Manoel de Barros

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Nascimento: 19 de dezembro de 1916, Mato Grosso.

Falecimento: 13 de novembro de 2014, Campo Grande, Mato Grosso do Sul.

Nome de nascimento: Manoel Wenceslau Leite de Barros.

Um artista original, Manoel de Barros, é um poeta especializado nas pequenas coisas.

Manoel de Barros nasceu em 19 de Dezembro, 1916, em Cuiabá, Mato Grosso, Brasil.

Ele era casado com Stella.

Ele morreu em 13 de novembro, 2014, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil.

Manoel de Barros – Vida

Manoel de Barros
Manoel de Barros

Manoel de Barros nasceu no Beco da Marinha, beira do Rio Cuiabá em 1916. Mudou-se para Corumbá, onde se fixou de tal forma que chegou a ser considerado corumbaense. Atualmente mora em Campo Grande.

É advogado, fazendeiro e poeta. Escreveu seu primeiro poema aos 19 anos, mas sua revelação poética ocorreu aos 13 anos de idade quando ainda estudava no Colégio São José dos Irmãos Maristas, Rio de Janeiro. Autor de várias obras pelas quais recebeu prêmios como o “Prêmio Orlando Dantas” em 1960, conferido pela Academia Brasileira de Letras ao livro “Compêndio para Uso dos Pássaros”. Em 1969 recebeu o Prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal pela obra “Gramática Expositiva do Chão” e, em 1997 o livro “Sobre Nada” recebeu um prêmio de âmbito nacional.

Perfil

Cronologicamente pertence à geração de 45.

Poeta moderno no que se refere ao trato com a linguagem. Avesso à repetição de formas e ao uso de expressões surradas, ao lugar comum e ao chavão. Mutilador da realidade e pesquisador de expressões e significados verbais. Temática regionalista indo além do valor documental para fixar-se no mundo mágico das coisas banais retiradas do cotidiano. Inventa a natureza através de sua linguagem, transfigurando o mundo que o cerca. Alma e coração abertos a dor universal. Tematiza o Pantanal, universalizando-o. A natureza é sua maior inspiração, o Pantanal é o de sua poesia.

Obras

“Poemas Concebidos Sem Pecado” (1937)
“Face Imóvel” (1942)
“Poesias” (1956)
“Compêndio para Uso dos Pássaros” (1960)
“Gramática Expositiva do Chão” (1966)
“Matéria de Poesia” (1974)
“Arranjos para Assobio” (1980)
“Livro de Pré-Coisas” (1985)
“O Guardador de Águas” (1989)

Gramática expositiva do chão – poesia quase toda – 1990
“Concerto a Céu Aberto para Solos de Ave” (1991)
“O Livro das Ignorãças” (1993)
“Livro Sobre Nada” (1996)
“Retrato do Artista Quando Coisa” (1998)
“Ensaios Fotográficos” (2000)
“Exercícios de Ser Criança” (2000)
“Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo” (2001)
“O Fazedor do Amanhecer” (2001)
Para encontrar o azul eu uso pássaros – 2003
“Cantigas para um Passarinho à Toa” (2003)
Cantigas por um passarinho à toa – 2003
Memórias Inventadas – Infância – 2003
“Poemas Rupestres” (2004)
“Poeminha em Língua de Brincar” (2007)
“Menino do Mato” (2010)

Livros Premiados

1. “Compêndio para uso dos pássaros”
Prêmio Orlando Dantas – Diário de notícias
08 de setembro de 1960 – Rio de Janeiro
2. “Gramática expositiva do chão”

Prêmio Nacional de poesias – 1966
Governo Costa e Silva – Brasília
3. “O guardador de águas”

Prêmio Jabuti de poesias – 1989 – São Paulo
4. “Livro sobre nada”

Prêmio Nestlé de Poesia – 1996
5. “Livro das Ignorãnças”

Prêmio Alfonso Guimarães da Biblioteca Nacional
Rio de Janeiro – 1996
6. Conjunto de obras

Prêmio Nacional de Literatura do Ministério da Cultura
05 de novembro de 1998
7. Secretaria de Cultura de Mato Grosso do Sul como melhor escritor do ano 1990

“Prêmio Jacaré de Prata”
8. Livro “Exercício de ser criança”

