Imagem de São Pedro

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A história e a lenda quase sempre se encontram. E se esta tem, no geral, por base a história, a história, não raro, é baseada na lenda. Daí a grande oportunidade e o grande valor das lendas para os estudos sociológicos e psicológicos dos povos.

Era uma vez…

(Por que não começar a história, ou as lendas, como nos encantados contos de fadas que tão gratos nos foram nos velhos tempos de nossa infância?)

Era uma vez um navio que, com outros, partira para longes terras…

Saíra de Palos, rumo ao Prata.

Adeuses… Preces… Flâmulas ao vento… Velas pandas….

Alto mar… água do céu… calmaria…

Súbito, um temporal já em costas sul-americanas.

A esquadrilha dissolveu-se… Todos os navios voltaram. Todos, menos um, menos aquele que trazia em seu bojo, religiosamente, a imagem de São Pedro.

Depois…

Vejamos a história como se passou:

Descoberto o Brasil no ano de 1500 por um povo visceralmente religioso e, depois, em lutas contínuas com outro povo não menos religioso, não é de estranhar-se ter nascido o Brasil no seio da religião católica e, dentro dele, dois séculos mais tarde, o Rio Grande do Sul.

Já Silva Paes ao entrar na barra do Rio Grande, – a então “barra diabólica” de Gomes Freire, – trouxera consigo sacerdotes para que a seus soldados não faltasse a assistência religiosa.Nenhum aviso, naquelas priscas eras, partia, de Portugal ou de Espanha, quer em guerra de conquista, quer para tomar posse de nova terra, quer para conduzir povoadores, sem seu capelão e suas imagens para a ermida, capela ou igreja a ser construída na nova pátria.
E foi assim que, certo dia, partiu de Espanha, rumo ao Prata, pequena armada, conduzindo, um dos navios, bela imagem de madeira do grande pescador da Galiléia que foi, o primeiro papa da cristandade: São Pedro.

Naus pequenas, de pouco calado, em meados de maio do ano de 1742, pelas alturas da ilha de Santa Catarina violento temporal se fez sentir e as gloriosas naus de Castela foram dispersas, aportando algumas, sem o querer, nas costas catarinenses, enquanto outras eram impelidas pela brutalidade do temporal para o sul e para as costas africanas.

Finalmente, depois de mais de quinze dias reuniram-se novamente as caravelas de Espanha nas proximidades do cabo de Santa Maria, ao sul de Maldonado.

Mas… faltava ainda uma nau.

Por ela esperaram um dia, dois, uma semana… Nada.

Teria voltado para Espanha? Teria aportado nas costas da África? Teria naufragado?

Eram perguntas que todos se faziam em torno da ausência da caravela Nuestra Señora del Pilar.

Um dia, esquecidos já todos da sorte da nau espanhola, estando no Rio Grande, em visita de inspeção o fundador do presídio Jesus, Maria, José, – brigadeiro José da Silva Paes, então governador de Santa Catarina, fato estranho movimentou a população naquele pôr-de-sol de 27 de junho.

Vivia ainda o pequeno povoado cheio de aflição a espera do resultado do processo dos implicados no levante de 4 de janeiro, promovido pela soldadesca esfarrapada e há mais de ano sem percepção do soldo.

Governava o presídio, como comandante militar, desde 5 de março de 1739, dia em que recebeu, por doença do mestre de campo André Ribeiro Coutinho, as rédeas da comandância, – o coronel Diogo Osório Cardoso que no levante de 4 de janeiro de 1742 tão importante papel desempenhara.

Mar calmo, sereno como um lago… O sol dardejava seus últimos raios, suaves, sobre as ondas mansas da praia, banhando o céu com infindas cambiantes de cores desde o rubro ao alaranjado, deitando nas almas aquela branda nostalgia tão própria dos exilados fora da pátria e que esses crepúsculos de junho primam por alimentar.

Terra… areias e mais areias… E o mar, além, a se perder de vista, incendiado no longínquo horizonte… Na praia pequeno grupo de homens e mulheres, imersos na saudade, a cantar velhas “canções de amigo”, ternas “canções de amor”:

Mais digna de ser servida
Que senhora deste mundo
Vós sois o meu deus segundo
Vós sois meu bem desta vida

Enquanto cantavam, o leve marulho das ondas beijando a areia, semelhava acordes de harpa eólia acompanhando a canção:

Vós sois aquele que amo
Por vosso merecimento
Com tanto contentamento
Que por vós a mim desamo

A vós só é devida
Lealdade neste mundo
Pois sois o meu deus segundo
E meu prazer desta vida

Depois, nostálgicas trovas de velhos romances populares:

– Rio Doiro, rio Doiro
Rio de mau navegar
Dize-me, essas tuas águas
Aonde as foste buscar?

Eram os mirandenses, os trasmontanos, relembrando seus romances:

– Dir-te-ei a pérola fina
Aonde eu a fui roubar
Ribeiras correm ao rio
O rio corre a la mar

Quem me roubou minha jóia
Sua jóia lhe fui roubar…
O moiro que assim cantava
Gaia que o estava a mirar…

Súbito, ao longe, avista um velho dragão coberto de cicatrizes, banhado por raio mais vivo do sol morrente, algo boiando sobre as mansas ondas.

