Democracia Ateniense

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Para a clássica pergunta “tinham os atenienses uma verdadeira democracia?” é talvez impossível encontrar uma resposta inteiramente satisfatória. Isto porque, por um lado, “democracia” é um conceito ao qual se atribuem várias interpretações e significados, que variam consoante as épocas históricas e mesmo dentro destas.

Assim, é evidente que a concepção de “democracia” do homem da Grécia Antiga difere radicalmente da do homem moderno, mas, mesmo dentro da modernidade, regimes diametralmente opostos ostentaram o nome de “democracias”. A Europa, com efeito, viveu até há menos de 20 anos dividida em “democracias liberais”, a ocidente, e “democracias populares”, a leste.

Por outro lado, será também necessário evitar a tentação de avaliar o passado tendo o presente como único modelo válido.

Efetivamente, é demasiado fácil considerar os regimes democráticos em que hoje vivemos – e que a generalidade de nós, com uma ou outra nuance, tanto preza – tipos superiores, que estabelecem os critérios pelos quais se pode avaliar se outras formas de democracia são ou não verdadeiras. Não devemos, julgo eu, cair no erro de pensar que a forma atualmente dominante de organização política (a dita “democracia liberal”) é o produto último e definitivo da História. Aliás, é bem provável que, num futuro mais ou menos distante, os homens olhem para trás e considerem as democracias de hoje não tão democráticas quanto isso…

Neste sentido, mais do procurar saber se a democracia ateniense satisfazia exigências hoje consideradas fundamentais para uma democracia, tentarei, pelo confronto da democracia antiga tanto com a moderna, como com os outros regimes com os quais coexistia na Antiguidade, discernir em que medida ela significou ou não uma nova forma de conceber e exercer o poder da qual ainda hoje somos herdeiros e continuadores.

Isso levar-me-á a traçar as circunstâncias históricas que permitiram a emergência do regime democrático em Atenas; a esclarecer a sua composição e funcionamento; a compará-lo com as outras formas de organização política que a Grécia Antiga conhecia (nomeadamente, com a monarquia dualista de Esparta); e, por fim, a estabelecer as possíveis relações entre a democracia ateniense e as democracias modernas. Mas, antes do mais, irei dedicar algumas palavras à polis, cidade-estado, unidade territorial particular da Grécia Antiga, dentro da qual se desenrolava a vida social, política e religiosa.

A Polis

Pensa-se que a polis, enquanto unidade geográfica característica da Grécia Antiga, surgiu algures por volta dos séculos VIII/VII a. C., logo após o período que é conhecido, na História da Grécia Antiga, por Idade das Trevas. Como a própria tradução por cidade-estado deixa entender, tratava-se de um território pouco extenso. No centro, encontravam-se os templos, as repartições, o mercado (ágora) e a cidadela. Em volta, estendiam-se os campos agrícolas, que constituíam o sustentáculo económico da polis.

Não é fácil explicar o porquê da emergência desta forma de organização territorial. Por um lado, há quem aponte para o fator geográfico. Nessa perspectiva, o relevo acentuado do território grego, com o que isso implicava em termos de dificuldade de comunicação, teria conduzido naturalmente à sua formação. Por outro lado, há quem considere que foi um sentimento de insegurança, devido à ausência de um poder central capaz de evitar invasões e pilhagens, que levou ao agrupamento das populações em pequenas parcelas de território, mais fáceis de defender face a ameaças externas.

Em todo o caso, mais do que uma unidade territorial, a polis foi-se desenvolvendo como unidade espiritual, na qual o homem toma pela primeira vez consciência de que, contrariamente à natureza animal, possui uma vida política, enquanto membro de um corpo social. Essa identidade assim surgida situava-se um plano acima e independia da forma particular de organização política que vigorasse num dado momento. Estivéssemos perante uma monarquia, tirania ou democracia, teríamos sempre atenienses (ou espartanos, ou tebanos) que, em conjunto, defendiam as terras da sua polis e que, coletivamente, adoravam os seus deuses específicos. A polis moldava quem a ela pertencia.

Como afirmou Simónides: “A polis é mestra do homem.”

