transformações advindas da superexposição dos ídolos musicais

Com a inauguração da MTV, os fãs nunca tiveram um contato tão próximo e freqüente com seus ídolos. O espaço que a música ocupava na televisão até então se restringia às apresentações das bandas em importantes programas de auditório, como The Ed Sullivan Show, que constituíam também uma das únicas oportunidades que as pessoas tinham de acompanhar a performance dos músicos de sua preferência.

Além disso, o contato visual poderia ocorrer durante os shows das bandas quando estas entravam em turnê. Porém, na maior parte das vezes, ou os astros levavam muito tempo para passar nas cidades ou países mais longínquos, ou a espera do fã era totalmente frustrada por um show que nunca viria a acontecer.

Vale lembrar também que, nos Estados Unidos, a música anglo-americana dominava o país desde os anos 50 e somente após a chegada da MTV, o público americano passou a ter mais contato com a world music, conhecendo novos artistas de países fora do eixo Estados Unidos – Grã-Bretanha.

A identificação e também imitação que começou a se processar por parte dos fãs em relação aos seus ídolos através dos clipes exibidos 24 horas cresceu rapidamente. Através do contato visual diário proporcionado pela MTV entre audiência e astros da música, ficou muito mais fácil tentar reproduzir o look extravagante da Madonna no começo de sua carreira, as caretas e o cabelo arrepiado de Billy Idol, a maquiagem do Kiss ou as famosas coreografias de Michael Jackson.

Começou a ocorrer uma verdadeira revolução na maneira de se vestir de toda uma geração, chamada posteriormente de “geração MTV”. A cultura pop, através da MTV, se exacerbava entre os jovens que assistiam à emissora e que acabavam adotando uma espécie de “MTV way of life”.

Alguns músicos conseguiram aproveitar ao máximo a superexposição proporcionada pela MTV, utilizando esta inclusive para “alavancar” suas carreiras. Madonna e Michael Jackson são casos clássicos. Não foi a toa que eles se tornaram grandes ídolos da “geração MTV”.

A importância de se fazer um clipe de boa qualidade, que alcançasse sucesso entre a audiência passou a ser um fator determinante para que um músico ou um disco se tornasse um fracasso de vendas ou não. Com isso, a partir do começo dos anos 80, a MTV americana e a indústria da música pop passam a ter uma relação de interdependência.

Madonna sempre soube explorar com destreza sua imagem nos clipes exibidos pela emissora, tendo vários deles cenas ousadas, como Like a prayer, Justify my love e Erotica, que se tornaram polêmicos e conhecidas no mundo inteiro. Além disso, uma análise um pouco mais criteriosa de seus vídeos pode comprovar que Madonna sempre fez questão de mudar de visual com uma rapidez espantosa, de acordo com o personagem que deseja assumir em determinada época perante o público, o que auxilia diretamente na manutenção de seu sucesso e de sua imagem na mídia mundial.

Dessa forma, Madonna acaba sendo também quase um sinônimo da MTV: uma eterna mutante visual que consegue se manter jovem, antenada com as últimas tendências e fazer sucesso mesmo com o passar do tempo.

A superexposição proporcionada pela MTV aos astros da música também incentivou a participação destes em outras áreas de atuação, como o cinema e os seriados de TV. A emissora também contribuiu para o sucesso de algumas dessas incursões, como foi o caso da própria Madonna, que alcançou grande bilheteria com seus filmes Procura-se Susan desesperadamente e Who´s that girl?. Ambos contavam com músicas da cantora na trilha sonora, que se transformaram em clipes, com cenas do filme, exibidos incansavelmente pela MTV.

O primeiro reality show da televisão foi criado pela MTV e foi posteriormente exibido pela filial brasileira com o nome de “Na real”.

Devido ao grande sucesso alcançado pelo programa, a MTV decidiu investir novamente na área, produzindo um reality show chamado The Osbournes, que durante um tempo razoável acompanhou a vida do cantor de rock, Ozzy Osbourne, ex-líder da cultuada banda de heavy metal Black Sabbath, e de sua conturbada família. A série conseguiu lançar inclusive a carreira da filha do cantor e expor dramas pessoais como a descoberta de câncer por sua esposa e a própria evolução de uma doença que Ozzy sofre. A repercussão da série foi tão grande que impulsionou a produção de mais duas temporadas.

Porém, o primeiro grande sucesso da MTV, responsável pela criação de uma febre mundial em torno de um mesmo cantor e de um mesmo disco foi o clipe da música Thriller, de Michael Jackson, que possuía a incrível marca de 14 minutos.

Para que seu clipe fosse exibido pela MTV, que se recusou a princípio devido à duração exagerada, Michael Jackson ameaçou a emissora com um boicote por parte de sua gravadora, a Epic (BBC, 2001).

O clipe acabou se tornando um dos mais pedidos da MTV e expôs também a própria emissora a um público que ainda não costumava sintonizá-la. Além disso, Thriller deu início a uma nova era de clipes que contavam com “superproduções”, dignas de filmes de Hollywood. A preocupação em produzir um clipe de boa qualidade e que agradasse o público passou a ser uma constante entre os músicos, já que representava também um importante fator para impulsionar as vendas do artista.

A coreografia presente no clipe foi imitada por milhares de pessoas ao redor do mundo, que insistiam em reproduzir fielmente os inovadores e complicados passos de dança criados por Jackson. O disco Thriller se tornou um dos maiores sucessos de vendagem da indústria fonográfica de todos os tempos, alcançando a marca de mais de 50 milhões de cópias vendidas em todo mundo.

O VMA, Video Music Awards, criado pela MTV, em 1984, para premiar os melhores clipes do ano em diversas categorias, com o troféu chamado “astronauta de prata”, passou a ser um dos eventos mais esperados pela indústria fonográfica e músicos. Além disso, representa mais uma oportunidade de fãs entrarem em contato com seus ídolos, pois além da premiação, alguns astros selecionados anualmente pela sua projeção, realizam a apresentação de uma música através de performances memoráveis por sua ousadia e inovação.

Em 2003, Madonna, Britney Spears e Christina Aguilera foram responsáveis por uma das apresentações mais polêmicas do VMA, que repercutiu durante um bom tempo no mundo inteiro. Britney e Christina surgiram no palco vestidas com roupas de noiva “ultra-modernas”, cantando Like a virgin. No meio da apresentação, Madonna, vestida com um fraque igualmente “contemporâneo”, apareceu cantando Hollywood, se colocou no meio das duas, e não titubeou em beijar de modo “caliente” tanto Britney quanto Christina para surpresa da platéia estupefata.

2.2 – A versão brasileira da emissora

Quase dez anos após a matriz americana, a MTV Brasil foi ao ar pela primeira vez em 20 de outubro de 1990, pelo canal 32 UHF, em São Paulo, e 9 VHF no Rio de Janeiro.

A MTV foi a primeira televisão segmentada do país e foi concebida em função de um acordo estabelecido entre a TV Abril e a Viacom International.

A VJ Cuca Lazzarotto apresentou o primeiro videoclipe exibido pela MTV: a versão remix de Garota de Ipanema, interpretada por Marina Lima. No Rio, o som falhou na hora da exibição, o que obrigou a TV Corcovado, que retransmitia o canal, a colocar um outro áudio no lugar, do grupo inglês Dire Straits, enquanto as imagens do clipe de Marina eram transmitidas. A falha acabou durando quase 60 minutos para desespero da produção e dos técnicos de som da emissora.

O primeiro prédio ocupado pela MTV Brasil ficava na Rua Corupé, em São Paulo. Porém, três meses depois, a emissora mudou sua sede para a Rua Alfonso Bovero, no bairro do Sumaré, onde funcionava a extinta e histórica TV Tupi, devido às constantes inundações e problemas com o ar condicionado enfrentados no antigo prédio.

O slogan “I want my MTV” usado incansavelmente pela matriz americana na época de sua estréia, foi substituído por “Te vejo na MTV” durante a campanha inicial promovida pela emissora no Brasil. A agência DPZ, que coordenou a campanha, justificou a não adoção da tradução do slogan americano, que seria “Eu quero a minha MTV”, por considerar essa frase um tanto apelativa demais em termos publicitários para o público brasileiro. Esse tipo de publicidade mais agressiva e direta, denominada hardsell, é muito comum nos Estados Unidos, e acaba tendo uma melhor receptividade da audiência americana que já se habituou com ela (PELUSO, 1990).

O investimento inicial da emissora em publicidade chegou a alcançar a marca de U$ 1,5 milhão.

Foram criadas diversas vinhetas com artistas brasileiros, americanos e europeus, que emitiam depoimentos e repetiam ao final de cada vinheta: “Te vejo na MTV”. Segundo a DPZ, essa “chamada” serviu pra ressaltar a existência da nova emissora, que tinha como maior objetivo naquele momento buscar uma sintonia com sua audiência (Ibid.).

Quando estreou, a MTV alcançava cinco milhões de lares brasileiros.

Atualmente, esse número subiu para mais de 17 milhões de domicílios em todo o país. O sinal é distribuído por 240 afiliadas, em 22 Estados, sendo 163 de sinal aberto e 77 por assinatura.

Além disso, o público da MTV Brasil é formado basicamente por uma audiência na faixa etária dos 15 aos 29 anos, pertencente às classes A e B. Não é um telespectador exclusivo, mas é fiel (JULIANO, 2001).

O mercado publicitário é muito receptivo à MTV, principalmente após as mudanças processadas na emissora a partir de 1999. Algumas das empresas que bancaram a estréia da emissora em 1990, continuam a anunciar no canal até hoje.

A fidelidade e a atração dos anunciantes pela MTV estão diretamente relacionadas à segmentação extrema da audiência que acompanha a emissora. Este fator facilita a criação de comerciais para o canal, já que os publicitários têm uma idéia exata do target para o qual eles estão se dirigindo.

A MTV realiza duas grandes pesquisas com a audiência por ano. Além disso, mensalmente, a emissora faz também pesquisas por telefone, chamadas de call out.

O público ainda possui um canal direto com a MTV através da Internet, havendo também programas onde há uma interação com os internautas ao vivo.

Todos os programas possuem um espaço reservado no site para sugestões e críticas, que são levadas pelo produtor à direção geral da emissora.

Target – Termo utilizado no meio publicitário para se referir ao público-alvo de determinada empresa

2.2.1 – A busca por uma identidade própria e a popularização da emissora

A programação inicial da MTV estava baseada principalmente no que era produzido pela matriz americana. Saturday Night Live e Top 10 EUA constituíam alguns dos programas exibidos pela MTV Brasil. Além disso, a maior parte das vinhetas veiculadas pela emissora eram importadas da MTV EUA.

A MTV Brasil, no começo dos anos 90, adotava na sua linguagem visual o estilo grunge, nascido na cidade de Seattle, nos Estados Unidos. As vinhetas eram constituídas por tipografia desconstruída, colagens, xerox, imagens distorcidas e “mal reveladas”, representando de forma gráfica o despojamento e a rebeldia que predominavam em bandas grunge, como Nirvana, Alice in Chains e Soundgarden.

Saturday Night Live – Tradicional programa de humor da TV americana, que conta com a participação de atores fixos e convidados, além de pocket-shows de bandas famosas.

Os músicos nacionais não tinham ainda muito espaço durante a programação, até pela quantidade reduzida de clipes brasileiros produzidos, e esse fato acabava se refletindo no próprio visual adotado pela emissora. No começo, alguns clipes nacionais foram bancados pela própria MTV, como Pólvora, dos Paralamas do Sucesso e Falar a verdade, do Cidade Negra.

Atualmente, a MTV Brasil é considerada a mais regional de todas as filiais, em função da criação de programas voltados para assuntos de interesse do público brasileiro, como o Pé na Estrada, que mostrava o dia-a-dia de bandas brasileiras em turnê e o RockGol, que remete àquelas tradicionais “mesasredondas” que discutem a paixão nacional – o futebol – só que com muito bom humor e escracho.

Vale dizer que o programa Mochilão, que visita diversas cidades espalhadas pelo país e já teve vários VJs no seu comando como Fernanda Lima e Gastão, chegou a incentivar o turismo nas regiões mostradas ao jovem público da emissora.

A maior parte da grade de programação atual da emissora é constituída por produções nacionais. Além disso, a MTV Brasil é a única das filiais a ter uma edição do Video Music Awards, voltada exclusivamente para a premiação de clipes de artistas locais. O VMB começou a ser produzido a partir de 1995, e suas edições anuais cada vez monopolizam mais as atenções da indústria musical brasileira.

O Acústico MTV, versão local para o Unplugged MTV produzido pela matriz americana, se consolidou a partir de 1996, quando começou a realizar parcerias com gravadoras para o lançamento de CDs a partir dos programas exibidos. O primeiro sucesso de vendas foi de Gilberto Gil, que chegou a vender quase 1 milhão de cópias. O mais bem-sucedido, no entanto, foi o do grupo de rock Titãs, que vendeu 1,8 milhões unidades do álbum do Acústico MTV, produzido em 1997.

A grande virada da MTV tomou vulto no ano de 1999, quando aconteceram mudanças bruscas tanto na grade de programação, com a supressão de 17 programas que estavam no ar, quanto nos clipes exibidos.

Com a entrada do novo diretor geral André Mantovani, no lugar de André Vaisman, em 1998, a MTV Brasil mudou de “cara”.

Nesse ano, a MTV ficou na berlinda, arriscada a sair do ar, caso não passasse a dar lucro para seus “patrões” (o Grupo Abril e a Viacom).

Até então, a MTV apoiava-se no Grupo Abril, que detém 50% das ações da emissora, para cobrir seu então custo anual de cerca de R$ 26 milhões (MONTEIRO, 2000).

Para começar a gerar lucro, Mantovani decidiu popularizar a emissora, instituindo uma grade de programação com faixas de horário para cada programa. Com isso, os programas voltados para tribos específicas, como o Yo!, o extinto Fúria e o Lado B passaram para horários alternativos, e o horário nobre passou a contar com programas de humor e entretenimento, que abrangem uma audiência maior.

O espaço anterior de apenas 30% dedicado à música brasileira cresceu para 50% (JULIANO, 2001). A quantidade de clipes nacionais aumentou rapidamente, com o apoio de produtoras de vídeo locais que passaram a realizar clipes de artistas brasileiros com qualidade e profissionalismo. O maior espaço dado às produções realizadas no país acabou impulsionando também a carreira de bandas novas que tiveram a oportunidade de mostrar seu trabalho através de clipes exibidos na MTV. O Charlie Brown Jr. e o Skank são bons exemplos de bandas que alcançaram grande projeção através da emissora, mesmo antes de gravarem seus discos de estréia.

O maior destaque concedido pela MTV ao artista nacional passou a incluir estilos musicais de cunho bastante popular, como o sertanejo, o axé e o pagode, que antes não tinham direito a qualquer tipo de espaço na programação da emissora, devido à dedicação praticamente exclusiva aos amantes do rock.

A programação também começou a contar com programas humorísticos e de visual trash, como o Piores Clipes do Mundo e Hermes e Renato, ou de entretenimento com apelo popular, como o Fica Comigo, que não passava de uma versão um pouco mais moderna, voltada para o público jovem, do famoso Namoro na TV, de Sílvio Santos. Vale destacar que o Fica Comigo, durante uma de suas edições, foi responsável pelo primeiro beijo homossexual masculino exibido na televisão brasileira.

A equipe de VJs sofreu mudanças, sendo composta mais por modelos e atores profissionais, que não se importam em apresentar clipes que sejam de artistas fora do seu gosto musical, do que por exímios conhecedores de música. Por isso mesmo os VJs que não concordaram com a nova política da emissora acabaram sendo demitidos, como foi o caso do ex-VJ Gastão Moreira, que apresentava programas como o Fúria Metal e o Gás Total, dedicados ao público “roqueiro”.

Os comerciais também ganharam uma integração quase imperceptível com os programas, formando um bloco único, o que ajudou a vender os produtos anunciados para a jovem audiência da emissora. As mudanças efetuadas fizeram com que a ocupação comercial da emissora dobrasse de um ano para o outro, passando de 25% para 60% em 2000 (MONTEIRO, 2000).

A MTV se tornou finalmente uma emissora auto-sustentável, estando pela primeira vez no “azul” em toda a sua história. Além disso, a audiência saltou de 0,13 (1998) para 0,46 em 2001 (JULIANO, 2001).

As mudanças efetuadas na emissora não agradaram muitos artistas e fãs, que preferiam a MTV voltada exclusivamente para a música e com exibição seqüencial de videoclipes. Pensando nisso, a matriz americana, que enfrentou o mesmo problema, criou a MTV2, que já está disponibilizada no Brasil através de canal pago na TV a cabo Net.

Atualmente, a MTV é constituída por programas de humor, esporte, turismo, reality shows e um desenho animado voltado para o público adulto, chamado de Megaliga de VJs Paladinos, que é realizado sazonalmente. Inclusive esse desenho se tornou um dos maiores sucessos de audiência de todos os tempos da emissora brasileira, o que fez com que houvesse a criação de um projeto para transformar o seriado em filme.

A MTV Brasil ainda tenta associar a sua imagem à ousadia através da exibição de programas como o Piores Clipes do Mundo, que foi um projeto nascido na matriz americana, mas que nunca saiu do papel por ser considerado ofensivo com as bandas e artistas que têm seus clipes massacrados e “escrachados” em pleno ar. Para surpresa da matriz, o programa foi um grande sucesso no Brasil.

A influência da MTV na televisão brasileira é visível em muitos aspectos.

Com as mudanças na emissora, os VJs passaram a ter mais destaque e muitos acabaram indo apresentar programas em outros canais de TV, como foi o caso de Zeca Camargo, Babi, Sabrina e Astrid. Alguns com mais sucesso, outros com menos, já que nem sempre conseguem se adaptar ao formato de outro canal. Cazé, Thunderbird e Marcos Mion tiveram incursões fracassadas nos outros canais, o que ocasionou a volta deles para o “lar doce lar” da MTV.

As vinhetas e cenários da Rede TV! ou as reportagens com imagens e trilha acelerada produzidas pelo Fantástico guardam muito da linguagem visual do videoclipe evidenciada pela MTV. Além disso, as diversas campanhas de conscientização produzidas pela emissora, com temas como Aids, política e drogas são consideradas exemplares e servem de inspiração para as campanhas atuais produzidas pelo Governo.

A exposição de alguns importantes dados históricos e estruturais inerentes à MTV, que foram feitos até aqui, serviram para formar um panorama geral sobre o funcionamento e a imagem da emissora construída ao longo de sua existência. Essas informações serão de suma importância para que se possa compreender melhor os capítulos que se seguem, principalmente o capítulo quatro, que abordará com mais profundidade a linguagem visual proposta pela emissora, que é concebida também a partir dos dados expostos neste segundo capítulo. Após esse mergulho no “mundo MTV”, o próximo capitulo analisa parte da cultura pósmoderna na qual este mundo está imerso.

3. Aspectos da cultura pós-moderna envolvidos na construção da linguagem visual da MTV

Antes de passar a uma análise específica sobre a relação da linguagem visual da MTV e de suas vinhetas com a cultura pós-moderna, é fundamental que se conheça melhor os elementos que fazem parte de tal cultura e que podem participar da construção da linguagem da emissora.

Este capítulo aborda as diferenças que existem entre os termos que são utilizados durante a dissertação como cultura pós-moderna, pós-modernismo e pós-modernidade. São expostas as discussões empreendidas por diferentes teóricos do pós-moderno sobre estes conceitos, que admitem tipos de abordagem distintos. Os pensamentos desenvolvidos por autores como David Harvey, Fredric Jameson e Steven Connor serviram como fio condutor deste trabalho, norteando as análises que foram empreendidas em relação às manifestações pós-modernas examinadas nesta pesquisa.

No capítulo três também é discutido como a cultura pós-moderna emergiu a partir da chamada “crise da modernidade”, baseada na ascensão do capitalismo flexível no mundo ocidental analisada por David Harvey. A cultura teria se tornado um campo de atuação de suma importância para a economia capitalista.

Com o aumento da esfera da cultura para outros âmbitos, houve a estetização generalizada do cotidiano, onde qualquer coisa se transforma em uma mercadoria em potencial, alimentando a indústria cultural e o consumismo generalizado.

Como participante ativa desta nova ordem, a MTV apareceria como um dos veículos responsáveis pela geração de diferentes mercadorias, como será visto mais tarde, no capítulo quatro.

É apontado também como o fim das metanarrativas representa o ponto de partida para a emergência de várias expressões pós-modernas, incluindo a quebra da continuidade histórica, a fragmentação e a superficialidade. As “novas vozes” que surgem fundadas na possibilidade de pequenas narrativas, acabam também alimentando a indústria cultural que se recicla nas “marginalidades” para produzir novas mercadorias, baseadas na lógica da descartabilidade e da obsolescência programada.

No final do capítulo, há uma resumida explanação da linguagem visual expressa na arquitetura e no design considerados pós-modernos, tendo este último influência direta sobre os dois últimos capítulos da pesquisa, quando são apresentadas as análises de aspectos visuais presentes na linguagem da MTV e de suas vinhetas. Já a arquitetura aparece como uma das formas mais demonstrativas das mudanças ocorridas na linguagem visual exibida durante a passagem do moderno para o pós-moderno, e por isso recebe uma atenção especial durante o capítulo.

É importante ressaltar que os aspectos que envolvem a cultura pósmoderna são demasiadamente variados e seria impossível abordar todos eles, com profundidade, durante uma dissertação de mestrado. Sendo assim, resolvi expor aqueles que são expressos com maior freqüência na linguagem visual adotada pela MTV e por suas vinhetas, de acordo com a pesquisa que empreendi sobre a emissora, como poderá ser constatado também nos capítulos quatro e cinco desta pesquisa.

3.1 – Introdução aos estudos sobre a cultura pós-moderna

Nas últimas décadas tem havido uma série de discussões entre diversos autores que buscam refletir sobre as modificações processadas nas áreas cultural, econômica e social. Há uma concordância entre esses autores de que houve realmente uma mudança de paradigmas em relação ao período passado, em função da “crise da modernidade”. Porém, o modo como abordam os diferentes termos que se relacionam ao pensamento pós-moderno se diferencia sensivelmente, como poderemos ver a seguir, através da contraposição das discussões promovidas por esses teóricos.

Segundo Terry Eagleton, a pós-modernidade seria um período histórico que questiona noções clássicas da modernidade como a verdade, a razão, a identidade e a objetividade, a idéia de progresso, a emancipação universal, os sistemas únicos e as grandes narrativas que impregnaram a sociedade ocidental (EAGLETON, 1998). Jameson considera que as transformações trazidas pelo capitalismo tardio, termo popularizado pela Escola de Frankfurt nos textos de Adorno e Horkheimer, foi o grande estopim para o surgimento da pósmodernidade.

De acordo com Jameson, a emergência da pós-modernidade está estritamente relacionada ao nascimento desta nova fase do capitalismo avançado, multinacional e de consumo (Jameson, 2002). Ainda segundo Jameson, após haver a escassez de bens de consumo e peças de reposição na época da guerra, há o surgimento dessa terceira fase do capitalismo que teria sido fomentada nos anos 50, quando novos produtos e tecnologias, incluindo a mídia, foram introduzidos.

Além disso, o capitalismo tardio viria a reboque das mudanças sociais e psicológicas ocorridas nos anos 60 que modificaram o pensamento ocidental.

O pós-modernismo seria a expressão cultural contemporânea baseada nas transformações trazidas pela pós-modernidade.

Jameson diz que se deve “entender o pós-modernismo não como um estilo, mas como uma dominante cultural: uma concepção que dá margem à presença e à coexistência de uma série de características que, apesar de subordinadas umas às outras, são bem diferentes” (JAMESON, 2002, p.29).

De acordo com os estudos desenvolvidos pelo autor, a cultura pósmoderna e o pós-modernismo poderiam figurar quase como sinônimos, já que Jameson considera o pós-modernismo como “a lógica cultural do capitalismo tardio”. Não é a toa que o autor diz que a cultura se tornou tão indissociável da economia, que o termo pós-modernismo seria quase uma tradução de capitalismo tardio (Ibid., p.25). Portanto, o uso do termo cultura pós-moderna, inclusive nesta pesquisa, se refere às manifestações próprias do pós-modernismo, que tangem os diversos aspectos culturais da sociedade contemporânea e que estão ligadas diretamente ao advento do capitalismo avançado. “Assim, na cultura pósmoderna, a própria ‘cultura’ se tornou um produto, o mercado tornou-se seu próprio substituto, um produto exatamente igual a qualquer um dos itens que o constituem. (…) O pós-modernismo é o consumo da própria produção de mercadorias como processo” (Ibid., p.14).

A cultura teria se “capitalizado” com a estetização da mercadoria e aumentado seu alcance para outras esferas que antes não participavam de sua natureza. A produção estética estaria integrada à produção de mercadorias, baseada na obsolescência programada, havendo constantemente a produção de artefatos que pareçam novidades. O experimentalismo e a inovação estética seriam ferramentas importantes para estimular o consumo (Ibid., p.30). Harvey detecta essa descartabilidade em diferentes âmbitos, que agora estariam governados pela superficialidade e pela efemeridade.

“A dinâmica de uma sociedade ‘do descarte’, como a apelidaram escritores como Alvin Toffler (1970), começou a ficar evidente durante os anos 60. Ela significa jogar fora bens produzidos (…); significa também ser capaz de atirar fora valores, estilos de vida, relacionamentos estáveis, apego às coisas, edifícios, lugares, pessoas e modos adquiridos de agir e ser. (…) as pessoas foram forçadas a lidar com a descartabilidade, a novidade e as perspectivas de obsolescência instantânea” (HARVEY, 1989, p.258).

Segundo Jameson (2002), uma das características mais marcantes da cultura pós-moderna seria o apagamento da linha que separava a “alta cultura” da “cultura de massa”. Não há mais oposição entre essas duas vertentes, que agora formam uma massa unificada. Essa transformação também é responsável pela geração de uma série de mercadorias que alimentam a indústria cultural. “Os pósmodernismos têm revelado um enorme fascínio justamente por essa paisagem degradada do brega e do ‘kitsch’, dos seriados de TV e da cultura do Reader’s Digest, dos anúncios e dos motéis, dos lateshows e dos filmes B hollywoodianos, da assim chamada paraliteratura” (JAMESON, 2002, p.28).

Lyotard relaciona a condição pós-moderna com a perda de espaço das grandes narrativas, principalmente como instrumento legitimador dos trabalhos científicos. O autor destaca que na atualidade há a emergência dos “jogos de linguagem” múltiplos, que na maioria das vezes não possuem um consenso entre si. “O conhecimento pós-moderno não é apenas um instrumento das autoridades; ele refina a nossa sensibilidade a diferenças e reforça a nossa capacidade de tolerar o incomensurável”, afirma Lyotard. (LYOTARD, 1974 apud CONNOR, 2000, p.34) Com isso, ele defende as diferenças existentes entre as diversas narrativas em contraposição a um conhecimento único, detentor das verdades universais, que poderia ser representado pelo saber científico que prevalecia na modernidade. O conhecimento e o poder emanado deste saber também estariam agora mais descentralizados, baseados em diversos discursos, que podem ser proferidos não só por altas autoridades, mas por autoridades locais. Para Terry Eagleton, o pós-modernismo também seria a expressão maior do fim das metateorias.

“O pós-modernismo assinala a morte dessas ‘metanarrativas’, cuja função terrorista secreta era fundamentar e legitimar a ilusão de uma história humana ‘universal’. Estamos agora no processo de despertar do pesadelo da modernidade, com sua razão manipuladora e seu fetiche pela totalidade, para o pluralismo retornado do pós-moderno, essa gama heterogênea de estilos de vida e jogos de linguagem que renunciou ao impulso nostálgico de totalizar e legitimar a si mesmo” (EAGLETON, 1987 apud HARVEY, p.19, 1989).

Alguns autores, como Daniel Bell e Krishan Kumar, chamam a nova sociedade nascida a partir do capitalismo avançado de “sociedade pós-industrial”, que também é conhecida por outros teóricos como sociedade de consumo, sociedade da informação, sociedade eletrônica ou high tech, dentre outros.

“A cultura pós-moderna estaria, portanto, ligada a alguma nova forma de sociedade, sendo ‘pós-industrial’ o conceito geralmente preferido. O pósmoderno seria então para o pós-industrial o que a cultura é para a sociedade. O pós-modernismo é a cultura da sociedade pós-industrial” (KUMAR, 1995, p.123).

O termo pós-modernismo para David Harvey representa uma “espécie de reação ao ‘modernismo’” (HARVEY, 1989, p.19). Ao mesmo tempo, Harvey acredita que o pós-modernismo seja mais uma continuidade do modernismo, do que um movimento diferenciado. O pós-modernismo seria o resultado da crise sofrida pelo modernismo, “uma crise que enfatiza o lado fragmentário, efêmero e caótico da formulação de Baudelaire, (o lado que Marx disseca tão admiravelmente como parte integrante do modo capitalista de produção), enquanto exprime um profundo ceticismo diante de toda prescrição particular sobre como conceber, representar ou exprimir o eterno e imutável” (Ibid., p.111).

O movimento de 1968 que atingiu cidades no mundo inteiro, como Paris, Chicago, Praga, Madri e Tóquio, e que foi a culminância dos movimentos contraculturais e antimodernistas que surgiram nos anos 60, teria sido o grande marco para a posterior passagem ao pós-modernismo. “Em algum ponto entre 1968 e 1972, portanto, vemos o pós-modernismo emergir como um movimento maduro, embora ainda incoerente, a partir da crisálida do movimento antimoderno dos anos 60” (Ibid., p.44).

Segundo Steven Connor, embora o termo pós-modernismo tenha começado a ser utilizado por alguns autores nas décadas de 50 e 60, o conceito só teria se solidificado na metade dos anos 70, “quando afirmações sobre a existência desse fenômeno social e cultural tão heterogêneo começaram a ganhar força no interior e entre algumas disciplinas acadêmicas e áreas culturais, na filosofia, na arquitetura, nos estudos sobre o cinema e em assuntos literários” (CONNOR, 2000, p.13).

O sociólogo francês Michel Maffesoli defende que “tudo o que se chama ‘pós-moderno’ é, pura e simplesmente, um modo de distinguir a ligação existente entre a ética e a estética. (…) Tomemo-lo, de um modo cômodo, como o conjunto das categorias e das sensibilidades alternativas às que prevaleceram durante a modernidade” (MAFFESOLI, 1996, p.26). Para Maffesoli, a “ética da estética” é que governaria as relações humanas na pós-modernidade. A partir deste conceito, os indivíduos participantes das tribos – os microgrupos que formariam a sociedade atual -, seriam movidos não mais por uma moral strictu sensu, que dominou a modernidade, mas por uma moral dentro-ethos inerente ao período pós-moderno.

Em vez da lógica do “dever-ser”, que “adota a forma de uma categoria dominante, universal, rígida e privilegia desta maneira o projeto, a produtividade e o puritanismo”, a moral pós-moderna “vai valorizar o sensível, a comunicação, a emoção coletiva e será então mais relativa, completamente dependente dos grupos ou tribos enquanto tais: será assim uma ética, um ethos que vem de dentro.”

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman (2001) afirma que ainda viveríamos na modernidade, mas que esta sofreu modificações expressivas com o passar do tempo. Atualmente estaríamos envolvidos em uma “modernidade líquida” oposta à “modernidade pesada/sólida/condensada/sistêmica da ‘teoria crítica’”, que possuía tendências ao totalitarismo. Bauman ainda diz que essa modernidade era “inimiga jurada da contingência, da variedade, da ambigüidade, da instabilidade, da idiossincrasia, tendo declarado uma guerra santa a todas essas ‘anomalias’” (BAUMAN, 2001, p.33). Por outro lado, o “derretimento dos sólidos” contribuiria para a perda do senso crítico que impera na atualidade. A crescente liberalização e a flexibilização generalizada que permeia desde o mundo financeiro até o mercado de trabalho esvaziaram de certa forma os discursos críticos sobre o sistema, que antes poderia ser considerado autoritário e centralizador. Segundo Bauman, houve a “dissolução das forças que poderiam ter mantido a questão da ordem e do sistema na agenda política” (Ibid., p.12).

Técnicas como “‘velocidade, fuga, passividade’ (…) permitem que o sistema e os agentes livres se mantenham radicalmente desengajados e que se desencontrem em vez de encontrar-se” (Ibid., p.12). Jameson também detecta essa “armadilha pós-moderna”, que tenta varrer para debaixo do tapete qualquer tipo de senso crítico que pretenda ser manifestado sobre o que vivemos atualmente.

“Na medida, então, em que o teórico ganha ao construir uma máquina cada vez mais fechada e aterradora, na mesma medida perde, uma vez que a capacidade crítica de seu trabalho fica assim neutralizada, e os impulsos de revolta e negação, para não falar dos de transformação social, são percebidos, cada vez mais, como gestos inúteis e triviais no enfrentamento do modelo proposto” (JAMESON, 2002, p.31).

Connor (2000) acredita que há duas áreas para se realizar o estudo do pósmoderno: as narrativas que discutem a emergência do pós-modernismo na cultura mundial e o suporte estrutural deste debate no “arranjo social, político e econômico” que compõe a pós-modernidade. “Essas duas vertentes, a do surgimento do pós-modernismo a partir do modernismo e a do aparecimento da pós-modernidade a partir da modernidade, seguem caminhos adjacentes, que por vezes se cruzam, mas outras divergem entre si de maneiras significativas”.

(CONNOR, 2000, p.29) Essa lógica proposta por Connor fará parte desta pesquisa, havendo menções tanto a elementos do pós-modernismo quanto da pósmodernidade, em função da relação de interdependência entre essas duas vertentes. Porém, o foco principal da pesquisa será a cultura pós-moderna cunhada a partir da noção de pós-modernismo descrita pelos autores selecionados para a dissertação.

3.2 – Cultura pós-moderna: a lógica da acumulação flexível de capital

O fim das metanarrativas teria sido responsável por uma série de acontecimentos atribuídos ao pós-modernismo. “A fragmentação, a indeterminação e a intensa desconfiança de todos os discursos universais ou (…) ‘totalizantes’ são o marco do pensamento pós-moderno” (HARVEY, 1989, p.19).

