Os Nossos Jornais

Lima Barreto

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Na Câmara (houve um jornal que registrasse a frase) o senhor Jaurès observou que os nossos jornais eram pobres no tocante a informações da vida do estrangeiro. Afora os telegramas lacônicos naturalmente, ele não encontrava nada que o satisfizesse.

Jaurès não disse que fosse esse o único defeito dos nossos jornais; quis tão somente mostrar um deles.

Se ele quisesse demorar no exame, diretor de um grande jornal, como é e, habituado à grande imprensa do velho mundo, havia de apresentar muitos outros.

Mesmo quem não é diretor de um jornal parisiense e não está habituado à imprensa européia, pode, do pé para as mãos, indicar muitos.

Os nossos jornais diários têm de mais e têm de menos; têm lacunas e demasias.

Uma grande parte deles é ocupada com insignificantes notícias oficiais.

Há longas seções sobre exército, marinha, estradas de ferro, alfândega, etc. de nenhum interesse, ou melhor, se há nelas interesse, toca a um número tão restrito de leitores que não vale a pena sacrificar os outros, mantendo-as.

Que me importa a mim saber quem é o conferente do armazém K? Um jornal que tem dez mil leitores, unicamente para atender ao interesse de meia dúzia, deve estar a publicar que foram concedidos passes à filha do bagageiro X ? Decerto, não. Quem quer saber essas coisas, dirija-se às publicações oficiais ou vá à repartição competente, informar-se.

A reportagem de ministérios é de uma indigência desoladora. Não há mais nada que extratos do expediente; e o que se devia esperar de propriamente reportagem, isto é, descoberta de atos premeditados, de medidas em que os gover­nantes estejam pensando, enfim, antecipações ao próprio diá­rio do senhor Calino, não se encontra.

Demais, não está aí só, o emprego inútil que os nossos jornais fazem de um espaço precioso. Há mais ainda. Há os idiotas “binóculos”. Longe de mim o pensamento de es­tender o adjetivo da seção aos autores. Sei bem que alguns deles que o não são; mas a coisa o é, talvez com plena intenção dos seus criadores. Mas… continuemos. Não se compreende que um jornal de uma grande cidade esteja a ensinar às damas e aos cavalheiros como devem trazer as luvas, como devem cumprimentar e outras futilidades. Se há entre nós sociedade, as damas e cavalheiros devem saber estas coisas e quem não sabe faça como M. Jourdain: tome professores. Não há de ser com preceitos escorridos diaria­mente, sem ordem, nem nexo – que um acanhado fazen­deiro há de se improvisar em Caxangá. Se o matuto quer imiscuir-se na sociedade que tem para romancista o psiquia­tra Afrânio, procure professores de boas maneiras, e não os há de faltar. Estou quase a indicar o próprio Figueiredo, o Caxangá ou o meu amigo Marques Pinheiro e talvez o Bueno, se ele não andasse agora metido em coisas acadêmicas.

De resto, esses binóculos, gritando bem alto elementares preceitos de civilidade, nos envergonham. Que dirão os es­trangeiros, vendo, pelos nossos jornais, que não sabemos abo­toar um sapato ? Não há de ser bem; e o senhor Gastão da Cunha, o Chamfort oral que nos chegou do Paraguai e vai para a Dinamarca, deve examinar bem esse aspecto da questão, já que se zangou tanto com o interessante Afrânio, por ter dito, diante de estrangeiros, na sua recepção na Aca­demia, um punhado de verdades amargas sobre a diligência de Canudos.

Existe, a tomar espaço nos nossos jornais, uma outra bo­bagem. Além desses binóculos, há uns tais diários sociais, vidas sociais, etc. Em alguns tomam colunas, e, às vezes, páginas. Aqui nesta Gazeta,ocupa, quase sempre duas e três.

Mas, isso é querer empregar espaço em pura perda. Tipos ricos e pobres, néscios e sábios, julgam que as suas festas íntimas ou os seus lutos têm um grande interesse para todo o mundo. Sei bem o que é que se visa com isso: agradar, captar o níquel, com esse meio infalível: o nome no jornal.

Mas, para serem lógicos com eles mesmo, os jornais deviam transformar-se em registros de nomes próprios, pois só os pondo aos milheiros é que teriam uma venda compensa­dora. A coisa devia ser paga e estou certo que os tais diários não desapareceriam.

Além disso, os nossos jornais ainda dão muita importância aos fatos policiais. Dias há que parecem uma morgue,tal é o número de fotografias de cadáveres que estampam; e não ocorre um incêndio vagabundo que não mereça as fa­mosas três colunas – padrão de reportagem inteligente. Não são bem “Gazetas” dos Tribunais,mas, já são um pouco Gazetas do Crime e muito Gazetas Policiais.

A não ser isso, eles desprezam tudo o mais que forma a base da grande imprensa estrangeira. Não há as infor­mações internacionais, não há os furos sensacionais na política, nas letras e na administração. A colaboração é uma miséria.