Hegel, ao refletir sobre a liberdade dos Gregos na sua Introdução à História da Filosofia, descreveu muito bem essa pertença ao organismo social:

“Podemos dizer que os Gregos não tinham consciência da forma primeira e verdadeira da sua liberdade; entre eles reinava o hábito de viver para a pátria, sem outra reflexão. A abstração de um estado, que é essencial para o nosso entendimento, não a conheciam, mas o seu fim era a pátria viva: essa Atenas, essa Esparta, esses templos, esses altares, essa maneira de viver conjuntamente, esse meio de concidadãos, esses costumes e esses hábitos. Para o Grego, a pátria era uma necessidade fora da qual não podia viver.”

Podemos muito bem substituir, no trecho acima citado, a termo pátria por polis, já que era essa a grande referência identitária do Grego antigo, a realidade suprema da sua vida. A identidade pan-helénica é um fenómeno posterior – surgido aquando do conflito greco-persa no século V a. C. – e bem menos intenso que o elo que unia o cidadão à sua polis.

Enquanto unidade territorial e espiritual, a polis constitui o quadro geral fora do qual não podem ser estudados os mecanismos e formas de poder que foram surgindo para a governar.

Monarquia, Aristocracia – O Poder dos Proprietários e Guerreiros

A etimologia diz-nos que o termo aristocracia significa “governo dos melhores” (aristos + kratein). Trata-se de um regime político que dominou várias polis gregas durante largos séculos. Nele, o poder encontra-se nas mãos de um número restrito de famílias, proprietárias de escravos e de vastas parcelas de terra, cuja riqueza lhes permitia assumir a direção militar e política da cidade. O princípio de sucessão era o dinástico. Assim, assegurava-se a perpetuação do poder, usualmente legitimada através da invocação de uma relação especial com os deuses.

Muitas vezes, de entre essas famílias proprietárias surgia uma figura que se erigia à cúpula do poder: o monarca. Todavia, nos regimes aristocráticos/monárquicos da Grécia Antiga a concentração total de poderes na figura única do monarca não acontecia.

Para compreendermos em profundidade a emergência e a natureza desta forma de governo, torna-se necessário traçar o rasto da propriedade de terra. Isso leva-nos a lançar um olhar sobre um passado muito distante, anterior mesmo à formação das polis.

A forma primeira de propriedade entre os povos que habitavam o território grego era a comunitária. As terras pertenciam ao clã ou à tribo e eram cultivadas pelos seus membros, sendo o produto distribuído pela comunidade. Todavia, depressa os chefes de cl㠖 ou seja, os guerreiros – começam a reclamar para si as melhores terras, concentrando-se a propriedade num número reduzido de famílias. Isso tem como resultado o progressivo empobrecimento dos camponeses e a sua redução à escravatura, incapazes que estavam de saldar as dívidas contraídas. Desta forma, desenvolvem-se paralelamente os regimes da propriedade individual e da escravatura. Estes dois regimes estão na base da ascensão e do domínio político da aristocracia.

Atenas terá vivido desde o segundo milénio a. C. num regime aristocrático. Primeiro, sob a forma de monarquia, embora os reis de Atenas sejas figuras perdidas num passado que terá tanto de histórico como de mítico. Depois, no século VIII a. C., altura em a polis já revela todas as suas características, o poder político está nas mãos do arcontes, magistrados que representam as famílias proprietárias, conhecidas como Eupatridae (“os bem nascidos”). O seu instrumento de governo era o conselho do Areópago, que se reunia na colina de Ares e tinha por função nomear os arcontes (magistrados) e o comandante do exército (polemarco). Durante este período de domínio aristocrático, Atenas vê o seu poder e a sua influência no mundo grego crescer, fruto principalmente de uma localização geográfica privilegiada. Todavia, a concentração de poder nas famílias aristocráticas começa inevitavelmente a gerar instabilidade social.

Assim, se as revoltas ocasionais de camponeses pobres e escravos são contidas sem problemas de maior, o mesmo não se pode dizer da oposição de uma nova classe emergente: os comerciantes. Estes desempenham um papel preponderante nas transformações políticas que irão pôr cobro ao domínio aristocrático.