Prêmio Odilo Costa Filho – Fundação do Livro Infanto Juvenil – 2000
9. Livro “Exercício de ser criança” – 2000

Prêmio Academia Brasileira de Letras
10. Pen Clube do Brasil- data não anotada
11. “O fazedor de amanhecer (Salamandra)

Llivro de ficção do ano – Prêmio Jabuti- 2002
12. “Poemas Rupestres”
Prêmio APCA 2004 de melhor poesia- 29 de março de 2005
13. “Poemas Rupestres”
Prêmio Nestlé – 2006

Manoel de Barros – Biografia

Manoel de Barros
Manoel de Barros

Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em Cuiabá (MT) no Beco da Marinha, beira do Rio Cuiabá, em 19 de dezembro de 1916, filho de João Venceslau Barros, capataz com influência naquela região. Mudou-se para Corumbá (MS), onde se fixou de tal forma que chegou a ser considerado corumbaense.

Morava em Campo Grande (MS). Era advogado, fazendeiro e poeta.

Tinha um ano de idade quando o pai decidiu fundar fazenda com a família no Pantanal: construir rancho, cercar terras, amansar gado selvagem. Nequinho, como era chamado carinhosamente pelos familiares, cresceu brincando no terreiro em frente à casa, pé no chão, entre os currais e as coisas “desimportantes” que marcariam sua obra para sempre. “Ali o que eu tinha era ver os movimentos, a atrapalhação das formigas, caramujos, lagartixas. Era o apogeu do chão e do pequeno.”

Com oito anos foi para o colégio interno em Campo Grande, e depois no Rio de Janeiro.

Não gostava de estudar até descobrir os livros do padre Antônio Vieira: “A frase para ele era mais importante que a verdade, mais importante que a sua própria fé. O que importava era a estética, o alcance plástico. Foi quando percebi que o poeta não tem compromisso com a verdade, mas com a verossimilhança.” Um bom exemplo disso está num verso de Manoel que afirma que “a quinze metros do arco-íris o sol é cheiroso.” E quem pode garantir que não é? “Descobri que servia era pra aquilo: Ter orgasmo com as palavras.” Dez anos de internato lhe ensinaram a disciplina e os clássicos a rebeldia da escrita.

Mas o sentido total de liberdade veio com “Une Saison en Enfer” de Arthur Rimbaud (1854-1871), logo que deixou o colégio. Foi quando soube que o poeta podia misturar todos os sentidos. Conheceu pessoas engajadas na política, leu Marx e entrou para a Juventude Comunista. Seu primeiro livro, aos 18 anos, não foi publicado, mas salvou-o da prisão. Havia pichado “Viva o comunismo” numa estátua, e a polícia foi buscá-lo na pensão onde morava. A dona da pensão pediu para não levar o menino, que havia até escrito um livro.

O policial pediu para ver, e viu o título: “Nossa Senhora de Minha Escuridão”. Deixou o menino e levou a brochura, único exemplar que o poeta perdeu para ganhar a liberdade.

Quando seu líder Luiz Carlos Prestes foi solto, depois de dez anos de prisão, Manoel esperava que ele tomasse uma atitude contra o que os jornais comunistas chamavam de “o governo assassino de Getúlio Vargas.” Foi, ansioso, ouvi-lo no Largo do Machado, no Rio.

E nunca mais se esqueceu: “Quando escutei o discurso apoiando Getúlio — o mesmo Getúlio que havia entregue sua mulher, Olga Benário, aos nazistas — não agüentei. Sentei na calçada e chorei. Saí andando sem rumo, desconsolado. Rompi definitivamente com o Partido e fui para o Pantanal”.

Mas a idéia de lá se fixar e se tornar fazendeiro ainda não havia se consolidado no poeta. Seu pai quis lhe arranjar um cartório, mas ele preferiu passar uns tempos na Bolívia e no Peru, “tomando pinga de milho”. De lá foi direto para Nova York, onde morou um ano. Fez curso sobre cinema e sobre pintura no Museu de Arte Moderna. Pintores como Picasso, Chagall, Miró, Van Gogh, Braque reforçavam seu sentido de liberdade.