A pulverização do poder apareceria como uma das principais conseqüências da rejeição das metateorias, conforme já foi apontado, sendo suportada pela heterogeneidade das pequenas narrativas locais, os “jogos de linguagem” de Lyotard (2002). A descontinuidade e a diferença na história seriam outros dois resultados decorridos da mudança no pensamento ocidental.

“O ‘redesdobramento’ econômico na fase atual do capitalismo, auxiliado pela mutação das técnicas e das tecnologias segue em paralelo, já se disse, com uma mudança de função dos Estados (…). Digamos sumariamente que as funções de regulagem e, portanto, de reprodução, são e serão cada vez mais retiradas dos administradores e confiadas a autômatos. A grande questão vem a ser e será a de dispor das informações que estes deverão ter na memória a fim de que boas decisões sejam tomadas. O acesso às informações é e será da alçada dos experts de todos os tipos. A classe dirigente é e será a dos decisores. Ela já não é mais constituída pela classe política tradicional, mas por uma camada formada por dirigentes de empresas, altos funcionários, dirigentes de grandes órgãos profissionais, sindicais, políticos, confessionais” (LYOTARD, 2002, p.27).

Como analisa Harvey, “a fragmentação, o pluralismo e a autenticidade de outras vozes e outros mundos traz o agudo problema da comunicação e dos meios de exercer o poder através do comando” (HARVEY, 1989, p.53). Esse fenômeno atingiu também o mercado de trabalho através do solapamento da classe trabalhadora e de sua força sindical. O capitalismo baseado na acumulação flexível que emergiu com o fim das metanarrativas, incentivou também a flexibilização do mercado de trabalho. Com o enfraquecimento do poder sindical, como foi apontado, e a quantidade de mão-de-obra excedente, as empresas e indústrias passaram a oferecer empregos em tempo parcial, temporário e subcontratado, e também o trabalho autônomo e os pequenos negócios foram incentivados. “As formas de organização da classe trabalhadora (como os sindicatos), por exemplo, dependiam bastante do acúmulo de trabalhadores na fábrica para serem viáveis, sendo peculiarmente difícil ter acesso aos sistemas de trabalho familiares e domésticos” (Ibid., p.145).

A acumulação flexível do capital, inclusive, requer uma atenção especial, já que perpassa a maior parte dos assuntos que são abordados na dissertação e que se relacionam com as manifestações da cultura pós-moderna analisadas a partir da linguagem visual da MTV. No período entre 1965 e 1973, ficou cada vez mais claro que a rigidez do sistema fordista não combinava com as contradições intrínsecas ao capitalismo. O modelo de “fábrica fordista” assombrava a cabeça dos trabalhadores, com suas produções em série, que transformavam as pessoas em meras engrenagens, demandando dos indivíduos movimentos metodicamente pré-determinados, repetitivos e totalmente mecânicos. “A linha de montagem se transformou no símbolo mais poderoso do sonho fordista de fabricação precisa, rápida, contínua e uniforme, ditando o ritmo dos movimentos do operário e, por extensão, do crescimento de toda a sociedade” (DENIS, 2000, p.105). Tais fatos foram retratados no famoso filme “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin, e em outras produções artísticas da época moderna.

A rigidez do fordismo presente na modernidade, que esbarrava no mercado, e na alocação e contratos de trabalho, foi substituída pela acumulação flexível de capital, apoiada na “flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo” (HARVEY, 1989, p.140). Ainda de acordo com Harvey, o fornecimento de novos serviços financeiros e o aparecimento de novos setores de produção e de novos mercados também seriam outras características promovidas pela acumulação flexível, que também se apóia em uma expressiva inovação nos campos tecnológico, comercial e organizacional.

A crescente passagem do consumo de bens para o consumo de serviços seria uma outra vertente dessa nova realidade. Além disso, a acumulação flexível teria relação direta com a “compressão do espaço-tempo”, quando “os horizontes temporais da tomada de decisões privada e pública se estreitaram, enquanto a comunicação via satélite e a queda dos custos de transporte possibilitaram cada vez mais a difusão imediata dessas decisões num espaço cada vez mais amplo e variado” (Ibid, p.140).

A acumulação flexível que também tange o âmbito cultural, em função da própria expansão da esfera cultural, não deixa de ser uma das facetas do capitalismo tardio anunciado por Jameson. Ela promove o consumo de diversas mercadorias que sustentam a indústria cultural, da qual a MTV faz parte, estando baseadas na efemeridade estética e na contínua promessa de satisfação inerente à publicidade.

“A acumulação flexível foi acompanhada na ponta do consumo, portanto, por uma atenção muito maior às modas fugazes e pela mobilização de todos os artifícios de indução de necessidades e de transformação cultural que isso implica. A estética relativamente estável do modernismo fordista cedeu lugar a todo o fermento, instabilidade e qualidades fugidias de uma estética pós-moderna que celebra a diferença, a efemeridade, o espetáculo, a moda e a mercadificação de formas culturais” (HARVEY, 1989, p.148).

A cultura pós-moderna é a “transformação da cultura em economia e da economia em cultura. É uma imensa ‘desdiferenciação’ (…), na qual as antigas fronteiras entre a produção econômica e a vida cultural estão desaparecendo” (JAMESON, 1995 apud EVANGELISTA, 2001, p.31). Os elementos presentes no campo cultural e que são transformados em mercadorias são cada vez mais fundamentais para a sustentação do capitalismo avançado. Com isso, as contradições presentes na produção material também invadem o universo da produção cultural e provocam mudanças no comportamento de consumo, de acordo com Jameson.

3.2.1 – Produção de imagens, sociedade do espetáculo, performance, moda, e outras manifestações da cultura pós-moderna

O uso freqüente do pastiche na cultura pós-moderna se relaciona ao enfraquecimento da historicidade em função da preponderância da lógica espacial em detrimento da temporalidade. O passado se transforma em uma “vasta coleção de imagens aleatórias, que são combinadas de múltiplas formas a partir do presente. Essa presentificação do passado e do futuro funda um discurso ‘esquizofrênico’ sobre a história” (EVANGELISTA, 2001, p.32). O pastiche, que é um elemento muito recorrente na linguagem visual da MTV, seria a tradução dessa perda de continuidade histórica, misturando sem qualquer critério diversos estilos do passado. Seguindo este clima, “a obra de arte (…) é agora um saco de gatos ou um quarto de despejo de subsistemas desconexos, matérias primas aleatórias e impulsos de todo tipo” (JAMESON, 2002, p.57).

Aliás, a televisão de um modo geral seria o “primeiro meio cultural de toda a história a apresentar as realizações artísticas do passado como uma colagem coesa de fenômenos eqüi-importantes e de existência simultânea, bastante divorciados da geografia e da história material e transportados para as salas de estar e estúdios do Ocidente num fluxo mais ou menos ininterrupto” (TAYLOR, 1987 apud HARVEY, 1989, p.63). Além disso, a televisão aparece como um produto legítimo do capitalismo avançado, incentivando também o consumismo e sendo indissociável das práticas de reprodução e da superficialidade que governam a cultura pós-moderna. Segundo Baudrillard, o próprio formato da tela de TV, onde são transmitidas imagens planas, se relaciona diretamente a temas como visibilidade absoluta, perda de interioridade e proliferação da informação e da comunicação.

A perda da temporalidade também origina uma falta de profundidade em boa parte da produção cultural contemporânea. Haveria uma “fixação nas aparências, nas superfícies e nos impactos imediatos que, com o tempo, não têm poder de sustentação”. (HARVEY, 1989, p.59) A fragmentação dos discursos e a instabilidade da linguagem causariam uma maior preocupação com o significante do que com o significado, “com a participação, a performance, o happening, em vez de com um objeto de arte acabado e autoritário, antes com as aparências superficiais do que com as raízes. (…) O efeito desse colapso da cadeia significativa é reduzir a experiência à ‘uma série de presentes puros e não relacionados no tempo’” (JAMESON, 1984 apud HARVEY, 1989, p.57). Mais uma vez há uma referência ao “discurso esquizofrênico” que se daria na atualidade e que tangeria também a cultura, de acordo com Jameson.

“A imagem, a aparência, o espetáculo podem ser experimentados com uma intensidade (júbilo ou terror) possibilitada apenas pela sua apreciação como presentes puros e não relacionados no tempo (…) O caráter imediato dos eventos, o sensacionalismo do espetáculo (político, científico, militar, bem como de diversão) se tornam a matéria de que a consciência é forjada” (HARVEY, 1989, p.57).

Harvey afirma que a crise da temporalidade, com ênfase naquilo que é instantâneo, teria aparecido em parte devido ao destaque concedido pela contemporaneidade à produção cultural de “eventos, espetáculos, happenings e imagens de mídia. Os produtores culturais aprenderam a explorar e usar as novas tecnologias, a mídia e, em última análise, as possibilidades multimídia” (HARVEY,1989, p.61). A importância dada à transitoriedade também incentivou a aproximação entre a alta cultura e a cultura popular.

Steven Connor fala sobre a questão da importância da performance na pósmodernidade, funcionando como experiências efêmeras que também são vendidas como mercadoria. Para grande satisfação da indústria cultural, a performance geraria capital com rapidez, possuindo uma ampla demanda e facilidade de reprodução. Em qualquer lugar, a qualquer hora do dia, a performance tem seu espaço para acontecer e público suficiente para acompanhá-la de muito bom grado.

“A economia da cultura de massas, longe de exigir o congelamento das experiências humanas livremente contingentes em formas comerciáveis, promove conscientemente essas formas de intensidade transitória, visto que, no final, é muito mais fácil controlar e estimular a demanda de experiências espontaneamente (que de espontâneas, é claro, nada têm) sentidas como fora da representação. Do rock ao turismo, da televisão à educação, os imperativos publicitários e a demanda de consumo já não tratam de bens, mas de experiências” (CONNOR, 2000, p.127).

A performance, assim como outros serviços que se multiplicaram para suprir a indústria cultural, é de rápido consumo e uma fonte inesgotável de produção para novas demandas, ao contrário dos bens físicos que possuem um limite para a acumulação e tempo de giro de capital bem menos acelerado. Além disso, a performance expressa a descartabilidade generalizada que tomou conta da vida moderna, e que tem na frase de Marx “tudo o que é sólido desmancha no ar” sua expressão maior.

“O ‘tempo de vida’ desses serviços (uma visita a um museu, ir a um concerto de rock ou ao cinema, assistir a palestras ou freqüentar clubes), embora difícil de estimar, é bem menor do que o de um automóvel ou de uma máquina de lavar. Como há limites para a acumulação e para o giro de bens físicos (…), faz sentido que os capitalistas se voltem para o fornecimento de serviços bastante efêmeros em termos de consumo” (HARVEY, 1989, p.258).

Shows de rock e apresentações-surpresa de bandas em locais públicos são algumas das possibilidades de performance empreendidas pelos artistas que participam da programação da MTV. Além disso, as turnês desses artistas não são mais baseadas apenas na música, mas na produção de imagens, suportadas por uma parafernália tecnológica, com direito a show de raio laser, fogos de artifício e palco flutuante, que desliza até o meio do público. As turnês de grandes bandas como o U2, os Rolling Stones e o Pink Floyd figuram como bons exemplos dessa nova realidade no universo musical.

Essa produção de imagens não está ligada somente à performance, mas é uma dominante na cultura pós-moderna como forma também de gerar mercadorias. Assim como Jameson, Baudrillard afirma que já não é possível separar “os domínios econômico ou produtivo dos domínios da ideologia ou da cultura, porque os artefatos culturais, as imagens, as representações e até os sentimentos e estruturas psíquicas tornaram-se parte do mundo econômico” (CONNOR, 2000, p.48). Guy Debord também considera que viveríamos em uma “sociedade do espetáculo”, que possui como principal forma de mercadoria não mais produtos materiais, mas imagens, que seriam a verdadeira força motriz da economia atual. A aparência seria a nova moeda nesse novo universo de trocas simbólicas.

“O conceito de espetáculo unifica e explica uma grande diversidade de fenômenos aparentes. Suas diversidades e contrastes são as aparências dessa aparência organizada socialmente, que deve ser reconhecida em sua verdade geral. Considerado de acordo com seus próprios termos, o espetáculo é a afirmação da aparência e a afirmação de toda a vida humana – isto é, social – como simples aparência. Mas a crítica que atinge a verdade do espetáculo o descobre como negação visível da vida que se tornou visível” (DEBORD, 1997, p.16).

Baudrillard defende que atualmente o signo não teria nenhuma relação com a realidade, mas seria seu próprio simulacro puro. “No regime de simulação que é a cultura contemporânea, Baudrillard diagnostica a incessante produção de imagens sem nenhuma tentativa de fundamentá-las na realidade” (CONNOR, 2000, p.52). Haveria uma produção de signos que tentam ser mais reais do que a própria realidade, dando origem a chamada hiper-realidade, segundo Baudrillard. A emergência da publicidade, considerada a “arte oficial do capitalismo”, seria um dos exemplos mais concretos da produção de uma linguagem e de signos que são auto-referentes, produzindo uma realidade aparente como puro simulacro.

“A publicidade atuaria como um jogo sobre si mesma, deixando de existir diálogo entre emissor e receptor, que são as massas inertes, fascinadas com o poder da comunicação” (EVANGELISTA, 2001, p.31). As mercadorias perderiam seu valor de uso e só adquiririam um sentido através da publicidade, que transforma a imagem em um simulacro da mercadoria. “A comunicação de massa transferiria a vivência no real para a vivência no signo. Portanto, a cultura pós-moderna seria a cultura do simulacro” (CONNOR, 2000 apud EVANGELISTA, 2001, p.31).

A publicidade tem relação com o surgimento do mercado de consumo de massa, sendo responsável pela criação de sonhos e fantasias em torno de inúmeras mercadorias que precisam ser absorvidas por esse novo mercado. O fetiche da mercadoria alimentado pela publicidade estimula os indivíduos a serem cada vez mais dependentes dessas mercadorias, que prometem satisfazer de forma ilusória os seus anseios. No entanto, ao mesmo tempo a publicidade tende a criar um consumidor eternamente “insatisfeito” para garantir o contínuo consumo de novas mercadorias que preencham as “novas necessidades” criadas pela própria indústria.

“Movemo-nos e continuaremos a nos mover não tanto pelo ‘adiamento da satisfação’, como sugeriu Max Weber, mas por causa da impossibilidade de atingir a satisfação; o horizonte da satisfação, a linha de chegada do esforço e o momento da auto-congratulação tranqüila movem-se rápido demais. A consumação está sempre no futuro, e os objetivos perdem sua atração e potencial de satisfação no momento de sua realização, se não antes” (BAUMAN, 2001, p.37).

“Nessa sociedade de consumo, os meios de comunicação de massa e a publicidade invadem todo o cotidiano dos indivíduos e atuam ‘educando’ as massas para ter um inesgotável apetite por novos bens e por novas experiências e satisfação pessoais” (EVANGELISTA, 2001, p.35). Sendo assim, a cultura pósmoderna também poderia ser definida como a cultura do consumo, já que o consumismo se tornou um “verdadeiro modo de vida nas sociedades capitalistas”. O mal-estar inerente à vida moderna, estimulado pelo clima generalizado de insegurança, pelo constante anseio em ascender socialmente e outros elementos que contribuem para a instabilidade pessoal, poderia ser supostamente “resolvido” pelo consumo de mercadorias, que prometem também “suplantar o tédio, o cansaço, a futilidade e o vazio, vividos cotidianamente pelas pessoas” (Ibid., p.35).

Segundo David Harvey, haveria também o surgimento de uma verdadeira “indústria de produção de imagens”, que seria responsável pela construção de imagens pessoais e empresariais. No caso da empresa, o investimento na constituição de uma imagem seria realizado através de artifícios como o “patrocínio das artes, exposições, produções televisivas e novos prédios, bem como marketing direto” que se tornam tão importantes quanto o “investimento em novas fábricas e maquinário” (HARVEY, 1989, p.260). No nível pessoal, a aquisição de uma imagem, “por meio da compra de um sistema de signos como roupas de griffe e o carro da moda”, se torna um elemento influente na obtenção de uma boa posição no mercado de trabalho e “por extensão, passa a ser parte integrante da busca de identidade individual, auto-realização e significado na vida” (Ibid., p.260).

No caso do universo musical, as imagens construídas se valem dos mais diferentes recursos, que incluem publicidade em massa, notícias plantadas em jornais, revistas, TV e rádio, produção de performances ao vivo e o apoio de especialistas. Além disso, essa indústria produz imagens de poder, mostrando em capas de revistas, como a Caras, as mansões e os carros do ano que os ídolos musicais possuem, garantindo assim também o ingresso deles em um círculo social específico. “A fase atual, em que a vida social está totalmente tomada pelos resultados acumulados na economia, leva a um deslizamento generalizado do ter para o parecer, do qual todo ‘ter’ efetivo deve extrair seu prestígio imediato e sua função última” (DEBORD, 1997, p.18).

Como a construção dessas imagens baseia-se nas aparências, a efemeridade caminha de braços dados com as imagens produzidas para músicos e bandas, calcadas em “símbolos de riqueza, de posição, de fama e de poder”. Um simples fato que não agrade o público pode colocar um ponto final a uma carreira construída ao longo de muitos anos. Esse é o preço a pagar pela produção de imagens tão frágeis como castelos de areia. No meio da construção, pode sempre surgir também um terrível vento provocado pela “melhor banda de todos os tempos da última semana”, e pôr abaixo as paredes de pura ilusão do castelo de imagens construído pelo ídolo da situação (COSTA, 2005b, p.14-15).

“Toda essa indústria se especializa na aceleração do tempo de giro por meio da produção e venda de imagens. Trata-se de uma indústria em que reputações são feitas e perdidas da noite para o dia, onde o grande capital fala sem rodeios e onde há um fermento de criatividade intensa, muitas vezes individualizada, derramado no vasto recipiente da cultura de massa serializada e repetitiva. É ela que organiza as manias e modas, e, assim fazendo, produz a própria efemeridade que sempre foi fundamental para a experiência da modernidade. Ela se torna um meio social de produção do sentido de horizontes temporais em colapso de que ela mesma, por sua vez, se alimenta avidamente” (HARVEY, 1989, p.262).

As imagens associadas às subculturas, às culturas “marginais”, se é que ainda podemos chamá-las assim, também acabam sendo “canibalizadas” pelo mundo capitalista como forma de gerar novidades vendáveis para o grande público. A descartabilidade e o contínuo anseio por novidades, já mencionados, estimulam a indústria cultural a procurar continuamente fontes de inspiração que gerem novos produtos, e para tanto não há qualquer tipo de preconceito ou limite.

O visual black power da cultura negra, as danças caribenhas dos “chicanos” ou o look punk antes “não vistos com bons olhos”, podem virar novas mercadorias atraentes para a massa de consumidores, através das manobras empreendidas pela indústria cultural. Steven Connor afirma que a “cultura capitalista contemporânea, longe de depender da incessante replicação dos mesmos produtos, na verdade alimenta as energias dissidentes de formas culturais marginais ou oposicionistas” (CONNOR, 2000, p.156).

A experimentação é incentivada nos mais diferentes níveis culturais em prol da concepção de novos produtos que possam ser oferecidos ao público consumidor. Muitas vezes esse processo se apóia no fornecimento de patrocínio e bolsas de estudo concedidas por instituições que possuem interesse nessa geração de novas mercadorias. A maior parte dos produtos ganha uma “nova cara” de tempos em tempos, para transmitir ao consumidor a sensação de estar adquirindo um produto novo ou com algum tipo de vantagem adicional, mesmo que isso não passe de uma ilusão orquestrada simplesmente pelo novo layout adotado pela mercadoria. A estética visual prova ser mais uma vez uma importante ferramenta para incentivar o consumo na sociedade atual.

“A produção estética hoje está integrada à produção das mercadorias em geral: a urgência desvairada da economia em produzir novas séries de produtos que cada vez mais pareçam novidades (de roupas a aviões), com um ritmo de turn over cada vez maior, atribui uma posição e uma função estrutural cada vez mais essenciais à inovação estética e ao experimentalismo” (JAMESON, 2002, p.30).

A moda é uma das áreas mais representativas dos mecanismos conduzidos pelo mercado, seguindo a lógica do capitalismo avançado. A cada estação surge uma nova coleção que oferece diversas opções para os consumidores que desejam estar em sintonia com as últimas “tendências”. Sem dúvida, na moda o fenômeno da “obsolescência programada” se manifesta com todo o vigor, ao tornar corriqueiro aos olhos do consumidor o fato da saia da estação passada estar totalmente ultrapassada, devendo ser substituída por outra up-to-date, embora ainda esteja em boas condições de uso.

Como a representação do verdadeiro “sonho de consumo” do mundo capitalista, a moda recebe com entusiasmo as principais ferramentas disponíveis pelo mercado para manter um fluxo contínuo de acumulação de capital, sem que sejam mesmo percebidas ou refutadas pela maior parte dos consumidores, que realiza quase automaticamente a compra sazonal de novas roupas e acessórios. “A moda é a lógica da obsolescência planejada – não somente a necessidade da sobrevivência do mercado, mas o ciclo do próprio desejo, o processo interminável por meio do qual o corpo é decodificado e recodificado, para definir e habitar os mais novos espaços territorializados da expansão do capital”.

3.3 – A linguagem visual pós-moderna na arquitetura e no design

Os elementos expressivos da cultura pós-moderna, como a fragmentação, o simulacro, a descontinuidade, o pastiche, a multiplicidade e outros que já foram discutidos, também se manifestam na linguagem visual da arquitetura e do design intrínseca a esta cultura. Embora as manifestações pós-modernas no design sejam de maior interesse para a pesquisa, já que tangem diretamente o principal objeto de pesquisa da dissertação – a linguagem visual da MTV e de suas vinhetas -, a arquitetura também será abordada na parte subseqüente do capítulo, já que se constitui como uma das formas mais expressivas e importantes de uma estética visual considerada pós-moderna.

Na arquitetura

A arquitetura foi uma das áreas onde a cultura pós-moderna se manifestou com mais intensidade, havendo uma diferença bem expressiva entre a arquitetura pós-moderna e a do período anterior. O Estilo Internacional que dominou a arquitetura e o design durante a modernidade seguia os conceitos funcionalistas propostos pelo arquiteto Le Corbusier, pela Bauhaus e pelos CIAM (Congrès Internationaux d’Architecture Moderne). Como o próprio nome já diz, seria um estilo que poderia se adaptar facilmente às necessidades de cada país, independente das culturas locais. Os arranha-céus “caixas-de-vidro” que até hoje podem ser vistos tanto em Pequim, quanto em Tóquio, São Paulo ou Nova Iorque seriam obras legítimas desse período.

Com a flexibilização instaurada pela cultura pós-moderna, esses espigões quase padronizados começaram a dar lugar a projetos mais orgânicos e personalizados, que buscam atender às necessidades de cada localidade e não tentam pasteurizar todas as paisagens, transformando-as em um bloco único de extrema monotonia. Não havia mais espaço para construções com formatos supostamente universais que seriam erguidas para o Homem, e não para as pessoas e todos os aspectos que essa situação envolve.

“As torres de vidro, os blocos de concreto e as lajes de aço que pareciam destinadas a dominar todas as paisagens urbanas de Paris a Tóquio e do Rio a Montreal, denunciando todo ornamento como crime, todo individualismo como sentimentalismo e todo romantismo como kitsch, foram progressivamente sendo substituídos por blocos-torre ornamentados, praças medievais e vilas de pesca de imitação, habitações projetadas para as necessidades dos habitantes, fábricas e armazéns renovados e paisagens de toda a espécie reabilitadas, tudo em nome da defesa de um ambiente urbano mais ‘satisfatório’” (HARVEY, 1989, p.45-46).

Uma característica importante da arquitetura pós-moderna foi o retorno do uso do ornamento nas construções, considerado totalmente supérfluo e dispensável pelos arquitetos modernistas, que tinham a sensação de que a ornamentação poderia prejudicar a “essência” de um prédio, embutindo em sua estrutura uma “coisa alheia à sua natureza”.

Jameson chama essa nova roupagem da arquitetura, que aceita ornamentos e qualquer outra forma de intervenção com muito bom grado, de “populismo estético”. Esta nova expressão arquitetônica teria sido muito influenciada pelo importante manifesto Learning from Las Vegas, de Venturi, Scott Brown e Izenour, publicado em 1972. Essa obra defendia que os arquitetos deveriam ter mais atenção com o estudo de paisagens urbanas, como os subúrbios e os centros comerciais, do que demonstrar preocupação apenas com a elaboração de teorias abstratas, que ficavam longe da prática e, portanto, das necessidades humanas reais (HARVEY, 1989, p.45).

O termo “renovação urbana” foi substituído por “revitalização urbana”, que tenta traduzir a atual busca por diferentes influências na elaboração de um projeto urbano, procurando aproveitar as peculiaridades de cada localidade. “Hoje em dia, é norma procurar estratégias ‘pluralistas’ e ‘orgânicas’ para a abordagem do desenvolvimento urbano como uma ‘colagem’ de espaços e misturas altamente diferenciados, em vez de perseguir planos grandiosos baseados no zoneamento funcional de atividades diferentes” (HARVEY, 1989, p.46). Sendo assim, os planejadores urbanos do mundo pós-moderno, veriam de certa forma o acaso e o caos urbano com bons olhos, não tentando impor uma “totalidade”. As inúmeras possibilidades se apresentam de forma aberta em contraste com os cânones propagados pela arquitetura no período anterior.

Segundo Jameson, a arquitetura pós-moderna demonstrou bem o desaparecimento que houve entre a alta cultura e a cultura de massa ou comercial, com o uso sistemático do kitsch e de outras formas inerentes à indústria cultural. O kitsch antes visto como algo de mau gosto, passa a ganhar destaque nas paisagens atuais. O pluralismo existente na arquitetura pós-moderna através do uso simultâneo dessa e de outras referências a diferentes estilos do passado transformaria parte das construções contemporâneas em grandes pastiches. No laboratório de produção pós-moderno, podem ser misturadas em um mesmo tubo de ensaio referências dos anos 50, 60 ou 80. A sala de estar pode contar com colunas jônicas, pinturas egípcias e móveis de jacarandá.

O famoso prédio da AT&T, hoje pertencente à Sony, localizado em Nova Iorque, traduz essa tendência instalada na arquitetura. O edifício foi um marco da arquitetura pós-moderna ao utilizar materiais “modernos” como titânio, aço e vidro na sua constituição, e exibir um ornamento em estilo rococó, típico do século XVIII, no frontão Chippendale incompleto encontrado no seu topo. Jameson critica esse mix indiscriminado de períodos diferentes numa mesma construção, dizendo que os arquitetos usam a palavra “historicismo” para se referir ao “ecletismo complacente da arquitetura pós-moderna que, sem critérios ou princípios, canibaliza todos os estilos arquitetônicos do passado e os combina em ensembles exageradamente estimulantes” (Jameson, 2002, p.46). O resgate do passado e de outras referências seria conveniente para a produção cultural.

É interessante observar como o simulacro invadiu a arquitetura pósmoderna também, podendo ser traduzido em construções que simulam uma determinada geografia pertencente a outro local do planeta ou até mesmo criando ambientes de pura fantasia que buscam atrair a atenção de turistas dispostos a gastar parte dos seus ganhos em lazer e entretenimento. Os exemplos são vários tanto no Brasil como em outros países. A Epcot Center, localizada em Orlando, nos Estados Unidos, é um exemplo clássico e monumental que reproduz cenários do mundo inteiro na enorme área que ocupa. Os cenários geralmente remetem aos principais pontos turísticos da Europa, prometendo ao turista a sensação de estar visitando determinada localidade do outro lado do mundo sem precisar cruzar os mares para realizar tal desejo. Como diz Harvey, “torna-se possível, como dizem os comerciais americanos, ‘viver o Velho Mundo por um dia sem ter de estar lá de fato’” (HARVEY, 1989, p.270). Esse fato também figura como uma demonstração da compressão do espaço-tempo, não sendo mais necessário cruzar espaços como outrora para vivenciar a culinária, a música ou os espetáculos produzidos por diversos países, mesmo os mais longínquos.

O Barra World, um shopping localizado na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, nasceu exatamente com a pretensão de oferecer ao consumidor a sensação de estar visitando diferentes países, através de réplicas de monumentos famosos de diversos países – incluindo a Torre Eiffel e a Torre de Pisa -, de restaurantes com comidas típicas e de eventos relacionados aos países aos quais faz referência nos seus diversos corredores.

A simulação de arquiteturas seria mais uma vertente do mundo pósmoderno, capaz de gerar um grande nível de lucros. Harvey afirma que os “lugares retratados de certa maneira, em particular se têm a capacidade de atrair turistas, podem começar ‘a se vestir’ segundo as prescrições das imagensfantasia.” O autor cita ainda ironicamente os castelos medievais que oferecem “fins de semana medievais (como comida e roupas, mas não, é claro, o sistemas primitivos de aquecimento)” (HARVEY, 1989, p.271).

Atualmente, o turismo vem se expandindo também através da construção de “ilhas da fantasia” que prometem prazer e diversão sem limites e que são conhecidos como resorts. Um dos mais famosos e com certeza o maior do mundo é o Club Med, que está presente em todos os continentes. As unidades geralmente possuem praias particulares e oferecem inúmeras atividades que incluem arco-eflecha, vela, windsurf, ski aquático, tênis, vôlei de praia, caiaque, dentre outros. A arquitetura é planejada para comportar da forma mais integrada possível toda essa gama de atividades. Além disso, contam com uma equipe de GOs (Gentis Organizadores) que são responsáveis pela recreação e pelo apoio aos hóspedes, também chamados de GMs (Gentis Membros), durante toda a estadia. A culinária oferecida pelo resort é também extremamente vasta e oferece pratos de diferentes países em cada dia da semana.

Os desejos parecem mesmo se diluir nesse mar de opções que se assemelha a um lugar de ilusões que só poderia habitar nossa imaginação, mas que o capital agora torna plenamente possível e palpável. Resorts como o Club Med poderiam ser classificados como “não-lugares”. Como afirma Bauman, embora não cite os resorts, “um não-lugar ‘é um espaço destituído das expressões simbólicas de identidade, relações e história: exemplos incluem aeroportos, autoestradas, anônimos quartos de hotel, transporte público… Jamais na história do mundo os não-lugares ocuparam tanto espaço’” (Bauman, 2000, p.120).

Os resorts são lugares “produzidos”, desprovidos de sentido histórico, que mais parecem cenários de filmes “hollywoodianos” e que seguem um certo padrão visual e estrutural nas unidades que possam estar instaladas em outras partes do globo. Quando alguém se hospeda em um resort é como se o mundo exterior desaparecesse, graças à auto-suficiência demonstrada e oferecida pelo local. Tanto hóspedes quanto funcionários não precisam visitar o “mundo exterior” para preencher alguma necessidade imediata, já que a alimentação e diversas facilidades estão ao seu alcance.

No Club Med, assim como em outros resorts, como a Costa do Sauípe, que é uma espécie de “cidade-condomínio” de férias localizada no Brasil, também acontece uma interessante civilidade entre estranhos, através de códigos de conduta que precisam ser seguidos à risca, para que nada saia fora do esperado, garantindo assim a tranqüilidade dos hóspedes durante suas férias no lugar.

“Os residentes temporários dos não-lugares são possivelmente diferentes, cada variedade com seus próprios hábitos e expectativas; e o truque é fazer com que isso seja irrelevante durante sua estadia. Quaisquer que sejam suas outras diferenças, deverão seguir os mesmos padrões de conduta: e as pistas que disparam o padrão uniforme de conduta devem ser legíveis por todos eles, independente das línguas que prefiram ou que costumem utilizar em seus afazeres diários” (BAUMAN, 2000, p.119).

Charles Jencks enxerga de forma positiva a possibilidade de reproduzir cenários ou misturar diversas tendências de épocas e lugares diferentes através da arquitetura, e incentiva o profissional que atua na área a tomar partido sobre isso, dizendo que “barrando algum tipo de redução totalitária na heterogeneidade da produção e do consumo, parece desejável que os arquitetos aprendam a usar essa heterogeneidade inevitável de linguagens. Além disso, é bastante divertido. Por que, se é possível viver em épocas e culturas diferentes, restringir-se ao presente, ao local? O ecletismo é a evolução de uma cultura como escolha” (JENCKS, 1984 apud HARVEY, 1989, p.271).

Jencks classifica como “univalência” a arquitetura praticada por Mies van der Rohe e seus seguidores, inspirada no Estilo Internacional. O prédio univalente seria baseado na simplicidade de suas formas geométricas, que se repetem de maneira incessante. Porém, ao mesmo tempo, essa suposta simplicidade se dilui na auto-suficiência e no ideal de perfeição reivindicados pelo prédio modernista.

“Univalência também é exclusão. O prédio modernista é, ao mesmo tempo, pura materialidade e puro signo que não se refere a nada fora de si mesmo, seja por citação ou por alusão. (…) o prédio modernista não deveria ‘significar’, mas ‘ser’”, afirma Connor, explanando a teoria defendida por Jencks (CONNOR, 2000, p.61).

A arquitetura pós-moderna, segundo Jencks, recusaria esse princípio da univalência, já que passaria a utilizar referências externas na construção dos prédios, imbuindo significados nestes. Com isso, a teoria arquitetônica pósmoderna se basearia agora no conceito de “multivalência”, que aceita a multiplicidade de leituras para uma mesma construção e a possibilidade de se utilizar referências simbólicas diversas. O prédio moderno seria um “texto” para ser contemplado que dá lugar ao “contexto” do edifício pós-moderno. Segundo Connor, “onde os arquitetos modernistas enfatizavam a unidade absoluta de intenção e de execução num prédio, a arquitetura pós-moderna assinala seu afastamento desse requisito austero ao explorar e exibir incompatibilidade de estilo, de forma e de textura” (Ibid, p.63).