Excetuando A Imprensa,que tem a sua frente o grande espírito de Alcindo Guanabara, e um pouco O Pau,os nossos jornais da manhã nada têm que se ler. Quando excetuei esses dois, decerto, punha hors-concours o velho Jornal do Co­mércio; e dos dois, talvez, só a Imprensa seja exceção, porque a colaboração de O Paiz é obtida entre autores portugueses, fato que pouco deve interessar à nossa atividade literária.

A Gazeta (quem te viu e quem te vê) só merece ser aqui falada porque seria injusto esquecer o Raul Manso. Mas, está tão só! E não se diga que eles não ganham dinheiro e, tanto ganham que os seus diretores vivem na Europa ou levam no Rio trem de vida nababesco.

É que, em geral, não querem pagar a colaboração; e, quando a pagam, fazem-no forçados por empenhos, ou obrigados pela necessidade de agradar a colônia portuguesa, em se tra­tando de escritores lusos.

E por falar nisso, vale a pena lembrar o que são as cor­respondências portuguesas para os nossos jornais. Não se en­contram nelas indicações sobre a vida política, mental ou social de Portugal; mas, não será surpresa ver-se nelas notícias edi­ficantes como esta: “A vaca do Zé das Amêndoas, pariu ontem uma novilha”; “o Manuel das Abelhas foi, trasanteontem, mordido por um enxame de vespas”.

As dos outros países não são assim tão pitorescas; mas chegam, quando as há, pelo laconismo, a parecer telegrafia.

Então o inefável Xavier de Carvalho é mestre na coisa, desde que não se trate de festas da famosa Societé d’Études Por­tugaises!

Os jornais da tarde não são lá muito melhores. A Notícia faz repousar o interesse da sua leitura na insipidez dos Pe­quenos Ecos e na graça – gênero Moça de Família do amável Antônio. Unicamente o Jornal do Comércio e esta Gazeta procuram sair fora do molde comum, graças ao alto descortino do Félix e a experiência jornalística do Vítor.

Seria tolice exigir que os jornais fossem revistas literárias, mas, isto de jornal sem folhetins, sem crônicas, sem artigos, sem comentários, sem informações, sem curiosidades, não se compreende absolutamente.

São tão baldos de informações que, por eles, nenhum de nós tem a mais ligeira notícia da vida dos Estados. Continua do lado de fora o velho Jornal do Comércio.

Coisas da própria vida da cidade não são tratadas convenientemente. Em matéria de tribunais, são de uma parcimônia desdenhosa. O júri, por exemplo, que, nas mãos de um jornalista hábil, podia dar uma seção interessante, por ser tão grotesco, tão característico e inédito, nem mesmo nos seus dias solenes é tratado com habilidade.

Há alguns que têm o luxo de uma crônica judiciária, mas, o escrito sai tão profundamente jurista que não pode inte­ressar os profanos. Quem conhece as crônicas judiciárias de Henri de Varennes, no Figaro,tem pena que não apareça um discípulo dele nos nossos jornais.

Aos apanhados dos debates da Câmara e do Senado podia dar-se mais cor e fisionomia, os aspectos e as particularidades do recinto e dependências não deviam ser abandonados.

Há muito que suprimir nos nossos jornais e há muito que criar. O senhor Jaurès mostrou um dos defeitos dos nossos jornais e eu pretendi indicar alguns. Não estou certo de que, suprimidos eles, os jornais possam ter a venda decu­plicada. O povo é conservador, mas não foi nunca contando com a adesão imediata do povo que se fizeram revoluções.

Não aconselho a ninguém que faça uma transformação no nosso jornalismo. Talvez fosse mal sucedido e talvez fosse bem, como foi Ferreira de Araújo, quando fundou, há quase quarenta anos, a Gazeta de Noticias. Se pudesse, tentava; mas como não posso, limito-me a clamar, a criticar.

Fico aqui e vou ler os jornais. Cá tenho o Binóculo, que me aconselha a usar o chapéu na cabeça e as botas nos pés. Continuo a leitura. A famosa seção não abandona os conselhos. Tenho mais este: as damas não devem vir com toilettes luxuosas para a Rua do Ouvidor. Engraçado esse Binóculo! Não quer toilettes luxuosas nas ruas, mas ao mesmo tempo descreve essas toilettes. Se elas não fossem luxuosas haveria margem para as descrições? O Binóculo não é lá muito lógico…

Bem. Tomo outro. É o Correio da Manhã. Temos aqui uma seção interessante: “O que vai pelo mundo”. Vou ter notícias da França, do Japão, da África do Sul, penso eu. Leio de fio a pavio. Qual nada! O mundo aí é Portugal só e unicamente Portugal. Com certeza, foi a república recentemente proclamada, que o fez crescer tanto. Bendita re­pública!

Fez mais que o Albuquerque terríbil e Castro forte e outros em quem poder não teve a morte.

Gazeta da Tarde, Rio, 20-10-1911

 

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