Entendeu então que a arte moderna veio resgatar a diferença, permitindo que “uma árvore não seja mais apenas um retrato fiel da natureza: pode ser fustigada por vendavais ou exuberante como um sorriso de noiva” e percebeu que “os delírios são reais em Guernica, de Picasso”. Sua poesia já se alimentava de imagens, de quadros e de filmes. Chaplin o encanta por sua despreocupação com a linearidade. Para Manoel, os poetas da imagem são Federico Fellini, Akira Kurosawa, Luis Buñuel (“no qual as evidências não interessam”) e, entre os mais novos, o americano Jim Jarmusch. Até hoje se confessa um “…’vedor’ de cinema. Mas numa tela grande, sala escura e gente quieta do meu lado”.

Voltando ao Brasil, o advogado Manoel de Barros conheceu a mineira Stella no Rio de Janeiro e se casaram em três meses. No começo do namoro a família dela — mineira — se preocupou com aquele rapaz cabeludo que vivia com um casaco enorme trazido de Nova York e que sempre se esquecia de trazer dinheiro no bolso. Mas, naquela época, Stella já entendia a falta de senso prático do noivo poeta. Por isso, até hoje Manoel a chama de “guia de cego”.

Stella o desmente: “Ele sempre administrou muito bem o que recebeu.” E continuam apaixonados, morando em Campo Grande (MS). Têm três filhos, Pedro, João e Marta (que fez a ilustração da capa da 2a. edição do “Livro das pré-coisas”) e sete netos.

Escreveu seu primeiro poema aos 19 anos, mas sua revelação poética ocorreu aos 13 anos de idade quando ainda estudava no Colégio São José dos Irmãos Maristas, no Rio de Janeiro, cidade onde residiu até terminar seu curso de Direito, em 1949. Como já foi dito, mais tarde tornou-se fazendeiro e assumiu de vez o Pantanal.

Seu primeiro livro foi publicado no Rio de Janeiro, há mais de sessenta anos, e se chamou “Poemas concebidos sem pecado”. Foi feito artesanalmente por 20 amigos, numa tiragem de 20 exemplares e mais um, que ficou com ele.

Nos anos 80, Millôr Fernandes começou a mostrar ao público, em suas colunas nas revistas Veja e Isto é e no Jornal do Brasil, a poesia de Manoel de Barros.

Outros fizeram o mesmo: Fausto Wolff, Antônio Houaiss, entre eles. Os intelectuais iniciaram, através de tanta recomendação, o conhecimento dos poemas que a Editora Civilização Brasileira publicou, em quase a sua totalidade, sob o título de “Gramática expositiva do chão”.

Hoje o poeta é reconhecido nacional e internacionalmente como um dos mais originais do século e mais importantes do Brasil. Guimarães Rosa, que fez a maior revolução na prosa brasileira, comparou os textos de Manoel a um “doce de coco”. Foi também comparado a São Francisco de Assis pelo filólogo Antonio Houaiss, “na humildade diante das coisas. (…) Sob a aparência surrealista, a poesia de Manoel de Barros é de uma enorme racionalidade. Suas visões, oníricas num primeiro instante, logo se revelam muito reais, sem fugir a um substrato ético muito profundo. Tenho por sua obra a mais alta admiração e muito amor.”

Segundo o escritor João Antônio, a poesia de Manoel vai além: “Tem a força de um estampido em surdina. Carrega a alegria do choro.” Millôr Fernandes afirmou que a obra do poeta é “‘única, inaugural, apogeu do chão.”

E Geraldo Carneiro afirma: “Viva Manoel violer d’amores violador da última flor do Laço inculta e bela. Desde Guimarães Rosa a nossa língua não se submete a tamanha instabilidade semântica”. Manoel, o tímido Nequinho, se diz encabulado com os elogios que “agradam seu coração”.

O poeta foi agraciado com o “Prêmio Orlando Dantas” em 1960, conferido pela Academia Brasileira de Letras ao livro “Compêndio para uso dos pássaros”. Em 1969 recebeu o Prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal pela obra “Gramática expositiva do chão” e, em 1997, o “Livro sobre nada” recebeu o Prêmio Nestlé, de âmbito nacional.

Em 1998, recebeu o Prêmio Cecília Meireles (literatura/poesia), concedido pelo Ministério da Cultura.