As mudanças tecnológicas que se processaram nos últimos tempos também teriam influenciado a arquitetura pós-moderna, segundo Jencks. As novas formas de comunicação e transporte, que contribuem para o fenômeno da compressão do espaço-tempo, também colaboraram para que as paisagens urbanas pudessem se tornar mais dispersas e descentralizadas, criando oportunidades novas para a arquitetura agir dentro dos espaços. Além disso, as novas tecnologias, capitaneadas pelo computador, teriam aniquilado a noção que atrelava necessariamente a produção em massa com “repetição em massa”, em prol de produtos mais personalizados que embora possam ser produzidos em massa, suportados pelos softwares disponíveis, oferecem uma imensa gama de estilos e opções, que proporcionam uma razoável flexibilidade nas construções projetadas pelos atuais arquitetos. Jencks afirma que a “criação de modelos no computador, a produção automatizada e as sofisticadas técnicas de pesquisa e previsão de mercado de hoje nos permitem a produção em massa de uma variedade de estilos e de produtos quase personalizados” (JENCKS, 1984 apud CONNOR, 2000, p.69).

Por outro lado, embora seja incentivada a diferenciação entre as paisagens arquitetônicas de diferentes lugares, que podem se inspirar nas especificidades culturais de cada região para produzir suas construções, a homogeneização é cada vez mais latente devido ao fenômeno da globalização, que naturalmente acaba atingindo a arquitetura também. Esse caráter de diferenciação que as cidades buscam tem como maior objetivo promover o turismo local, através de atrativos que existam apenas naquela determinada localidade. Porém, essa pretensão é cada vez mais utópica, em função da facilidade de se reproduzir com fidelidade a paisagem urbana de determinada região em outra parte oposta do planeta, como já foi visto. “Paradoxalmente, o signo do sucesso da linguagem e do estilo antiuniversalistas do pós-modernismo arquitetônico pode ser encontrado em toda parte, de Londres a Nova York, de Tóquio a Nova Délhi” (CONNOR, 2000, p.69). Com isso, cria-se também uma paisagem cada vez mais pasteurizada, uma linguagem na arquitetura que por mais que não queira parecer universal, é reproduzida em diferentes continentes.

“E é nesse contexto que podemos melhor situar o esforço das cidades (…) para forjar uma imagem distintiva e criar uma atmosfera de lugar e de tradição que aja como atrativo tanto para o capital como para pessoas ‘do tipo certo’ (isto é, abastadas e influentes). O aumento da competição entre lugares deveria levar à produção de espaços mais variados no âmbito da crescente homogeneidade da troca internacional. No entanto, na medida em que essa competição abre as cidades a sistemas de acumulação, acaba sendo produzido o que Boyer (1988) chama de monotonia ‘serial’ e ‘recursiva’, ‘gerando a partir de padrões e moldes já conhecidos lugares quase idênticos em termos de ambiente em diferentes cidades: South Street Seaport, de Nova Iorque, Quincy Market, de Boston; Harbor Place, de Baltimore” (HARVEY, 1989, p.266).

No Brasil, o bairro da Barra da Tijuca, localizado no Rio de Janeiro, é freqüentemente comparado à cidade de Miami, nos Estados Unidos. Com seus inúmeros condomínios fechados e shoppings, bares, restaurantes, hotéis de nível internacional e uma extensa orla marítima repleta de coqueiros, a Barra lembraria em muito a arquitetura encontrada na cidade americana.

No design

No campo do design, o pós-moderno se mostra de diferentes formas, não havendo um padrão estético típico. O surgimento de um design considerado pósmoderno se deu em função das modificações culturais e sociais ocorridas no Ocidente. A flexibilização, o pastiche, a fragmentação e outros elementos foram incorporados ao design através da superação das teorias em que se baseava e também devido à introdução de novas tecnologias no seu campo de trabalho.

Entre as décadas de 1920 e 1960, houve o domínio no design gráfico da chamada Escola Suíça, que aplicava os ideais de pragmatismo e precisão promovidos pelo Estilo Internacional, tendo como alguns dos maiores expoentes os designers Emil Ruder, Armin Hoffman, Josef Müller-Brockman e Adrian Frutiger. Segundo Flávio Cauduro, esses profissionais “pregavam a superioridade universal de suas soluções gráficas restritivas, rigidamente controladas pelo grid system e vestidas uniformemente pelas famílias Futura, Helvetica e Univers” (CAUDURO, 2000, p.130). Esse sistema gráfico hermético e austero acabou sendo adotado por grande parte das empresas multinacionais, como IBM, Olivetti e Westinghouse, simbolizando os “ideais elevados” que a maioria das corporações almeja representar para a sociedade. “A cultura corporativa incipiente reconheceu no design funcionalista, atrativos irresistíveis como austeridade, precisão, neutralidade, disciplina, ordem, estabilidade e um senso inquestionável de modernidade, todas qualidades que qualquer empresa multinacional desejava transmitir para os seus clientes e funcionários” (DENIS, 2000, p.156).

Com a queda do grid system e de outras soluções rígidas e repetitivas para a produção de um pretenso “bom design”, a ornamentação e a pluralidade das formas começaram a ganhar campo no design gráfico. As “algemas” que antes limitavam os designers a produzir uma série de soluções padronizadas deram lugar à diversidade. O cerceamento da criatividade dos designers através de “fórmulas prontas”, que podiam ser facilmente reproduzidas por qualquer profissional da área, e, conseqüentemente, por qualquer empresa, cede espaço para a possibilidade de haver uma maior personalização e diferenciação entre as identidades visuais corporativas projetadas.

A monotonia do design funcionalista começa a ser refutada a partir dos anos 60, talvez buscando inspiração nos movimentos contraculturais e antimodernistas que surgem na mesma época, conforme já foi visto no começo do capítulo. “Foi quase como se as pretensões universais de modernidade tivessem, quando combinadas com o capitalismo liberal e o imperialismo, tido um sucesso tão grande que fornecessem um fundamento material e político para um movimento de resistência cosmopolita, transnacional e, portanto, global, à hegemonia da alta cultura modernista” (HARVEY, 2000, p.44). A defesa pelas contraculturas da “incorporação de gestos antiautoritários e de hábitos iconoclastas (na música, no vestuário, na linguagem e no estilo de vida) e da crítica da vida cotidiana” é amplamente utilizada como referência para as produções que começam a se processar no campo do design (Ibid., p.44).

As novas tecnologias também contribuíram para desbancar de vez a idéia funcionalista de que a forma teria que necessariamente seguir a função. Com a miniaturização das peças eletrônicas que compõem uma calculadora ou um computador, por exemplo, a forma dos objetos ganhou passe livre para ser moldada de acordo com os limites da criatividade do designer que os projeta e não mais em função dos componentes que fazem parte de sua estrutura interna.

Segundo Gustavo Bomfim, “o vertiginoso progresso tecnológico ocorrido após a Segunda Grande Guerra, principalmente nas áreas da eletrônica, da informática, da comunicação e da robótica, desbancou de vez o mito do design funcionalista, expresso no aforismo ‘form follows function’”.

“Essa é a primeira interpretação sobre a origem do pós-moderno no design: o resultado previsível do esgotamento do funcionalismo, que pretendeu criar formas puras e racionais e que, no momento em que esteve próximo de atingir esse ideal encontra, simultaneamente, seu fim. A forma, entregue a si mesma, vai buscar em outros contextos sua fundamentação. Quando esse contexto é formado pela cultura de massa ou pelos códigos da periferia, fala-se do design pósmoderno” (BOMFIM & ROSSI, 1990, p.6).

Atualmente, o design de um objeto eletrônico muitas vezes pode ser bem mais amplo em relação aos seus componentes internos simplesmente para permitir o uso do artefato, que pode seguir as regras de segurança e conforto pesquisados pela ergonomia. Os critérios para a elaboração do projeto de design de um produto se modificaram totalmente com a introdução dos chips, transistores, semicondutores e circuitos integrados, podendo conter ornamentos ou não, de acordo com a escolha do designer. “A relação entre forma e função, técnica e materiais, se alterou de modo definitivo e se tornou muito mais casual do que causal” (DENIS, 2000, p.211).

Outro aspecto muito relevante no surgimento do design pós-moderno foi a importância que as ações de marketing começaram a exercer sobre um determinado produto, sendo um fator decisivo para seu sucesso ou fracasso, dependendo do modo como a ação seja coordenada ou caso não exista. Dessa forma, os projetos de design passam a ter que levar em conta não mais apenas elementos concernentes à beleza ou à funcionalidade, mas também começa a tornar-se “necessário antecipar no projeto questões relativas ao modo de venda, à distribuição, à manutenção e até mesmo à devolução e à substituição do produto” (Ibid., p.184).

O público-alvo também passa a receber uma atenção maior por parte dos designers, já que muitas vezes o fracasso de um produto se devia à falta de demanda por aquele objeto, que estava longe de ser o sonho de consumo de determinada parcela da população que se desejava atingir. As pesquisas de mercado começam a exercer papel fundamental na prevenção de equívocos como o retumbante fracasso do carro Edsel, produzido pela Ford em 1957. O carro possuía dimensões exageradas e muitos ornamentos, quando na verdade seu público-alvo naquela época ansiava por carros mais compactos e esportivos.

O “fetiche da mercadoria”, proposto por Marx, também ganha vulto através do design, que consegue ser uma das mais poderosas armas utilizadas pelas empresas para incentivar o consumo de seus produtos. O design em parceria com a publicidade suscita no consumidor o desejo irrefreável de obter determinada mercadoria em função das formas arrojadas e inovadoras exibidas.

Um dos casos mais famosos de fetiche da mercadoria através do design adotado é o do relógio suíço Swatch, embora também tenha sido apoiado pelo perfeito plano de marketing empreendido pela empresa. O design inovador assumido pelo relógio no começo dos anos 80, introduzia o conceito de pulseira removível que admitia facilmente trocas dentro de uma razoável variedade de cores, e também oferecia uma ampla gama de modelos que eram lançados a cada estação por um preço totalmente acessível. Com isso, a Swatch eliminou de vez os velhos conceitos atrelados a um legítimo relógio suíço, como durabilidade e alto valor. Dearlove e Crainer afirmam que “ao contrário dos antigos relógios suíços, esse não seria passado de pai para filho, mas era a última palavra em relógios descartáveis. Os consumidores eram convidados a jogar fora seu velho Swatch e comprar outro” (KOPP, 2004, p.100). A lógica da descartabilidade do mundo pósmoderno possui também lugar cativo no âmbito do design, que produz peças para durar cada vez menos e se apóia nas mudanças cíclicas promovidas pela moda.

Existem outros casos de sucesso relacionados à reestilização de determinada mercadoria, acontecidos particularmente no Brasil, como os processos de renovação de produtos promovidos pelas sandálias Havaianas e pela Melissa. A Havaianas, na década de 1990, remodelou suas sandálias, que passaram a atender um público bem maior, ao contrário de antes, quando eram mais limitadas às classes de menor renda. A sandália que antigamente oferecia como vantagem apenas o fato de “não deformar”, se transformou em uma mercadoria “fetichizada”, graças a seu reposicionamento no mercado e renovação visual, conseguindo inclusive conquistar o mercado mundial, onde chega a ser vendida por 30 euros.

A produção de séries exclusivas por designers renomados tem sido também uma das maneiras utilizadas pelo mercado para valorizar, ou melhor, supervalorizar seus produtos, que apresentam preços duplicados ou triplicados nestas séries em relação ao produto original. Os valores agregados a esses produtos, como prestígio e status, se sobrepõem aos valores absurdos cobrados, que acabam sendo custeados por quem se preocupa mais com os valores agregados que serão supostamente atrelados à sua imagem do que com o valor pago.

A Melissa obteve um crescimento considerável no mercado brasileiro, quando começou a convidar famosos designers e estilistas, como Alexandre Hercovitch, Karim Rachid, Glória Coelho e os irmãos Campana, para produzir modelos exclusivos para suas sandálias, que podem custar 150 reais, embora sejam constituídas basicamente por plástico, que é um material considerado barato. O primeiro modelo “aranha”, produzido em 1979, que possuía um valor baixo, até por ser uma sandália bem popular, usada para ir à piscina ou à praia devido a impermeabilidade do plástico, chega a custar atualmente 520 reais, graças a cobertura de cristais Swarovski recebida por um dos modelos “aranhas” da penúltima coleção, chamado de “Melissa Wonderland”. Fetiche maior não poderia ter sido criado, e a Melissa parece estar se tornando uma verdadeira “mestra” nesse quesito, sendo provavelmente o sonho de consumo de nove entre cada dez adolescentes.

O design pós-moderno não segue apenas uma linha de pensamento como acontecia na época em que predominava o Estilo Internacional, mas faz uso das diferentes teorias e práticas de escritórios e designers espalhados pelo mundo inteiro, como será visto de forma mais acurada no capítulo cinco. O escritório Push Pin Studios, criado em 1954 nos Estados Unidos, pelos designers Milton Glazer, Seymour Chwast, Reynold Ruffins e Edward Sorel, realizou projetos gráficos que foram fundamentais para a popularização de um design considerado pós-moderno. Os trabalhos produzidos pelos designers do estúdio faziam uso de uma ampla fonte de referências, que incluía a cultura popular e o resgate de estilos do passado, como o Art Nouveau e o Art Déco. Além disso, eles agregavam a muitos projetos a mistura de cores, a irreverência e as formas sinuosas próprias do estilo psicodélico que surgiu no design americano, eliminando, com isso, a austeridade e o conservadorismo impostos pelo Estilo Internacional.

A introdução do computador no design também facilitou a tradução gráfica dessas várias idéias e tendências, através de softwares que promovem o uso de diferentes imagens, novas ou reproduzidas, que são colocadas em várias camadas para dar origem a um mesmo projeto visual. Essas imagens podem ser fragmentadas, recompostas, adulteradas ou se misturar com texturas ou pedaços de outras imagens. O computador facilitou a introdução de interferências e ruídos em uma imagem, que passaram a ser vistos não mais como artigos supérfluos, mas como alternativas de expressão visual que poderiam efetivamente enriquecer um projeto gráfico. Os trabalhos não mais necessariamente precisam transmitir um sentido bem delimitado e fechado, mas podem suscitar no público diversos tipos de interpretação, como se fosse até mesmo uma “obra de arte”. “A partir da década de 70, a comunicação visual praticada nos EUA passou a ser encarada pelos designers cada vez menos como uma prática tecnicista de ‘transmissão de sentido’, para ser cada vez mais concebida como um jogo, como uma prática retórica, probabilística e estimulante de formulação de mensagens hipoteticamente eficazes” (CAUDURO, 2000, p.132).

Porém, há quem enxergue as novas tecnologias introduzidas no design com certa desconfiança, já que ao invés de ampliar as possibilidades de criação dos designers, restringiriam sua criatividade a uma série de comandos limitados e condicionados pela barra de ferramentas disponível nos principais softwares de computação gráfica, como o Coreldraw e o Photoshop. Embora as alternativas destes programas sejam inúmeras, o risco de haver o uso do mesmo tipo de solução gráfica para diferentes trabalhos, em função das possibilidades que os programas oferecem e que são utilizados pela maioria dos designers devido à escassez de softwares gráficos de real qualidade, acaba crescendo de forma exponencial, ao contrário da velha folha de papel em branco que dependeria muito mais da capacidade criativa individual de cada designer.

“Por mais opções que se tenha em um determinado programa de CAD (computer aided design), por exemplo, o fato de que a maioria desses programas opera a partir de menu de comandos, significa que fica cada vez mais difícil pensar em possibilidades que não constam do cardápio oferecido. (…) O velho senso de mistério e de magia diante da folha em branco (…) definitivamente não parece se traduzir com a mesma intensidade para o espaço da tela apinhada de ícones e barras de ferramentas” (DENIS, 2000, p.214-215).

No entanto, vale ressaltar que, hoje em dia, os designers tendem a ser muito mais limitados por sua própria criatividade do que pela ferramenta que utilizam para expressar visualmente suas idéias, que pode ser um software, recortes para montar colagens ou até mesmo a boa e velha folha de papel em branco.

O software é apenas uma ferramenta adicional à disposição do profissional, para que possa exprimir de forma eficaz suas idéias, não havendo a obrigação de utilizar apenas este recurso para realizar um projeto gráfico. O lápis, o nanquim, as canetas coloridas e tantos outros recursos continuam a existir como sempre. Além disso, o próprio computador admite formas mais autônomas de criação através do uso do tablet, que é uma espécie de caneta eletrônica utilizada sobre uma mesa especial, similar a uma folha de papel, onde o designer pode desenhar livremente, inclusive regulando a intensidade do traço que aparecerá na tela do computador. Outro recurso disponível e muito utilizado é realizar determinada criação em uma folha de papel ou de outra forma, e passar para a tela do micro através de seu “scanneamento”, que permitirá a manipulação da imagem criada através do software escolhido. Dessa forma, o computador pode atuar como um aliado no design e não como um suposto limitador da criatividade do profissional que atua na área, a não ser que este permita que isso aconteça.

Divergências à parte sobre o impacto do computador no design, o importante é que as novas tecnologias mudaram totalmente a forma do designer produzir seus trabalhos, que se tornaram expressões legítimas do mundo pósmoderno, através da adição dos novos recursos disponíveis, como poderá ser visto no capítulo cinco desta pesquisa.

4. A relação entre a linguagem visual da MTV e a cultura pósmoderna

Moderna, avant garde, jovem, irônica e provocadora. Estas são algumas das características que muitas vezes são atreladas à MTV. Mas será que esses aspectos não fazem apenas parte do “show” conduzido pela emissora, que acaba sendo na verdade uma fiel representante da indústria cultural, fazendo uso de todos os seus mecanismos que proporcionam a geração de mercadorias? Esta é uma das principais questões que procuro abordar durante este capítulo.

Para alguns a emissora não passa de uma máquina reprodutora de todos os aspectos simbólicos que rondam o mundo pós-moderno. Já outros enxergam a MTV como uma gota de criatividade autêntica e provocante, que sacode o mar de monotonia estética que impera na televisão brasileira, baseada em fórmulas prontas e repetitivas que são reproduzidas pelas emissoras existentes. A maior parte dos canais de TV busca até hoje inspiração para a identidade visual de suas marcas, de suas vinhetas e de seus programas no “padrão Globo” de qualidade, seguindo à risca a cartilha ditada pelo designer Hans Donner.

No entanto, com a entrada da MTV no Brasil, não se pode negar que essa influência visual da Globo sobre as demais emissoras sofreu abalos expressivos.

Vários recursos visuais adotados pela MTV passaram a servir como base para as produções de outras emissoras, incluindo a própria Globo.

Por outro lado, por mais que a MTV possa ter trazido novidades para a pasmaceira visual que reinava até então, com uma linguagem gráfica surpreendente e realmente inovadora, a emissora não deixa de ser comprometida também com os apelos do capital, como qualquer empresa multinacional presente nos cinco continentes.

A aparência de ser contra todos os cânones e livre de qualquer limitação ou restrição que muitas vezes a MTV deseja transmitir, parece ser mais “jogo de imagem” do que realidade a partir do momento que a emissora precisa dar lucro como qualquer empresa, assim como já foi visto no segundo capítulo.

Mas para conseguir analisar melhor como ocorre essa relação entre a linguagem da MTV e a cultura pós-moderna, o capítulo aborda primeiro os principais aspectos concernentes à linguagem visual adotada pela emissora, incluindo videoclipes, programas, cenários, comerciais e VJs. Alguns desses aspectos são confrontados com manifestações que participam da cultura pósmoderna, permitindo a observação da relação existente entre os elementos analisados. Dessa forma, é avaliado se realmente a MTV pode ser classificada como uma expressão estética de alguns dos principais elementos que constituem o mundo pós-moderno, como o pastiche, a fragmentação, a quebra de valores, a pluralidade e as referências ao passado.

4.1 – Videoclipe: uma peça promocional geradora de mercadorias para a indústria cultural

Videoclipe. Com certeza essa é a matéria-prima e a razão principal da existência da Music Television. Embora o clipe tenha aos poucos perdido espaço para os diversos programas que a MTV começou a inserir na sua grade, sem dúvida alguma essa peça gráfica audiovisual continua influenciando a emissora em todos os sentidos, incluindo a linguagem visual adotada pelo canal.

O videoclipe nem sempre foi encarado como uma peça com potencial promocional, que deveria receber atenção especial. Nos primeiros dezoito meses de existência, a MTV americana teve problemas sérios em convencer as gravadoras a produzirem clipes para seu casting de músicos, mesmo tendo a facilidade e garantia de que os clipes seriam veiculados gratuitamente pela emissora. A princípio o investimento alto demandado pela produção de um clipe não se mostrava muito atraente, variando entre 30.000 e 50.000 dólares. Como a emissora ainda era muito jovem, as gravadoras temiam que a MTV se demonstrasse um grande fracasso com o tempo, assim como havia acontecido com o videogame e outras modas passageiras. O possível desperdício do dinheiro alto investido em um clipe não era tolerado.

A MTV conseguiu mudar esse panorama, mostrando o seu potencial em conseguir atingir um público-alvo, com faixa etária variando principalmente entre 12 e 29 anos, e que até então tinha demonstrado ser muito difícil de ser conquistado e fidelizado através da televisão.

Com isso, as gravadoras finalmente se renderam aos “encantos” da emissora, já que enxergaram na MTV um mercado muito atraente para promover seus artistas através da veiculação de videoclipes.

Além disso, a partir de 1970, houve um declínio expressivo na venda de discos, e a MTV representava uma grande oportunidade de tentar reverter esse quadro, através de seu grande apelo publicitário junto aos jovens, que sempre foram alguns dos maiores consumidores de discos e artigos relacionados. O grande sucesso mundial alcançado pelo videoclipe Thriller, de Michael Jackson, já reportado na dissertação, impulsionou ainda mais as gravadoras a financiarem os clipes de bandas.

Além disso, as gravadoras avistaram depois mais uma mercadoria que antes não pensavam que poderia ser vendida diretamente ao consumidor: o próprio videoclipe. O sucesso de vendas do video single Justify my love, de Madonna, que chegou a vender mais de 500.000 cópias no Natal de 1990, não deixou mais dúvidas quanto à capacidade mercadológica dos mini-filmes.

Sem dúvida, há uma relação indissociável entre a MTV e o videoclipe, ainda que a emissora não tenha sido a responsável pela criação desse gênero, pois antes já existiam alguns programas dedicados a clipes, inclusive no Brasil, como o programa comandado nos anos 70 pelo DJ Big Boy.

Talvez essa relação tenha sido arquitetada pelo fato de a MTV dedicar, a princípio, grande parte de sua programação à exibição contínua de videoclipes, 24 horas por dia. Nunca havia sido concedido até então tal caráter de exclusividade ao videoclipe durante a programação de uma emissora.

A MTV passou a ser a tradução de videoclipe, e geralmente, videoclipe de boa qualidade. A maior parte dos clipes produzidos antes da inauguração da emissora eram repletos de amadorismo ou soluções muito simples, pontilhadas de clichês, que em nada pareciam com os clipes que depois passaram a ser exibidos pela emissora. No caso do Brasil, grande parte dos clipes era produzido pela própria Globo e exibidos durante o Fantástico. A fórmula adotada por esses clipes seguia chavões como a gravação de um suposto show ao vivo no estúdio da Globo ou então imagens um tanto monótonas e estáticas, que em nada lembravam os clipes dinâmicos e fragmentados que seriam exibidos mais tarde pela MTV, embora os clipes veiculados pela própria Music Television também tenham passado por algumas fases de transformação visual. Estas mudanças foram influenciadas pelo estilo musical predominante em cada época e também pelo surgimento de novas tecnologias na produção de clipes. Além disso, a forma como o clipe era produzido e financiado modificou-se ao longo do tempo, influenciando também o visual dessas peças audiovisuais.

Não por acaso o clipe também assinala vividamente a relação existente entre a MTV e a indústria cultural, com os objetivos comerciais e promocionais que estão atrelados a essa peça, desde o começo da emissora, nos Estados Unidos.

Os clipes representam para as gravadoras uma oportunidade para promover seus artistas, e por isso estas acabam sendo as principais financiadoras desses minifilmes.

No começo dos anos 80, havia uma notória ênfase em mostrar os rostos e corpos dos ídolos musicais na maior parte dos clipes produzidos. O objetivo era ampliar o conhecimento do público sobre seus artistas preferidos através da superexposição proporcionada pelos clipes produzidos, o que ajudaria a “alavancar” também a venda dos discos.

A performance ao vivo das bandas também influenciou o formato dos clipes. A partir do momento em que o público passou a aceitar a mistura de material pré-gravado, emanado por um sintetizador, com música produzida “ao vivo”, a dublagem das músicas pelos vocalistas também foi inserida sem maiores problemas nas performances promovidas pelos músicos seja em programas de auditório ou em clipes. Mas é importante ressaltar que a aceitação pela cultura pop da dublagem de músicas, sustentada pelas novas tecnologias, foi essencial para a viabilização da MTV, assim como o apoio às novas ferramentas de marketing utilizadas para promover a música, e do qual a emissora faz parte.

“The new music-making technologies enabled lip-syncing to be read as a legitimate part of pop performance and the new attitude to marketing matched the up-front, and often self-conscious, strategies used in promotional clips. These two shifts made the development of video and television as an integral part of pop culture a real possibility. Music video did not, therefore, create the conditions of its own success; that success was made possible by these changes in the music industry” (GOODWIN, 1992, p.37).

A dublagem de uma música foi amplamente utilizada principalmente nos clipes mais “tradicionais” onde os astros aparecem insistentemente, refletindo com precisão os simulacros que permeiam o mundo atual, e que transformam os objetos em meras encenações. Representação da representação, essa é a condição pós-moderna inerente ao videoclipe.

“The new music-making technologies demonstrated to musicians, critics, and audiences more forcefully than ever before that pop performance is a visual experience. If performance pop music could mean singing across recorded sounds that are almost identical to the music on record and tape, then it was only a small step to accept as a legitimate pop practice the miming of a performance for a music video clip” (Ibid., p.33).

Alguns artistas começaram a se valer, com má fé, desse novo artifício da música pop, sendo um dos casos mais famosos o arquitetado pela dupla Milli Vanilli, que dublava suas músicas tanto nos shows ao vivo quanto nos discos gravados em estúdio. Mais tarde os verdadeiros intérpretes das músicas se apresentaram à mídia. Em 1990, a simulação tão perfeita e insuspeita garantiu um Grammy de Revelação à dupla, que acabou tendo que devolver o prêmio à academia quando a fraude foi descoberta. Nesse universo de simulações e simulacros, fica sempre difícil distinguir o real da ficção, se é que há algo hoje em dia que possa ser considerado “real”.

As dublagens em shows ao vivo tem sido algo muito recorrente e que muitas vezes é disfarçado e negado pelos músicos. O último show da cantora Britney Spears no Brasil, durante o Rock in Rio III, em 2001, mereceu protesto de vários fãs que denunciaram a dublagem das músicas pela cantora durante o espetáculo através do uso do playback. Talvez grande parte das pessoas ainda não tenha percebido que a indústria da música atualmente se apóia muito mais na experiência visual, como bem apontou Goodwin, do que na música propriamente dita. A performance é responsável pela geração de uma gama muito maior de produtos para o consumidor do que somente a música, isoladamente. A partir disso, é compreensível que a indústria fonográfica, com foco nos lucros, incentive cada vez mais as performances de seus artistas em detrimento da música, que passa a não ser mais a estrela principal. A música está cada vez mais atrelada à imagem, e o videoclipe traduz essa realidade com maestria.

Embora a música já se relacione com a imagem desde os anos 1950, apoiada em famosos programas de auditório onde as bandas se apresentavam ao vivo, como no The Ed Sullivan Show, já citado nesta pesquisa, e também em filmes estrelados por astros como Elvis Presley e os Beatles, somente através do videoclipe essa relação entre música e imagem encontra sua plenitude. No caso dos Beatles, poderia até se dizer que os filmes protagonizados pela banda, como A Hard Days Night, Help! e Magical Mystery Tour, seriam de fato a primeira semente para o que viria ser mais tarde o videoclipe, com seu formato bem mais enxuto, mas igualmente de caráter comercial e publicitário. Assim como os videoclipes, esse filmes estimulavam a venda dos discos da banda, já que eram lançados geralmente na mesma época em que os discos homônimos ao filme eram postos em circulação. Os filmes ajudavam a promover as músicas que compunham os discos e também fortificavam a imagem da banda perante o público, que conhecia melhor as várias facetas de seus ídolos e alguns de seus hábitos.

“In its very earliest days rock and roll was promoted via film. (…) The career of rock´s first superstar, Elvis Presley, is a case study in pop´s interaction with the media, as Presley’s national identity was formed on American television (…) and then, internationally, in his films. (…) If Presley was the 1950s media pop star, then 1960s and 1970s brought us the Beatles and Abba, respectively” (GOODWIN, 1992, p.8-9).

Alguns pesquisadores consideram esses filmes uma tentativa de transmitir a experiência musical através de imagens em contraste com a fusão entre música e imagens publicitárias presente no videoclipe, que cria uma estética própria. No entanto, se analisarmos melhor, é evidente a forma como esses filmes também possuíam intenções comerciais, embora se valessem de outros recursos visuais que não lembram de fato as narrativas de cortes rápidos e frenéticos presentes na publicidade atual e inerente ao videoclipe. Não é porque não utilizassem tal recurso gráfico que não fossem grandes instrumentos de publicidade nas mãos da indústria fonográfica, que também conseguia vender diversos objetos promocionais associados aos astros através desses filmes. Além disso, esses filmes também já estimulavam os fãs a imitar seus ídolos, que utilizavam o mesmo corte de cabelo, como no caso dos Beatles, as mesmas roupas, assessórios e tentavam adotar até as mesmas atitudes “rebeldes” no seu cotidiano.

Com a crescente profissionalização da produção de clipes, sustentada pelas novas tecnologias, outros variados recursos visuais começaram a ser adotados pelos diretores dos mini-filmes contratados pelas grandes gravadoras e que advém principalmente da publicidade, embora também alguns sejam oriundos do cinema. Muitos diretores dizem que se sentem mais livres para realizar suas criações no ambiente do clipe em comparação com os limites impostos pela publicidade ou pelo cinema. “The possibility for creativity in music video production is evident in the big name film directors (Brian de Palma and John Sayles have already made videos) now becoming interested in making videos just because of the greater freedom than Hollywood that videos offer” (KAPLAN, 1987, p.14).

No Brasil, a indústria de clipes e a própria indústria musical foi impulsionada pela chegada da MTV. “Até a entrada da MTV no Brasil, você tinha um mercado musical e gravadoras que trabalhavam num sistema muito antigo, muito atrapalhado, com uma estrutura muito frágil, com uma mentalidade de trabalho muito atrasada”, pondera o ex-VJ Fábio Massari.

De certa forma, a MTV ajudou a “sacudir” a indústria fonográfica brasileira, oferecendo uma fórmula “publicitária” para o universo musical, que já tinha se mostrado eficiente através das experiências de outras filiais da emissora. Além disso, pelo menos a princípio, as gravadoras tiveram a oportunidade de dispor de um espaço publicitário gratuito na televisão, que se comunicava diretamente ao jovem, com extrema desenvoltura como nenhuma emissora tinha conseguido até então.

Com o tempo, a produção de clipes no Brasil também se ampliou e se profissionalizou, absorvendo profissionais de outras áreas como o cinema e a publicidade, assim como ocorreu na MTV EUA. No caso do cinema, muitas vezes jovens cineastas que ainda não haviam tido a oportunidade de filmar um longametragem, vislumbravam a possibilidade de alcançar o reconhecimento público através da produção de bons clipes, que poderiam ser eventualmente premiados no VMB (Video Music Brasil). Aliás, as premiações concedidas pelo VMB movimentaram ainda mais o mercado de clipes no Brasil, incentivando profissionais já renomados a produzirem clipes também. Alguns publicitários brasileiros consideram o clipe uma oportunidade para expressarem sua veia artística mais livremente, sem as obrigações demandadas pela publicidade.

“Apesar de não ganhar dinheiro fazendo videoclipe, pois sou diretor de filmes publicitários, produzir videoclipe é para mim uma alternativa para trabalhar o lado artístico de minha profissão, o de film maker”, observa Hugo Prata.

No entanto, como já foi apontado, embora o publicitário não encare necessariamente dessa forma, o videoclipe é uma peça gráfica com claras motivações comerciais, que acabam tolhendo também de certa forma a “veia criativa” de seus produtores, seja em função da limitação dos custos para sua produção, ou seja devido a requisições feitas pelos artistas ou pelas próprias gravadoras, já que os produtores estão à disposição de ambos. Definitivamente o videoclipe está longe de ser uma peça gráfica desinteressada, de pura expressão artística. O videoclipe, pelo contrário, atende aos anseios do capital presentes no mundo pós-moderno, como tantos outros produtos advindos da indústria cultural.

O nível de liberdade criativa dos produtores de videoclipe no máximo pode ser um pouco mais amplo, quando se trata da produção de clipes para bandas independentes, que acabam custeando com seus próprios recursos a execução do trabalho. E mesmo assim devido aos recursos financeiros escassos, as limitações impostas aos produtores não devem ser das menores.

A produção de videoclipes por publicitários confirma a relação estreita firmada desde o começo entre essas peças audiovisuais e a publicidade. Até porque, como já foi mencionado, a própria MTV também sempre teve uma veia comercial muito forte, principalmente no começo, quando visava basicamente divulgar bandas e cantores através da exibição em seqüência de videoclipes financiados pelas gravadoras, e que eram repetidos de forma incansável.

“Assim como os reclames publicitários de TV, os videoclipes são uma inusitada, violenta e difusa transmissão de mensagens cuidadosa e intencionalmente produzidas para arrebatar o consumidor de rock. Pela provocação imediata do efeito de imagens e sons sobre o telespectador, as sensações efêmeras que remetem ao universo simbólico do rock induzem ao consumo da produção fonográfica” (BRANDINI in Pedroso & Martins, 2006, p.6).

O videoclipe, como legítima ferramenta publicitária, consegue promover não só o consumo de discos e DVDs, mas de diversos itens, que são atrelados à imagem de determinada banda ou se referem ao universo juvenil, através das cenas exibidas durante o clipe.