Conflito Social – Sólon e os Tiranos Atenienses

A disseminação do uso da moeda e o incremento do comércio conduziram, de fato, a transformações sociais importantes em Atenas, com o despontar de uma classe de mercadores, comerciantes e artesãos que parecia poder colocar em causa o domínio das famílias tradicionais.

Defrontavam-se, com efeito, duas formas de riqueza: a gerada a partir das trocas comerciais (que implicava o manuseamento da moeda, atividade vista ainda com maus olhos) e a que provinha da posse de terra.

Paralelamente, e contribuindo para a situação de instabilidade, deparamos com problemas de sobrepovoação e escassez de terras em Atenas. Isso acabou por conduzir aos movimentos de expansão e fundação de colónias, mas, em todo o caso, a pressão demográfica era um outro fator que agudizava a perturbação social.

Um primeiro sinal de mudança na correlação de forças entre os grupos sociais dá-se no arcontado de Sólon. Este, apesar de pertencer à classe aristocrática, procede a uma codificação das leis da polis que vem abalar alguns dos sustentáculos do domínio das famílias tradicionais. Nomeadamente, Sólon aprovou a lei segundo a qual nenhum homem nascido em Atenas, de pai e mãe atenienses, poderia ser reduzido à escravatura. Os camponeses endividados deixavam, assim, de continuar a engrossar as fileiras de escravos das famílias proprietárias, o que resultou num enfraquecimento do poder destas. Para além disso, Sólon foi ainda o responsável pela criação da assembleia dos cidadãos (ecclesia) e do tribunal da Helieia, sendo, no entanto, de sublinhar que estes órgãos não possuíam, na legislatura de Sólon, a importância e os poderes que viriam a assumir no regime democrático.

Sólon alternou no poder com as tiranias de Pisístrato e Hípias. Ao contrário do que a designação pode fazer supor, uma tirania não era, no contexto da Grécia Antiga, um regime de terror. O termo designava, simplesmente, o governo de um homem que sobe ao poder pela força. Em Atenas, o tirano Pisístrato era até bastante popular, tendo alcançado o poder com o apoio da classe comerciante, que assim ascendia politicamente. Durante o período em que governou, Pisístrato contribuiu também para o enfraquecidamente da aristocracia, tendo mantido as instituições erigidas por Sólon e apostado fortemente na criação de uma identidade ateniense, através dos numerosos festivais públicos que instituiu (religiosos, de poesia e de teatro).

De certa forma, tanto Sólon como os tiranos (e também Clístenes, com a sua reforma territorial e administrativa), ao provocarem a erosão do poder das famílias tradicionais, abriram caminho para que fosse possível, no século V a. C., a emergência em Atenas de um regime democrático.

Contexto Histórico

Para além dos fatores referidos nos artigos anteriores, convém ainda referir um outro acontecimento histórico que contribuiu decisivamente para a implementação do regime democrático ateniense. Em 490 a. C., a ameaça persa atingia o zénite. Uma liga de cidades gregas enfrentava, em Maratona, os exércitos persas, numa batalha decisiva para a defesa do território ático. A vitória dos gregos em Maratona deveu-se sobretudo à ação da infantaria ateniense (hoplitas), composta pelos mais pobres de entre os cidadãos (demos). É, pois, natural que este papel preponderante na vitória ante os persas os tenha ajudado a adquirir um maior peso político. Começava, com efeito, a tornar-se impossível privá-los de direitos políticos, da participação na vida da polis. É assim, através dessa pressão cada vez mais intensa sobre as classes dirigentes, que surge a democracia ateniense, a qual aproveita as instituições criadas por Sólon, conferindo-lhes mais poderes, e se apoia na reforma administrativa de Clístenes.

Os Princípios da Democracia Ateniense

Democracia significa, como sabemos, governo do povo (demos + kratein). Isso não quer dizer, como é óbvio, que o demos – isto é, os cidadãos com menos recursos – tenha subido ao poder e passado a exercer o seu domínio sobre os outros grupos sociais[1]. O que acontece, no regime democrático, é a extensão dos direitos de participação política a todos os cidadãos, incluindo os mais desfavorecidos.

