Poemas – Oswald de Andrade

PUBLICIDADE

Clique nos links abaixo para navegar no capítulo desejado:

Oswald de Andrade

3 de Maio

Aprendi com meu filho de dez anos
Que a poesia é a descoberta
Das coisas que eu nunca vi

A Descoberta

Seguimos nosso caminho por este mar de longo
Até a oitava da Páscoa
Topamos aves
E houvemos vista de terra
os selvagens
Mostraram-lhes uma galinha
Quase haviam medo dela
E não queriam por a mão
E depois a tomaram como espantados
primeiro chá
Depois de dançarem
Diogo Dias
Fez o salto real
as meninas da gare
Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito bem olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha.

As Meninas da Gare

Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito bem olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha

Balada do Esplanada

Ontem à noite
Eu procurei
Ver se aprendia
Como é que se fazia
Uma balada
Antes de ir
Pro meu hotel.
É que este
Coração
Já se cansou
De viver só
E quer então
Morar contigo
No Esplanada.

Eu queria
Poder
Encher
Este papel
De versos lindos
É tão distinto
Ser menestrel
No futuro
As gerações
Que passariam
Diriam
É o hotel
É o hotel
Do menestrel

Pra me inspirar
Abro a janela
Como um jornal
Vou fazer
A balada
Do Esplanada
E ficar sendo
O menestrel
De meu hotel

Mas não há, poesia
Num hotel
Mesmo sendo
‘Splanada
Ou Grand-Hotel

Há poesia
Na dor
Na flor
No beija-flor
No elevador

Brasil

O Zé Pereira chegou de caravela
E perguntou pro guarani da mata virgem
– Sois cristão?
– Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte
Teterê tetê Quizá Quizá Quecê!
Lá longe a onça resmungava Uu! ua! uu!
O negro zonzo saído da fornalha
Tomou a palavra e respondeu
– Sim pela graça de Deus
Canhem Babá Canhem Babá Cum Cum!
E fizeram o Carnaval

Bucólica

Agora vamos correr o pomar antigo
Bicos aéreos de patos selvagens
Tetas verdes entre folhas
E uma passarinhada nos vaia
Num tamarindo
Que decola para o anil
Árvores sentadas
Quitandas vivas de laranjaz maduras
Vespas

Cidade

Foguetes pipocam o céu quando em quando
Há uma moça magra que entrou no cinema
Vestida pela última fita
Conversas no jardim onde crescem bancos
Sapos
Olha
A iluminação é de hulha branca
Mamães estão chamando
A orquestra rabecoa na mata

Ditirambo

Meu amor me ensinou a ser simples
Como um largo de igreja
Onde não há nem um sino
Nem um lápis
Nem uma sensualidade

Erro de Português

Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.

Escapulário

No Pão de Açúcar
De Cada Dia
Dai-nos Senhor
A Poesia
De Cada Dia

Hípica

Saltos records
Cavalos da Penha
Correm jóqueis de Higienópolis
Os magnatas
As meninas
E a orquestra toca
Chá
Na sala de cocktails

Longo da Linha

Coqueiros
Aos dois
Aos três
Aos grupos
Altos
Baixos

Nova Iguaçú

Confeitaria Três Nações
Importação e Exportação
Açougue Ideal
Leiteria Moderna
Café do Papagaio
Armarinho União
No país sem pecados

Ocaso

No anfiteatro de montanhas
Os profetas do Aleijadinho
Monumentalizam a paisagem
As cúpulas brancas dos Passos
E os cocares revirados das palmeiras
São degraus da arte de meu país
Onde ninguém mais subiu

Bíblia de pedra-sabão
Banhada no ouro das minas

Relicário

No baile da corte
Foi o conde d’Eu quem disse
Pra Dona Benvinda
Que farinha de Suruí
Pinga de Parati
Fumo de Baependi
É comê bebê pitá e caí

Senhor Feudal

Se Pedro Segundo
Vier aqui
Com história
Eu boto ele na cadeia

Manifesto Pau-Brasil

A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre
nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos.

O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil.
Wagner submerge ante os cordões de Botafogo. Bárbaro e nosso.
A formação étnica rica. Riqueza vegetal. O minério.
A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança.