“Os videoclipes da MTV que, usados continuamente como uma linguagem que representa uma espécie de voyeurismo focado no inconsciente da juventude, torna-se por uma simbiose estética a linguagem dos produtos da publicidade institucional” (NERO in Pedroso & Martins, 2006, p.141).

Como já foi apontado, mais importante do que a música que está sendo veiculada no clipe é a performance conduzida pelo ídolo musical que aparece em imagens entrecortadas e fugazes, que acabam sendo geradoras do consumo de bens associados à banda através do clipe. “Por meio do videoclipe, a indústria cultural ‘cria um consumidor para seu produto’, como no caso da banda Korn: bastou que os músicos da banda vestissem roupas da marca Adidas em seus videoclipes pra que a grife se tornasse um ícone entre os fãs da banda e entre communitas do rock” (BRANDINI in Pedroso & Martins, 2006, p.5).

Essa estética visual fragmentada “hipnotizante” é própria dos vídeos de publicidade, e acaba sendo aplicada também ao clipe, estimulando da mesma forma o consumo de mercadorias. Com isso, pode-se concluir que o clipe é um legítimo produto da indústria cultural, estimulando o consumo de produtos através da criação de imagens que são associadas aos músicos contratados pelas grandes gravadoras.

“Quando um cantor de rock, lançado ao sucesso, passa a ser encarado como um símbolo de identidade pelos seguidores ou adeptos do seu estilo, transforma-se de igual modo em veículo de difusão não apenas das músicas que interpreta, mas da maneira como se veste, como se apresenta ou usa o cabelo” (AQUINO in Pedroso e Martins, 2006, p.31).

As mercadorias geradas a partir do ídolo musical incluem camisetas, pôsteres, sapatos e representam o estilo de vida adotado também pelos jovens que assistem à MTV. Além disso, o consumo de outros objetos relacionados à banda predileta parece ajudar a saciar a contínua sanha consumista dos fãs, que acabam não se contentando “apenas” em comprar CDs e DVDs dos seus ídolos. Na lógica capitalista que domina o mundo pós-moderno, sempre haverá um novo item para seduzir os fãs e alimentar sua sede de consumo.

“(…) The commodity forms of pop music (records, cassetes, compact discs) seem to deliver insufficient meaning to satisfy consumers, who supplement the meanings offered through the commodity with ancillary texts – live performances, media interviews, photographs, posters, T-shirts, and so forth. Second, as Simon Frith has noted, the pop music industry in the 1980s has increasingly shifted to a role as rights exploiter rather than commodity manufacturer, and a result of this trend is that the music itself is often a promotional vehicle for others products, services, and corporations” (GOODWIN, 1992, p.45).

O rock, que foi o primeiro estilo musical a dominar os videoclipes da MTV, sempre apareceu como um terreno fértil para representar simbolicamente os aspectos presentes no universo do jovem, incluindo seus anseios. É claro que essa influência sempre se deu numa via de mão dupla, uma vez que o rock, que não deixa de ter estreita relação com a indústria cultural embora no seu início tenha sido de certa forma “marginal”, também já foi responsável pela criação de diversos ideais que acabaram sendo aceitos e consumidos pela juventude. A dependência de um sistema de criação de imagens é inerente ao rock, seja através de programas de auditório, de shows ao vivo, de capas de disco ou de videoclipes.

“É, portanto, pelo videoclipe que a música, transcendendo as fronteiras do som e tornando-se mercadoria audiovisual, constitui um objeto de satisfação incomparável para o consumo de fantasias, ideais e aspirações dos fãs” (BRANDINI in Pedroso & Martins, 2006, p.6). No rock, a música sempre caminhou de braços dados com as mensagens simbólicas presentes nas imagens, havendo mesmo uma relação de dependência com esse sistema para garantir sua longevidade e lugar cativo no imaginário do jovem.

Vários elementos presentes nos videoclipes acabam sendo imitados pelos fãs de determinada banda ou desejados de forma intensa, mesmo que tais desejos só possam ser satisfeitos no “mundo das idéias”. Vale ressaltar que não é apenas o rock que possui códigos de moda e conduta que são reproduzidos por seus seguidores. Outros estilos musicais como o techno e o hip-hop também são repletos de símbolos visuais que podem ser facilmente identificados nos clipes que correspondem a cada um desses gêneros musicais.

No caso dos clipes de hip-hop, de rappers famosos na atualidade como 50 Cent e Snoop Dogg, podemos verificar vários aspectos visuais que simbolizam a cultura desse estilo musical e que de certa forma também estimulam o consumo de seus fãs. Os rappers na maior parte das vezes aparecem cobertos por correntes e anéis de ouro, e dirigindo carros luxuosos na companhia de mulheres lindas e “disponíveis”. Muitos fãs também acabam projetando seus desejos e fantasias nos seus ídolos, consumindo de forma imaginária esse mundo de suntuosidade e luxúria expresso nos videoclipes, e que está longe de fazer parte da realidade dessas pessoas.

“Imbuídos da lógica do consumo, os videoclipes podem ser analisados pelo ponto de vista de uma onírica manipulação de signos, operada dentro dos novos horizontes abertos pela tecnologia, não necessariamente por videoartistas, mas por ‘homens de mercado’, os publicitários. Baseados na exterioridade da orquestração de mensagens audiovisuais que provocam sensações efêmeras, os videoclipes são a representação simbólica do star system (o mundo das estrelas do rock e do pop) que o público quer consumir mesmo que virtualmente. Eles são mensagens operativas produzidas pelo processo tecnológico das comunicações de massas; são portanto, mensagens de consumo” (BRANDINI in Pedroso & Martins, 2006, p.5).

Outro aspecto interessante é como a MTV se alimenta, quando lhe é conveniente, da “marginalidade” para conseguir se reciclar e oferecer novidades a seu público, o que é uma característica muito presente na cultura pós-moderna.

Além disso, a emissora busca entrar em sintonia com sua audiência, mesmo que para isso tenha que adotar estilos musicais que antes não eram muito bem vistos pela direção do canal. É importante lembrar que no começo da MTV, nos Estados Unidos, não havia clipes protagonizados por negros, ocorrendo o predomínio de videoclipes de bandas de rock, cujos componentes eram majoritariamente brancos.

O cantor negro Dr. York chegou a dizer que a exibição de clipes de bandas negras afastaria os anunciantes, que não tinham interesse no mercado voltado para negros e por isso a MTV também não demonstrava intenção em promover artistas negros. “Wary both of parental objections to the cable and of white audiences in racist parts of America, MTV at first censored black bands and explicit sex” (KAPLAN, 1987, p.15).

Em função disso, a MTV chegou a ser acusada de racismo e começou a ser boicotada por alguns artistas, como David Bowie, que proibiu a emissora de continuar exibindo seus clipes, caso a situação continuasse.

A partir de 1984, esse panorama começou a mudar através da exibição de clipes de artistas negros como Michael Jackson, Prince, Tina Turner e Whitney Houston que invadiram a tela da MTV, alcançando grande sucesso entre o público, o que provavelmente abriu os olhos da emissora para um novo nicho de mercado promissor que possibilitaria a geração de grandes lucros. Mais tarde a cultura dos grupos de hip-hop, formados por negros na sua maioria, também tomou conta do canal, com a veiculação de uma grande quantidade de clipes desse estilo musical nas paradas de sucesso da emissora, graças ao apoio e à votação do público. A febre hip-hop persiste até hoje e já se espalhou para outros países além dos Estados Unidos. Não por acaso, o hip-hop que antes era marginalizado pela emissora, não recebendo qualquer tipo de menção, passou a dispor de um programa exclusivo chamado Yo! MTV Raps, que até hoje está na grade da emissora brasileira, sob a alcunha de Yo!.

As subculturas também de certa forma buscam a visibilidade que somente o mundo capitalista pode proporcionar para que possam causar supostamente um efeito desestabilizador no sistema através do reconhecimento de seus discursos pelo grande público. Mas a partir do momento que há essa passagem do gueto para a cultura de massa, a subcultura é rapidamente incorporada pela indústria cultural, sendo mais uma mercadoria a ser explorada e vendida de forma incansável até que surja uma outra “novidade” para ser oferecida ao público. Por isso o mundo capitalista incentiva de certa forma a existência de “marginalidades”, uma vez que se alimenta continuamente delas para fornecer produtos atraentes ao consumidor.

Nem as letras de protesto contra o sistema presentes em várias músicas de hip-hop assustam o capitalismo avançado e o impedem de absorver esse estilo musical e popularizá-lo entre os jovens, que estão ávidos por consumir diversas mercadorias relacionadas a esta cultura musical. Além disso, agindo dessa forma, o capitalismo ainda tem a vantagem de se mostrar como um sistema supostamente democrático e acolhedor, o que ajuda a desarmar também o senso crítico acerca de suas ações, que aparentam ser mais de “mocinho” do que de “bandido”.

“Nos últimos dez ou quinze anos, a marginalidade tornou-se um espaço deveras produtivo. As pessoas estão falando a partir das margens e reivindicando representações de modos que talvez não fizessem há vinte ou trinta anos. Mas agora o problema é que o preço de colocar a cabeça acima do parapeito, por assim dizer, é ser varrido instantaneamente por esta cultura global que, precisamente porque é mais sensível e tem uma orientação mais positiva diante da diferença, da diversidade, do pluralismo, do ecletismo, é absorsiva. Seja qual for a nova voz, eles dizem sim, você pode ser parte da cultura global. E antes de você saber onde está, um pintor aborígene é somente uma pincelada no retrato heróico de alguém e perdeu o sentido de um relacionamento com uma cultura.”

No livro Admirável Mundo MTV Brasil, lançado por ocasião da comemoração dos 15 anos da emissora brasileira, vários músicos e críticos da área musical ressaltaram a importância da MTV em divulgar artistas novos e estilos musicais, como o heavy metal, que antes não tinham muito espaço na mídia.

Demo MTV e Ponto Zero são algumas das iniciativas já realizadas pela MTV para promover músicos e bandas novas que aspiram à fama. Durante esses programas acontecia a exibição de “clipes demo”, produzidos de forma independente pelas próprias bandas ou financiados pelo selo de alguma gravadora. Se antes apenas as bandas e músicos já consagrados pela mídia conseguiam produzir seus clipes e veiculá-los em um canal de TV para centenas de telespectadores, a MTV quebrou esse estigma incentivando artistas novos a produzirem seus clipes para que pudessem ser divulgados pela emissora. “Com certeza a MTV funciona como uma vitrine, um comercial para uma banda nova que está surgindo, um apelo publicitário”.

O grunge, que não deixa de ser uma vertente do rock, foi um dos estilos musicais mais beneficiados pela emissora brasileira, já que apareceu bem na época da inauguração da MTV Brasil. A emissora acompanhou de perto as diversas bandas “alternativas” que pululavam em Seattle, onde o estilo se originou, divulgando para o público brasileiro grupos como Nirvana, Alice in Chains e Soundgarden. Porém, o conceito de “banda alternativa” também acaba se enquadrando na mesma situação das “marginalidades” que são incentivadas e em seguida absorvidas pela indústria cultural, conforme já foi discutido anteriormente.

O ex-VJ Fábio Massari, que trabalhou na MTV por mais de dez anos, diz que a “questão do alternativo, como cena, é meio confusa, ainda mais nos anos 1990, quando o alternativo estava misturado à idéia de alternativo MTV que, no fim das contas, passa a vender oito milhões de discos… É o alternativo do tipo Nirvana, que virou mega”.

A MTV abre espaço para os clipes de cenas “alternativas” da música brasileira, não necessariamente apenas para demonstrar o quanto a emissora é democrática e apóia os diversos estilos musicais, mas também por puro interesse comercial, já que a emissora injeta novo ânimo em sua programação com a apreensão do que ainda não é conhecido pela sua jovem audiência, e também porque dessa forma a MTV consegue criar uma identidade mais local para a sua marca.

A tensão típica no mundo pós-moderno entre o “global e glocal” é expressa de forma muito intensa e clara pela MTV. Embora ela adote aquilo que chama de “Discurso único MTV” – uma só linguagem, irreverente e inovadora, que caracteriza as transmissões de todo o mundo –, (BRANDINI, 2006, p.16) a emissora também segue como filosofia o lema “pense globalmente, aja localmente”, buscando assumir de alguma forma as características locais dos países ou continentes onde se instala.

“Também aqueles que estudam a ideologia dos administradores locais concluem que a globalização empresarial, junto com as suas necessidades homogeneizadoras para maximizar o lucro, tem de reconhecer as diferenças locais e regionais. (…) Renato Ortiz (…) descobre que os intelectuais propiciam a universalização extremando as potencialidades coincidentes de pensamento e gosto em todas as sociedades: de outra maneira, não teria sido possível a generalização mundial dos microcomputadores e dos cartões de crédito, das roupas da Benetton e das bonecas Barbie.” (CANCLINI, 1997, 146-147)

Um exemplo desse panorama foi o apoio dado pela MTV à cena mangue beat, nascida em Pernambuco. A emissora ajudou a promover para o resto do Brasil artistas ligados ao movimento, como Chico Science e Fred 04, através da exibição de seus clipes e também com reportagens sobre diversas manifestações relacionadas ao mangue beat.

Com isso, a MTV aproveitou para atrelar sua imagem a um legítimo movimento brasileiro, ao mesmo tempo que esse procedimento contribuiu para “glocalizar” de certa forma a emissora, que assume uma “cara” mais local, mais próxima dos brasileiros e um pouco menos “americanizada”, seguindo apenas as regras e os estilos adotados pela sua matriz.

Além disso, a identificação com bandas mais próximas de seu convívio, talvez também incentive o público a seguir mais facilmente as tendências ditadas pelos grupos. A moda que estava atrelada ao movimento mangue beat, incluindo vestuário e acessórios específicos, acabou gerando várias mercadorias que foram consumidas com avidez por jovens do país inteiro que simpatizavam com o movimento e tomaram conhecimento deste através da emissora.

A MTV também divulga sua marca e sua programação, mesmo que não explicitamente, através de festivais e outros eventos onde aparecem bandas e artistas que estão diariamente na sua “telinha”, ao mesmo tempo em que esses eventos também são impulsionados pela emissora. Logo no início de sua existência, a MTV Brasil exibiu na sua grade de programação videoclipes de várias bandas que viriam no festival de música Rock in Rio II, que aconteceu no começo de 1991, um pouco depois da criação da emissora brasileira.

Sem dúvida nenhuma, a MTV exerceu papel fundamental para o sucesso do espetáculo, já que grande parte das bandas, como Dee-Lite, Snap, Faith no More e Guns ’n’ Roses, que viriam para o festival eram até então praticamente desconhecidas do grande público jovem brasileiro.

Porém, houve nesse caso uma relação de auxílio mútuo, porque um festival do porte do Rock in Rio II também com certeza ajudou a divulgar e deu suporte à programação da então imberbe MTV brasileira, através da grande projeção alcançada pelos shows dos diversos ídolos que participaram do festival e que tinham seus clipes veiculados de forma insistente pela emissora. Vale lembrar que os shows foram transmitidos em rede nacional pela TV Globo e a MTV nessa época ainda não passava de um canal UHF, que só era “pego” com muita boa vontade e paciência por parte do espectador. “Era meio complicado porque as pessoas tinham que fazer o ‘truque do cabide’, não havia comércio de antenas. A gente ensinava para os amigos: pegue um cabide de arame, faz um negócio redondo e enfia no UHF – é o truque do cabide. Isso se resolveu rapidamente: as pessoas começaram a comercializar, por causa da MTV, a antena UHF”.

Um dos recursos visuais mais presentes nos videoclipes da MTV é o pastiche, característica que remete diretamente à cultura pós-moderna. O pastiche é considerado uma espécie de “paródia vazia”, sem conteúdo crítico. Na paródia, presente no período moderno, haveria através da imitação de determinada situação a expressão de um ponto de vista, a revelação de uma posição crítica em contraste com a neutralidade inerente ao pastiche. “Modernism often parodied the increasingly industrialist and consumerist society in an attempt to position it critically; but postmodernism, according to Jameson, is precisely fascinated by what postmodernism tried to take a stance against” (KAPLAN, 1987, p.46).

Enquanto o modernismo criticou de forma bem-humorada, através da paródia, o consumo da estética kitsch incentivado pela indústria cultural, o pósmodernismo simplesmente absorveu esta estética com o uso do pastiche, aceitando de forma resignada o desaparecimento entre a alta e a baixa cultura. “While modernism often parodied such things, postmodernism merely uses pastiche, a ‘neutral practice of mimicry… without that still latent feeling that there exists something normal compared to what is being imitated is rather comic’”, continua Kaplan (Ibid., p.46).

O mix entre alta e baixa cultura é recorrente nos videoclipes da MTV. Um mesmo clipe pode contar com diferentes e antagônicas imagens, que incluem esculturas gregas, cenas de filmes de ficção científica, pinturas de Mondrian e Leonardo da Vinci, e recortes de revistas femininas atuais. O critério é determinado pelo diretor do videoclipe sem que haja necessariamente algum tipo de senso crítico ou lógica inerente à seleção de imagens que farão parte do vídeo.

O clipe Radio Ga-Ga, do Queen, é um ótimo exemplo de pastiche, já que usa diversas referências visuais, como o filme Metropolis, de Fritz Lang, e os discursos nazistas presentes em filmes como O triunfo da vontade, sem que expresse nenhuma posição crítica aparente sobre estas referências expostas no vídeo. As menções são feitas de forma descompromissada, sem haver a intenção de suscitar algum tipo de senso crítico no telespectador. “The textual ‘quotes’ are blank because we are asked neither to criticize nor to endorse them” (GOODWIN, 1992, p.160).

Os videoclipes produzidos pela banda Weird Al Yancovic são também ótimos exemplos da presença do pastiche nos vídeos veiculados pela MTV e que alcançaram grande sucesso entre o público da emissora. Realizando versões para clipes de artistas famosos como Madonna e Michael Jackson, a banda se tornou mestre na arte do pastiche, usando explicitamente referências a clipes já existentes desses artistas, de maneira muito bem-humorada, mas sem qualquer tipo de intenção em criticar “seriamente” suas “vítimas”.

Seria apenas uma forma de “riso pelo riso”, sem maiores pretensões a não ser o escracho total.

O humor das versões produzidas pela banda já começa nas mutações sofridas pelos nomes das músicas escolhidas: Beat it e Bad, de Michael Jackson, viraram Eat it e Fat, respectivamente; Like a Virgin, de Madonna, se transformou em Like a surgeon e Smells like teen spirit, do Nirvana, passou a se chamar Smells like Nirvana.

4.2 – Peculiaridades nos comerciais da MTV

Alguns comerciais veiculados na MTV tentam seguir a linguagem visual adotada pela emissora.

As empresas produzem comerciais voltados para a MTV, em função da segmentação apresentada pelo público que assiste à emissora. Esta situação facilita bastante o trabalho dos publicitários que sabem exatamente a quem estão se dirigindo, e com isso conseguem produzir comerciais que se comunicam de forma eficiente com o público jovem da MTV, procurando falar a sua “língua”.

Nos comerciais que são veiculados em grande parte dos canais de TV de sinal aberto, a Casas Bahia adota uma linguagem visual bem popular para se comunicar com seu público consumidor. Nestes comerciais existem dois garotospropaganda de aparência simples e “comum”, que em nada lembram os modelos dos comerciais de “margarina”, mas que dessa forma criam um elo de identificação com o público-alvo da empresa, embora talvez não fosse o estilo mais atraente para chamar a atenção do jovem consumidor. Para preencher esta lacuna, há pouco tempo, estava sendo veiculado um comercial das Casas Bahia que foi especialmente produzido para a MTV, e lembrava em muito a linguagem visual exibida nas vinhetas da emissora. Dessa forma, a Casas Bahia também tenta se comunicar com o jovem através de uma linguagem que seja melhor reconhecida e aceita por esse público. O comercial foi produzido por uma agência paulista, que conta com dois profissionais da área de criação que já trabalharam na MTV.

O gerente do Departamento de Promo da MTV, Rodrigo Pimenta, afirma apreciar comerciais como estes, porém acha ao mesmo tempo preocupante essa situação, pois considera que a linguagem inicial da MTV era diferente da publicidade e que os comerciais estão cada vez mais se assemelhando de um modo geral à aparência adotada pela emissora. “O nosso desafio agora é que já que a publicidade está se utilizando dessa linguagem, qual linguagem devemos utilizar que não seja publicitária mais”, ressalta Rodrigo. Essa afirmação se relaciona com o fato de a MTV tentar apresentar sempre uma linguagem inovadora em relação ao que está sendo adotado pelos outros canais. “Para mim é um desafio interessante. A linguagem inicial da MTV era bem distante do meio publicitário, e com o passar do tempo eu acho que a gente evoluiu na nossa linguagem. Mas a publicidade caminha junto. Porque o dinheiro e o poder da publicidade é forte. Então eles chegam lá muito rápido. Cada vez mais nossa preocupação aqui é manter um visual de vanguarda.”, afirma o gerente.

Os comerciais da MTV têm a característica de se mostrarem de tal forma inseridos na programação da emissora, que às vezes fica difícil verificar a entrada do bloco de comerciais, já que alguns deles se assemelham com a linguagem visual adotada pelos programas e vinhetas da emissora, como já foi comentado. “(…) é possível se chegar no limite de não se conhecer, em alguns casos, as fronteiras entre o programa e o filme publicitário, porque este último antes já pode estar ‘roubando’ a linguagem do programa”, afirma Maurício Taveira, atentando também para o fato dos programas da MTV e os comerciais apresentarem cada vez mais linguagens similares (TAVEIRA in Pedroso e Martins, 2006, p.54).

Esse caráter de “bloco único” dos comerciais da MTV não é por acaso, já que dessa forma a emissora procura parecer ainda mais atraente para seus anunciantes, que geralmente apreciam este tipo de artifício usado pela publicidade. A propaganda “sutil”, mergulhada no meio da programação, sem que seja necessariamente percebida, representa uma das formas mais eficientes de publicidade, até porque dessa forma os espectadores acompanham com mais atenção o que é anunciado, em vez de aproveitarem para dar o famoso zapping nos canais, quando o bloco de comerciais é bem marcado e definido. Vale dizer que a emissora faturou em 2005, 121 milhões de reais, dos quais 40% se referem a lucros obtidos com os anunciantes da emissora.

Outro aspecto relacionado aos comerciais da MTV é a presença de VJs nestas peças promocionais. Com isso, os anunciantes pretendem se aproximar ainda mais da audiência da emissora, criando um vínculo de identificação entre seus produtos e o jovem, ao utilizar como “garotos-propaganda” os profissionais de maior destaque do canal. O alto grau de credibilidade desfrutado pelos VJs junto ao seu público incentiva o jovem a consumir os produtos anunciados pelos apresentadores. “A gente vê ao longo do tempo que o formato de break normal não satisfaz mais o anunciante. (…) ele quer algo a mais, ele quer chegar mais perto desse consumidor. Fazendo uma associação com o VJ ele chega mais perto”, afirma Ana Claudia Barbieri, gerente de marketing da MTV Brasil.

A emissora restringe por contrato uma série de ações por parte dos VJs, para que inspirem confiança em sua audiência e também nos anunciantes do canal.

A partir disso, é fácil concluir também que a imagem de liberdade total tão atrelada aos profissionais da MTV se refere mais a uma ação de marketing bem arquitetada pela emissora do que à realidade vivenciada pelos VJs. Mais uma vez os simulacros se mostram muito presentes no mundo atual, inclusive no ambiente da própria MTV. O importante é que nada prejudique a imagem metodicamente construída que a emissora pretende vender para seu público e que de preferência também não afaste os anunciantes da emissora.

A MTV demonstra todo o seu poder de fogo como boa empresa representante da indústria cultural, baseando inclusive a conduta de seus profissionais na lógica do lucro inerente ao capitalismo avançado. Tudo que possa gerar prejuízo para a emissora deve ser sumariamente descartado.

“Os VJs tem uma série de limitações, eles não podem fazer uma série de coisas, eles conversam internamente com o André Mantovani, diretor geral da emissora, comigo, com o próprio jurídico às vezes (…). Tem uma série de coisas que eles não podem fazer por contrato. Para outras, por bom senso, eles nos procuram; para outras coisas eles nem nos procuram, eles não fazem. Recentemente a gente teve um caso de um VJ que foi convidado para ganhar uma tremenda grana de um cliente de um segmento que a gente não atua, e ele só contou para a gente que não ia participar.”

O “bloco único” dos comerciais adotado pela MTV também traduz algumas características pós-modernas como o “fluxo contínuo”, havendo a mistura de passado e presente, sem que possamos definir com precisão a passagem de tempo entre os programas. É como se os comerciais misturados com a programação fosse a verdadeira expressão do “eterno presente” inerente à pósmodernidade.

Sem haver uma demarcação precisa de onde começa algo, no caso o programa, e termina outro, as horas vão passando, e o espectador fica praticamente em “estado catatônico” diante da TV, não sabendo de onde aquele fluxo vem e para onde ele vai, viajando naquela programação sem começo e fim aparentes. Mais uma vez a indústria cultural é beneficiada, já que manter continuamente consumidores diante de uma tela é uma atitude totalmente bemvinda, se relacionando com a venda dos bens anunciados durante os comerciais e no caso da MTV, expostos também nos videoclipes e reportagens com os ídolos musicais dos jovens.

4.3 – Pluralidade, renovação constante e outras manifestações pósmodernas nos programas da MTV

Conforme já foi apontado no segundo capítulo, a programação da MTV sofreu grandes mudanças ao longo de sua história. Se antes a emissora se baseava na exibição seqüencial de videoclipes, durante 24 horas por dia, esse quadro começou a se modificar a partir do momento em que os próprios clipes passaram a ser divididos em grupos e transmitidos em programas dedicados a diferentes gêneros musicais.

Além disso, a MTV dependia de uma quantidade irrisória de clipes, vindos na sua maioria da Europa, o que só se modificou dois anos após seu lançamento, quando as gravadoras dos EUA começaram a apostar de verdade na emissora, produzindo clipes para seus artistas.

No início a MTV poderia ser comparada a uma estação de rádio com imagens, com videoclipes sendo veiculados de modo contínuo e eventuais separações entre os blocos de música através da exibição de vinhetas e de comerciais que ainda representavam uma pequena parcela da programação da emissora. Não é a toa que o número de vinhetas dessa época era bem maior do que a quantidade exibida atualmente, quando os comerciais já preenchem a maior parte dos breaks. Além disso, a repetição exaustiva das mesmas músicas ao longo do dia era algo muito proeminente. Mesmo que você não soubesse quando passaria o videoclipe de sua preferência, era provável que, caso ficasse sintonizado no canal durante uma parte do dia, fatalmente veria o clipe em questão um punhado de vezes, assim como também acontece com a programação de uma rádio.

Esse fluxo contínuo de videoclipes apresentado pela MTV se refere a uma das principais características pós-modernas atribuídas à emissora. E. Ann Kaplan afirma que dessa forma a MTV mistura passado, presente e futuro, eliminando barreiras entre arte popular e avant-garde e entre diferentes fases históricas do rock. Cada clipe pode se referir a uma determinada época do rock, que possui suas especificidades de estilo musical e também foi acompanhado de forma diferente em função do comportamento apresentado pelo público jovem de cada período ao qual pertence. Não se pode comparar, por exemplo, o rock ingênuo dos anos 1950 de Bill Haley e Elvis Presley com o rock dos anos 1970, que contava com a experimentação de novas e diferentes sonoridades, e era apoiado pelos jovens que participavam de movimentos estudantis de protesto da época.

“MTV, however, simply sweeps up these discourses and distinctions into itself, calling upon all the separate traditions, reshaping and re-using them out into one continuous present of the 24-hour video flow. MTV also effaces the boundary between past and present in drawing indiscriminately on film genres and art movements from different historical periods; and also in the often arbitrary use of settings and clothes from the Roman, medieval and other past eras” (KAPLAN, 1987, p.144).

Um clipe que utilize como referência visual filmes de ficção científica do começo do século XX, como é o caso de Radio Ga-Ga, do Queen,20 pode ser prosseguido por um clipe que tenha como cenário o Antigo Egito, como Remember the time, de Michael Jackson, com direito a faraó e todos os figurantes vestidos a caráter, incluindo o próprio Michael, mesmo que de forma estilizada. A mistura seqüencial de diferentes períodos históricos e de diferentes estilos musicais em um mesmo caldeirão acaba transformando a MTV numa representante “de peso” do esfacelamento que ocorre entre passado e presente na pós-modernidade.

Kaplan vai mais longe dizendo que a MTV simplesmente ignora a história do rock, misturando todos os estilos em um mesmo “presente contínuo”. Dessa forma, o público jovem não é mais visto como grupos distintos que se interessam por diferentes estilos de rock, mas são conduzidos pela emissora como uma massa descentralizada que absorve todos esses estilos de modo indiscriminado, sem saber a quais períodos históricos estes estilos estão relacionados (Kaplan, 1987, p.29).

Porém, embora alguns programas da MTV ainda sigam de certa forma esta lógica de “presente contínuo”, com a exibição seqüencial de clipes de diferentes épocas e com visuais antagônicos, essa programação representa a minoria do que é exibido atualmente na emissora, ocupando geralmente horários menos nobres como a madrugada e a parte da manhã. A realidade da programação da MTV analisada por Kaplan nos anos 1980, não faz mais parte da emissora. Como bem atesta Andrew Goodwin, no começo dos anos 1990, “as MTV has incorporated more nonmusic programming and established regular slots for different kinds of music, it has moved away from the format of twenty-four-hour all-music radio, with its exclusive dependence on one musical genre, and evolved a scheduled that is often extremely traditional” (GOODWIN, 1992, p.142).

Goodwin afirma que esse caráter pós-moderno da MTV baseado no fluxo contínuo de uma programação que não teria limites bem demarcados seria discutível, uma vez que a emissora passou a adotar uma grade de programação mais rígida, se igualando de certa forma ao esquema adotado pelos outros canais de TV.

A partir de 1988, a MTV começou a empregar dois modelos tradicionais ligados a broadcast media que Goodwin denominou como dayparting e stripping.

Através do dayparting, os diferentes tipos de música foram separados por blocos na programação diária da emissora. Já com o stripping, a emissora adotou o sistema de apresentar a cada semana no mesmo dia e horário o mesmo programa, permitindo ao espectador se esquematizar para assistir a determinada atração. “As the nonmusic programming increases, it is becoming harder to distinguish MTV from other entertainment-led developments in the U.S cable industry” (Ibid., p.143).

Os clipes de rock começaram a conviver com clipes de outros gêneros musicais como o rap e a dance music. O rap conseguiu a proeza de ter um programa dedicado somente a este gênero chamado de Yo! MTV Raps, que já foi citado nesta pesquisa. Além disso, a emissora brasileira chegou a exibir o Clássicos MTV – o Classic MTV da matriz americana – voltado para clipes mais antigos, o Fúria Metal que tinha como foco principal o heavy metal e o Gás Total que tinha como conteúdo o bom e velho rock ’n’ roll. Dessa forma, os diferentes estilos musicais tinham programas específicos voltados para cada gênero.

Além disso, os programas não musicais, com temas como comportamento, moda, sexo e variedades também começaram a se proliferar na grade de programação da emissora, como o MTV Erótica com perguntas sobre sexo respondidas por um especialista no assunto, o Barraco MTV com debates entre convidados sobre temas polêmicos, e o Garganta e Torcicolo – um game comandado pelo VJ João Gordo, no qual os espectadores podiam participar e interagir através de ligações telefônicas. Alguns programas da matriz americana mereceram versões brasileiras, como o Rockstoria (MTV Rockumentary) – programa que escolhia a cada semana uma banda para contar sua trajetória ao longo do tempo; o Semana do Rock (The Week in Rock) – jornal semanal com uma seleção das principais notícias relacionadas ao mundo musical exibidas durante a semana no jornal diário MTV no Ar; o Acústico MTV (MTV Unplugged) – show acústico estrelado por uma banda ou um músico a cada nova edição e o Top 20 Brasil (Top 20 Video Countdown) – apresentação dos vinte videoclipes mais votados pelos espectadores durante a semana.

Embora a repetição de videoclipes não seja mais tão freqüente na MTV em função do espaço bem mais diminuto que eles agora ocupam na programação, poderia se dizer que agora esse nível de repetição teria sido transferido para as reprises freqüentes dos mesmos programas que ocorrem na emissora. Um mesmo programa é capaz de ser reprisado mais de três ou quatro vezes durante uma mesma semana na MTV.

Goodwin tenta de várias maneiras dissociar a MTV dos aspectos pósmodernos que alguns críticos atrelam à emissora. Na questão da mistura de passado e presente, Goodwin critica Kaplan, dizendo que quando a emissora adota programas como o Clássicos MTV, que se refere a clipes do passado ou então quando os VJs anunciam o lançamento de um novo clipe, ou ainda quando são anunciados os clipes mais votados no Disk MTV – a parada de sucessos da emissora, já seriam indícios que a MTV expressa a passagem do tempo aos seus espectadores, através de referências ao passado e ao presente no mundo da música. “It is not just that some videos are presented as ‘oldies’ (on Classic MTV, for instance), but that some clips are presented as ‘new’. (…) the viewer is placed in a relation to the clip that implies a sense of time”, afirma Goodwin (1992, p.144). A própria parada de sucessos semanal, o Top 20, seria baseada em uma experiência temporal que proporcionaria satisfação ao espectador somente após a passagem do tempo, quando este ficaria sabendo quais foram os clipes escolhidos da semana. Além disso, os programas sazonais da MTV, como o Verão MTV e Video Music Awards – a premiação dos melhores clipes do ano -, que ocorrem sempre na mesma época do ano, ajudariam também a demarcar o decorrer do tempo na emissora.

Mas como já foi discutido e ainda será demonstrado mais tarde, a MTV também ainda possui aspectos bem proeminentes que representam a mistura entre presente e passado, seja através do fluxo contínuo que mistura programas com comerciais, conforme já foi apontado, ou seja através do visual adotado nos clipes e programas exibidos pela emissora. É provável que tanto Kaplan quanto Goodwin tenham razão em suas análises, não havendo contradição entre eles, já que pesquisaram períodos diferentes da MTV.