Ou seja, a posse de direitos políticos deixa de assentar em critérios hereditário-económicos (o princípio dinástico de sucessão da aristocracia, associado à propriedade das terras) ou apenas económicos (a riqueza das classes mercantis, que sustentava as tiranias), para passar a depender apenas de um critério de, por assim dizer, nacionalidade: têm direitos políticos todos os homens que nascem em Atenas, filhos de pai e mãe atenienses.

O regime democrático fundava-se em três grandes princípios formais:

A isonomia – igualdade de todos os cidadãos perante a lei.
A isegoria
– igualdade de todos no falar (o que se poderia traduzir, em termos modernos, por liberdade de expressão)
A isocracia
– igualdade de todos quanto ao poder (igual acesso aos cargos de poder)

É de sublinhar, nestes princípios, a prevalência da noção de igualdade. Ela é importante, na medida em que serve para abolir, pelo menos formalmente, a forte estratificação que existia nos tipos anteriores de organização política. Aliás, como refere Maria Helena da Rocha Pereira[2], os termos democracia (governo do povo) e isonomia (igualdade perante a lei) são percebidos e usados como sinónimos na Grécia Antiga. Sobre a importância da ideia de igualdade, voltaremos a falar numa próxima oportunidade, quando compararmos a democracia ateniense às democracias liberais modernas.

Finalmente, é necessário sublinhar que, fora desta igualdade, fora da comunidade política, estavam as mulheres, os estrangeiros (metecos) e os escravos. Estes grupos não possuíam direitos políticos.

Funcionamento das Instituições e Dispersão de Poderes

O órgão máximo de poder na democracia ateniense era, pelo menos em teoria, a assembleia (Ecclesia), a qual agregava a totalidade dos cidadãos na tomada de decisões. Esta reunia cerca de uma vez por mês, para discutir e votar leis, decidir sobre a paz e a guerra e nomear magistrados de todo o tipo. Respeitando-se o princípio da isegoria, todos os cidadãos podiam tomar a palavra na assembleia. Contudo, o que acontecia é que acabavam por emergir certos grupos de cidadãos que, pela sua influência, disponibilidade e talento oratório, conseguiam orientar e dominar as discussões e votações. Para tentar conter esta tendência, introduziu-se a disposição legal do ostracismo, pela qual um cidadão considerado demasiado influente podia ser afastado da vida política por um período até dez anos.

Como antecâmara das discussões e votações da Ecclesia, a Boulê (ou Conselho dos 500) era também uma instituição essencial. A sua função era preparar a ordem de trabalhos da Ecclesia, pelo que muito do poder efetivo se situava na Boulê. Com efeito, propostas demasiado controversas podiam ser rejeitadas por este órgão e nem sequer chegar à votação na Ecclesia. A Boulê compunha-se de 50 membros de cada uma das dez tribos surgidas com a reforma de Clístenes.

Cada tribo ocupava a direção durante cerca de 35 dias por ano, num regime de rotatividade que se estendia ao líder do órgão (o epístata), o qual mudava todos os dias.

Para além destes dois grandes órgãos, os strategoi, líderes militares, ocupavam igualmente cargos de muito poder. Estes eram cidadãos eleitos pela assembleia e que a ela deviam prestar contas, mas, na verdade, tinham larga autonomia e o seu poder e influência não se restringiam à esfera militar. Aliás, a este respeito, basta lembrar que Péricles, a figura mais importante do século V a. C. ateniense, foi um strategó. Depois, numa outra ala de poder, subsistiam ainda os arcontes, como herança do regime aristocrático. O seu poder era meramente simbólico, mas continuavam a possuir algum prestígio social e a presidir às cerimónias religiosas.

Por fim, importa referir o papel dos dois tribunais. O do Areópago havia transitado do regime aristocrático e julgava apenas casos muito específicos, tendo portanto um grau de intervenção pequeno na vida pública. Já o tribunal da Helieia, central no regime democrático, era composto por 6000 cidadãos (tirados à sorte) e decidia sobre a generalidade dos casos.