Aponta-os aos companheiros:

– Vedes, além, aquele vulto?

Todos os olhos procuraram o vulto sobre as ondas…

– Que será?

– Uma baleia…

– Talvez tubarão…

– Quem sabe se algum náufrago?

Mas o alquebrado dragão que já tantas vezes cruzara o mar desde Lisboa ao Prata, fixando os olhos no estranho vulto que as ondas impeliam, disse, por fim:

– Não, rapazes. Aquilo não é animal. É resto de naufrágio… Parece uma tábua… Mas, – concluiu pondo-se de pé, – Não é tábua, não… É algo como caixa… Vede como joga… como é impelida…

Num gesto de velho marinheiro, saltou em frágil canoa que ali jazia, naquela arenosa praia e remou ao encontro do vulto que se achava mais ou menos meio quilômetro além.

Momentos depois, quando o sol já se deitara em pleno oceano, voltava o heróico dragão rebocando o achado, – uma caixa comprida e estreita…

A curiosidade aguçava os poucos espectadores e, posta a caixa em seco, abriram-na.

Surpresa geral!

A caixa trazia, realmente, em seu bojo, um náufrago: o velho e boníssimo pescador da Galiléia que, – como naquelas eras primeiras de quando Cristo recém entrava neste mundo, – dirigia galhardamente, pelo mar grosso, rumo à terra que era sua, o seu frágil batel de pescador, única cousa que se salvara do naufrágio daquela caravela de Nuestra Señora del Pilar…

Em pequena choça ali existente, com todo o carinho colocaram a imagem ficando os moradores daquela humilde zona em mudo culto de dulia àquela imagem milagrosa de São Pedro que as ondas aportaram naquele ainda inóspito lugar.

O velho dragão, orgulhoso e comovido, apresentou-se no presídio solicitando falar, urgente, com o coronel comandante Diogo Osório e com o brigadeiro Silva Paes.

Queria comunicar-lhes o presente divino de São Pedro que as ondas haviam trazido sabe Deus de que lonjuras…

Diogo Osório e Silva Paes, curiosos também, seguiram o velho dragão à humilíssima choupana praieira que estava servindo de nicho ao príncipe primeiro da Igreja de Cristo em Roma.

E, ali mesmo, à luz de fumarento candeeiro, resolveram transportar, solenemente, em procissão, no dia 29, dia do santo apóstolo, a imagem daquela choupana a já então capela do presídio de Jesus, Maria, José.***
29 de junho de 1742.

Festivo o dia… Salvas e repiques do pequeno sino…

O Regimento de Dragões do Rio Grande, no seu melhor uniforme, – já todo em frangalhos, – marchava solenemente, precedido de suas excelências o coronel comandante e brigadeiro visitante, ao som do tambor, rumo à choça, seguido da multidão, – aquele punhado de homens e mulheres que habitavam, então, o presídio, – para transportar a imagem sagrada do príncipe dos apóstolos.

Nove horas da manhã…

Quatro dragões, depois da missa rezada em frente à cabana sob o patrocínio de São Pedro, carregaram o andor.

… E São Pedro, devota e gloriosamente transportado, foi colocado na casa de Deus…

Te Deum… rancho melhorado.. festas populares… luminárias…

Era a primeira festa celebrada no Rio Grande do Sul, em honra do grande santo de junho, desse São Pedro que viera de tão longe, lutando com as ondas do mar grosso, trazer suas bênçãos àquele pugilo português que ali estava segregado do mundo e da humanidade, sempre de armas às costas, velando sua nova terra, – pátria que haviam de formar, como formaram, com o suor de seus rostos e o sangue de suas veias.***

São Pedro ficou sendo, desde então, oficialmente, o padroeiro do presídio, depois vila de São Pedro do Rio Grande e de toda a capitania, depois província e hoje estado do Rio Grande do Sul.

Gomes Freire de Andrade, pelas instâncias anteriores de Silva Paes e Diogo Osório Cardoso, e a novas instâncias do povo e do novo comandante, tenente-coronel Pascoal de Azevedo, resolveu mandar construir, – no mesmo local da velha capela que substituíra a ermida de Jesus, Maria, José, – a imponente matriz de São Pedro ainda hoje existente na grande e magnífica cidade gaúcha.

Lá está, no altar-mor, a gloriosa imagem de madeira e, no alto da porta, incrustada uma placa de mármore com a inscrição comemorativa da construção da igreja:

“Reinando El-Rei D. Jozé I. N. S. e sendo Gor. E Capm. Gen. Das Caaps. Do Rº Janrº, e Minas Gers o Illmo. E Exmo. Gomes Freire de Andrade do seu Consº Ml. De Campo General dos seos Exercitos. Mandou fazer esta Igreja no tempo õ conferio, e executou desta parte como principal commisrº do mesmo Rei e Senhor a Divisão das duas Monarchias. Rio Grande de S. Pedro XXV de Agosto anno de M.DCCLV”.

Fonte: ifolclore.vilabol.uol.com.br

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