Além disso, algumas características apontadas por eles persistem até hoje na emissora, embora outras já tenham desaparecido ou se transformado de alguma forma. Ao mesmo tempo é importante que conheçamos como a MTV se relacionou de diferentes formas com o pósmoderno ao longo de sua história, através do estudo de diferentes autores.

Porém, para sabermos como a MTV se mostra atualmente, precisamos apreendê-la a partir do “aqui e agora”, principalmente no assunto “passagem do tempo”, até porque as transformações sofridas pela sociedade, pela televisão e pela própria MTV nos últimos dez anos foram bem expressivas.

A MTV analisada por Kaplan ou por Goodwin já não é mais a mesma, e é bem provável que daqui a dez anos não seja mais a mesma também.

Essa característica de mutação é inerente à MTV e ao mundo pós-moderno no qual ela está inserida. Até porque a MTV quer sempre se mostrar como um canal novo para conseguir continuar atendendo à demanda de seu público jovem, mantendo seu interesse pelo canal. Tudo é muito veloz na MTV, tão veloz como os meios de comunicação e as relações efêmeras e descartáveis presentes na pósmodernidade.

Quando percebemos a emissora já mudou novamente e já merece uma nova análise. Porém, é também importante ressaltar que embora a MTV sofra constantes mudanças e renovações, a emissora é facilmente identificada pela audiência, já que mantém de certa forma suas principais características, que permitem a ela se comunicar de maneira eficiente com seu jovem público. “A MTV é isso, ela é, a comparação pode parecer um tanto grosseira, mas é um pouco McDonalds, quer dizer, você pode mudar o sanduíche, inventar o tempero novo, mas no fim das contas é sempre McDonalds, tem sempre uma estética. (…) a MTV (…) é mutante e ao mesmo tempo ela muda para ficar parecida com o que ela sempre foi, uma TV de música que fala especificamente para um público jovem, mas que também transcende esse público e fala para mais gente”, afirma o ex-VJ Fábio Massari.

A lógica da MTV, que também tange sua programação, é a da descartabilidade. Dificilmente um mesmo programa dura mais de dois anos na grade da emissora. Além disso, a própria estrutura da programação da MTV muda. Se hoje ela dá ênfase aos programas de humor, amanhã ela pode simplesmente descartá-los da programação e dar lugar a programas voltados para comportamento. Inclusive já é sabido que a emissora voltará a exibir uma quantidade maior de clipes em novos programas, atendendo a pedidos feitos pelos espectadores.

Outro aspecto presente em alguns programas da MTV, como o Hermes e Renato e o Covernation, é o pastiche. No primeiro, os personagens que dão título ao programa, são protagonizados por dois jovens “comediantes”, se é que podemos chamar assim, que realizam vários tipos de imitação de forma bem grosseira e absurda, sendo também uma tradução do “império do grotesco”, proclamado por Muniz Sodré. Várias referências ao passado são também utilizadas, como a imitação que eles fazem do antigo palhaço Bozo e do estilo reinante nos anos 1970, com o uso da “moda-estereótipo” da época. Dessa forma, além do pastiche, o programa acaba sendo uma ótima vitrine de outras manifestações pós-modernas, como a quebra de valores, o nonsense, referências ao passado, mistura de diferentes fontes históricas, dentre outras.

Como é próprio do pastiche, os quadros presentes no Hermes e Renato não tem qualquer tipo de senso crítico, se resumindo a uma série de imitações grotescas, com o uso generoso de palavrões, que só provocam risos em adolescentes que conseguem se inserir neste ambiente de pretenso divertimento. O sucesso alcançado pela atração comprova o quanto os indivíduos, principalmente os jovens, estão à vontade no mundo pós-moderno, aceitando com certo fascínio até as suas mais absurdas manifestações.

No Covernation, comandado pelo VJ Marcos Mion, bandas cover participam do programa, reproduzindo da forma mais fiel possível às músicas entoadas por seus ídolos. Além disso, as bandas também procuram se vestir “a caráter”, copiando o estilo adotado pela banda que estão imitando. Os jurados do programa, geralmente também são cover de celebridades, incluindo personagens “inusitados”, como o Papa João Paulo II e a cantora Gretchen. O próprio Mion conta com um “homem-sombra”, que fica imitando todos os seus gestos enquanto ele fala. O pastiche no programa é generalizado e mais uma vez apenas o humor é levado em conta, sem que haja intenção em criticar alguma personalidade por meio dessas imitações. Através de programas como esse, a indústria cultural também incentiva a identificação dos fãs com seus ídolos, para que consumam mercadorias relacionadas às suas bandas prediletas. Podemos assistir também em outros canais, programas de variedades que possuem quadros onde o fã imita seu músico ou banda predileta através de dublagem e exibição dos trejeitos e da moda adotada pelo artista. Um dos músicos mais imitados foi o cantor Michael Jackson, que tinha suas coreografias insistentemente reproduzidas durante tais programas.

“The recent look-alike rock star contests (in which teenagers compete for the best imitation in synch sound of a rock star’s look, performance-style, dress, and movements) encourage teenager identification with the stars, increasing their dedicated close listening to, and watching of, the stars’ voices, actions, movements, and clothes. (…) I began to address the issue of spectator identification with MTV rock stars as encouraged by the station’s management in order to involve teenagers even more with the channel, and thus increase consumption” (KAPLAN, 1987. p.22).

É interessante observar que embora a MTV Brasil tenha sido inaugurada quase dez anos após a matriz americana, as fases pelas quais a MTV EUA passou durante sua trajetória foram praticamente as mesmas sofridas pela emissora brasileira anos mais tarde. Ambas tiveram em seu início a exibição seqüencial de uma relativa pequena quantidade de clipes que se repetiam de forma insistente, havendo poucos comerciais e muitas vinhetas durante os breaks. Além disso, exibiam na maior parte do tempo clipes de outros países, já que a produção local de clipes ainda não era muito expressiva. Com o passar do tempo, as duas emissoras adotaram uma grade de programação mais rígida e estruturada, diminuindo a quantidade de clipes exibidos e aumentado o espaço para programas de humor, esporte, variedades, notícias e comportamento.

Porém, até hoje a MTV Brasil é considerada a filial com a maior quantidade de programas com temas diferenciados.

A MTV inaugurou um novo formato para noticiários televisivos, que acabou influenciando posteriormente os tradicionais jornais de outros canais de TV.

Aliás, a emissora foi uma das primeiras a elaborar um jornal televisivo inteiramente dedicado ao universo musical e também voltado especificamente para o público jovem, atraindo sua atenção através da adoção da linguagem utilizada por esta parcela da população. Atualmente o Jornal da MTV, que veio ocupar o lugar do antigo MTV no Ar, possui também matérias relacionadas à cinema, moda e comportamento, embora mesmo nestes assuntos o tema musical seja levado em conta. “O componente lúdico das matérias faz com que haja uma aproximação da audiência e uma identificação com a linguagem dos apresentadores e da própria edição” (CIRINO in Pedroso & Martins, 2006, p.128).

Sem dúvida alguma, a inovação maior se refere à linguagem visual adotada pela emissora durante a produção e edição das matérias jornalísticas. Narrativa não-linear, planos justapostos e de curta duração, movimentos bruscos das câmeras com a adoção de ângulos inusitados através do uso da câmera na mão sem tripé, ruídos visuais nas imagens e outros recursos, tornaram o visual do jornalismo da MTV único, surpreendente e extremamente atraente para seu público. As bricolagens e a edição esquizofrênica das notícias remetem ao universo de referências do pós-moderno, que produz a estetização de todas as suas instâncias – incluindo o jornalismo -, e tem relação direta com a efemeridade visual e com as idéias fragmentadas que nem sempre fazem algum tipo de sentido.

“Na verdade, o que a MTV quebrou foi algumas regras. Se você perguntar ‘Quem disse que tem que ser assim?’. Então a tal da câmera que balança era simplesmente colocar, em vez de duas câmeras no tripé, uma no plano geral e outra no plano fechadinho no entrevistado; era você fazer a mesma coisa com uma câmera só e reenquadrar a medida que a conversa começa (…) Então não é que balançar a câmera é legal, mas quem disse que você precisa ficar com ela fixa no tripé, superestável? Ou quem disse que não pode usá-la no ombro e assumir que o ombro não é um tripé, que ele tem um movimento próprio? (…) Quando se fazia isso na MTV, no começo, parecia um susto na linguagem, que é você cortar do cara para ele mesmo. Você tinha o entrevistado falando e quando você queria cortar uma fala dele, você botava um insert, você colocava um plano lá do repórter com o microfone ouvindo. A MTV cortou esse estratagema, tinha o cara falando, você cortava a fala dele e voltava nele mesmo, dava aquele pulinho na imagem (…). Você assume o corte, (…) não precisa ter essa linguagem clássica, tradicional”

É bom lembrar que a MTV se inspirou diretamente na linguagem visual dos clipes exibidos pela emissora para criar sua “cara” jornalística. Por mais que a emissora tenha sido inovadora, não inventou os efeitos utilizados, que já estavam presentes há algum tempo no cinema, na publicidade e no videoclipe, assim como estas áreas mais tarde também acabaram sendo influenciadas pelo canal também.

Porém, a MTV inovou ao utilizar tais recursos no jornalismo e em programas na televisão brasileira. O importante é perceber que essas constantes novidades propostas pela emissora também não são desprovidas de maiores intenções, mas se relacionam diretamente com os motivos corporativos e comerciais que qualquer empresa multinacional possui no mundo pós-moderno.

A MTV tem como objetivo constante surpreender seu público, alimentando o elo que liga a imagem da emissora a conceitos como juventude e pioneirismo. Se o público se identifica cada vez mais com a emissora, enxergando o canal como se fosse um verdadeiro “amigo íntimo”, fica mais fácil vender os bens simbólicos propagados pela MTV, incluindo sua própria marca.

Os cenários dos programas geralmente seguem o ar descontraído dos apresentadores, havendo uma certa economia no uso de elementos cenográficos.

Um dos recursos ainda utilizados é a cenografia digital, no qual o VJ fica em frente a um chroma-key (fundo azul neutro), onde são projetadas imagens diversas. Este artifício visual não é mais tão maciçamente empregado pela emissora como acontecia no seu começo, quando os recursos financeiros eram bem mais escassos. O cenário digital também possui o inconveniente de não apresentar perspectiva para acompanhar os movimentos do apresentador, o que o torna um tanto artificial, mas na época em que foi veiculado na MTV era visto como uma grande inovação, um exemplo de “modernidade” na TV brasileira.

Esse certo grau de informalidade e simplicidade dos cenários não deixa de também se relacionar com o espírito jovem e provocante que a MTV deseja atrelar à sua imagem e transmitir para seu público. Nada é feito por acaso na emissora, por mais que se tente demonstrar o contrário. “Ainda hoje se constata uma construção com tapadeiras ou similares, sem a menor preocupação de uma arquitetura cinematográfica”, observa o cenógrafo Cyro Del Nero, avaliando os programas de auditório da MTV (NERO in Pedroso & Martins, 2006, p.138). A informalidade também é um trunfo nas mãos da emissora.

Os auditórios da emissora possuem pequenas dimensões e “fatalmente se parecem com salas de aula, não só pelo tipo de relação com os que nele comparecem, pela faixa etária dos presentes e pela própria planta determinada para a ação dos programas”, afirma Del Nero (Ibid, p.138). Mas essas dimensões simplórias também acabam criando um ambiente intimista conveniente para emissora, que dessa forma fica mais próxima do jovem espectador. Com isso, o público jovem tem também a nítida sensação de estar no ambiente acolhedor de seu quarto, longe da vigilância dos pais e conversando com seu rol de amigos, do qual a MTV passa a fazer parte. Assim como seu quarto, o auditório da MTV permite improvisações, algumas “baguncinhas”, descontração, e tudo aquilo que tem a ver com um típico jovem e sua sensação de bem-estar.

A influência da MTV sobre os jovens é acentuada em função do grau de aproximação e identificação que a emissora cria com seu público. Porém, como um típico produto da indústria cultural, a influência exercida pela MTV é velada e não percebida pela maior parte dos jovens, pelo menos não de forma negativa. Até porque se os jovens percebessem algum tipo de dominação proveniente da emissora sobre eles, é provável que não a levasse tanto em consideração. O jovem não quer que a MTV represente uma mãe ou um pai para ele, mas antes prefere que a emissora seja uma “amiga querida” em quem podem confiar, e nesse quesito a MTV desempenha seu papel muito bem, atraindo com desenvoltura o interesse do jovem para aquilo que exibe.

4.4 – VJs: os “amigos” dos jovens telespectadores da emissora

A “amizade” surgida entre a MTV e sua audiência possui um intermediário fundamental: o video-jóquei, ou melhor, o VJ. Com o apoio dos VJs é que essa relação de amizade é construída e alimentada. Esses profissionais geralmente são tão jovens quanto o público da MTV, falam a mesma “língua”, inclusive suas gírias, e exibem a mesma moda e os mesmos hábitos adotados pela audiência. Mesmo os VJs mais antigos da MTV, que já estão beirando a casa dos 40 anos ou mais, tendem a continuar mantendo, com um certo esforço, é verdade, o espírito jovial, seja no jeito de falar ou nas roupas utilizadas, mesmo que não “convençam” tanto quanto os VJs mais jovens. Basta analisarmos um pouco o visual e a conduta dos VJs Edgard Piccoli – um respeitável pai de família com quatro filhos – e Marina Person, que já estão desde o começo da MTV, para notarmos o quanto a “síndrome de Peter Pan” ronda alguns profissionais da emissora, embora eles tenham uma qualidade inquestionável, que é um dos motivos principais para se manterem até hoje no cargo.

Inclusive estes profissionais nem mais atuam no sentido literal do termo VJ, que seria a apresentação de videoclipes, mas comandando outras atrações da MTV como o noticiário da emissora ou programas de debates. O mesmo ocorre com outros VJs da emissora, ainda mais levando em conta que os programas de videoclipes hoje em dia são minoria na programação da MTV. Talvez o termo esteja tão indissociável da MTV que seja difícil para as pessoas não chamarem qualquer tipo de apresentador da emissora de VJ. Essa é uma das marcas da MTV e é provável que nunca mude.

Na maioria dos casos, quando os VJs são contratados pela MTV, sabem que sua relação com a emissora possui uma espécie de “prazo de validade”, já que há uma mudança cíclica desses profissionais como forma de manter a emissora com uma “cara” sempre jovem e renovada. “As pessoas que trabalham na MTV são pessoas que amam a música, são irreverentes, são auto-irônicas, são jovens, amam o jovem e sabem que sempre virão outros jovens. O comprometimento da emissora, então, não é com uma geração, mas com todas as gerações que estão por vir, daí a importância de se renovar, de estar sempre em sintonia com os jovens”, ressalta o ex-diretor da MTV Victor Civita (PEDROSO & MARTINS, 2006, p.66). Dessa forma, é importante que a emissora sempre contrate pessoas da geração atual, que consigam se comunicar com eficiência com os jovens da época presente.

No começo da emissora, nos EUA, a MTV procurava pessoas relativamente comuns para ocupar os cargos de VJ, sem haver maiores critérios fora este. Os VJs não deveriam ser celebridades, para que não acabassem ameaçando o destaque concedido aos artistas presentes nos clipes anunciados por eles. “The VJs represent the ordinary, and the rock stars in the video clips represent the glamorous”, afirma Goodwin (1992, p.141). Havia também uma estratégia bem consciente e arquitetada pela MTV para tentar criar um grau imediato de identificação entre o VJ e o telespectador da emissora, com o emprego de pessoas que fossem parecidas com a audiência e não tentassem sobressair mais do que o cargo em questão demandava.

“There were no specifics except that we wanted to create a human status for MTV. We wanted those individuals who would get up and wouldn’t try to become stars, that wouldn’t try to become entertainers… For that reason we didn’t look for celebrities, we looked for those people who wouldn’t be overbearing or overpowering”

No Brasil, no início da emissora, os parâmetros adotados para a escolha dos VJs também não foram muito rígidos e demarcados, embora a produção procurasse pessoas que preferencialmente fossem jovens, bem-humoradas, versáteis e com uma razoável bagagem cultural. Segundo Hugo Prata, a partir disso, foi criado o VJ Segment, que era o apresentador responsável por anunciar os clipes da MTV. O excesso de movimentação durantes suas aparições, principalmente refletido nos gestos exagerados com as mãos e os braços, fez com que fossem apelidados de “VJs helicópteros”. Essa movimentação em cena era incentivada pela direção dos programas, que ainda estava tentando criar um novo formato que conseguisse demonstrar o ímpeto e a ousadia que a MTV gostaria de representar na TV brasileira desde o começo de suas transmissões, quebrando valores e padrões.

Esses conceitos atrelados à imagem da emissora também agiriam como perfeitas “armadilhas” para atrair sua “presa” principal: o jovem.

“Na hora que ligava a câmera, ficava todo mundo tímido para falar, paradinho, assim. Queriam segurar uma canetinha igual o Sérgio Chapelin e ficar tudo parado. Também todo mundo cresceu assistindo a uma televisão em que o apresentador ficava parado, e aí a gente começou a falar: ‘Não! Pode se mexer. Mexe a mão. Pode falar. Se movimenta. Começa a dar para eles uma liberdade geográfica maior na frente da câmera, de expressão. Não precisa ficar tão caretinha falando texto decorado’.

O vínculo criado entre os VJs e a audiência também foi bem mais proeminente e incentivado no Brasil em função do maior tempo de exposição destes profissionais na “telinha” em comparação com a MTV EUA, por exemplo.

Na matriz americana, os VJs apareciam apenas cerca de 20 ou 30 segundos para anunciar as próximas atrações. Já no Brasil esse tempo subia para cerca de um minuto e meio. Vitor Civitta Neto, sócio majoritário da MTV Brasil, disse que esse tempo de exposição mais extenso causava surpresa nos profissionais da MTV americana, mas era justificada por ele como sendo necessário em função de ser o único momento em que a maior parte da audiência brasileira entendia perfeitamente o que estava sendo dito no ar, uma vez que a maioria dos clipes do começo da MTV ainda eram estrangeiros. “E eles entenderam, porque, na cabeça deles, um segmento de VJ de um minuto e meio não tem o ritmo da MTV, é lento (…) O VJ da MTV Brasil, de uma maneira ou de outra, é o seu melhor amigo, e ponto. Ser VJ é isso: eu com meu amigo assistindo à MTV. Então quando o VJ fala, ele tem de ser ‘aquele’ amigo”.

O visual informal e descontraído dos VJs, assim como já foi apontado em relação aos cenários, também ajuda a criar um clima propício para o jovem se sentir relaxado o suficiente a ponto de enxergar o VJ como um verdadeiro amigo com quem pode supostamente “trocar” idéias sobre rock e outros assuntos de seu interesse. Mais uma vez os pais seriam de certa forma excluídos da emissora, que se direciona de todas as formas ao jovem, procurando se identificar o máximo possível com este público ao criar uma espécie de mundo juvenil à parte.

“The supposedly informal, easy, and relaxed style of the veejays was intended to conjure up the natural ambience of teenagers gathered in a room to listen to music with their peers. (…) The decision not to include any news except that relating to music further ensured the absence of adult authority figures. MTV thus constructs a false sense of addressing a unified teenage rock ‘community’, fulfilling young people’s desire to belong in a world without parents” (KAPLAN, 1987, p.19).

Não é que o público adulto não assista à emissora e não possa se interessar pelo seu estilo de programação, mas o foco principal da MTV é o jovem, é para ele que a emissora se dirige das mais diferentes maneiras.

O adulto quando assiste à MTV está de certa forma “invadindo” o território alheio, que possui códigos próprios, nem sempre muito bem compreendidos, já que pertencem a uma outra geração.

Não é a toa que muitos pais julgam a programação da MTV extremamente “chata” e não entendem como seus filhos conseguem acompanhar de bom grado a emissora.

Outras pessoas que eram adolescentes na época que a MTV foi inaugurada e assistiam com afinco à programação da emissora, acham que as mudanças processadas na MTV ao longo do tempo deterioraram sua qualidade e por isso não teriam mais interesse em acompanhar aquilo que é exibido pelo canal atualmente.

Sobre isso, o gerente do Departamento de Promo da MTV, Rodrigo Pimenta, tem uma opinião:

“Se você não é mais jovem talvez você não seja mais o público-alvo dela. A menos que você consiga se transportar e falar ‘deixa eu ser jovem por um pouco’, você assiste e curte. Agora se você for assistir à MTV com alguma expectativa de que ela terá alguma coisa para você adulto, com 35 anos, aí você vai se frustrar. Você vai ver um programa de namoro, o ‘Disk MTV’ falando de uma banda pop atual… Então acho que é meio natural.”

O concurso Caça VJ, promovido pela MTV de tempos em tempos, conhecido nas outras filiais da emissora como VJ Search, permite que a audiência se candidate a VJ da emissora, o que acaba sendo o sonho de nove entre cada dez adolescentes. Através de testes que são realizados com os candidatos durante a exibição do programa, a MTV consegue aumentar sua relação de confiança e intimidade com a audiência, a partir do momento em que dá a oportunidade a um dos seus jovens telespectadores de se tornar um profissional da emissora. O Caça VJ tem a intenção também de selecionar pessoas que nunca tenham trabalhado em televisão e que por isso não tenha ainda nenhum vício de linguagem que impeça o indivíduo em questão de ser “ele mesmo” (MARTINS in Pedroso & Martins, 2006, p.88).

Porém, a MTV Brasil não tem nenhum problema em também empregar celebridades, podendo ser citado o caso da modelo Daniela Cicarelli, que atualmente comanda o Beija Sapo. A modelo Fernanda Tavares também apresentou na MTV o programa Missão MTV, voltado para moda. Como já se sabe, com as mudanças processadas na MTV pela direção, a admissão de modelos começou a virar algo corriqueiro nos corredores da emissora, que começou também a adotar outros critérios para contratar seus VJs. Mesmo assim essas modelos geralmente precisam se adequar à linguagem da emissora, tentando criar um grau de identificação com o jovem.

Atualmente a MTV Brasil exibe um programa chamado VJs em ação, que conta com a participação semanal de todos os VJs da emissora debatendo de forma descontraída assuntos diversos. O local lembra uma sala de estar, onde os VJs relaxam em puffs e sofás dispostos um em frente ao outro, enquanto conversam de forma descompromissada, seguindo apenas um pequeno roteiro que é lembrado pelo diretor do programa através de um rádio. Enquanto isso, o telespectador observa, se sentindo até mesmo parte integrante daquele “papo” informal, como se os VJs estivessem na sua própria casa. “Os VJs vão despejando ansiedades, medos, angústias, crises de identidade em ebulição, desejos, confidências, ou seja, suas personalidades são despidas ao vivo, na tela da emissora, algo como ‘você se vê lá também’” (MARTINS in Pedroso & Martins, 2006, p.82). Esse programa sem dúvida alguma incentiva ainda mais o jovem a se identificar com esses profissionais e, por conseqüência, com a própria MTV.

Os VJs da MTV são incentivados a exibir sua própria personalidade, buscando dessa forma ser o mais natural possível. Geralmente os apresentadores têm um bom grau de identificação com o programa que apresentam e por isso se sentem à vontade para falar sobre os assuntos concernentes à atração que comandam.

Como a emissora não procura promover uma pasteurização dos seus profissionais, a MTV conta com um leque rico de tipos de pessoa que também refletem sua audiência. Dessa forma, os VJs representam também as diversas tribos que compõem o público que assiste à MTV, incluindo “patricinhas”, skatistas, surfistas, neo-hippies, roqueiros, grafiteiros, seguidores do hip-hop, dentre outros.

O sociólogo francês Michel Maffesoli estuda as manifestações dessas tribos no corpo social, conforme foi indicado no terceiro capítulo. Segundo o teórico, as emoções e as preferências em comum seriam os verdadeiros fatores de ligação entre os indivíduos, que a partir disso se organizariam em diferentes tribos sociais. Como os vínculos são baseados em motivos frágeis e efêmeros, que podem ser exemplificados através de pessoas que participam de determinada tribo por se vestirem da mesma forma ou terem o mesmo gosto musical, os indivíduos deixariam uma tribo para se filiar a outra com certa constância e facilidade.

“Nos filiamos a pequenos grupos por suas formas de vestir, por suas práticas sexuais, características que vão formar os micro-grupos. É o que digo quando a importância do corpo individual talha o corpo social, a importância da moda constitui, por exemplo, pequenos corpos sociais”.

Além disso, devido à gama de identidades de que o indivíduo da atualidade dispõe em contraste com a identidade única da época anterior, ele pode muito bem participar ao mesmo tempo de duas ou mais tribos, sem que cause nenhum tipo de prejuízo para sua imagem social. Na pós-modernidade, um médico pode ser ao mesmo tempo da tribo de “malhadores” de uma academia, da tribo de roqueiros que freqüentam o Garage e também da tribo de surfistas da praia de Ipanema, sem que seja considerado um profissional de conduta duvidosa, como provavelmente aconteceria na modernidade, quando um profissional dessa área tinha que assumir um papel social muito bem definido, apoiado em condutas “condizentes” com sua posição e convicções políticas determinadas.

Com isso, há a passagem do “mundo que ‘deve ser’ isso ou aquilo”, representada pelo indivíduo que necessita assumir uma determinada identidade, baseada num pensamento de ordem, para uma existência do sujeito pensado a partir do outro, da alteridade. A partir disso, o indivíduo pode gozar de uma mobilidade social, que se manifesta em função de diferentes identidades que assume de acordo com a situação vivenciada, e que por sua vez oferece suporte a esse clima de fragmentação generalizada presente na pós-modernidade.

“Ao contrário de uma lógica da identidade, parte do primum relationis, desses casos de experiência que, antes de todo o conceito preestabelecido, constatam que o ‘eu’ é feito pelo outro, em todas as modulações que se pode dar a essa alteridade. Esse outro poderá ser Deus, a família, o grupo de amigos, e é claro, como já disse, esses ‘outros’ que pululam em mim” (Maffesoli, 1996, p.305-306).

A atmosfera cambiante e instável que acontece entre as tribos sociais, também se reflete na audiência da MTV e nos próprios VJs da emissora, sendo suportada pelo leque de identidades que os indivíduos possuem e do qual podem fazer uso de acordo com as condições apresentadas. Um único programa pode receber integrantes de determinada tribo ou de várias tribos e o VJ precisa ter “jogo de cintura” suficiente para se relacionar com todas elas sem problemas.

Inclusive a maior parte dos programas atuais da MTV são voltados para o público jovem em geral, não sendo direcionados apenas para determinada tribo, mas despertando o interesse de várias ao mesmo tempo em função de apresentar um conteúdo mais eclético. Como já foi apontado no primeiro capítulo, este estilo de programação foi adotado na MTV Brasil após as mudanças que se processaram na emissora brasileira a partir de 1998, quando a direção visou tornar a programação mais abrangente e popular em vez de ter programas voltados apenas para determinadas nichos de público.

De qualquer forma, os VJs continuam precisando assumir diferentes atitudes e comportamentos de acordo com o programa que estão conduzindo, mesmo que isso influa na suposta “naturalidade” que é incentivada pela emissora em relação a seus profissionais. Por mais que o VJ seja natural em suas atitudes, ele não deixa de ser um participante ativo da sociedade contemporânea, que se baseia na representação de diferentes “papéis”, através do uso de múltiplas identidades. Além disso, mesmo que procurem expressar um estilo pessoal que seja realmente intrínseco à personalidade deles, algumas adaptações às vezes precisam ser feitas para que sejam aceitas pela MTV, como foi o caso do VJ João Gordo.

O apresentador, que comanda um dos programas de entrevistas mais conhecidos e bem-sucedidos da MTV, o Gordo a go-go, teve que fazer uso de seu leque de identidades de diferentes formas. Ele liderou a banda punk Ratos de Porão, que era considerada um dos grupos com atitude mais agressiva e verborrágica do cenário nacional. No entanto, quando João foi chamado para apresentar o Gordo a go-go, teve que assumir uma nova identidade, deixando um pouco de lado a agressividade que marcou sua trajetória na banda, embora ainda preserve grande parte dela durante suas entrevistas, de acordo com o convidado.

Vale acrescentar que a MTV pode até ser considerada por muitos como uma emissora mais liberal, se é que podemos chamar assim, mas ao mesmo tempo não consegue se afastar totalmente do formato próprio da televisão, com todas as suas limitações já conhecidas, que com certeza não comporta certas atitudes mais “extravagantes” por parte dos VJs, que poderiam gerar algum tipo de censura para a emissora (COSTA, 2005a, p.4).

Em função da diversidade apresentada pelos convidados que visitam o Gordo a go-go, que inclui desde o Padre Marcelo Rossi, passando por drag queens até a eterna jurada do SBT Sônia Lima e o lutador de box Maguila, o apresentador João Gordo precisa assumir um determinado comportamento, ou melhor, uma determinada identidade. Ele pode ser o “velho” João com seus amigos de outras bandas rock entrevistadas, mas precisa assumir uma versão “light” se deseja entrar em contato com os dogmas cristãos pregados fervorosamente por um padre.

João também chegou a fazer durante um tempo o programa Gordo à Bolonhesa com sua esposa, a argentina Viviana Torrico, no qual eles entrevistavam convidados, enquanto preparavam alguma receita culinária de gosto um tanto duvidoso. Mais uma vez Gordo mostrou sua capacidade em se desdobrar, exercendo dessa vez um papel mais caseiro e “família”, provavelmente em função da presença inibidora de sua mulher. Nunca se viu antes um Gordo tão contido e pacífico, pilotando o programa e também o fogão.

Outro bom exemplo de múltiplas identidades assumidas por um VJ na MTV, é o caso de Marina Person. Quando apresentou o extinto programa Meninas Veneno e o Cine MTV, Marina provou que tanto pôde assumir a identidade de “amiga íntima” no meio de mulheres ansiosas em partilhar seus anseios e problemas no Meninas, como também pode mostrar no Cine MTV seu lado mais intelectual, desfilando seus conhecimentos cinematográficos talvez até para fazer jus a sua genética, que registra como seu pai o renomado cineasta Luiz Sérgio Person.

“Esse processo (de identificação) produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma ‘celebração móvel’: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. (…) A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente” (Hall, 2003, p.13).

O que é importante também observar é que os VJs fazem parte de um “pacote”, que inclui também os programas, as vinhetas, os comerciais, os videoclipes e outros elementos que sintetizam a linguagem visual da emissora.

Todos esses aspectos inerentes à MTV contribuem de uma forma ou de outra para que a emissora seja uma representante das manifestações pós-modernas, incluindo aquelas que se relacionam diretamente com a indústria cultural, através da geração de bens simbólicos.

No caso do VJ, especificamente, há uma relação direta entre a escolha desse profissional e a linha editorial seguida pelo programa. A vinheta de abertura também tenta traduzir visualmente os conceitos propostos pela atração.

“O VJ, na minha opinião, é parte de um todo, é uma das maneiras pelas quais o canal se expressa. Quando a gente pensa em qual VJ se adaptaria melhor para aquele formato. O VJ é parte de um conteúdo total que vai desde a confecção da abertura, da embalagem, até o conteúdo expresso do que aquele programa é”.

5. Videodesign e a linguagem visual pós-moderna: as vinhetas da MTV

As vinhetas da MTV representam um dos principais elementos constitutivos da linguagem visual adotada pela emissora. Através destas peças gráficas audiovisuais, pode-se apreender grande parte da essência da MTV, que se remeteria diretamente a uma série de manifestações da cultura pós-moderna.

Além disso, o videodesigner, principal responsável pela criação das vinhetas, dispõe de ferramentas de trabalho que o tornariam um profissional privilegiado em expressar parte dos elementos inerentes ao universo pós-moderno. Com o uso do sistema “copy-cut-mix-edit” dos softwares de edição e manipulação de imagens, o videodesigner produziria objetos gráficos repletos de influências da cultura pós-moderna, da qual a MTV participa.

Como a atividade é relativamente nova, são usados ainda diferentes termos para se referir ao design voltado para o vídeo, como motion graphics ou videographics. Porém, nesta pesquisa o termo usado será videodesign, que representa um dos mais populares e utilizados, estando relacionado ao design direcionado ao vídeo para exibição na mídia eletrônica, e que não inclui o design produzido para cinema, que possui um termo específico denominado de moviedesign. Já o termo grafismo, que também é empregado durante a pesquisa, se refere aos elementos visuais que são criados para o conteúdo das vinhetas.

Neste capítulo são abordadas as principais características referentes ao videodesign e discutido o ambiente de criação intrínseco a esta área de atuação, havendo uma rápida abordagem sobre as origens da vinheta televisiva no Brasil, quando ainda não passava de um cartão de papel estático filmado por uma câmera, e seu desenvolvimento ao longo da história até os dias atuais. Essa exposição será importante para situar o leitor não somente sobre a evolução da vinheta, mas também para mostrar como esta evolução se confunde com as próprias mudanças processadas na cultura e na sociedade ao longo do tempo. A vinheta que era estática e única passou a ser cada vez mais veloz, fragmentada, múltipla, efêmera, assim como se apresenta o nosso tempo, a pós-modernidade.

As vinhetas seriam também importantes objetos de estudo em relação ao design pós-moderno, apresentando as principais características que são atreladas a este design. Mas será importante também observar que o design pós-moderno não possui apenas um determinado número de aspectos que o determinariam como tal.

São vários os elementos utilizados na sua construção, e talvez o estilo do design pós-moderno seja exatamente não ter estilo algum, ou pelo menos nenhum estilo muito definido, que seja aplicado em todas as ocasiões. Uma mesma peça gráfica pode contar com a maior parte dos elementos atribuídos ao design pós-moderno ou apenas um deles. Não há uma regra. O design pós-moderno é um design cambiante, que não pára no lugar, que está sempre se modificando graças também aos anseios do capital e do mercado. Seria um design de várias pequenas narrativas, não mais centrado nas grandes narrativas de outrora, capitaneadas pelo Estilo Internacional.