Como esta descrição deixa entender, não havia um clara separação de poderes na democracia ateniense. Pelo contrário, os poderes estavam dispersos pelos vários órgãos e cargos, sendo que as competências específicas de cada um não estavam definidas à partida e resultavam mais da experiência prática do que de uma hierarquização formal que a precedesse. No fundo, o importante não era saber a quem cabia tomar que decisões, mas sim que as decisões exprimissem a soberania popular, independentemente do órgão em que fossem tomadas.

Duas Questões Controversas

Depois de traçada a sua emergência histórica, abordados os seus princípios fundadores e esclarecido o seu funcionamento, penso ser importante referir duas questões problemáticas que surgiram acerca da natureza da democracia ateniense.

A primeira releva das afirmações de alguns autores, segundo as quais a democracia ateniense seria, na verdade, “uma aristocracia alargada”. Este julgamento baseia-se em dados estatísticos que nos dizem que os cidadãos eram apenas 10% da população ateniense, pelo que a grande maioria continuava sem direitos políticos. Ora, embora tais dados não sejam menosprezáveis, não creio que sirvam para tirar a conclusão referida. Isto porque, quanto a mim, a particularidade fundamental da democracia ateniense, a sua essência, é a fundação da legitimidade do poder na vontade do Povo, abolindo, assim, qualquer princípio dinástico e acabando com a personalização do poder. Nessa medida, o regime democrático ateniense significou um salto qualitativo relativamente às outras formas de organização política que Atenas e a Grécia Antiga conheceram.

E, por isso mesmo, classificá-lo de “aristocracia alargada” escamoteia o essencial.

O segundo ponto de discórdia prende-se com saber se Atenas seria ou não uma “democracia de esclavagistas”. A linha interpretativa que propõe essa tese baseia-se fundamentalmente no materialismo histórico de Marx e na sua assunção de que a Civilização Grega seria um exemplo do modo de produção esclavagista. Ora, é, de fato, inegável a importância do trabalho escravo na economia ateniense, e para atestá-la basta dizer que cerca de um terço da população de Atenas era escrava. Em todo o caso, é também de referir que um considerável número de atenienses – nomeadamente, o demos – não possuía escravos e dependia exclusivamente do seu trabalho para assegurar os meios de subsistência. Por outro lado, o estatuto do escravo na democracia ateniense fugia ao que era a norma no resto do mundo grego. Na Atenas democrática, os escravos gozavam de proteção legal, algo que era perfeitamente inaudito. No limite, é efetivamente impossível esconder o elemento esclavagista, mas a Atenas democrática talvez fosse a menos esclavagista das polis gregas. E era-o, seguramente, menos que a rival Esparta, da qual se falará em seguida.

Referências

[1] Aliás, mesmo durante o regime democrático, os cargos de maior relevo eram ocupados por membros das famílias tradicionais.
[2] Estudos de História da Cultura Clássica, I Volume, 5ª edição, Lisboa, F. C. G., 1980, p. 156.

Fonte: ocontinental.com.br

Democracia Ateniense

Xenofonte, em suas Helênicas, ao abordar o episódio do julgamento dos estrategos que participaram do célebre combate naval travado nas proximidades das ilhas Arginusas, no ano 406 a.C., consagrou-o como evento emblemático das deficiências e equivocidades que seu juízo apreendia como inerentes ao regime democrático.

Sua narrativa dos eventos relativos, primeiramente, ao combate e, a seguir, ao julgamento dos estrategos é cuidadosamente provida de detalhadas informações. A batalha, estrategicamente crucial para as pretensões atenienses de manutenção do controle sobre as cidades do leste Egeu, findou com a vitória ateniense que, após destruir ou capturar cerca de 70 das naus da frota comandada pelos espartanos – dentre estas, aquela que carregava o comandante dos peloponésios, Calicrátida – colocou seus inimigos em fuga. Já as baixas atenienses alcançaram o montante de vinte e cinco trirremes. Naquele momento, informa Xenofonte, os estrategos atenienses deliberaram por encarregar os trierarcas Terâmenes e Trasíbulo, mais alguns outros taxiarcas não nominados, de prestar auxílio, dispondo de quarenta e sete embarcações, às naus danificadas durante o confronto, bem como de recolher, das que soçobraram, os homens que, ao sabor dos ventos e das ondas, vagavam no mar.