Numa entrevista concedida a José Castello, do jornal “O Estado de São Paulo”, em agosto de 1996, ao ser perguntado sobre qual sua rotina de poeta, respondeu:

“Exploro os mistérios irracionais dentro de uma toca que chamo ‘lugar de ser inútil’. Exploro há 60 anos esses mistérios. Descubro memórias fósseis. Osso de urubu, etc. Faço escavações. Entro às 7 horas, saio ao meio-dia. Anoto coisas em pequenos cadernos de rascunho. Arrumo versos, frases, desenho bonecos. Leio a Bíblia, dicionários, às vezes percorro séculos para descobrir o primeiro esgar de uma palavra. E gosto de ouvir e ler “Vozes da Origem”. Gosto de coisas que começam assim: “Antigamente, o tatu era gente e namorou a mulher de outro homem”. Está no livro “Vozes da Origem”, da antropóloga Betty Mindlin. Essas leituras me ajudam a explorar os mistérios irracionais. Não uso computador para escrever. Sou metido. Sempre acho que na ponta de meu lápis tem um nascimento.”

Diz que o anonimato foi “por minha culpa mesmo. Sou muito orgulhoso, nunca procurei ninguém, nem freqüentei rodas, nem mandei um bilhete. Uma vez pedi emprego a Carlos Drummond de Andrade no Ministério da Educação e ele anotou o meu nome. Estou esperando até hoje”, conta. Costuma passar dois meses por ano no Rio de Janeiro, ocasião em que vai ao cinema, revê amigos, lê e escreve livros.

Não perdeu o orgulho, mas a timidez parece cada vez mais diluída. Ri de si mesmo e das glórias que não teve. “Aliás, não tenho mais nada, dei tudo para os filhos. Não sei guiar carro, vivo de mesada, sou um dependente”, fala. Os rios começam a dormir pela orla, vaga-lumes driblam a treva. Meu olho ganhou dejetos, vou nascendo do meu vazio, só narro meus nascimentos.”

O diretor Pedro Cezar filma “Só dez por cento é mentira”, um documentário sobre a vida do poeta que deverá ser exibido em abril de 2007.

O título do filme refere-se a uma frase de Manoel de Barros: “Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira”.

Manoel de Barros – Obras

1937 — Poemas concebidos sem pecado
1942
— Face imóvel
1956
— Poesias
1960
— Compêndio para uso dos pássaros
1966
— Gramática expositiva do chão
1974 —
Matéria de poesia
1982
— Arranjos para assobio
1985
Livro de pré-coisas (Ilustração da capa: Martha Barros)
1989
— O guardador das águas
1990
— Poesia quase toda
1991
— Concerto a céu aberto para solos de aves
1993
— O livro das ignorãças
1996
— Livro sobre nada (Ilustrações de Wega Nery)
1998 —
Retrato do artista quando coisa (Ilustrações de Millôr Fernandes)
1999 —
Exercícios de ser criança
2000 —
Ensaios fotográficos
2001
— O fazedor de amanhecer
2001
— Poeminhas pescados numa fala de João
2001
— Tratado geral das grandezas do ínfimo (Ilustrações de Martha Barros)
2003
— Memórias inventadas – A infância (Ilustrações de Martha Barros)
2003
— Cantigas para um passarinho à toa
2004
— Poemas rupestres (Ilustrações de Martha Barros)

Manoel de Barros – Poeta

Manoel de Barros
Manoel de Barros

O fotografado

Manoel de Barros é considerado um dos maiores poetas brasileiros vivos da atualidade, com mais de 15 livros publicados desde 1937.

Viveu grande parte da vida literária editando obras artesanais, de escassa circulação, caracterizado pelos rótulos de ‘poeta do Pantanal’, ‘alternativo’ e ‘de fala torta’.

Nasceu em Cuiabá (MT), em 1916. Mudou-se para Corumbá (MS), onde se fixou de tal forma que chegou a ser considerado corumbaense.

Morava em Campo Grande (MS).

Advogado e fazendeiro, foi reconhecido tardiamente como poeta, na década de 80, por críticos e personalidades como Antonio Houaiss, Millôr Fernandes e Ênio Silveira e virou uma ‘coqueluche’ da nova literatura brasileira. Hoje é editado em grandes tiragens e tem se destacado como um dos escritores contemporâneos mais premiados, com distinções como Jabuti, Nestlé e Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA).