Com a análise de algumas vinhetas que foram selecionadas a partir da programação da MTV Brasil e também de outras filiais desde sua inauguração, há o estudo de algumas das manifestações pós-modernas que poderiam ser representadas pela linguagem visual pertencente a estas peças gráficas. O critério utilizado na seleção foi escolher algumas das vinhetas que expressariam melhor os aspectos pós-modernos que são estudados durante o capítulo, já que todas as vinhetas emanariam, de uma maneira ou de outra, algum elemento que remete diretamente às questões pós-modernas intrínsecas à MTV.

5.1 – Videodesign: o ambiente pós-moderno de criação das vinhetas

O surgimento do videodesign

O design tem sempre a função de transmitir algum tipo de mensagem. Design não se resume apenas à tradução de “desenho” no sentido literal, mas guarda consigo já desde o início o compromisso com a função de projetar algo. Na própria língua inglesa, da qual o termo design faz parte, o significado não remete apenas ao ato de desenhar, mas também ao ato de arranjar, configurar, estruturar.

A origem da palavra design está no latim designare, que também significa tanto desenhar como designar. “Percebe-se que, do ponto de vista etimológico, o termo já contém nas suas origens uma ambigüidade, uma tensão dinâmica, entre um aspecto abstrato de conceber/projetar/atribuir e outro concreto de registrar/configurar/formar” (DENIS, 2000, p.16).

Desenhar, apresentar, designar, planejar, ordenar, indicar são alguns dos elementos inseparáveis da atividade exercida por um designer. Diferente do artista, que se expressa de forma mais livre, sem ter a obrigação de transmitir algum tipo de mensagem específica, o designer precisa procurar sempre se comunicar de forma eficaz com seu público, mesmo que se utilize de meios pouco ortodoxos. A mensagem precisa chegar com seu sentido inicial intacto ao leitor, até mesmo se a proposta não for criar um sentido específico, como será visto mais tarde em algumas vinhetas.

O design possui algumas categorias e subcategorias. As duas principais categorias seriam o design gráfico ou programação visual (PV) e o design de produtos ou projeto de produtos (PP). O videodesign figuraria como uma subcategoria do design gráfico, assim como o design voltado para a Internet, também chamado de webdesign.

No entanto, todas essas áreas inerentes ao design gráfico, embora possuam suas peculiaridades, têm um ponto em comum: precisam seguir regras básicas referentes a contraste de cores, harmonia, proporção, formatos, dentre outros.

Mesmo que a experimentação possa subverter tais regras, até para gerar novidades e se manter longe da monotonia funcionalista, o bom senso continua sendo aplicável a qualquer tipo de categoria no design. “Ainda que as regras sejam estabelecidas para serem desrespeitadas, escrupulosamente observadas, mal entendidas, reavaliadas, readequadas e subvertidas, a melhor regra básica é a de que as regras nunca devem ser ignoradas” (KEEDY apud Grunzynski, 2001, p.151).

A introdução de tecnologias produziu mudanças significativas em todas as categorias do design, proporcionando inclusive o surgimento de novas categorias, como no caso do videodesign. Tanto os objetos gráficos criados pelo designer quanto sua rotina de trabalho sofreram diversas adaptações em função do novo panorama tecnológico ligado à profissão. Segundo Gruszynski, houve até mesmo uma “redefinição da própria figura do profissional do design gráfico”.

“No encontro entre o impresso e a multimídia, onde, de certo modo, o papel dá lugar à tela do computador, conceitos tradicionalmente abarcados pelo design gráfico são colocados em xeque. A introdução de novos elementos possibilita a reformulação dos paradigmas anteriores e, no que se refere à prática profissional, abrem-se outras frentes de atuação” (GRUSZYNNSKI, 2001, p.140-141).

Antes do advento da televisão, o cinema já exibia algumas formas de grafismo durante suas aberturas. A pesquisadora sobre videodesign, Denise Mizuguti, inclusive diz que talvez os próprios entre-títulos do cinema mudo já fossem os primórdios do videodesign (MIZUGUTI, 2002, p.33). Assim como no cinema, as primeiras experiências com grafismos na TV também foram realizadas com a filmagem de uma determinada imagem parada com a câmera.

É importante tecer algumas considerações sobre a influência exercida sobre os videodesigners pelos produtos gerados por moviedesigners. Segundo Arlindo Machado, o grafismo televisual guarda relação direta com as primeiras aberturas de filmes produzidas para o cinema norte-americano na década de 50.

Na época, alguns cineastas tiveram a idéia de contratar artistas gráficos e também artistas plásticos para projetar a abertura de seus filmes a fim de quebrar um pouco a monotonia presente na apresentação dos créditos. “Alguns desses profissionais realizaram um trabalho de tal impacto que não foram raros os casos em que as aberturas se tornaram mais importantes do que os próprios filmes” (MACHADO, 2003, p.197).

O designer Saul Bass, seguidor de Gyorgy Kepes na New Bauhaus, de Chicago, foi o maior expoente deste período, chegando a ficar conhecido por um público maior além do público especializado. Bass criou as aberturas antológicas de filmes igualmente famosos como Psicose (1960), Intriga internacional (1959), Um corpo que cai (1958) e O homem do braço de ouro (1955). Nestas aberturas pode ser verificada uma série de características que mais tarde fariam parte também das vinhetas produzidas para a televisão. Há um mix entre cenas filmadas, tipografia, animação e diversos grafismos, além de várias experimentações visuais, como palavras que se transformavam em imagens e vice-versa. Efeitos visuais como este, que hoje são vistos como corriqueiros, representavam um grande salto de inovação para o cinema de até então. Outros aspectos que podem ser constatados nas aberturas, e que representam uma constante nas vinhetas da MTV, se referem à mistura de diferentes linguagens e também ao resgate de formas do passado. Ainda expondo o trabalho de Saul Bass, Arlindo Machado fala que há nas aberturas uma “recuperação expressiva de formas arcaicas, como o graffitti, em ‘Amor sublime amor’ (1961), e a escrita epistolar, em ‘A época da inocência’ (1993)” (MACHADO, 2003, p.198).

Pablo Ferro é outro nome importante na criação de aberturas para filmes, sendo também responsável pelo desenvolvimento do quick cut, uma técnica que consiste na adoção de cortes rápidos com o uso de imagens que não possuem nenhum grau de continuidade entre si. Esta técnica começou a ser muito utilizada na edição dos videoclipes produzidos a partir da década de 80. Além disso, influenciou bastante a linguagem visual das vinhetas da MTV, “o que valeu a Pablo Ferro o título de ‘pai da MTV’” (MIZUGUTI, 2002, p.35-36).

Outros fatores contribuíram para o estabelecimento do videodesign na televisão. Porém, um dos elementos fundamentais que proporcionou de fato a implantação e crescimento do videodesign nos canais de TV foi o videotape. Em 1956, a Ampex foi responsável pela fabricação do primeiro gravador de vídeo em fita magnética, proporcionando uma nova “cara” para a televisão, antes baseada apenas em programas ao vivo (MACHADO, 1988, p.157). O videotape também possibilitou a edição eletrônica através da “trucagem” para adição e supressão de imagens pré-gravadas.

Anos mais tarde, em 1963, a Ampex dá mais um passo importante para o desenvolvimento do videodesign, com a invenção de um “sistema de edição eletrônica que permitia controlar a gravação frame a frame, tornando possível os primeiros efeitos de animação em vídeo (antes obtidos apenas em montagem de cinema com material captado em película)” (MIZUGUTI, 2002, p.41).

Em 1962, surge aquele que seria o principal estímulo dado ao videodesign: a computação gráfica, desenvolvida por Ivan Sutherland. Porém, somente a partir de meados dos anos 1970, os recursos da informática começam a ser introduzidos de forma efetiva na televisão. “São produtos típicos dessa televisão cada vez mais digitalizada os videoclipes, os spots de abertura de programas (como os de Hans Donner) e os comerciais de última geração, processados ou sintetizados em computadores” (MACHADO, 1995, p.158).

Com a chegada das novas tecnologias, “um campo enorme de possibilidades gráficas se (abre) para a imagem eletrônica e a televisão soube, desde o início, tirar delas o melhor partido” (Ibid., 2003, p.199-200). A manipulação e a edição de imagens na televisão, tão essenciais à prática do videodesign, atingem seu ápice com os softwares de computação gráfica. Ainda segundo Arlindo Machado, a época de ouro do grafismo televisual teria sido entre 1975 e 1981, quando a computação gráfica, utilizando máquinas de grandes dimensões e de alto valor, “desenvolveu o essencial de seus algoritmos de processamento, modelação, animação, iluminação e texturização” (Ibid. p.201).

De acordo com Margaret Morse, a partir de 1982, teria predominado uma espécie de fase barroco/maneirista no design para a televisão, baseado em grafismos extravagantes repletos de efeitos visuais, como as vinhetas de abertura produzidas por Hans Donner para a Rede Globo no início da década de 80 (MORSE in Machado, 2003, p.201). As vinhetas desenvolvidas para a abertura do programa de variedades Fantástico se tornaram emblemáticas em relação a este período, traduzindo bem a fase proposta por Morse. Estas vinhetas abusavam do uso de efeitos especiais “futuristas”, com a adoção excessiva da cor prata e dourada, e a coreografia de dançarinas vestidas a caráter, que deslizavam em cima de plataformas virtuais. Além disso, objetos em 3D flutuavam de um lado para o outro na tela, desafiando as leis da gravidade. Outra característica desta vinheta é o efeito de “fatiamento” do símbolo do programa, que acabou sendo uma constante em todos os programas jornalísticos da emissora, como o Jornal Nacional ou o Globo Repórter, e virou referência para aberturas de noticiários de outras emissoras também.

Porém, conforme já foi indicado no capítulo anterior, com a chegada da MTV há a introdução de uma nova proposta gráfica na televisão em contraste com o panorama gráfico televisivo que tinha predominado até então, e que no caso do Brasil era dominado pela linguagem visual da Rede Globo, representada pela figura do designer austríaco Hans Donner. Vale ressaltar que o design produzido para a Globo se baseava em soluções já experimentadas por canais de outros países, como a CBS dos Estados Unidos, embora não se possa também negar o mérito de Hans Donner, que é reconhecido internacionalmente.

Segundo Arlindo Machado, “a MTV foi a rede que mais amplamente assumiu a idéia de uma televisão construída em cima de uma proposta gráfica” (MACHADO, 2003, p.202). Nas suas vinhetas, a MTV resgatou o uso de imagens bidimensionais, inseriu diferentes tipos de ruídos ou “sujeiras” e outros recursos visuais que não eram muito considerados até então pelo design produzido para a televisão. A partir daí, outros canais, principalmente a cabo, começaram a introduzir outras formas visuais na linguagem gráfica adotada pela emissora.

Com a influência da MTV e a evolução dos recursos tecnológicos, o videodesign fomentou um número cada vez maior de possibilidades gráficas na televisão, sem se ater a apenas um formato.

Características pecualiares ao videodesign

Mas quais são afinal as características específicas do videodesign? A primeira delas sem dúvida alguma se refere ao fato do designer ter a necessidade de dominar ferramentas digitais inerentes à prática desta profissão, que incluem, como já foi dito, softwares de manipulação e edição de imagens, como o Photoshop, o Adobe Première e o Final Cut, somente para citar alguns. Sem o pleno domínio desses programas ou outros, fica impossível para o videodesigner concretizar suas idéias, por mais criativas ou inovadoras que sejam. A partir disso, podemos observar também a relação indissociável que há entre as novas tecnologias e o videodesign, e as conseqüências que advém em função desse fato.

Diferente de outras áreas do design que passaram a contar com o uso do computador ao longo de sua existência, como já foi visto, o videodesign nasceu praticamente junto com o surgimento da computação gráfica. Embora no início da televisão tenham sido criadas algumas vinhetas com recursos um tanto precários, sem o apoio da tecnologia computacional, a verdade é que somente após a introdução efetiva de tais dispositivos computacionais, o videodesign ganhou forma e legitimidade.

O tempo que um designer leva para desenvolver e finalizar uma peça de videodesign geralmente é bem superior ao design de um impresso. Além de criar o projeto gráfico da vinheta, incluindo a seleção ou produção de imagens e escolha dos padrões cromático e tipográfico, dentre outros, o designer precisa ainda aplicar o processo de rendering em todas as imagens e sons que participam da peça, o que geralmente demora várias horas ou até dias, dependendo do volume de elementos que entram na composição. Além disso, o videodesigner é obrigado a conviver com o “tempo urgente” inerente à televisão. Não é incomum que uma vinheta tenha que ser produzida em tempo recorde para que consiga entrar no ar na data requisitada. “Às vezes não dá tempo para fazermos as coisas exatamente como planejamos. A palavra ‘urgente’ ganha cores dramáticas na indústria da televisão”, afirma Luciano Cury, responsável pela reestruturação da identidade visual da emissora Band, chamada anteriormente de Bandeirantes.

O videodesign comporta uma outra diferença crucial. Assim como no cinema, o autor da peça videográfica tende a exercer controle sobre o tempo de exibição da imagem. Isso faz com que o videodesigner influa de certa forma nas sensações que serão vivenciadas pelo público durante a veiculação da peça produzida por ele.É importante que o designer tenha consciência desse poder, para que tire o proveito máximo dessa característica própria do videodesign. Sendo assim, nenhuma escolha deve ser feita de modo aleatório, já que vai exercer influência direta na forma como o público vai receber a peça gráfica. Segundo o designer do Jornalismo da TV Globo, João Boltshauser, o videodesigner “controla o que é para ser visto ou lido e o que não é tão importante e pode ser apenas sugerido, percebido como informação de fundo. Se uma palavra atravessa a tela, é preciso que esteja consciente de que a velocidade do movimento afetará a forma do público lê-la”.

O ritmo, que é um dos principais conceitos ligados às peças geradas pelo videodesign, pode ser determinado pelo designer através da escolha da música de fundo ou dos movimentos rápidos ou lentos apresentados pelas imagens selecionadas. Dependendo do tipo de cadência adotada, uma vinheta mais acelerada pode ser mais adequada para um programa de esportes do que para a abertura de um programa de medicina alternativa, que pretenda passar um ar mais sereno, de equilíbrio, por exemplo. Nesse sentido, o videodesign também se aproxima bastante de alguns dos princípios básicos do cinema, que através da trilha sonora escolhida ou dos movimentos adotados pelas câmeras incentiva diferentes tipos de reação por parte do público em relação à cena exibida. Não é a toa que alguns dos mais famosos videodesigners, começaram sua trajetória no cinema, fazendo a abertura de filmes.

O alcance de um projeto de videodesign, como no caso das vinhetas, também é bem interessante. Com a televisão, que é um meio de comunicação de massa, como principal forma de divulgação, essas peças gráficas acabam sendo apreciadas por milhares de pessoas, provenientes das mais diferentes classes sociais, econômicas e culturais, em tempo recorde.

Mesmo no caso da MTV, que é dirigida majoritariamente ao público jovem de classe média, suas vinhetas acabam recebendo também a atenção de pessoas oriundas de outras idades e classes sociais, mesmo que em menor escala.

A origem no design pós-moderno

O videodesign se estabelece praticamente no mesmo período em que o design pós-moderno ganha força em diferentes partes do mundo. A partir de 1978, nos Estados Unidos, são desenvolvidas as primeiras teorias sobre o design pósmoderno, na Cranbrook Academy of Art, em Michigan, liderada por Katherine McCoy. Baseados nas teorias pós-estruturalistas aplicadas ao design gráfico, os alunos da Cranbrook começam a desenvolver trabalhos desconstrucionistas em pôsteres e catálogos.

“Os pôsteres desenhados pela Cranbrook traduzem bem o espírito com o qual a academia está relacionada: o questionamento do uso da tipografia como mera representação ordenada e gráfica da expressão fonética do texto” (LUPTON e MILLER apud Kopp, 2004, p.79).

Os Estados Unidos vivem dois outros momentos importantes para o design pós-moderno: o aparecimento do movimento New Wave, na Califórnia, e a criação da San Francisco School.

O primeiro na verdade foi cunhado principalmente pelo designer suíço Wolfgart Weingart, mas acabou se espalhando pelos Estados Unidos a partir dos anos 70, em função da ação de dois ex-alunos norte-americanos de Weingart: April Greiman e Dan Friedman. A New Wave pregava o uso de “conotações simbólicas, subjetividade e acaso” em seus trabalhos (CAUDURO, 2000, p.131). Já a San Francisco School, fundada na década de 80, se tornou um “grande centro de produção de design de vanguarda” em oposição à tradicional New York School (JACQUES, 1998, p.15).

No final da década de 70, surge o grupo francês Grapus, que exibia em seus trabalhos um visual propositadamente “amador” e com muito humor, usando técnicas quase infantis para produzir a caligrafia de seus textos, como rabiscos de lápis, pincéis e os dedos, além de introduzir uma série de “sujeiras” em suas ilustrações, como rasgos e respingos de tinta. O grupo italiano Memphis aparece em 1981, com trabalhos que misturam produtos da cultura pop com objetos do período clássico, e que contêm experimentações com padronagens, texturas, formas geométricas de aspecto inusitado e cores garridas. Ainda na década de 80, o designer londrino Neville Brody dita tendências no design, inspiradas no movimento punk que acaba sendo adaptado para o estilo comercial pelas mãos do profissional. Brody também ganhou fama internacional ao produzir capas para revistas como The Face e Arena, nas quais realizou uma série de experimentações tipográficas e produziu formas visuais com influências do movimento Retrô, baseado no resgate de estilos do passado, como o Art Déco, e no uso do design vernacular.

No meio desse período de grande ebulição e mudanças no design gráfico, o videodesign acaba naturalmente incorporando aos seus projetos as principais características creditadas ao design pós-moderno. Outra transformação fundamental no design gráfico que influenciou diretamente as produções de videodesign se refere à modificação do papel mediador do designer na transmissão de mensagens em seus trabalhos durante a passagem do moderno para o pós-moderno.

Na modernidade, a atividade possuía um certo grau de “invisibilidade”, já que o profissional deveria se deter às regras funcionalistas do Estilo Internacional, sem qualquer outro grande tipo de pretensão que não fosse comunicar uma mensagem de acordo com aquilo que era considerado como “bom design”.

Mesmo que já assumisse um papel de “co-participante” nos projetos criados, através de seu livre-arbítrio para escolher uma determinada tipografia em detrimento de outra, ou utilizar linhas pontilhadas ao invés de círculos para uma mesma função, esta situação não se compara ao grau de autonomia e de opções que o designer passa a dispor com a emergência do design pós-moderno, intervindo com bem menos receio nas obras projetadas.

“O pós-modernismo destrói justamente essa crença na universalidade, imparcialidade e neutralidade do design. A escrita é revelada como a união (e dissociação) dos códigos visuais e alfabéticos. Ao destacar a co-autoria da mensagem em seus aspectos visuais, o designer simplesmente deixa claro ao leitor os pressupostos de sua ordenação do texto, enfatizando o poder da imagem. Trata-se de desconstruir o padrão modernista, para deixar aflorarem as idiossincrasias pessoais, os padrões culturais, os vínculos sociais ou de grupo” (GRUSZYNSKI, 2001, p.140).

O advento da computação gráfica lhe concedeu esse grau expressivo de autonomia, transformando-o em um consistente “co-autor” de suas obras. Os recursos tecnológicos facilitaram várias intervenções que hoje em dia são realizadas pelos próprios designers, com destaque para a tipografia. O trabalho artesanal realizado pelos tipógrafos foi substituído pela criação e manipulação de diversas fontes pelos designers através de programas especializados.

Sem dúvida, uma das áreas do design mais atingidas por essa mudança foi o videodesign, que faz o uso maciço dos dispositivos computacionais para concretizar seus trabalhos, conforme já foi observado. Fragmentando imagens, colando diversas tendências históricas, misturando diferentes fontes tipográficas, copiando textos já existentes, o videodesigner não só constrói mais uma peça legítima do design pós-moderno, como reproduz parte dos sentidos próprios da cultura pós-moderna de forma ativa, como “co-autor” de seus trabalhos.

Poderíamos mesmo arriscar em dizer que o videodesign, em função de sua constituição e de sua história, seria a forma mais representativa do design pósmoderno.

A apreensão de diversos elementos realizada pelo videodesigner durante suas criações, conforme foi caracterizado acima, geralmente transita pelo campo de objetos gráficos que já existem, recebendo o nome de “apropriacionismo”. Esse aspecto transforma alguns trabalhos de videodesign, que guarda estreita relação com a arte eletrônica, em uma espécie de “obra coletiva”. O ambiente de criação do videodesigner também já descrito facilita ainda mais a apropriação de tais elementos.

“O artista tem à sua disposição uma miríade de materiais aos quais acede em tempo real com um ‘click’ do ‘mouse’ na tela. Bem como de outro lado, os programas de composição de texto, imagem e música se baseiam nessa atividade apropriadora do ‘cut-copy-mix-edit’. E, finalmente, (…) a Internet leva a um máximo o número e a diversidade de influências sobre o homem moderno. (…) O artista se interessa por objetos e adota-os, sozinhos ou colados, por uma razão ou em uma ordem intuitiva e não reflexiva” (LLUSSÀ, 2001, p.6).

O apropriacionismo também incentiva o aparecimento do pastiche nas peças geradas pelo videodesign, já que tais objetos exibem elementos variados, que podem se referir a diferentes períodos históricos ou a estilos visuais díspares.

As referências utilizadas geralmente não possuem qualquer tipo de conexão uma com a outra, possuindo cada uma delas narrativas próprias que não necessariamente dialogam entre si. Com isso, há também a produção de sentidos múltiplos para uma mesma peça audiovisual. “A arte eletrônica segue sendo arte pós-moderna. Ecletismo que mistura todo gênero, estilo e sentido em uma passagem perpétua e sem sentido total que é espelho e ao mesmo tempo constituição da nossa própria época”, afirma Xavier Llussà, doutor em filosofia (LLUSSÀ, 2001).

É importante dizer também que o videodesigner não é responsável pela criação de elementos pós-modernos, mas apenas acaba reproduzindo visualmente as diversas manifestações pós-modernas com as quais convive através de seus mecanismos de criação. As considerações que Llussà faz sobre o artista pósmoderno poderiam ser aplicadas também à realidade do videodesigner. Como o legítimo autor pós-moderno proposto por Llussá, o videodesigner é “somente aquele que re-estrutura, re-cria de forma pessoal as estruturas, informações e conhecimentos que o afetam e o constituem. Ou, numa outra possibilidade, aquele que as descobre ou as faz evidentes. Sendo que estas variam constantemente, ele mesmo varia constantemente. Sendo que elas o constituem, já não é mais criador senão, no máximo, intérprete ou tradutor” (LLUSSÀ, 2001). Dessa forma, a natureza do videodesigner se confunde com a própria natureza do pós-moderno. O artista “é sujeito produtor só derivativamente a ser ele mesmo, mais radicalmente, um produto, um objeto e uma colagem das influências que recebe e lhe constituem” (Ibid). Por isso o videodesigner pode ser considerado ao mesmo tempo produto e reprodutor da cultura pós-moderna.

Este novo panorama que coloca o profissional ligado à criação mais suscetível às transformações culturais e sociais que ocorrem ao seu redor, também favorece as experimentações, que acabam representando as diversas variáveis em eterna mutação que participam do mundo pós-moderno.

5.2 – Vinhetas: da pequena vinha ao formato digital

Uma curiosidade que não deve ser muito incomum é sobre o uso do termo vinheta para designar essas peças gráficas audiovisuais de curta duração, que aparecem em diferentes momentos na programação de uma emissora. A palavra vinheta foi originada a partir do vocábulo francês vignette, que significa “pequena vinha”. No começo, as vinhetas tinham a forma de folhas e cachos de videira, que enfeitavam os livros manuscritos medievais, contornando suas ilustrações e as letras que iniciavam os capítulos (AZNAR, 1997, p.37). Ao longo do tempo a vinheta assumiu novas formas gráficas, incluindo desenhos abstratos, mas não deixou de ter o mesmo caráter decorativo, com a função de tornar mais agradável a leitura de uma determinada obra.

“Com o advento da imprensa, em 1450, por Johan Gutenberg, o termo vinheta é amplamente utilizado, ficando evidenciada a sua característica específica – servir como moldura decorativa dos textos ou de suas primeiras letras, quando podemos constatar que é acrescentada a uma forma estabelecida e pronta. A vinheta vai ser uma das primeiras manifestações da programação visual, que, tendo raízes nas iluminuras, mostra que uma forma estilística é o reflexo de outras formas anteriores de arte já utilizadas” (AZNAR, 1997, p.37).

A vinheta de um impresso é diferente de uma ilustração, já que não visa traduzir visualmente as informações contidas em um texto como esta última. O caráter da vinheta impressa é meramente decorativo, sem haver nenhuma pretensão em produzir algum tipo de sentido ou adicionar alguma informação ao texto.

As vinhetas ID da MTV guardam estreita relação com esse estilo de vinheta, como será visto mais tarde. “Ao desenhar uma vinheta, o vinhetista está realizando uma ação gráfica, que não se caracteriza em ato ilustrativo; portanto, tecnicamente, está realizando uma ação gráfica decorativa (ORNARE)”, afirma Aznar (1997, p.32).

O termo vinheta acabou sendo absorvido por outros meios de comunicação como o jornal, o rádio e a televisão. Embora em cada um desses veículos, a vinheta sofra adaptações consideráveis, sua função decorativa continua inalterada, assim como outras semelhanças funcionais podem ser observadas também. Segundo Rabaça e Barbosa, “vinheta (TV e rádio) é a identificação breve da estação, do programa, do patrocinador, ou do apresentador de um programa de TV ou rádio, no início ou no fim de cada intervalo. É constituída, geralmente, de uma frase musical, com ou sem texto” (RABAÇA & BARBOSA apud AZNAR, 1997, p.43). Embora essa definição seja um tanto simplista, sintetiza bem alguns dos principais pontos de encontro entre as vinhetas de TV e rádio.

Uma das principais funções da vinheta televisiva é alertar o público sobre o próximo programa que será exibido pela emissora ou sobre a volta deste programa após o break comercial. Aliás, a famosa vinheta “plim-plim” da TV Globo foi concebida exatamente para cumprir tal função, tendo sido modernizada ao longo do tempo, com a adição de charges de famosos caricaturistas nos intervalos dos filmes. Relembrando a ligação da palavra vinheta com o vinho, a função deste tipo de vinheta também seria, de certa forma, de “inebriar e predispor para o que vem a seguir”.

Antes de prosseguir com a análise sobre as características da vinheta televisiva, a trajetória da vinheta da televisão brasileira merece uma rápida recapitulação por ter relação direta com o objeto de estudo da pesquisa, as vinhetas da MTV, que serão analisadas no próximo subcapítulo. Além disso, como foi dito na introdução do capítulo, a evolução da vinheta acaba sendo uma expressão visual do estabelecimento do pós-moderno na cultura.

Com a inauguração da PRF-Difusora, depois chamada de TV Tupi, em 1950, a história da vinheta na televisão tem início no Brasil. As primeiras vinhetas eram imagens paradas, produzidas por uma câmera que filmava cartões fixos em uma estante, contendo a informação que a emissora desejava anunciar sobre sua programação, incluindo o título do programa e sua ficha técnica. Estas vinhetas sem animação foram criadas por Mário Fanucchi. Através de um processo ainda bem artesanal, os cartões eram feitos com papel canson e pintados com tinta nankim.

O cartão-vinheta, com a marca da emissora, às vezes ficava por um tempo considerável no ar, durante o intervalo entre um programa e outro, podendo chegar a incrível marca de 40 minutos, até que a próxima atração fosse totalmente preparada, já que nessa época toda a programação era realizada ao vivo. O primeiro símbolo da marca da Tupi era um sisudo índio, que acabou sendo reformulado e se transformou em um simpático curumim que aparecia em diferentes posições, geralmente com muito bom humor e adequado à proposta da vinheta. No cartão-vinheta do programa Concêrto, o indiozinho desenhado por Fanucchi aparecia tocando de modo “estabalhoado” um piano. Já na vinheta que anunciava para as crianças que assistiam à emissora que estava na hora dormir, ao som da música que depois também fez muito sucesso como trilha sonora dos Cobertores Parahyba, o curumim surgia dormindo tranqüilamente na rede de sua pequena oca (MIZUGUTI, 2002, p.50-51).

Essas modificações na marca e nas vinhetas exibidas pela emissora, que se tornaram bem mais variadas e dinâmicas, mesmo sendo ainda estáticas, agradou em cheio o público da emissora que já estava cansado de assistir à figura “não-modificável” do antigo símbolo.

Este fato lembra também o grau de identificação e simpatia que as vinhetas podem criar entre os telespectadores e a emissora, assim como ocorre com as vinhetas da MTV. As vinhetas acabam sendo uma ótima estratégia visual para chamar a atenção do espectador e com isso manter um bom índice de audiência, que vai por sua vez aumentar o lucro da emissora através da entrada de um número cada vez maior de anunciantes. Alguns autores defendem que até mesmo o tipo de grafismo utilizado na vinheta pode fortalecer a marca de determinado canal de TV entre o público e fortalecer sua inserção na indústria cultural.

“Margaret Morse (e outros autores) reconhecem o papel estrutural jogado pelo graphics na televisão e procuram compreender alguns de seus motivos, figuras e tropos, como a indução de velocidade, a sugestão de monumentalidade, o efeito de imersão, ou ainda a simulação de um mundo sem gravidade, cuidando de ver como tudo isso funciona na construção de prestígio e credibilidade, ou como estratégia comercial para vender produtos” (MACHADO, 2003, p.203).

Após um tempo, a TV Tupi importou alguns recursos para tornar o processo de exibição dos cartões-vinheta mais otimizado. O Gray Tellop ou GT foi um deles, sendo uma máquina que projetava imagens que eram dispostas em uma tira, e que iam mudando quadro a quadro, graças ao movimento de deslocamento do pente. Porém, o mecanismo continuava sendo manual e com a exibição de imagens paradas. Mais tarde, há a adoção dos “slides” como forma de “transmitir fotografias, letras, marcas e desenhos de melhor aspecto” durante as vinhetas (AZNAR, 1997, p.56). A primeira vinheta animada é finalmente produzida em 1979 por Tupã Gomes Corrêa, com a animação do logotipo do Ministério do Trabalho em uma campanha nacional de prevenção de acidentes de trabalho.

As vinhetas foram evoluindo aos poucos, do estático para o animado, e receberam um grande estímulo com a chegada do videotape na década de 60, conforme já foi indicado no subcapítulo anterior sobre videodedesign. Além do advento do videotape, o surgimento dos computadores pessoais, com pequenas dimensões e de fácil manuseio, como o Macintoch, e da computação gráfica deram o pontapé definitivo para que as vinhetas assumissem o formato dinâmico que possuem até os dias de hoje.

Como já é sabido, a Rede Globo foi a emissora que soube melhor aproveitar, a partir de 1975, o aporte das novas tecnologias para o desenvolvimento de vinhetas, criando um departamento exclusivo de computação gráfica, dirigido por Hans Donner, que atendia inclusive demandas externas.

Após o declínio da “Era Hans Donner”, com seus padrões visuais típicos já citados, que persistiram durante toda a década de 80, as inovações inerentes às vinhetas da MTV, que surgem no começo dos anos 90 no Brasil, propõem um novo formato visual para essas peças audiovisuais presentes na televisão brasileira, sendo fundadas na diversidade, na desconstrução e na descontração visual.

A MTV conseguiu quebrar o paradigma baseado na estética visual proposta pela Rede Globo. “(…) era comum vir associada à idéia de pobreza a tentativa de uma estética diferente.

A exibição de gráficos sem o uso de perspectiva, sem os movimentos para o eixo Z e sem os objetos com superfícies reflexivas era demonstração de falta de recursos ou confundida até com falta de criatividade ou habilidade” (MIZUGUTI, 2002, p.56).

5.3 As vinhetas da MTV: IDs, PIs, MPs, de abertura e SUPs

As vinhetas da MTV possuem algumas peculiaridades que nem sempre são encontradas em outros canais de TV, começando pelo uso de determinados termos para classificar as vinhetas que são exibidas pela emissora.

A MTV possui um departamento chamado Promo que se subdivide em Promo, usando o mesmo nome do departamento geral, e Gráficos. O Promo faz as chamadas dos programas, as vinhetas Promo-Imagem (PI), Marketing-Point (MP) e os SUPs, serviços de utilidade pública, como as campanhas de Aids e de conscientização política. Já o Gráficos desenvolve as vinhetas de abertura dos programas, os IDs e gráficos de apoio para a programação.

Vinheta ID

A maior parte das vinhetas IDs é de curta duração, variando entre 10 a 15 segundos. Geralmente têm como conteúdo principal o logotipo da emissora atrelado a alguma forma de animação ou a uma historieta criada pelos redatores.

O objetivo principal é identificar a emissora e fixar a marca da MTV na mente dos telespectadores.

As vinhetas ID são as que carregam o maior nível de experimentação visual, ao utilizar diferentes técnicas de animação e incluir o logo da MTV nas mais inusitadas situações. O logo pode ganhar formas apropriadas para se transformar no invasor de uma cidade, no melhor estilo King Kong, ou então aparecer na bandeira fincada por um astronauta na Lua. É também nessas vinhetas que aparecem as diversas mutações sofridas pela marca, no nível da aparência, e já expostas no segundo capítulo.

As vinhetas ID criadas no Brasil são majoritariamente baseadas em diversos tipos de experimentações com imagens abstratas ou figurativas, mesclando diferentes técnicas de animação e videodesign. O uso de pessoas durante as vinhetas não é muito comum. Na maioria das vezes os personagens são desenhados e não costumam falar frases de efeito, havendo apenas a trilha sonora e efeitos de som ao fundo. Talvez essa característica esteja relacionada à busca por reduzir o custo de produção das vinhetas, que se incluírem a participação de atores e a filmagem em locações, precisam de um orçamento bem maior para sua produção, ao contrário das que são desenvolvidas quase inteiramente via computador.

Há uma constante troca de vinhetas ID entre as diversas filiais da MTV.

“Isso gera um intercâmbio cultural, estético e uma grande curiosidade nos telespectadores receptores dessas vinhetas, pois cada lugar possui suas próprias características e formas distintas de criação” (PEDROSO in Pedroso & Martins, 2006, p.115).