Toda a história bandeirante e a história comercial do Brasil.
O lado doutor, o lado citações, o lado autores conhecidos. Comovente.
Rui Barbosa: uma cartola na Senegâmbia. Tudo revertendo em riqueza.
A riqueza dos bailes e das frases feitas. Negras de Jockey. Odaliscas no Catumbi.
Falar difícil.

O lado doutor. Fatalidade do primeiro branco aportado e dominando politicamente
as selvas selvagens. O bacharel. Não podemos deixar de ser doutos.
Doutores. País de dores anônimas, de doutores anônimos.
O Império foi assim. Eruditamos tudo. Esquecemos o gavião de
penacho.

A nunca exportação de poesia. A poesia anda oculta nos cipós
maliciosos da sabedoria. Nas lianas da saudade universitária.

Mas houve um estouro nos aprendimentos. Os homens que sabiam tudo se deformaram
como borrachas sopradas. Rebentaram.

A volta à especialização. Filósofos fazendo filosofia,
críticos, critica, donas de casa tratando de cozinha.

A Poesia para os poetas. Alegria dos que não sabem e descobrem.

Tinha havido a inversão de tudo, a invasão de tudo : o teatro
de tese e a luta no palco entre morais e imorais. A tese deve ser decidida
em guerra de sociólogos, de homens de lei, gordos e dourados como Corpus
Juris.

Ágil o teatro, filho do saltimbanco. Agil e ilógico. Ágil
o romance, nascido da invenção. Ágil a poesia.

A poesia Pau-Brasil. Ágil e cândida. Como uma criança.

Uma sugestão de Blaise Cendrars : – Tendes as locomotivas cheias,
ides partir. Um negro gira a manivela do desvio rotativo em que estais. O
menor descuido vos fará partir na direção oposta ao vosso
destino.

Contra o gabinetismo, a prática culta da vida. Engenheiros em vez
de jurisconsultos, perdidos como chineses na genealogia das idéias.

A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural
e neológica. A contribuição milionária de todos
os erros. Como falamos. Como somos.

Não há luta na terra de vocações acadêmicas.
Há só fardas. Os futuristas e os outros.

Uma única luta – a luta pelo caminho. Dividamos: Poesia de importação.
E a Poesia Pau-Brasil, de exportação.

Houve um fenômeno de democratização estética nas
cinco partes sábias do mundo. Instituíra-se o naturalismo. Copiar.
Quadros de carneiros que não fosse lã mesmo, não prestava.
A interpretação no dicionário oral das Escolas de Belas
Artes queria dizer reproduzir igualzinho… Veio a pirogravura. As meninas
de todos os lares ficaram artistas. Apareceu a máquina fotográfica.
E com todas as prerrogativas do cabelo grande, da caspa e da misteriosa genialidade
de olho virado – o artista fotógrafo.

Na música, o piano invadiu as saletas nuas, de folhinha na parede.
Todas as meninas ficaram pianistas. Surgiu o piano de manivela, o piano de
patas. A pleyela. E a ironia eslava compôs para a pleyela. Stravinski.

A estatuária andou atrás. As procissões saíram
novinhas das fábricas.

Só não se inventou uma máquina de fazer versos –
já havia o poeta parnasiano.

Ora, a revolução indicou apenas que a arte voltava para as
elites. E as elites começaram desmanchando. Duas fases: 10) a deformação
através do impressionismo, a fragmentação, o caos voluntário.
De Cézanne e Malarmé, Rodin e Debussy até agora. 20)
o lirismo, a apresentação no templo, os materiais, a inocência
construtiva.

O Brasil profiteur. O Brasil doutor. E a coincidência da primeira construção
brasileira no movimento de reconstrução geral. Poesia Pau-Brasil.

Como a época é miraculosa, as leis nasceram do próprio
rotamento dinâmico dos fatores destrutivos.

A síntese

O equilíbrio

O acabamento de carrosserie

A invenção

A surpresa

Uma nova perspectiva

Uma nova escala.

Qualquer esforço natural nesse sentido será bom. Poesia Pau-Brasil

O trabalho contra o detalhe naturalista – pela síntese; contra
a morbidez romântica – pelo equilíbrio geômetra e
pelo acabamento técnico; contra a cópia, pela invenção
e pela surpresa.

Uma nova perspectiva.