Os títulos de sua trajetória antecipam a inclinação pelo improviso, elegendo os pássaros e o rumor do solo como seus protagonistas.

Entre eles, destacam-se: Gramática Expositiva do Chão, Arranjos para Assobio, Livro de Pré-coisas, Livro das Ignorãças e Livro sobre Nada.

Seu universo não é nada urbano: anhuma, pacus, graxas, nervos, beija-flor de rodas vermelhas, gravanhas. O que resulta, a princípio, no efeito de estranheza para quem vive em grandes cidades. Ele é porta-voz de um mundo que não é habitual aos moradores das metrópoles. Um local ancestral, onde os seres miúdos e os animais silvestres reinam e compõem um particular bestiário. O cenário da qual parte sua voz é o da floresta, do mato embrenhado, das extensões dos rios. Tudo se mistura num processo de troca e sinestesia.

A natureza é humanizada, a ponto de não a diferenciarmos do homem:

“O homem deste lugar é uma continuação de águas” (LPC, GEC, p. 229 )
“A gente é rascunho de pássaro” (MP, GEC, p.185)

O mote portanto não é o homem e sim o próprio lugar, no revezamento de chão entre seus mais distintos habitantes.

“Formigas carregam suas latas.
Devaneiam palavras.
O escuro encosta nelas para ter vagalumes” (GA, GEC, p. 286)

As formigas, no caso, recebem características humanas do devaneio e do vocabulário. A transferência emotiva resulta em imagens insólitas, de uma superexposição dos detalhes. As formigas carregam latas, o que não é natural. Elas devaneiam, o que não é natural. Elas geram vaga-lumes, o que não é natural.

Desde já, inicia-se um pacto entre criação e recepção, um pacto de leitura. Entenda-se que não é um contrato, racional e negociável, que estabelece cláusulas a ser seguidas por ambas as partes, leitor e autor. Se o contrato significa o gradual convencimento dos dois lados, o pacto pressupõe uma adesão instantânea de uma das partes, uma crença absoluta no desenrolar – ainda que absurdo – dos acontecimentos. O que poderia ser considerado inverosímil no contrato, não o é na convenção de um pacto, firmado na cumplicidade e consentimento verbal.

A poesia hiperbólica de Barros centra o foco na trajetória das miudezas. A hipérbole é uma forma de chamar a atenção para o secundário, afirmando uma importância até então esquecida. Quando se deseja atrair o interesse, o exagero é peça fundamental. Introduz elementos como se fossem conhecidos. Trabalha com certezas que não são usuais, nem racionais, mas de fundo emocional.

Certezas imaginárias que fixam relações psicossomáticas entre elementos díspares: formigas – homens – vaga-lumes. O autor visualiza as formigas como contempladoras, transfigurando sua condição inata. O que ele pretende? Acredito que seja desligar a palavra das informações e antecedentes culturais pré-existentes. Abolir a historicidade evidente, reencontrando o mistério da pronúncia. Ele desconstrói para construir. Desautomatiza o vocábulo em busca de um arranjo inédito, do rastro verbal originário. Efetua uma limpeza, uma ‘faxina’, sobretudo com o propósito de reverter vícios do uso lingüistico corrente e oficial.

O encantamento é um efeito da ressonância. O escrito é distorcido para ecoar puramente canto. Ou melhor, a alteração provoca um choque acústico, porque lida com a desarticulação de experiências idiomáticas, próprias da construção racional de um diálogo, do interlocutor.

Um dos primeiros requisitos para se afeiçoar à leitura de Manoel de Barros é rejeitar a verossimilhança. Sua literatura não reproduz a realidade, funciona como espécie de mediadora entre o que ela oferece e o como é percebida. A poesia pretende exercer um poder encantatório, capaz de modificar a realidade em função de um ideal estético e de prazer acústico. Peixes podem morar na árvore, assim como o vento ser apanhado pelo rabo – dois exemplos que não condizem com a normalidade do cotidiano, mas que terminam sendo acatados em função do pacto de leitura, de não duvidar do autor e sim compartilhar com ele a irrealidade das imagens.