Esse escambo acaba também sendo benéfico para os próprios videodesigners da MTV, que têm a oportunidade de se reciclar, através do conhecimento dos trabalhos desenvolvidos por profissionais de várias partes do mundo, incluindo Índia, Rússia e Argentina.

“Nós temos uma troca muito saudável de promos, de vinhetas. Nos comunicamos com os departamentos promo de todos os lugares do mundo. A gente faz reuniões anuais, a gente assiste, troca, elogia. Da mesma maneira acontece com a programação. A gente recebe de todo lugar do mundo e a gente manda os nossos. Tem programa nosso que serviu de exemplo para programas estrangeiros e viceversa”.

Vinhetas PI e MP

As vinhetas PI (Promo-Imagem), que aparecem quase como uma subcategoria da vinheta ID, também visam promover a imagem da MTV, mas de forma mais publicitária, ligada ao marketing, a uma campanha e ao self promotion, e geralmente estão associadas a algum tipo de piada ou a uma pequena história de cunho absurdo e inusitado.

A PI necessariamente associa a marca da MTV a algum tipo de conteúdo, enquanto a ID serve mais para fixar a identidade da emissora, através de um eye candy.

Essas pequenas narrativas com enredo nonsense podem ser feitas com desenho animado ou a participação de pessoas representando personagens, como será visto na análise. Além disso, essas vinhetas têm a tendência de serem mais longas, podendo chegar a 2 minutos ou mais, embora a duração de 30 segundos a um minuto seja a mais comum.

Porém, o tempo não é exatamente o parâmetro ideal para determinar se uma vinheta é Promo-Imagem ou não, segundo o exdesigner da MTV Carlos Bêla.

As PIs geralmente se relacionam a uma espécie de campanha publicitária desenvolvida para a MTV, com a criação de um pacote de vinhetas que possuem uma unidade visual entre si. Quando estão ligadas a um slogan que é repetido ao final de cada uma delas junto com o logo da emissora são chamadas de vinhetas MP (Marketing-Point). Uma dessas vinhetas, que tinha como slogan a frase “Better than anything” (Melhor do que qualquer coisa), mostrava duas amigas que não conseguiam se divertir em nenhum dos programas que faziam juntas, chegando à conclusão no final que o melhor seria ir para a casa assistir à MTV.

Vinheta de abertura

As vinhetas de abertura podem ou não contar com elementos simbólicos que estejam relacionados ao conteúdo do programa, embora seja mais comum haver no design da vinheta algum tipo de inspiração a partir dos estilos dos programas para os quais foram criadas. Se o programa é voltado para namoro, é bem provável que a vinheta seja um pouco mais romântica, e caso a vinheta seja destinada a um programa de esportes, a tendência é que seja mais veloz e dinâmica.

Os recursos utilizados para criar as vinhetas de abertura também são diversos e incluem “colagens, aquarelas, massinhas de modelagem, desenho de animação, sucatas, plantas, texturas, fragmentos de cenas” e também uma trilha sonora compatível com a atração (PEDROSO in Pedroso & Martins, 2006, p.114).

Segundo o gerente do Departamento de Promo da MTV, Rodrigo Pimenta, embora os outros tipos de vinheta possuam na maioria das vezes um roteiro escrito, no caso das vinhetas de abertura, geralmente é feito diretamente um storyboard, estando mais centrada na questão visual para sua realização.

Ainda que não seja corriqueiro, algumas vinhetas de abertura contam com a presença do VJ que apresenta a atração ao qual ela se refere. Há também muitos movimentos de câmera, imagens editadas de forma veloz e fragmentada, mudança constante de planos, e outros recursos comuns à linguagem visual adotada pela MTV já exposta no quarto capítulo e que lembram em muito seriados de ação, como Miami Vice, que também representa um símbolo da cultura pop assim como a MTV.

“Pans, tilts, zoom, travelling de aproximação e de afastamento, câmera ‘nervosa’ na mão e em steadycam, personagem em movimento, variação de luzes, efeitos de distorção de objetos e de personagens com teleobjetiva ou grande angular são elementos de apoio que auxiliam na criação daquilo que se convencionou chamar de padrão MTV Brasil de imagem” (TAVEIRA in Pedroso & Martins, 2006, p.53).

Vinheta SUP

A vinheta de Serviço de Utilidade Pública, a SUP, é uma das peças audiovisuais mais reconhecidas e comentadas até por quem não tem o costume de assistir à MTV. Essas vinhetas tratam de assuntos controversos como Aids, sexo, corrupção, política e drogas, mas de uma maneira bem descontraída, para conseguir se comunicar de forma eficiente com sua audiência.

A linguagem visual dos SUPs também continua sendo aquela proposta pela MTV no resto de sua programação, com muitos cortes rápidos, ângulos inusitados e imagens entrecortadas que transmitem rapidez e dinamismo.

Segundo Rodrigo Pimenta, as vinhetas SUPs são criadas seguindo um calendário interno anual designado pelo Departamento de Promo. Neste calendário são estabelecidas cerca de quatro ou cinco datas, nas quais o departamento irá desenvolver campanhas, sendo a mais fixa delas a destinada ao “Dia Mundial de Combate à Aids”, que acontece no dia primeiro de dezembro. Existem também as vinhetas SUPS “expressas”, que exibem os depoimentos de jovens, pessoas comuns, sobre determinados assuntos, e que podem ser gravados nas ruas de São Paulo ou em outra localidade. Rodrigo fornece o exemplo de vinhetas expressas feitas para o “Fórum Social Mundial”, em Porto Alegre, nas quais apareciam depoimentos colhidos entre os participantes do evento.

As vinhetas SUPs convencionais tanto podem tratar de assuntos já quase obrigatórios, citados anteriormente, ou então abordar algum tema em particular que esteja em voga naquele determinado momento e por isso suscite o interesse do jovem. “Sexo, drogas, cidadania e política sempre abordamos isso, pois é do nosso universo. E o segundo caminho são oportunidades, o que está acontecendo no momento. Dia sete de setembro estava rolando um ‘panelaço’, então vamos entrar nessa. A gente faz um ‘prominho’ para o ‘panelaço’. Teve também o do ‘mensalão’. Fizeram da guerra do Iraque, do ‘apagão’…”, afirma Rodrigo.

A mensagem contida em uma vinheta SUP busca sempre soar o menos autoritária possível, para tentar firmar um diálogo franco e cúmplice com o jovem.

“A expressão é ‘Se Liga’ em vez de ‘Não faça isso’” (CANEVACCI et al, in Pedroso & Martins, 2006, p.67). Mais uma vez a MTV assume o seu papel de “amiga”, tentando não adotar o excesso de didatismo e seriedade da maior parte das campanhas do Governo, que poderiam associá-la à figura de um “pai” opressor. Em nenhum momento a emissora pretende parecer doutrinária.

“Uma das maiores preocupações da marca MTV está em priorizar em suas ações a tal ‘responsabilidade/irresponsabilidade’, isto é, algo que tenha como principal característica falar de igual para igual com quem está ouvindo, e não de cima para baixo, de uma maneira impositiva, mas repleta de muito diálogo e nenhum monólogo do tipo ‘Ouça o que eu tenho para te dizer’” (MARTINS in Pedroso &Martins, 2006, p.85).

A linguagem usada pelas vinhetas SUPs geralmente procura ser bem direta, por mais que às vezes possa parecer até um pouco agressiva.

Uma das primeiras campanhas sobre Aids tinha a seguinte mensagem, sem uso de meias palavras: “se você não usar camisinha, você vai morrer” (Ibid., p.68). Outras são mais “leves”, apresentando pitadas de humor ou simulando um papo descontraído entre jovens ou entre personagens criados sobre o assunto que a vinheta deseja chamar a atenção. Ocasionalmente músicos são convocados para participar de certas vinhetas SUP, como aconteceu com uma que tinha o formato de uma mininovela chamada Hormônios da paixão. Nesta vinheta músicos como Felipe Dylon, Paula Lima, Negra Li e Kiko Zambianchi compunham uma família fictícia, tendo como foco principal discutir o preconceito, de forma muito bem humorada.

Em 2004, estreou na MTV uma das campanhas que mais repercutiu na imprensa e entre os jovens: a vinheta “Desligue a TV e vá ler um livro”. O que poucos sabem é que esta vinheta foi uma encomenda feita pelo próprio presidente da MTV Brasil ao Departamento de Promo/Gráficos. Com a entrada da vinheta no ar, aparecia uma tela preta, com a frase que deu nome à peça, escrita em letras brancas. Essa campanha tinha como objetivo incentivar a leitura entre os jovens.

Inicialmente a vinheta tinha 30 segundos, mas depois foi estendida para 15 minutos, o que é uma marca considerável na televisão. A peça contou com o apoio dos anunciantes da emissora, havendo algumas livrarias que chegaram a cogitar patrociná-la. Essa pretensão foi refutada, já que a vinheta acabaria não parecendo mais uma campanha, mas um mero anúncio. “Nas duas primeiras semanas da campanha, mais de 200 mil telespectadores desligaram a TV. Se foram realmente ler um livro eu não sei”, diz André Mantovani, diretor geral da MTV Brasil (Valor Econômico, 2005). Vale dizer também que a campanha agradou aos jovens, pais, editores de livros e ONGs ligadas à educação, que elogiaram bastante essa iniciativa da MTV.

Sem querer parecer impositiva, a MTV tenta exercer através dessas campanhas sua responsabilidade social, fornecendo informação e reflexão ao jovem sobre assuntos polêmicos que são ou deveriam ser alvo do seu interesse.

Porém, seguindo mais uma vez a lógica de sua existência, baseada no capitalismo, a MTV também pretende através dessas campanhas criar um vínculo ainda mais forte com sua audiência e fortalecer sua marca. Não há a pretensão da emissora parecer uma ONG, já que a ausência de fins lucrativos está longe de participar da estrutura de qualquer veículo midiático que seja.

“As campanhas de utilidade que a gente chama de pública, que são aquelas vinhetas de camisinha, de violência, de ‘vai ler um livro’, está mostrando que existe uma possibilidade aí. Agora, daí eu começar a fazer campanhas contra a fome ou arrecadar alimentos, essas coisas, acho que não é o nosso papel. A gente tem um papel de instigá-los, quem tem que se mexer são eles. Nós somos uma televisão, a gente não pode perder o foco, é uma indústria de entretenimento”

Andrew Goodwin defende que há duas MTVs: uma mais séria e outra mais descontraída. Haveria uma relação de interdependência entre elas, já que ao mesmo tempo em que a emissora é voltada para o puro entretenimento, o compromisso social acaba também sendo cobrado pelo próprio público, que não deseja também um canal de TV que pareça extremamente frívolo. Isso pode ser verificado inclusive na maior parte das emissoras, que sempre dedicam alguma parte de seu tempo à divulgação de algum tipo de causa social ou governamental.

A MTV não poderia ficar de fora desse padrão, mesmo que tente adaptar tais momentos de utilidade pública à sua linguagem. Quando a emissora faz uma vinheta SUP contra a corrupção ou a favor da conscientização política, acaba paradoxalmente parecendo ser “contra o sistema” do qual ela faz parte ativamente.

Dessa forma, a MTV conquista a simpatia de sua jovem audiência, afastando um pouco para longe de si seu caráter essencialmente comercial, como produtora de diferentes bens a serviço da indústria cultural.

“The two MTVs depend upon each other. A music television station that was simply frivolous, playful, pleasure centered, and so forth would quickly be dismissed as corporate froth – not just by critics, but by music fans who expect more than ‘entertainment’ from rock, pop, and rap culture. On the other hand, an environment that is too serious, worthy, and socially commited would be equally inappropriate for a rock culture that must also embody hedonism, self-expression, and so on. (…) It is a paradox, then, that in order to function as a successful service for the delivery of viewers to advertisers and record companies, MTV must promote countercultural and antiestablishment points of view” (GOODWIN, 1992, p.154).

5.4 As manifestações pós-modernas expressas nas vinhetas selecionadas

Com a identificação dos principais tipos de vinheta que compõem a grade da MTV, a análise das vinhetas selecionadas a partir da programação se torna mais clara, já que os diferentes fins e formatos dessas peças audiovisuais promovem também diferentes formas de expressão da cultura visual pós-moderna.

Além disso, constatei através das diversas fontes pesquisadas para esta dissertação que a linguagem visual expressa no videoclipe possui várias similaridades com aquela presente na vinheta, principalmente quando se trata das vinhetas da MTV. Essas características semelhantes, como a falta de narrativa e o privilégio do significante sobre o significado, geralmente são responsáveis pelas expressões pós-modernas que podem ser encontradas na vinheta.

A linguagem visual do videoclipe influenciou diversos âmbitos, incluindo o cinema e a televisão.

É natural, portanto, que as vinhetas da MTV também se inspirassem com intensidade nessas peças audiovisuais, até em função do formato da programação da emissora, que possui ainda um espaço razoável destinado à exibição de videoclipes. Porém, a maior parte dos autores observa as manifestações pós-modernas presentes no videoclipe, mas não fazem qualquer tipo de estudo específico sobre a expressão de tais manifestações na vinheta.

Portanto, em alguns casos, embora os autores que serão ainda citados na pesquisa estejam se referindo ao videoclipe, será possível perceber facilmente o quanto tais conceitos também podem ser aplicáveis à linguagem visual da vinheta. Tanto a vinheta quanto o videoclipe são produtos midiáticos da indústria cultural e conseguem traduzir graficamente esse vínculo, através de recursos e expressões visuais da mesma natureza.

É importante também dizer que as manifestações pós-modernas que serão analisadas nas vinhetas selecionadas são recorrentes em outras vinhetas da emissora, estando longe de serem exemplos únicos e isolados. As vinhetas escolhidas apenas auxiliam na identificação e ilustração de parte das expressões pós-modernas presentes na linguagem visual da MTV.

Serão analisados a seguir exemplos de vinhetas de duas categorias: vinhetas de abertura e vinhetas IDs, com alguns exemplos de vinhetas Promo-Imagem (PI) inseridas durante algumas análises. As vinhetas SUPS não serão estudadas neste subcapítulo para que a análise não se torne muito cansativa e repetitiva, e também porque não expressam tão bem as manifestações pós-modernas que serão expostas quanto as vinhetas de abertura, ID e PI exemplificadas.

5.4.1 Vinhetas de abertura

Vinhetas dos programas Top Top e Piores clipes do mundo

A primeira vinheta a ser analisada pertence ao programa Top Top, apresentado pelos VJs Marina Person e Léo Madeira, e que está atualmente no ar.

O programa apresenta toda a semana uma parada Top 10 com temas inusitados ligados ao mundo musical, como as melhores parcerias já realizadas entre dois músicos ou as maiores brigas já travadas entre duas bandas.

Outros temas que também já fizeram parte do Top Top foram os seguintes: os cantores mais cafonas, no qual Cher faturou o primeiro lugar; os músicos mais excêntricos, com destaque para o segundo lugar de Roberto Carlos e a hilária edição chamada de “cachorro morto”, no qual a parada se referia a bandas ou artistas solo que não fazem mais sucesso, mas continuam tentando garantir seu espaço na mídia a todo custo.

A vinheta do programa foi desenvolvida pelo videodesigner Carlos Bêla, que trabalhou na MTV durante cinco anos e atualmente está na Lobo Filmes.

Como pode ser percebido, a MTV também terceiriza a criação de vinhetas com produtoras de vídeo externas. Muitas vezes esse procedimento é feito através de profissionais que já trabalharam na emissora e que, portanto, conhecem bem o processo de produção das vinhetas da MTV, como é o caso de Bêla.

O tema principal dessa vinheta de abertura é um circo de pulgas, onde cada um dos insetos tem uma função que pode ser de equilibrista, de trapezista e de engolidor de espadas. Existe a vinheta principal que abre e fecha o programa, com um mix de todas as ações executadas pelas pulgas e há também os bumpers numéricos de 1 a 10, que são exibidos durante o programa, cada vez que é anunciada uma posição no Top 10. Nestes bumpers aparece apenas uma das atividades exercidas pelos insetos. Para entender melhor, os bumpers são vinhetas menores, que apresentam uma síntese dos elementos presentes na abertura principal de um programa.

Existem dois tipos de bumper: o bumper in que é o começo do bloco do programa e o bumper out que é a saída para o break comercial. Mas o termo acaba também sendo utilizado em outras ocasiões, como acontece no Top Top, devido à reduzida dimensão desse tipo de vinheta.

Uma das características mais presentes nesta vinheta é o resgate de elementos do passado, com referências aos antigos circos que peregrinavam entre as cidades no começo do século XX. Quando assistimos à vinheta é como se fizéssemos uma viagem no tempo, embalados pelo típico tema circense da trilha sonora utilizada nessa época. As imagens receberam um tratamento de “envelhecimento” e vários grafismos utilizados remetem ao circo tradicional, como o uso de estrelas e listras. As atividades circences escolhidas para as pulgas executarem também são aquelas mais antigas, como a do mágico, a do equilibrista e a do homem-bala, que diferem bastante das rebuscadas performances apresentadas por grandes circos da contemporaneidade, como o Cirque du Soleil.

O clima de nostalgia é presente em toda a peça, fabricando sensações ilusórias de que aquela suposta “boa época” dos circos, produzida em cima de imagens estereotipadas, não volta mais.

“Essa abordagem (…) do pastiche do passado estereotípico, empresta à realidade presente, e à abertura da história presente, o encanto e a distância de uma miragem reluzente. Entretanto essa mesma modalidade estética hipnótica emerge como a elaboração de um sintoma do esmaecimento de nossa historicidade, da possibilidade vivenciada de experimentar a história ativamente” (JAMESON, 2002, p.48).

Embora a continuidade histórica tenha sido aniquilada pela negação da idéia de progresso, a tentativa de resgatar as “raízes” do passado é paradoxalmente algo muito presente na atualidade e de uma forma ou de outra acaba proporcionando a geração de mais mercadorias para a indústria cultural. A vinheta não deixa de ser um produto a serviço de tal indústria, conforme já foi mencionado anteriormente. “A busca de raízes termina, na pior das hipóteses, sendo produzida e vendida como imagem, como um simulacro ou pastiche (comunidades de imitação construídas para evocar imagens de algum passado agradável)” (HARVEY, 1989, p.273).

O próprio circo de pulgas produzido para a vinheta, através de recursos de animação, não corresponde à realidade de um verdadeiro circo desse tipo, não sendo uma representação, mas uma simulação. “É para esses objetos que devemos reservar a concepção de Platão do ‘simulacro’, a cópia idêntica de algo cujo original jamais existiu” (JAMESON, 2002, p.45). Os circos de pulgas “reais” foram muito populares nas primeiras décadas do século XX, existindo até hoje amestradores no interior do país. As pulgas executavam atividades bem menos “perigosas” e viáveis do que as mostradas na vinheta, como dançar e empurrar um carrinho, de acordo com os comandos de seu amestrador.

O circo de pulgas também não guarda nenhuma relação direta com o tema do programa, havendo apenas uma associação remota entre os “dez incríveis números de circo” realizados pelas pulgas e as “dez performances” exibidas durante o programa, de acordo com o tema da edição, conforme argumenta Rodrigo Pimenta. Aliás, o próprio gerente do departamento de Promo da MTV achou a princípio absurda a idéia proposta por Carlos Bêla, mas resolveu deixá-lo desenvolver o projeto para ver o resultado final, que acabou suprindo as expectativas do gerente.

A partir desse fato, pode-se perceber também o caráter nonsense presente na vinheta e também muito recorrente em outras vinhetas da MTV. Como um típico produto da cultura pós-moderna, a vinheta não pretende realmente produzir algum tipo de sentido específico ou ser auto-explicativa. Com o fim das grandes narrativas, a superficialidade e a pura ironia, sem maiores intenções, ganharam espaço nos mais diferentes âmbitos.

“Talvez haja um consenso quanto a dizer que o artefato pós-moderno típico é travesso, auto-ironizador e até esquizóide; e que ele reage à austera autonomia do alto modernismo ao abraçar imprudentemente a linguagem do comércio e da mercadoria. Sua relação com a tradição cultural é de pastiche irreverente, e sua falta de profundidade intencional solapa todas as solenidades metafísicas, por vezes através de uma brutal estética da sordidez e do choque” (EAGLETON, 1987 apud HARVEY, 1989, p.19).

Outra vinheta que representa bem essas considerações de Eagleton é a que já fez parte do extinto programa Os piores clipes do mundo, apresentado pelo VJ Marcos Mion. O programa se baseava na ridicularização de clipes selecionados por Mion a cada edição. O apresentador imitava os trejeitos que os astros musicais fazem nos clipes e apontava erros de gravação ou então situações que ele julgava “absurdas” de aparecerem em um videoclipe. É bom lembrar que a matéria-prima principal da MTV continua sendo o videoclipe, então a partir do momento que ela promove o escracho dos clipes que exibe, está se incluindo no pacote por tabela também.

Seguindo o clima do programa, a “auto-ironia”, a ridicularização e o nonsense também são os pontos-chave desta vinheta. Um senhor de bengala ensina ao telespectador, de modo totalmente irônico, a como criar um videoclipe. “Bom dia, você sabe como fazer um videoclipe? É muito simples. Escolha um personagem, posicione-o em algum local. Adicione belas transições. Coloque algo bonito na imagem. Não esqueça os efeitos especiais. Excelente”. Conforme o senhor vai dizendo essas frases, vão aparecendo atrás dele imagens correspondentes e ele mesmo recebe efeitos especiais. Quando ele fala, por exemplo, sobre as transições e os efeitos especiais, aparecem vários deles no chroma-key, mas todos em estilo exagerado e kitsch. Dessa forma, o senhor na verdade expressa tudo aquilo que não deve constar em um videoclipe, por ser de mau gosto, o que remete diretamente ao título do programa. Mas o discurso irônico dissimula um pouco essa intenção.

Segundo Alan Wilde, a ironia pós-moderna poderia ser chamada de “suspensiva”, tendo como característica principal o aumento da consciência de incoerência que começou no modernismo, “chegando ao ponto em que esta parece não mais poder ser controlada e contida mesmo nas estruturas ordenadoras do estético; ao lado disso há um declínio da necessidade de ordem, reduzindo-se, em conseqüência, a intensidade organizacional” (CONNOR, 2000, p.97). Assim como a pastiche, a ironia pós-moderna não tem nenhuma intenção de fazer alguma crítica séria ao assunto ao qual ela se dirige. Com a ironia, o indivíduo que vivencia o pós-moderno lança um olhar cínico sobre determinada situação, sem qualquer pretensão de modificá-la. De acordo com Wilde, “uma indecisão quanto aos significados ou relação das coisas é compensada por uma propensão a viver na incerteza, a tolerar e, em alguns casos, a dar boas-vindas a um mundo visto como aleatório e múltiplo, e até, por vezes, absurdo. (…) Um mundo que precisa de conserto é substituído por um mundo além do reparo” (WILDE, 1981 apud CONNOR, 2000, p.97).

Vinhetas dos programas Gordo a go-go e Daniella no país da MTV

O programa Gordo a go-go, apresentado pelo VJ João Gordo, já foi apresentado no capítulo quatro, e por isso a análise da vinheta de abertura dessa atração será realizada de forma direta, sem uma prévia descrição do programa. Na verdade, o programa já contou com algumas vinhetas de abertura, mas será dada atenção especial a apenas uma delas.

A vinheta lembra em muito a linguagem fragmentada e veloz que costuma estar presente nas vinhetas IDs da emissora. Muitos elementos que são mostrados durante a vinheta, simplesmente não podem ser captados pela visão, a não ser que se use o recurso de câmera lenta, para conseguir apreender todos os detalhes. A mudança de planos e quadros é frenética e as informações gráficas que compõem a vinheta são as mais disparates possível, incluindo ovelhas, uma mosca, dois homens fazendo um duelo de armas e dicas para emagrecer. Todos os objetos que aparecem são desenhados e animados. Há o uso de várias interferências visuais, ruídos, sujeiras e imagens fragmentadas.

Talvez, com muita boa vontade, possamos fazer a associação de alguns desses elementos com aspectos inerentes ao programa. A vinheta começa com a imagem de uma mosca e um zumbido estridente. Em seguida, imagens de pessoas incomodadas com o som do inseto aparecem na tela. Como já vimos, João Gordo é considerado uma pessoa impetuosa e verborrágica, e talvez a mosca represente o próprio João, havendo uma alusão à frase “eu sou a mosca que pousou em sua sopa”, que se refere a indivíduos que incomodam os outros em função de suas atitudes. Na mesma linha, aparece também o desenho de uma ovelha que se transforma em um lobo e que em seguida solta um monte de “abrobrinhas” pela boca. Esta cena poderia ser uma referência ao ditado “lobo em pele de cordeiro”.

Ao longo da vinheta, ainda aparecem frases em inglês que aconselham as pessoas a emagrecerem, esculpirem seus corpos, como se fossem anúncios. Mais uma vez poderia ser feita uma associação com a figura de João Gordo, por motivos óbvios.

Segundo Rodrigo Pimenta, nenhuma das vinhetas é feita de modo aleatório, a não ser que a própria aleatoriedade seja o conceito da vinheta.

“Vou fazer uma vinheta totalmente aleatória: entro nos computadores dos caras (designers que trabalham no Promo) e acho uma imagem que começa com a letra P e monto uma vinheta com as 12 imagens. Mas não tem nada que seja gratuito, as coisas não aparecem sozinhas na tela do computador”, ressalta Rodrigo.

Porém, todas as minhas afirmações sobre a vinheta do Gordo a go-go não passam de suposições. Em função do grau de rapidez com que passam todos os itens na tela, é bem capaz que nenhuma dessas idéias seja apreendida pelo público, até por nem ser a intenção da própria MTV, que como participante ativa da indústria cultural, possui outras pretensões que não esbarram necessariamente na produção de significados.

No caso das vinhetas de abertura, há sempre uma tentativa de fazer referência ao programa ao quais estão associadas, por mais que tal associação só acabe sendo percebida pelo próprio videodesigner e seus colegas de trabalho. Na verdade, a falta de sentido na vinheta está diretamente relacionada à ausência de narrativa na maior parte dessas peças gráficas, sendo análoga aos videoclipes da atualidade. Mais uma vez o fim das metanarrativas exerce sua influência, podendo ser representada pela fragmentação do discurso e da imagem nessas peças audiovisuais.

“O clipe é, muitas vezes, exatamente isso: um rio que corre sem leito, ou seja, um emaranhado de correntezas, por vezes, em direções contrárias, sem uma idéia central que justifique a existência de seus mais diversos elementos ou sequer, de onde eles possam partir; ao contrário, a sensação é de que os elementos pipocam aqui e ali” (CARVALHO, 2002, p.10).

Cada um dos elementos que vão aparecendo na tela possui seu próprio discurso, mas sem haver necessariamente a criação de um fio condutor de sentido que conecte todos eles. Mesmo que se refiram a aspectos do programa, o fazem de maneira independente um do outro e de formas diferentes. Em geral, não existe uma narrativa com começo, meio e fim, organizada de modo lógico. Poderíamos dizer que há muitos “começos, meios e fins” durante a exibição de uma vinheta como esta.

“O vídeo não nos oferece uma hierarquia de conotações, escreve Jameson, por meio da qual pudéssemos ser capazes de dizer como uma parte ou seqüência ‘interpreta’ ou traduz metaforicamente qualquer outra, razão por que o vídeo sempre fugirá a toda tentativa de compreensão ou de decifração, no dilúvio de seus ‘começos e emergências temáticas, combinações e desenvolvimentos, resistências e lutas pelo domínio, resoluções parciais, formas de fechamento que levam a um ou outro corte pleno’” (CONNOR, 2000, p.135).

É interessante também observar na vinheta do Gordo a go-go, o nível de repetição, em várias seqüências, de uma mesma imagem, lado a lado. Este fato nos remete à reprodutibilidade técnica da imagem que é própria do universo pósmoderno, seja na arte ou na mídia, estando em ambos os casos relacionada à mesma indústria cultural que estimulou o surgimento da cultura de massa. A reprodução de imagens em série, de forma cada vez mais apurada, origina vários simulacros, segundo a definição proposta por Harvey. “Por ‘simulacro’ designa-se um estado de réplica tão próxima da perfeição que a diferença entre o original e a cópia é quase impossível de ser percebida. Com as técnicas modernas, a produção de imagens como simulacros é relativamente fácil” (HARVEY, 1989, p.261).

Esse alto grau de repetição de uma mesma imagem também é muito presente na vinheta de abertura do extinto programa Daniella no país da MTV.

A atração tinha como temática mostrar os bastidores da produção de diversos programas da MTV, com visitas supostamente “surpresa” da apresentadora. Além disso, eram entrevistados durante a atração VJs, produtores, diretores e outros profissionais da emissora.

Baseado no conto de fadas Alice no país das maravilhas, no qual também se inspirou o nome do programa, a vinheta possui Daniella assumindo o papel da personagem Alice e passeando em um mundo encantado desenvolvido digitalmente. Neste universo aparecem imagens repetidas seqüencialmente de alguns VJs da MTV, de flamingos e também de coelhos, transformando a vinheta em uma grande “salada visual”.

Essa técnica de reprodutibilidade presente nas duas vinhetas citadas também pode ser associada às obras da pop art de artistas como Andy Warhol, que transferia diretamente para a tela imagens fotográficas por meio de estênceis. Através deste recurso, as figuras míticas de Mao Tsé Tung, de Marylin Monroe e de outras celebridades, absorvidas pela cultura de massa, eram reproduzidas em série por Warhol em uma mesma tela ou em telas distintas, havendo apenas mudança na cor de preenchimento das imagens.

“(…) a obra de Warhol faz-nos readquirir consciência de objetos que perderam seu reconhecimento visual através da exposição constante. Olhamos como se fosse a primeira vez para coisas que nos são familiares, mas que foram separadas de seus contextos correntes, e refletimos sobre os significados da existência contemporânea” (STANGOS, 2000, p.162).

Várias vinhetas têm inspiração na cultura pop, que promove mudanças significativas de atitude em relação aos objetos, transformando-os em peças seriadas, desprovidas de personalização. Um mesmo objeto é desenvolvido de forma idêntica em quantidades expressivas, sendo difícil distinguir um artefato do outro.

O artista pop também expressa essa nova realidade através da repetição dos objetos escolhidos para fazer parte da composição de um quadro. “O que freqüentemente parece interessar ao pintor pop é o fato de que o objeto está despersonalizado, torna-se um tipo, mais do que um indivíduo – o artifício da imagem idêntica e monotonamente repetida com que nos deparamos tantas vezes na arte pop é uma prova disso” (Ibid., p.167).

A maior parte das ilustrações utilizadas durante a vinheta do Gordo a gogo também faz referências ao passado, incluindo a tipografia utilizada, porém, ao contrário da vinheta do Top Top, as imagens não parecem ter sido produzidas especialmente para a vinheta, mas apenas reproduzidas a partir de diferentes fontes, que podem ser jornais e revistas do começo do século XX. Assim como os rótulos da Sopa Campbell foram descontextualizados e reproduzidos em diversas obras de Warhol, o mesmo acontece com as imagens que aparecem na vinheta, que passaram pelo mesmo processo de “recontextualização”, perdendo seus significados originais. Essa característica também é encontrada nos ready-mades do dadaísmo, embora com propósito diferente, tendo como exemplo maior o urinol inscrito por Marcel Duchamp na Exposição dos Independentes em Nova York, e que foi chamado por ele de Fonte. Para Duchamp, “não existe diferença fundamental entre o objeto feito pelo homem e o objeto feito pela máquina, e a única intervenção pessoal possível numa obra é a escolha” (Ibid., p.87).

As frases de ordem e em letras “garrafais”, já citadas, que aparecem durante a vinheta do Gordo a go-go como “Men! Don´t stay fat” e “You can loose up to” também podem ser comparadas com as obras de outro artista pop: Robert Indiana.

Suas telas possuem “insígnias gigantescas e ameaçadoras, de ordens que nos intimam, como ‘EAT’ [‘Coma’] ou ‘Die’ [‘Morra’]” (STANGOS, 2000, p.163).

Vinheta do programa Non Stop

O programa Non Stop, apresentado pela ex-VJ Cuca Lazarotto, foi um dos primeiros exibidos pela MTV Brasil. Assim como está expresso em seu nome, o programa era baseado na exibição de clipes em seqüência, de diferentes gêneros musicais, com pequenas aparições de Cuca entre um bloco e outro.

A vinheta do programa parece refletir em parte a mistura dos diferentes clipes que apareciam e eram colocados lado a lado, sendo não só de estilos musicais diferentes, mas também de épocas distintas, sem que ficasse muito claro esse aspecto. Os elementos expressos na vinheta também fazem alusão a diferentes épocas, através do uso de diversos tipos de grafismo. O que há de comum entre as figuras que aparecem é o gosto pela dança, que a vinheta parece desejar expressar que sempre fez parte da condição humana.

Logo no início da vinheta há uma ilustração animada remetendo às antigas pinturas pré-históricas nas cavernas, com a figura de um homem “pré-histórico” dançando. Aparece em seguida a representação de uma fita-cassete desenhada de modo similar à ilustração mostrada na cena anterior. A figura de um homem dançando com um paletó surge na tela, lembrando os ritmos dos anos 50. Após isso, despontam os desenhos representativos de um homem e uma mulher, com formas que lembram a figura do homem pré-histórico do começo da vinheta.

Ambos também carregam nas mãos instrumentos, uma foice e um martelo, que podem denotar que eles são trabalhadores, mas também pode se relacionar ao símbolo comunista. A mulher traja roupas rasgadas, que parecem pré-históricas, porém o homem veste um terno. No final aparece o desenho animado de dois robôs dançando.

Com isso, podemos perceber a mistura de diferentes referências históricas em um mesmo caldeirão, transformando a vinheta numa legítima representação do pastiche do mundo pós-moderno. Cabe ressaltar que não há nem mesmo uma ordem cronológica na aparição das figuras na vinheta. As referências históricas aparecem de modo misturado em uma mesma figura ou então em estilo “vai-evem”, desordenadas. O contexto do passado é transformado em textos que são transpostos para o presente e dispostos na vinheta de acordo com critérios estabelecidos pelo videodesigner. “Em fiel conformidade com a teoria lingüística pós-estruturalista, o passado como ‘referente’ é gradualmente colocado entre parênteses e depois desaparece de vez, deixando apenas textos nas nossas mãos” (JAMESON, 2002, p.46).