A outra, a de Paolo Ucello criou o naturalismo de apogeu. Era uma ilusão
ética. Os objetos distantes não diminuíam. Era uma lei
de aparência. Ora, o momento é de reação à
aparência. Reação à cópia. Substituir a
perspectiva visual e naturalista por uma perspectiva de outra ordem: sentimental,
intelectual, irônica, ingênua.

Uma nova escala:

A outra, a de um mundo proporcionado e catalogado com letras nos livros,
crianças nos colos. O redame produzindo letras maiores que torres.
E as novas formas da indústria, da viação, da aviação.
Postes. Gasômetros Rails. Laboratórios e oficinas técnicas.
Vozes e tics de fios e ondas e fulgurações. Estrelas familiarizadas
com negativos fotográficos. O correspondente da surpresa física
em arte.

A reação contra o assunto invasor, diverso da finalidade. A
peça de tese era um arranjo monstruoso. O romance de idéias,
uma mistura. O quadro histórico, uma aberração. A escultura
eloquente, um pavor sem sentido.

Nossa época anuncia a volta ao sentido puro.

Um quadro são linhas e cores. A estatuária são volumes
sob a luz.

A Poesia Pau-Brasil é uma sala de jantar domingueira, com passarinhos
cantando na mata resumida das gaiolas, um sujeito magro compondo uma valsa
para flauta e a Maricota lendo o jornal. No jornal anda todo o presente.

Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mundo.
Ver com olhos livres.

Temos a base dupla e presente – a floresta e a escola. A raça
crédula e dualista e a geometria, a algebra e a química logo
depois da mamadeira e do chá de erva-doce. Um misto de "dorme
nenê que o bicho vem pegá" e de equações.

Uma visão que bata nos cilindros dos moinhos, nas turbinas elétricas;
nas usinas produtoras, nas questões cambiais, sem perder de vista o
Museu Nacional. Pau-Brasil.

Obuses de elevadores, cubos de arranha-céus e a sábia preguiça
solar. A reza. O Carnaval. A energia íntima. O sabiá. A hospitalidade
um pouco sensual, amorosa. A saudade dos pajés e os campos de aviação
militar. Pau-Brasil.

O trabalho da geração futurista foi ciclópico. Acertar
o relógio império da literatura nacional.

Realizada essa etapa, o problema é outro. Ser regional e puro em sua
época.

O estado de inocência substituindo o estada de graça que pode
ser uma atitude do espírito.

O contrapeso da originalidade nativa para inutilizar a adesão acadêmica.

A reação contra todas as indigestões de sabedoria. O
melhor de nossa tradição lírica. O melhor de nossa demonstração
moderna.

Apenas brasileiros de nossa época. O necessário de química,
de mecânica, de economia e de balística. Tudo digerido. Sem meeting
cultural. Práticos. Experimentais. Poetas. Sem reminiscências
livrescas. Sem comparações de apoio. Sem pesquisa etimológica.
Sem ontologia.

Bárbaros, crédulos, pitorescos e meigos. Leitores de jornais.
Pau-Brasil. A floresta e a escola. O Museu Nacional. A cozinha, o minério
e a dança. A vegetação. Pau-Brasil.

Correio da Manhã, 18 de março de 1924

Manifesto Antropófago

Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.

Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos,
de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados
de paz.

Tupi, or not tupi that is the question.

Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.

Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do
antropófago.

Estamos fatigados de todos os maridos católicos suspeitosos postos
em drama. Freud acabou com o enigma mulher e com outros sustos da psicologia
impressa.

O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo
interior e o mundo exterior. A reação contra o homem vestido.
O cinema americano informará.

Filhos do sol, mãe dos viventes. Encontrados e amados ferozmente,
com toda a hipocrisia da saudade, pelos imigrados, pelos traficados e pelos
touristes. No país da cobra grande.

Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de
velhos vegetais. E nunca soubemos o que era urbano, suburbano, fronteiriço
e continental. Preguiçosos no mapa-múndi do Brasil.

Uma consciência participante, uma rítmica religiosa.

Contra todos os importadores de consciência enlatada. A existência
palpável da vida. E a mentalidade pré-lógica para o Sr.
Lévy-Bruhl estudar.

Queremos a Revolução Caraiba. Maior que a Revolução
Francesa. A unificação de todas as revoltas eficazes na direção
do homem. Sem n6s a Europa não teria sequer a sua pobre declaração
dos direitos do homem.