Manoel de Barros faz uma poesia que pensa, não uma poesia que olha. Pensar diferente é a bronca de Manoel de Barros com a linguagem. Ele não está descrevendo a formiga, simula pensar como a formiga, deslocando-a para outras paragens que não a dela. O exagero é decorrente do fato de raciocinar por ela e como ela.

Poesia não é para compreender, mas para incorporar.
Entender é parede; procure ser árvore” (AA, GEC, p. 212)

O poeta conceitua sua poesia enquanto a realiza. Sua opinião é suspeita, quer nos chamar atenção para determinada maneira de entendê-lo. De acordo com sua observação, compreender é manter o respeito pela individualidade. Segundo Barros, o esforço vai além do entendimento, reivindica que o leitor seja igual à sua poesia e que os animais possam falar pelo autor. Da mesma forma em que o autor pede ao interlocutor que acredite piamente no que lê, finge pensar como os animais de sua poética.

Barros parece integrar o mundo da ‘metáfora total’, estipulado pelo crítico Northrop Frye:

“Um mundo de símile total, onde tudo fosse como tudo o mais, seria um mundo de total monotonia; um mundo de metáfora total, onde tudo é identificado consigo mesmo e com tudo o mais, seria um mundo onde o sujeito e o objeto, a realidade e a organização mental de realidade são a mesma coisa. Esse mundo da metáfora completa é causa formal da poesia”. (Fábulas de identidade, Northrop Frye, p. 270)

O “mundo da metáfora total”, bem apanhado pelo crítico inglês, estuda a percepção das coisas como idéias, e não propriamente como coisas. No caso de Manoel de Barros, ao buscar a singularidade de cada visão, o autor correr o risco de assassinar o elo comum com o cotidiano do leitor e o nexo da leitura. No momento de destruir uma identidade e não restaurá-la em seguida, involuntariamente cria uma sucessão de destroços impossíveis para a decodificação. Uma metáfora descende da outra, degenerando progressivamente a origem do real, perdendo o começo de tudo. Ao invés do poeta intercalar idéia e coisa, fica-se com a idéia-idéia, cada vez mais distante da coisa em si e imerso num plano inteiramente imaginário. Trata-se de uma ordem que emprega a desordem. O universo é reinaugurado em benefício de uma disfunção do real. Manoel de Barros não figura ou configura a realidade, trabalha na transfiguração ininterrupta do homem.

Diga-se de passagem que Barros não está aí para os ditames do mercado. Condiciona a poesia a tudo o que não presta, não tem valia. Inverte a escala do válido e do inválido. O que a sociedade de consumo preza, ele despreza, e vice-versa. Por quê? Não está interessado em repetir o cotidiano, mas em reciclá-lo. Um carro no ferro-velho, de acordo com sua teoria, tem mais valor que um novo na concessionária.

“Um chevrolé gosmento
Coleção de besouros abstêmios” (MP, GEC, p.179)

Não lhe interessa a vida útil do objeto, mas a vida espiritual que se inicia no fim prático, no momento em que é descurado e abandonado. O carro deixa de ser usado e passa a colecionar besouros, atuando como responsável por uma atividade lúdica. De submissos, os pertences atingem a alforria de despertences.

Autônomos, percebem a existência como se fossem pessoas recém-chegadas, libertas das experiências anteriores. Independentes, gozam de uma sadia amnésia.

A equação baseia-se em desprover a função social ou ambiental da coisa, reificando-a num brinquedo destinado à fruição. O que era jugo econômico é jogo sensitivo. O prazer está unicamente em celebrar. Celebrar gratuidades sonoras, visuais e semânticas.

Brinquedos verbais

A poesia de Manoel de Barros articula-se no patamar de brincadeira e interação recreativa. Como o material tematizado é o entulho, o traste, a sobra, a ordem de seu chão é criar novos objetos a partir dos abandonados. Ou de dar novas modalidades às coisas imprestáveis. Incorpora em sua escritura a mania da criança em montar brinquedos com restos de outros. Do reaproveitamento artístico e imaginativo do que perdeu sua consistência econômica.

“Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria” (LN, p. 71)

O que diferencia os objetos em Manoel de Barros é o manuseio. Ele não recorre à utilização produtiva, se estabelece em padrões de qualidade e eficácia. Suas imagens são conceitos de repouso e lazer, restritas a aspirações lúdicas e descobertas verbais.