5.4.2 Vinhetas IDs e Promo-Imagem

As vinhetas IDs e Promo-Imagem selecionadas serão analisadas de modo seqüencial, pois não se relacionam a nenhum programa específico que necessite de uma explicação prévia. A primeira escolhida foi exibida nos intervalos comerciais durante o ano de 2005, sendo baseada em desenhos animados de linhas simples. Uma menina aparece flutuando, com trajes que lembram o figurino de uma peça de Shakespeare, em um lugar descampado que possui um fone de ouvido pendurado por um fio. Quando a menina coloca o fone em seus ouvidos, na sua cabeça começam a crescer flores, até que ela desaparece e se transforma por inteiro em um jardim, apenas restando no chão o fone que produziu tal mutação. A trilha sonora é bem suave e lembra a peça musical de um balé.

Como pode ser observado, esta vinheta associa a imagem da MTV a uma paisagem extremamente onírica. De modo quase poético, na vinheta a música representa uma forma de ascensão, transformando a menina que entra em contato com a música em um belo jardim, que não pára de florescer. Mas isso também é apenas uma suposição, já que as imagens presentes na vinheta mais parecem pertencer a um sonho, a um delírio. Dessa forma, a vinheta se remete a conceitos propostos pelo surrealismo, guardando semelhanças com telas produzidas por artistas como Magritte ou Dalí. O telespectador fica com a sensação de que conforme as idéias brotavam na mente do designer, iam sendo transpostas para o vídeo, por mais que pudessem parecer desconexas ou sem um sentido lógico.

O surrealismo é considerado um “ato de criação espontânea”, tendo relação direta com o automatismo descrito por André Breton em seu “Manifesto surrealista”, que estabelecia as principais características do movimento. Através do automatismo, o artista deve deixar fluir as idéias e transpô-las de forma “automática” para o papel, não tentando realizar pré-julgamentos ou definir critérios.

“Os surrealistas sempre sublinharam que o automatismo revelaria a verdadeira natureza individual de quem quer que o praticasse, de um modo muitíssimo mais completo do que qualquer de suas criações conscientes. Pois o automatismo era o meio mais perfeito para alcançar e desvendar o inconsciente” (STANGOS, 2000, p.91).

Para os surrealistas, os sonhos seriam terrenos férteis para a produção de obras baseadas no automatismo, estando livres dos grilhões da mente consciente que poderia limitar a criatividade. “O que os surrealistas viam nos sonhos era a imaginação em seu estado primitivo e uma expressão pura do ‘maravilhoso’” (Ibid., p.92). Segundo Breton, o automatismo conduziria o artista à profundidade “insondável” da mente, proposta por Freud, onde prevaleceria “a total ausência de contradição, uma nova mobilidade dos bloqueios emocionais causados pela repressão, uma intemporalidade e uma substituição da realidade externa pela realidade psíquica, tudo sujeito exclusivamente ao princípio do prazer” (BRETON, 1941 apud STANGOS, 2000, p.94).

É importante dizer que o design pós-moderno de uma maneira geral busca inspiração em alguns movimentos artísticos modernos, como o dadaísmo, o surrealismo e a pop art, que já foram citados, e também em outros como o cubismo. Portanto, tais referências a estes movimentos não são exclusividade da linguagem visual produzida para a MTV, mas se manifestam em outras ocasiões onde o design pós-moderno está presente. Mais uma vez o pós-moderno, através do resgate do passado, consegue se renovar e ampliar sua gama de opções. Além disso, tais movimentos artísticos, principalmente o dadaísmo e o surrealismo, já possuíam na sua espinha dorsal alguns dos conceitos que mais tarde seriam atrelados ao pós-modernismo, como a fragmentação de idéias, a multiplicidade, o nonsense e a quebra de valores. O surrealismo é considerado, por autores como Clevent Greenberg – teórico do modernismo na pintura -, como um movimento tangencial, “externo à grande narrativa do modernismo”. Sendo assim, o pósmodernismo abriria espaço para o resgate, para a inclusão do surrealismo (DANTO, 1997, p.9).

Outra vinheta ID interessante é a que possui dois homens de terno e gravata, imitando os sons e os movimentos de uma galinha. O cenário onde os homens se encontram também carrega elementos disparates que lembram um quadro surrealista, havendo ao fundo um céu azul com nuvens, um chão artificial misturado a uma superfície de terra, um trator e dois cavaletes. O nonsense de dois homens imitando uma ave acaba sendo supostamente censurado no final com a entrada do logo da MTV, quando parece que os dois indivíduos vão inesperadamente iniciar um ato sexual. Esta vinheta possui diversos significantes que não necessariamente se ligam a significados, representando uma das principais características da vinheta ID, que não deixa de ser também inerente a um vídeo experimental.

“(…) o texto pós-modernista (…) é, por essa perspectiva, definido como um fluxo de estruturas ou de signos que resiste ao significado, cuja lógica interna fundamental está na exclusão da emergência de temas propriamente ditos, e que, portanto, sistematicamente se propõe a frustrar tentações interpretativas tradicionais” (JAMESON, 2002, p.113).

As tentativas de interpretação das vinhetas da MTV geralmente fogem do controle, já que os inúmeros significantes presentes nestas peças gráficas escapam de qualquer tipo de entendimento limitado ou condicionado. É como se os inúmeros significantes imagéticos das vinhetas “corressem” de seus significados de modo contínuo. Por mais que as vinhetas não sejam aleatórias, não existe uma intenção real em torná-las repletas de sentido para o telespectador. Os múltiplos discursos surgidos a partir do fim das metanarrativas e da compressão do tempoespaço, onde tudo é muito veloz e efêmero, estão espelhados na linguagem visual das vinhetas adotada pelos videodesigners da MTV.

Qualquer coisa, qualquer situação, qualquer sonho pode servir como ponto de partida para a criação de uma vinheta. As idéias mais “absurdas” podem se tornar uma vinheta, como se estas idéias estivessem baseadas no automatismo surrealista. As associações realizadas pelo videodesigner entre os elementos presentes em uma vinheta podem fazer sentido para ele, de um modo muito pessoal, mas podem não significar realmente nada para a maioria dos telespectadores. Afinal de contas, devaneios e sonhos, na maioria dos casos, só tem significado para quem os imagina e não para os demais. A liberdade de criação das vinhetas ID da MTV acaba sendo suportada diretamente pela emergência dessa nova ordem cultural, que não vê mais o supérfluo, o fútil e o superficial como algo que deva ser sumariamente descartado, mas pelo contrário, deve ser incentivado. Como já foi analisado, a indústria cultural possui interesses sólidos para sustentar essa nova forma de pensar, que acaba gerando uma série de mercadorias renováveis. A vinheta sem sentido aparente reflete o mundo sem sentido, o vazio atual. Seguindo esse pensamento, poderia se dizer até que o niilismo nunca ganhou tantos simpatizantes.

“As mensagens não são totalmente vazias, o experimental pelo experimental e também não são malignamente cheias de significados embutidos, escondidos. São coisas que estão no universo pop. Vai num show: ‘nossa, essas blusas são muito legais…’; vai numa boate: ‘nossa, essa iluminação é incrível’, dá pra fazer uma vinheta com isso, porque visualmente ela é interessante. Essa vinheta de luzes de boate tem a ver com música, tem a ver com luz, que remete aos raios da televisão. Não são aleatórias e nem impregnadas de sentido. Acho que são experimentações estético-visuais, mas que de certa maneira tem algum pano de fundo, onde isso brota, nem que seja um interesse pessoal. Gosto muito de lápis-cotoquinho, então vou fazer vários desenhos com lápis-cotoquinho”.

A vinheta acaba traduzindo a realidade atual, pois é incentivado também o uso de elementos que fazem parte do dia-a-dia das pessoas, principalmente dos jovens. Seja inspirada numa boate, numa pista de skate ou nas pichações nas ruas, a vinheta acaba impregnada com os diferentes significantes que estão espalhados pelo mundo pós-moderno.

Existem duas antigas e famosas vinhetas Promo-Imagem da MTV, onde o caráter nonsense é extremamente presente: a da Vacaláctica e a do Garoto- Enxaqueca. Tanto o Garoto-Enxaqueca quanto a Vacaláctica se enquadram em campanhas conduzidas pela MTV, havendo um pacote de vinhetas para cada uma delas. O Garoto-Enxaqueca é um cartoon de um menino muito aborrecido, que reclama de tudo e que realiza ações absurdas, como explodir a cabeça de sua “amiguinha”. Já a Vacalática também se baseia em uma história literalmente sem “pé nem cabeça”, onde uma vaca intergaláctica faz visitas à Terra periodicamente.

Na vinheta abaixo a menina diz que está tomando sorvete no deserto como forma de chamar a Vacaláctica. Quando a tal vaca chega, o menino pergunta porque a cabeça dela está invertida. Em seguida, o cenário fica todo de cabeça para baixo e as cabeças dos personagens caem.

Recentemente uma outra vinheta PI que foi veiculada na MTV e também nos cinemas mostrava mais uma vez o escracho e o ridículo que tanto a emissora gosta de adotar como conceitos para a produção de sua linguagem visual. O cenário da vinheta é uma churrascaria, com uma televisão que começa a exibir um clipe da cantora Britney Spears. De repente, para surpresa de seu companheiro de trabalho, um atendente começa a dançar ao ritmo da música do clipe, fazendo engraçados e desajeitados movimentos, como se quisesse imitar a coreografia da cantora. Além do local e da situação insólita para se executar passos de dança, a aparência do atendente não parecer condizer com tal gosto musical, tornando ainda mais absurda a vinheta.

Duas outras vinhetas IDs podem ser descritas rapidamente, pois seguem os mesmos princípios de experimentação e uso de diversos significantes, que na maioria das vezes não parecem possuir qualquer tipo de associação entre si ou possuir algum tipo de significado que deva ser desvendado pelo telespectador.

Uma das vinhetas, que parece ter sido produzida com desenhos animados feitos com carvão, tem como primeira imagem o rosto de uma mulher, em seguida aparece a chama de uma vela, depois as patas de um cavalo em movimento, a fachada de uma casa, um relógio de parede e uma xícara sendo enchida. A mulher se vira para uma das janelas e o cavalo salta para dentro da casa, estilhaçando o vidro da janela e em seguida se transforma no logo da MTV, que sai galopando.

Uma outra vinheta mostra uma cabeça disforme se transformando em outros tipos de cabeça, uma dentro da outra, se revezando, até virar o logo da MTV.

Há uma outra antiga vinheta ID onde aparece o logo da emissora adaptado a diferentes momentos artísticos da história da humanidade. Algumas vezes esses momentos também aparecem misturados.

A vinheta começa com o logo da MTV “vestido” como um deus egípcio em cima de uma coluna grega. Em seguida o logo se mistura a uma pintura de Michelangelo, para depois se transformar em um quadro de Van Gogh.

Após isso, o símbolo da MTV se transmuta, seqüencialmente, em duas pinturas abstratas, para depois ilustrar a capa de uma lata, que lembra a Sopa Campbell presente na pop art, pelas mãos de Andy Warhol.

Por último, o logo assume uma forma metalizada, meio futurista. Mais uma vez as referências ao passado se fazem presentes na linguagem visual adotada pela MTV. É impressionante como a linguagem gráfica associada à emissora se abastece constantemente de elementos referentes a diferentes períodos e realiza colagens com esses objetos, que se transformam em grandes pastiches.

“Postmodern art is characterized by pastiche and collage. Art in a post-modern world does not belong to a unitary frame of reference, nor a project or a Utopia. The plurarity of perspectives leads to a fragmentation of experience, the collage becoming a key artistic technique of our time. Styles from different periods and cultures are put together; in postmodern art high-tech may exist side by side with antique columns and romantic ornamentation, the effects being shocking and fascinating” (KVALE apud CARVALHO, 2002, p.39).

Essa mistura indiscriminada entre significantes de diferentes épocas, se relaciona diretamente com a afirmativa que Jameson faz sobre a ascensão da lógica espacial em detrimento da temporal, onde o indivíduo não consegue “mais organizar seu passado e seu futuro como uma experiência coerente”. A produção cultural pós-moderna estaria baseada em uma lógica “esquizofrênica”, que poderia ser traduzida como “um amontoado de fragmentos e em uma prática da heterogeneidade a esmo do fragmentário, do aleatório” (JAMESON, 2002, p.52).

Assim como acontece com um esquizofrênico, que rompe a cadeia de significação, “reduzindo sua experiência a uma série de puros presentes, não relacionados no tempo”, a vinheta da MTV também basearia parte de sua produção no jogo aleatório dos significantes inerente ao mundo pós-moderno (Ibid., p.53).

“(…) a reificação penetra o próprio signo e separa o significante do significado. Agora a referência e a realidade desaparecem de vez, e o próprio conteúdo – o significado – é problematizado. Resta-nos o puro jogo aleatório dos significantes que nós chamamos de pós-modernismo, que não mais produz obras monumentais como as do modernismo, mas embaralha sem cessar os fragmentos de textos preexistentes, os blocos de armar da cultura e da produção social, em uma nova bricolagem potencializada: metalivros que canibalizam outros livros, metatextos que fazem colagem de pedaços de outros textos – tal é a lógica do pósmodernismo em geral, que encontra uma de suas formas mais fortes, mais originais e autênticas na nova arte do vídeo experimental” (Jameson, 2002, p.118).

Uma outra vinheta ID da MTV também se baseia nessa bricolagem pósmoderna, possuindo diversos elementos que não parecem oferecer significados, além da pura experimentação estética, indicada anteriormente por Rodrigo Pimenta. Neste vídeo aparecem diferentes recortes colados uns aos outros, havendo várias justaposições de imagens, palavras soltas, grafismos, figuradas mal reveladas e outros ruídos visuais.

Apenas a imagem estilizada de um homem como se tivesse sido radiografado e o logo da MTV se repetem de diferentes maneiras.

História da MTV
Vinheta ID

Esta vinheta lembra a arte cubista, que tentava mostrar em uma única tela as diferentes perspectivas de uma mesma figura ou situação, desejando assim “transmitir a multiplicidade de informações em cada objeto pintado” (STANGOS, 2000, p.43). O cubismo seria dessa forma uma representação artística da compressão do tempo-espaço. Segundo o pintor cubista Fernand Léger, a vida estava fragmentada e se movendo muito rápido, sendo necessária a criação de uma arte mais dinâmica para conseguir descrevê-la de modo apropriado (HARVEY, 1989, p.246). A vinheta indicada acima também parece ser uma metáfora da realidade atual com uma mesma figura representada sob diferentes ângulos, e informações imagéticas diversas disparadas em alta velocidade, que na sua maioria não são captadas pelo olho humano. Segundo Jameson, “não temos ainda o equipamento perceptivo necessário para enfrentar esse novo hiperespaço, (…) e isso se deve, em parte, ao fato de que nossos hábitos perceptivos foram formados naquele tipo de espaço mais antigo a que (chamo) espaço do alto modernismo” (JAMESON, 2002, p.65).

É como se vivêssemos imersos em um site da rede virtual de computadores, repleto de hipertextos que nos levam para diferentes caminhos, que não necessariamente se relacionam entre si. Embora seja uma questão de tempo, as informações simultâneas ou links presentes no vídeo, ainda não oferecem momentos de interação ou escolha como ocorre em um site. Todos os links se abrem simultaneamente, havendo a apreensão de apenas alguns deles pelo nosso campo visual.

Para a comemoração dos 15 anos da MTV, em 2005, foi criada uma campanha de vinhetas PI. As peças foram produzidas por três ilustradores, com linguagens visuais diferentes. “Um cara era mais para grafite e estêncil, outro era mais para tags, caneta preta. O outro era um ilustrador que tem mais a ver com linguagem de skate, e meio anos 70”, afirma Rodrigo Pimenta38. Foram realizadas em um quadro diversas colagens, com imagens urbanas, que serviram como pano de fundo para a vinheta. As ilustrações que aparecem poderiam tranqüilamente estar grafitadas em qualquer parede de uma grande cidade, devido aos estilos adotados pelos ilustradores. Há muito ruído, sujeira nas imagens, referências ao passado, reprodução de figuras já existentes e outros elementos que foram observados e analisados em outras vinhetas apresentadas anteriormente nesta pesquisa. Além disso, foi produzido um selo comemorativo para estas peças gráficas promocionais. O selo possuía o formato de um tradicional brasão, como o das Forças Aéreas Brasileiras, nas palavras do próprio Rodrigo, mas com várias cores e ruídos visuais, adaptando-se ao “estilo MTV”.

A colagem é uma forma de expressão do discurso pós-moderno, segundo Jacques Derrida, estando calcada no impulso desconstrucionista. “A heterogeneidade inerente a isso (…) nos estimula, como receptores do texto ou imagem, ‘a produzir uma significação que não poderia ser unívoca nem estável’” (DERRIDA in HARVEY, 1989, p.55). Essa situação está presente nesta vinheta como em outras da MTV, onde o público é incentivado a interpretar livremente os significantes que são dispostos na peça gráfica. A quebra da narrativa presente na cultura pós-moderna, e que não deixa de ser um ato de desconstrução, fornece suporte ao uso de colagens nas vinhetas da emissora.

“O efeito é quebrar (desconstruir) o poder do autor de impor significados ou de oferecer uma narrativa contínua. Cada elemento citado, diz Derrida, ‘quebra a continuidade ou linearidade do discurso e leva necessariamente a uma dupla leitura: a do fragmento percebido com relação ao seu texto de origem; a do fragmento incorporado a um novo todo, a uma totalidade distinta’. A continuidade só é dada no ‘vestígio’ do fragmento em sua passagem entre a produção e o consumo. O efeito disso é o questionamento de todas as ilusões de sistemas fixos de representação” (HARVEY, 1989, p.55).

O fim das metanarrativas destrói os “sistemas fixos de representação”. O videodesigner quando produz uma peça gráfica não deixa de ser influenciado por tais mudanças que se processaram durante a pós-modernidade. Com isso, o profissional da área não busca impor significados aos trabalhos que desenvolve, mas procura deixar lacunas em aberto que podem ser preenchidas pelo público.

Além disso, baseando-se nas teorias pós-estruturalistas, cada indivíduo acaba interpretando de uma forma diferente as mensagens com as quais entra em contato. Não há como prever como determinada mensagem de uma vinheta será recebida pelo público, já que existem diversas variáveis que atuam nesse quesito, incluindo o nível social e cultural.

“Segundo o novo paradigma da semiótica pós-estruturalista, a recepção de mensagens passa a ser um jogo hermenêutico, cujos resultados poderão ser profetizados apenas com sofrível grau de acerto, pois os sentidos produzidos sempre variam de acordo com as idiossincrasias e particularidades do sujeito predicante” (CAUDURO, 2000, p.132).

O gerente do Departamento de Promo, Rodrigo Pimenta, comentou que a MTV Brasil chegou a exibir um interessante pacote de vinhetas produzidas por cinqüenta renomados videodesigners de outros países para um projeto fomentado pela MTV Internacional. Segundo Rodrigo, embora as vinhetas tivessem uma qualidade muito alta, algumas não foram bem recebidas pelo público brasileiro.

“A gente botou isso no ar, mas na nossa avaliação posterior, do feedback, vimos que talvez esse universo fosse um pouco distante da realidade brasileira, que é um pouco mais alegre. A gente foi aos poucos vendo, essa é super triste, vamos tirar do ar… mas ao mesmo tempo tive interesse de veicular esse material, pois tinha uma qualidade incrível”

Flávio Cauduro argumenta que um dos principais recursos utilizados pelo design pós-moderno para incentivar esse jogo interpretativo da imagem é a utilização da “estética visual do palimpsesto”. Segundo Cauduro, esse recurso “não permite que se esgotem as possibilidades de geração de sentido, e assim mantêm presa a atenção dos sujeitos interpretantes por muito tempo (mesmo que o designer procure privilegiar a produção de certos sentidos mais que de outros)” (CAUDURO, 2000, p.133).

O palimpsesto é uma espécie de superfície ou documento onde se realiza outra escrita em cima de um escrito anterior, que é apagado ou raspado. Dessa forma, é comum haver resquícios dos traços dos escritos antecedentes, que representam uma importante fonte de recuperação histórica. Esse fenômeno é recorrente em papiros e pergaminhos antigos como forma de economia de material, dentre outros motivos. Cauduro lembra que os próprios desenhos feitos com grafite, espalhados pela cidade, poderiam figurar como palimpsestos vernaculares, já que misturam mensagens de diferentes autores em um mesmo espaço, um por cima do outro.

Porém, o mais interessante é que o palimpsesto pode ser encontrado em várias vinhetas da MTV, aparecendo como bons exemplos as duas últimas peças audiovisuais analisadas nesta pesquisa. Estas vinhetas e outras possuem imagens e palavras, que no vídeo são chamadas de letterings, superpostas umas às outras, através da sobreposição de camadas durante a edição do vídeo. Geralmente as palavras de baixo aparecem meio esfumaçadas, ou quase apagadas, e em movimento. Não se pode deixar de mencionar o designer gráfico David Carson, famoso por suas experimentações tipográficas, sendo, portanto, um dos grandes usuários do recurso do palimpsesto em seus trabalhos para revistas de surf e rock, com destaque para o projeto gráfico da revista Ray Gun.

A destruição, a desconstrução e a falta de legibilidade são constantes nos projetos desenvolvidos por Carson, que vem influenciando toda uma geração de designers, incluindo os videodesigners da MTV. A tipografia suportada pelo palimpsesto passa a vigorar como mais um elemento imagético, já que em grande parte das vezes não pode ser lida, decifrada, mas apenas contemplada como uma experiência visual. “O leitor não lê o design de David Carson, ele precisa traduzir e interpretar ou, simplesmente, olhar como ‘simples’ trânsito de signos a sua disposição” (KOPP, 2004, p.87).

 

Cauduro lembra que não é por acaso que a estética do palimpsesto passou a ser adotada no design, já que tal estética se remete a diversas manifestações pósmodernas, relacionadas por sua vez com o pensamento pós-estruturalista de Derrida, que enxerga um estado de tensão contínua entre significante (ou meio) e significado (ou mensagem). Segundo Cauduro, o design pós-moderno se alimenta da “anarquia, da fragmentação, da instabilidade, da heterogeneidade, da reciclagem de memórias e textos descontextualizados – traços típicos da escrita palimpsestica – procurando uma maior riqueza nas significações geradas nas interpretações das audiências, que procuram fazer sentido (signum facere) dessas combinações ‘irracionais’” (CAUDURO, 2000, p.137).

Seguindo essa lógica, talvez o palimpsesto seja a melhor síntese e tradução do conteúdo presente em grande parte das vinhetas da MTV. As características creditadas ao palimpsesto remetem diretamente à linguagem visual das vinhetas, que se baseia também em outros recursos associados ao design pós-moderno.

Embora este estudo contemple apenas uma pequena parcela das vinhetas da MTV, esta amostra foi suficiente para mostrar as principais manifestações pósmodernas que se fazem presentes de forma constante nestas peças audiovisuais: a fragmentação, a quebra da narrativa, o pastiche, a ironia, o nonsense, o resgate e releitura do passado, a compressão do tempo-espaço, a efemeridade, o supérfluo e a falta de continuidade histórica. Embora outros aspectos pós-modernos também sejamh expressos pelas vinhetas, as características citadas são as que se mostraram mais evidentes nas peças pesquisadas. Mesmo outras vinhetas analisadas, que não chegaram a serem mencionadas na dissertação, também demonstraram a mesma predileção pelas expressões pós-modernas citadas.

As vinhetas como produtos culturais da atualidade se mostraram como objetos de estudo importantes para aqueles que pretendem empreender análises sobre a cultura pós-moderna. É fundamental que outros estudos sobre essas peças gráficas sejam desenvolvidos para que se amplie o conhecimento sobre as manifestações pós-modernas que emanam das vinhetas da MTV e também das vinhetas de outros canais de televisão que possam ser analisados.

6. Conclusão

A pesquisa procurou mostrar a relação existente entre o videodesign e a cultura pós-moderna, através dos elementos gráficos presentes nas vinhetas da MTV.

Com o estudo de parte da configuração do sistema visual da MTV, incluindo cenários, programação, VJs, dentre outros, foi possível apontar correspondências entre esse sistema e as manifestações pós-modernas. A partir disso, foi realizado um recorte na linguagem visual da emissora através da análise de suas vinhetas como projetos de videodesign que expressam aspectos concernentes ao universo cultural pós-moderno.

Para não soar repetitiva, irei me abster de reiterar uma parte das reflexões que já foram expostas ao longo dos capítulos sobre os assuntos abordados, incluindo a cultura pós-moderna e a linguagem visual da MTV. Porém, algumas delas valem a pena serem ressaltadas por representarem algumas das mais importantes conclusões originadas em função da pesquisa que empreendi, principalmente as que tangem os capítulos quatro e cinco.

A partir do estudo mais minucioso da linguagem visual da MTV ficou evidenciado como a emissora aparece como uma legítima representante da indústria cultural, através das diversas mercadorias que são geradas em relação aos videoclipes exibidos ou à forma como os VJs se apresentam, só para citar alguns dos veículos utilizados pela emissora.

A MTV de fato trouxe uma nova proposta gráfica para a televisão mundial, sacudindo consideravelmente os padrões estéticos um tanto limitados e rígidos que reinavam até então. Além disso, um dos seus grandes trunfos foi oferecer um razoável grau de liberdade aos seus videodesigners para realizarem diversas experimentações gráficas durante a criação das vinhetas, que ganharam fama no mundo inteiro, exatamente pelo alto nível de inovação e criatividade apresentado.

Porém, esse panorama não diminui ou exclui o vínculo que a MTV possui com a indústria cultural.

Ao contrário, aumenta a possibilidade de geração de mercadorias para seu jovem público-alvo, que enxerga a MTV como uma “amiga íntima”, que fala a sua língua.

A descontração, a falta de comprometimento e o ar provocativo que a MTV associa à sua imagem através da adoção de diversas atitudes supostamente “anárquicas”, incluindo sua linguagem visual, acaba atraindo e mantendo a atenção do jovem. Essa aproximação da emissora com seu público é extremamente conveniente para o mercado publicitário, que consegue anunciar produtos durante a programação da emissora de modo sutil, sem atrair a antipatia da audiência.

Como foi visto, o próprio bloco comercial da MTV se confunde com os programas, havendo quase um fluxo contínuo entre as atrações e os comerciais. Vale lembrar também que alguns deles adotam o estilo de linguagem gráfica proposta pela emissora.

A MTV também incentiva e se alimenta das “marginalidades”, algo típico da cultura pós-moderna, para manter sua imagem sempre renovada, ao procurar divulgar grupos e movimentos musicais alternativos que ainda não são conhecidos pelo grande público.

Agindo dessa forma, mais uma vez a emissora ganha credibilidade com sua audiência e também com os músicos, que enxergam a MTV como um canal de TV que “abre portas” para quem não teve ainda oportunidade.

Ao mesmo tempo, a emissora também se beneficia através da renovação que acaba naturalmente sendo embutida na sua programação. Aliás, a novidade é uma preocupação contínua da MTV nas mais diferentes áreas, incluindo os programas e VJs que são ciclicamente substituídos por “novos”. A lógica da descartabilidade inerente ao universo pós-moderno, calcada na acumulação flexível de capital, é uma constante na emissora.

O videoclipe, que é ainda a matéria-prima principal e razão da existência da MTV, exerce grande influência sobre a linguagem visual da emissora, presente na sua programação e vinhetas.

Cortes rápidos, ângulos inusitados, edição nãolinear, dentre outros recursos visuais inerentes ao videoclipe, também podem ser visualizados nas vinhetas da MTV. Além disso, tanto o videoclipe quanto a vinheta são peças audiovisuais com claras motivações comerciais, estando comprometidas com a indústria cultural e a promoção de mercadorias, seja através da divulgação da própria MTV por meio das vinhetas, ou seja através dos produtos vinculados às bandas e músicos por meio dos videoclipes.

A experimentação visual presente tanto nas vinhetas quanto nos clipes fornece suporte às motivações capitalistas que estão atreladas a essas peças gráficas, mesmo que alguns autores não enxerguem dessa forma, considerando tais experimentações como ações de cunho puramente artístico.

A partir do momento que um clipe ou uma vinheta é vinculada à imagem de um artista ou de uma empresa, a falta de comprometimento com o establishment deixa de existir. Qualquer outra suposição corre o risco de soar ingênua. Mesmo que um videoclipe não exiba a figura dos integrantes de uma banda, como acontece com o clipe One, do U2, onde aparecem vários bisões correndo no campo de forma quase poética, não quer dizer que a imagem da banda não esteja sendo promovida da mesma forma, incentivando a venda de mercadorias relacionadas aos músicos, como CDs, DVDs e peças de vestuário.

Da mesma forma que uma vinheta MTV repleta de experimentações gráficas não deixa de estar promovendo a imagem da emissora. O que deve ficar claro é que a experimentação convive muito bem com os anseios comerciais da indústria cultural e são inclusive incentivadas por esta como forma de oferecer uma gama mais diversificada de mercadorias aos consumidores.

Algumas manifestações da cultura pós-moderna que são expressas pelo videoclipe também podem ser encontradas na linguagem visual das vinhetas, como a fragmentação, o privilégio do significante em relação ao significado, a quebra da narrativa, o resgate do passado, o mix entre alta e baixa cultura, o pastiche e o nonsense.

Sendo assim, é importante que haja outros estudos mais aprofundados sobre a influência exercida pelo videoclipe sobre as vinhetas, já que como pôde ser percebido, são várias as similaridades entre essas duas peças audiovisuais. Além disso, as vinhetas de outros canais de TV também acabam sendo influenciadas pela linguagem do videoclipe, o que poderia suscitar estudos sobre as vinhetas de outras emissoras.

A pesquisa também mostra que o videodesign, através de uma linguagem visual apropriada, seria privilegiado em reproduzir parte das expressões da cultura pós-moderna devido ao seu ambiente de criação e a outros aspectos mencionados durante o capítulo cinco. O videodesign não só exibe elementos visuais que são atribuídos ao design pós-moderno, como consegue expressar graficamente algumas das características próprias da cultura pós-moderna, que por sua vez se apresenta de modo inseparável dos princípios do capitalismo avançado que foram discutidos no capítulo três.

Como foi visto, o videodesign desde seu estabelecimento como área de atuação do design gráfico possui uma grande afinidade com o mundo pósmoderno.

Além de ter nascido juntamente com os primeiros elementos vinculados à cultura pós-moderna, possui uma relação indissociável com a tecnologia, que acaba agindo como uma importante ferramenta na reprodução das manifestações ligadas a esta cultura.

Ao manipular as imagens através de diversas técnicas digitais, o videodesigner produz uma linguagem visual que pode ser plenamente identificada com as expressões que rondam o mundo pós-moderno: a fragmentação das figuras remete à quebra da narrativa, o uso de diferentes significantes em detrimento do significado se relaciona ao nonsense, a colagem de diversas referências ao passado lembra o pastiche, o uso indiscriminado de tendências artísticas de diferentes épocas também se refere à descontinuidade histórica, com ênfase no presente contínuo, dentre outras.

Vale também ressaltar que dentro dos projetos oriundos do videodesign, as vinhetas seriam as peças audiovisuais mais férteis em conseguir demonstrar essa relação existente entre o design para vídeo e a cultura pós-moderna. Em função de sua curta duração e do nível de experimentação que é permitido à vinheta, com destaque para as que são produzidas na MTV, esse produto gráfico conseguiria expressar com precisão e clareza a referida relação.

Essa pesquisa não pretende promover conclusões finais sobre os assuntos abordados, mas suscitar novas reflexões e ampliar seu alcance para outros campos que não foram contemplados, mas que também se relacionam às questões que foram levantadas. Outros estudos sobre a relação entre o videodesign e a cultura pós-moderna devem ser realizados através da análise de materiais diversificados, que de preferência se refiram a outros canais de televisão ou a outras mídias para que se possa ampliar o espectro da pesquisa.

É importante que se estude a influência que a cultura pós-moderna exerce sobre o design, já que ele acaba traduzindo-a visualmente, como pôde ser apreendido através da análise das vinhetas da MTV. Com um conhecimento mais aprofundado sobre essa influência, o designer poderá aprender a lidar melhor com ela, não virando um mero refém ou reprodutor passivo do que está acontecendo a sua volta, sem produzir reflexões sobre este fato, mas aproveitando ao máximo esses elementos que participam de forma consciente ou não do seu ato de criação.

“Na era da mídia digital, ele (o comunicador visual) pode ajudar a definir e ampliar os meios de expressão eletrônica, numa estrutura forte e dinâmica, consciente de suas mudanças e no comando de seu futuro” (JACQUES, 1998, p.9).

Além disso, um dos principais objetivos da pesquisa foi alcançado através do aprofundamento do saber científico do designer sobre uma de suas mais recentes áreas de atuação: o videodesign.

O design que é conhecido por ser uma área de atuação muito ligada à práxis e que muitas vezes subestima a importância dos aspectos teóricos e conceituais que o envolvem, precisa cada vez mais procurar unir essas duas vertentes, o que com certeza irá provocar o aumento da qualidade dos trabalhos desenvolvidos.

Além disso, é fundamental que a pesquisa sobre o design não seja apenas “metadisciplinar”, mas adquira um enfoque multidisciplinar, como tentei explorar nesta pesquisa. O design não deve ser encarado como um objeto de estudo isolado e auto-suficiente, mas como um elemento que se relaciona de forma contínua com diversas áreas de estudo acadêmico, como a comunicação e a cultura contemporânea.

Como o foco desta pesquisa é o videodesign, espero que, baseada na premissa pós-moderna que pôs um fim às metanarrativas, múltiplos discursos acadêmicos surjam para dar conta de todo o conhecimento que envolve o videodesign e que possa ser gerado a partir dele, beneficiando inclusive outros âmbitos do saber.

Fonte: www2.dbd.puc-rio.br

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