A idade de ouro anunciada pela América. A idade de ouro. E todas as
girls.

Filiação. O contato com o Brasil Caraíba. Ori Villegaignon
print terre. Montaig-ne. O homem natural. Rousseau. Da Revolução
Francesa ao Romantismo, à Revolução Bolchevista, à
Revolução Surrealista e ao bárbaro tecnizado de Keyserling.
Caminhamos..

Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo.
Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará.

Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós.

Contra o Padre Vieira. Autor do nosso primeiro empréstimo, para ganhar
comissão. O rei-analfabeto dissera-lhe : ponha isso no papel mas sem
muita lábia. Fez-se o empréstimo. Gravou-se o açúcar
brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe a lábia.

O espírito recusa-se a conceber o espírito sem o corpo. O antropomorfismo.
Necessidade da vacina antropofágica. Para o equilíbrio contra
as religiões de meridiano. E as inquisições exteriores.

Só podemos atender ao mundo orecular.

Tínhamos a justiça codificação da vingança.
A ciência codificação da Magia. Antropofagia. A transformação
permanente do Tabu em totem.

Contra o mundo reversível e as idéias objetivadas. Cadaverizadas.
O stop do pensamento que é dinâmico. O indivíduo vitima
do sistema. Fonte das injustiças clássicas. Das injustiças
românticas. E o esquecimento das conquistas interiores.

Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.

O instinto Caraíba.

Morte e vida das hipóteses. Da equação eu parte do Cosmos
ao axioma Cosmos parte do eu. Subsistência. Conhecimento. Antropofagia.

Contra as elites vegetais. Em comunicação com o solo.

Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de
senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas
de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses.

Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua
surrealista. A idade de ouro.

Catiti Catiti

Imara Notiá

Notiá Imara

Ipeju*

A magia e a vida. Tínhamos a relação e a distribuição
dos bens físicos, dos bens morais, dos bens dignários. E sabíamos
transpor o mistério e a morte com o auxílio de algumas formas
gramaticais.

Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia
do exercício da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Mathias.
Comia.

Só não há determinismo onde há mistério.
Mas que temos nós com isso?

Contra as histórias do homem que começam no Cabo Finisterra.
O mundo não datado. Não rubricado. Sem Napoleão. Sem
César.

A fixação do progresso por meio de catálogos e aparelhos
de televisão. Só a maquinaria. E os transfusores de sangue.

Contra as sublimações antagônicas. Trazidas nas caravelas.

Contra a verdade dos povos missionários, definida pela sagacidade
de um antropófago, o Visconde de Cairu: – É mentira muitas
vezes repetida.

Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civilização
que estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o Jabuti.

Se Deus é a consciênda do Universo Incriado, Guaraci é
a mãe dos viventes. Jaci é a mãe dos vegetais.

Não tivemos especulação. Mas tínhamos adivinhação.
Tínhamos Política que é a ciência da distribuição.
E um sistema social-planetário.

As migrações. A fuga dos estados tediosos. Contra as escleroses
urbanas. Contra os Conservatórios e o tédio especulativo.

De William James e Voronoff. A transfiguração do Tabu em totem.
Antropofagia.

O pater famílias e a criação da Moral da Cegonha: Ignorância
real das coisas+ fala de imaginação + sentimento de autoridade
ante a prole curiosa.

É preciso partir de um profundo ateísmo para se chegar à
idéia de Deus. Mas a caraíba não precisava. Porque tinha
Guaraci.

O objetivo criado reage com os Anjos da Queda. Depois Moisés divaga.
Que temos nós com isso?

Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade.

Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado
de Catarina de Médicis e genro de D. Antônio de Mariz.

A alegria é a prova dos nove.

No matriarcado de Pindorama.

Contra a Memória fonte do costume. A experiência pessoal renovada.

Somos concretistas. As idéias tomam conta, reagem, queimam gente nas
praças públicas. Suprimarnos as idéias e as outras paralisias.
Pelos roteiros. Acreditar nos sinais, acreditar nos instrumentos e nas estrelas.

Contra Goethe, a mãe dos Gracos, e a Corte de D. João VI.

A alegria é a prova dos nove.