Sua poética absorve a infância como reduto da espontaneidade. A relação do poeta com as palavras decorre da confecção de brinquedos, com o objetivo de preparar surpresas.

“Meu irmão veio correndo mostrar um brinquedo que
inventara com palavras. Era assim: besouros não trepam no abstrato” (LN, p. 23)

O que Barros parece desejar é exercer a liberdade de animar a matéria, sem sofrer a cobrança de explicá-la. O perfil da criança personifica perfeitamente o papel de revelar a riqueza e as variações das imagens. Ela se resguarda no escudo da ingenuidade. Sua percepção inventiva procura saciar a curiosidade.

O brinquedo acima é composto de palavras, e o valor dele será validado na forma do maravilhamento. O trecho “veio mostrar correndo” comprova a expectativa do irmão em arrebatar a cumplicidade. A função do real – besouros – é adaptada para uma função onírica – trepar no abstrato.

“Hoje completei 10 anos. Fabriquei um brinquedo com
palavras. Minha mãe gostou. É assim:
De noite o silêncio estica os lírios.” (LN, p.33)

Os vocábulos se atraem como um quebra-cabeça, formando um mosaico lingüístico, que consiste em conciliar uma peça concreta sob o fluxo de um abstrata, isto é, os lírios com o silêncio. O verbo é o encaixe.

A poética eminentemente da primeira pessoa, do eu falando e recordando, costuma provocar a persuasão, ansiando convencer o interlocutor da autenticidade da situação. A improvisação é outro requisito atendido na narração lírica de Barros. A criança improvisa com o mínimo suporte. Barbantes, pipas, bolinhas de gude, carrinhos com a tração de insetos. Os efeitos especiais têm simbólico orçamento, reivindica apenas o senso da transmutação, o faz-de-conta.

“Remexo com um pedacinho de arame nas
minhas memórias fósseis.
Tem por lá um menino a brincar no terreiro:
entre conchas, ossos de arara, pedaços de pote,
sabugos, asas de caçarola etc.
E tem um carrinho de bruços no meio do
terreiro.
O menino cangava dois sapos e os botava a
puxar o carrinho.
Faz de conta que ele carregava areia e pedras
no seu caminhão.
O menino também puxava, nos becos de sua
aldeia, por um barbante sujo uma latas tristes.
Era sempre um barbante sujo.
Eram sempre umas latas tristes.
O menino é hoje um homem douto que trata
com física quântica.
Mas tem nostalgia das latas.
Tem saudades de puxar por um barbante sujo
umas latas tristes.” (RAQC, p. 47)

Há a preferência pela memória tátil, priorizando os objetos pequenos que podem caber na mão: latas, ossos de arara e sabugos. Coisas diminutas que compõem o arsenal reflexivo.

De acordo com Viviana Bosi Concagh, que desenvolveu um estudo sobre o poeta norte-americano John Ashbery, a atitude descende do verdadeiro espírito surrealista:

“(…) aquele que amplia o ‘espaço dos sonhos’ em que vivemos, capaz de recuperar a dimensão livre da percepção infantil, que vê com o mesmo encanto uma bolinha de gude rolando ou a passagem de um cometa. Sem o constrangimento da perspectiva analítica, recuperam o sem-fundo do supra-real” (John Ashbery – um módulo para o vento, Viviana Bosi Concagh, p. 86-87)

A brincadeira consiste na capacidade especulativa de deduzir formas onde não existiam, de não depender de nada além das coisas. Manoel de Barros se julga na condição de um escritor primitivo, pretende – e a pretensão não implica juízo de valor – entrar diretamente nas coisas, não nos nomes das coisas que facilitam o reconhecimento delas.

Essa ligação direta com as coisas – de tutela e paternidade com o destino delas – é uma das preferências de Manoel de Barros.

A criança não se limita a realidade física: de dois sapos ela prepara uma charrete. Da penúria material externa ocorre a demasia de possibilidades interiores. A criança mal se detém numa opção e começa outra, sem eliminar os objetos de sua trajetória, que se interpenetram, ocasionando um parque de diversões em miniatura. O protagonista do poema citado é um homem que mesmo desfrutando de uma posição de respeito, de físico quântico, recorda da infância como a melhor parte da vida. O adulto ressente-se de ter envelhecido. “O menino é hoje um homem douto (…)/ Mas tem nostalgia das latas./ Tem saudades de puxar por um barbante sujo/umas latas tristes.” Sua riqueza está no passado, na matéria sonhada da infância – as latas tristes e o barbante sujo. Os adjetivos depreciativos – tristes e sujo – no contexto são reiterativos de valor emocional.

“Fui criado no mato e aprendi a gostar das coisinhas do chão” (RAQC, p. 27)

O olhar rasteiro de Manoel de Barros é perfomático, estabelece uma posição teatral diante da vida, enfatizando aspectos de sua emoção com a adjetivação.

Vasculha o paradeiro dos animais e das plantas com uma visão que se pretende infantil. Cumpre um recenseamento para provar a exuberância das inutilidades.

Nada escapa da analogia, transforma elementos heterogêneos e isolados em gêmeos de sentido.

“A hera veste meus princípios e meus óculos” (AA, GEC, p. 203)

Manoel de Barros abole a arbitrariedade em benefício das semelhanças. A hera e o óculos se encontram no ineditismo da comparação, circunscrevendo um homem abandonado.

Isso o escritor argentino Júlio Cortázar qualifica como ‘direção analógica’, dispositivo que domina a infância:

“Uma criança de quatro anos pode dizer com toda a espontaneidade: ‘Que esquisito: as árvores se agasalham no verão, ao contrário da gente’, mas só aos oito aprenderá as características dos vegetais e o que vai de uma árvore a um legume. Foi suficientemente provado que a tendência metafórica é lugar-comum do homem, e não atitude privativa da poesia” (Valise de Cronópio, p. 86)

A fase infantil permite a formulações de personagens. O fingimento é o mecanismo da metamorfose, de exercitar uma totalidade com o ambiente, ainda que fugaz, de estar em todas as partes e ser vários ao mesmo tempo. E esses personagens dependem do magnetismo das coisas para transitar da irrealidade ao cotidiano.

“Fazia tudo de conta.
Fingia que lata era um navio e viajava de lata.
Fingia que vento era cavalo e corria ventana.
Quando chegou a quadra de fugir de casa, o menino
montava num lagarto e ia pro mato.
Mas logo o lagarto virava pedra” (EF, p. 53)

O homem acompanha a mutação da fauna e da flora, cedendo a novos contornos.

“Um passarinho pediu a meu irmão para ser a sua árvore.
Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho” (EF, p. 63)

Veja-se a intenção de reproduzir a circularidade do raciocínio de um menino. O segundo verso quase repete invertido o primeiro, com pequenas alterações. A repetição infunde o frescor da oralidade da idade, de frases geminadas, amparando-se na relação causa-efeito.

“Chove torto no vão das árvores.
Chove nos pássaros e nas pedras.
O rio ficou de pé e me olha pelos vidros.
Alcanço com as mãos o cheiro dos telhados.
Crianças fugindo das águas
Se esconderam na casa.
Baratas passeiam nas formas de bolo…
A casa tem um dono em letras.
Agora ele está pensando –
no silêncio líquido
com que as águas escurecem pedras…
Um tordo avisou que é março.” (GA, GEC, p. 297)

“Fotografei a Nuvem de calça e o poeta.
Ninguém outro poeta do mundo faria uma roupa
Mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal” (EF, p.12)

“O vento se harpava em minhas lapelas desatadas” (AA, GEC, p. 207)

A poesia de Manoel de Barros condiciona diferentes figuras de linguagem, produzindo deformações sintáticas. Espécie de dublagem infantil, intencionada a despir o corpo fônico do uso corrente. Encontramos neologismos (harpava), glossário moderno (legal), sinestesia (Alcanço com as mãos o cheiro dos telhados), prosopopéia (O rio ficou de pé e me olha), entre outros. O conjunto heterogêneo – reunião de várias camadas e recursos estilísticos -, promove uma reorganização da língua como a estética do erro, estética que simula o nível da criança enquanto está aprendendo.

Fonte: www.imdb.com/rateyourmusic.com/www.fnt.org.br/www.lume.ufrgs.br

 

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