A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura – ilustrada pela
contradição permanente do homem e o seu Tabu. O amor cotidiano
e o modusvivendi capitalista. Antropofagia. Absorção do inimigo
sacro. Para transformá-lo em totem. A humana aventura. A terrena finalidade.
Porém, só as puras elites conseguiram realizar a antropofagia
carnal, que traz em si o mais alto sentido da vida e evita todos os males
identificados por Freud, males catequistas. O que se dá não
é uma sublimação do instinto sexual. É a escala
termométrica do instinto antropofágico. De carnal, ele se torna
eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor. Especulativo, a ciência.
Desvia-se e transfere-se. Chegamos ao aviltamento. A baixa antropofagia aglomerada
nos pecados de catecismo – a inveja, a usura, a calúnia, o assassinato.
Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que
estamos agindo. Antropófagos.

Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na terra de Iracema,
– o patriarca João Ramalho fundador de São Paulo.

A nossa independência ainda não foi proclamada. Frape típica
de D. João VI: – Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça,
antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É
preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações
e o rapé de Maria da Fonte.

Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud –
a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e
sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama.

OSWALD DE ANDRADE Em Piratininga Ano 374 da Deglutição
do Bispo Sardinha." (Revista de Antropofagia, Ano 1, No. 1, maio de 1928.)

* "Lua Nova, ó Lua Nova, assopra em Fulano lembranças
de mim", in O Selvagem, de Couto Magalhães

Oswald de Andrade alude ironicamente a um episódio
da história do Brasil: o naufrágio do navio em que viajava um
bispo português, seguido da morte do mesmo bispo, devorado por índios
antropófagos.

Fim de Serafim

Fatigado
Das minhas viagens pela terra
De camelo e táxi
Te procuro
Caminho de casa
Nas estrelas
Costas atmosféricas do Brasil
Costas sensuais
Para vos fornicar
Como um pai bigodudo de Portugal
Nos azuis do clina
Ao solem nostrum
Entre raios, tiros e jaboticabas.

Tupi or not tupi – This is the question

Brasil

O Zé Pereira chegou de caravela
E preguntou pro guarani da mata virgem
— Sois cristão?
— Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte
Teterê Tetê Quizá Quizá Quecê!
Lá longe a onça resmungava Uu! ua! uu!
O negro zonzo saído da fornalha
Tomou a palavra e respondeu
— Sim pela graça de Deus
Canhém Babá Canhém Babá Cum Cum!
E fizeram o Carnaval

Relógio

As coisas são
As coisas vêm
As coisas vão
As coisas
Vão e vêm
Não em vão
As horas
Vão e vêm
Não em vão

Erro de português

Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português

O Sul-Americano Calabar

Torcida indígena a favor de um imperialismo "civilizador".
Leitor pequeno-burguês, não será você?

No Brasil há duas correntes de opinião: os que acreditam que
a guerra holandesa acabou e os que sabem perfeitamente que ela continua, através
de fundings, empréstimos e tomadas de poder por este ou aquele grupo
calabarista.

66. Botafogo etc

Beiramarávamos em auto pelo espelho de aluguel arborizado das avenidas
marinhas sem sol. Losangos tênues de ouro bandeiranacionalizavam o verde
dos montes interiores. No outro lado da baía a serra dos Órgãos
serrava. Barcos. E o passado voltava na brisa de baforadas gostosas. Rolah
ia vinha derrapava entrava em túneis. Copacabana era um veludo arrepiado
na luminosa noite varada pelas frestas da cidade.

Canto de Regresso à Pátria

Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo.

Oferta

Quem sabe
Se algum dia
Traria
O elevador
Até aqui
O teu amor

Pronominais

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro

Vício na Fala

Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados

O Capoeira

— Qué apanhá sordado?
— O quê?
— Qué apanhá?
Pernas e cabeças na calçada.

O Gramático

Os negros discutiam
Que o cavalo sipantou
Mas o que mais sabia
Disse que era
Sipantarrou.

Veja também

Os Reis Magos

PUBLICIDADE Diz a Sagrada Escritura Que, quando Jesus nasceu, No céu, fulgurante e pura, Uma …

O Lobo e o Cão

Fábula de Esopo por Olavo Bilac PUBLICIDADE Encontraram-se na estrada Um cão e um lobo. …

O Leão e o Camundongo

Fábula de Esopo por Olavo Bilac PUBLICIDADE Um camundongo humilde e pobre Foi um dia …

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

This site is protected by reCAPTCHA and the Google Privacy Policy and Terms of Service apply.