Quanto a eles próprios, estrategos, haviam se incumbido de navegar até a ilha de Lesbos, para executar sua precípua missão: liberar a frota ateniense comandada por Cônon e que se encontrava bloqueada no porto de Mitilene por navios espartanos. Porém, em função do vento e da tempestade que então castigavam a região, Terâmenes e Trasíbulo não conseguiram sair ao mar. Permaneceram e acamparam nas Arginusas enquanto que os náufragos da batalha foram engolidos pelas águas (Helênicas, I.6.34-35). Os oito estrategos que comandavam as esquadras em Mitilene foram, então, exonerados de seus postos por decisão do démos ateniense

Dois deles sequer regressaram a Atenas, receosos de enfrentar a cólera arrebatada das massas. Quanto aos demais, por resolução da Boulé dos Quinhentos, foram, pouco após sua chegada à cidade, feitos prisioneiros e encaminhados para julgamento pela assembléia dos cidadãos (Helênicas, I.7.1-3).

Quando a Eclésia ateniense se reuniu para apreciar a matéria, dentre os homens que tomaram a palavra para acusar os estrategos, destacou-se, diz Xenofonte, Terâmenes, que insistiu para que fossem estes responsabilizados pelo resgate não efetivado dos náufragos de Arginusas. Em sua defesa, os generais alegaram ter, naquele momento, se dedicado a combater o inimigo e, quanto à tarefa necessária de resgate dos naufragados, entenderam haver cumprido sua responsabilidade ao designarem homens competentes, que inclusive haviam já ocupado a stratégia em anos passados, como os próprios Terâmenes e Trasíbulo, para de tal empreita se incumbirem. Talvez por desejar bem estabelecer a credibilidade e lhaneza dos estrategos, Xenofonte ressalta que eles não procuraram acusar a inaptidão e incompetência dos trierarcas encarregados do resgate como fator determinante do abandono dos náufragos; antes, insistiram que a real causa para tal abandono foi a intensidade do temporal que então se abateu sobre as águas de Arginusas: não iremos, pelo fato de eles nos acusarem, nos defender com mentiras (yeuvdesqai), afirmando serem eles os culpados (ai!tioi); foi a violência da tempestade que impossibilitou o resgate (Helênicas, I.7.6).

Para afiançar suas palavras, os estrategos invocaram como testemunhas os pilotos e outros tripulantes das embarcações presentes no combate e, segundo Xenofonte, estavam, mediante tais argumentos, a ponto de persuadir (peivqein) o démos ateniense a favor de sua inocência. Porém, alegando a proximidade da noite e a dificuldade em discernir os votos manifestos com o levantar das mãos, a Assembléia decidiu por adiar a deliberação e, ainda, encarregou os membros da Boulé de emitirem uma resolução preliminar sobre a matéria, a ser apreciada em uma nova reunião da Eclésia.

No intervalo entre as duas assembléias que tratariam da conduta dos estrategos em Arginusas, como estavam no mês de Pianepsión, os atenienses celebraram as Apatúrias, festas que marcavam a integração das crianças recémnascidas à sua grande família, fratria. Durante as festividades, Terâmenes e seus partidários, ao verem diversos atenienses em trajes de luto, pactuaram com vários outros homens para que se apresentassem, na assembléia seguinte, disfarçados, cobertos por mantos negros e com os cabelos cortados, pretendendo se passar pelos parentes dos mortos naquele combate (Helênicas, I.7.8). Além disso, antecedendo a assembléia decisiva, Terâmenes e seus amigos teriam logrado persuadir o bouleutés Calixeno a encaminhar a acusação dos estrategos perante o Conselho.

Finalmente, ao se realizar a segunda assembléia, Calixeno, falando em nome da Boulé, apresentou sua proposta de encaminhamento: considerandose as evidências apresentadas na assembléia anterior, todos os estrategos deveriam ser julgados em conjunto e, se considerados culpados pelo não recolhimento dos marinheiros vitoriosos e naufragados das Arginusas, receberiam como pena a morte e o confisco de suas propriedades em benefício da c idade.

Logo em seguida, um incidente contribuiu para elevar a passionalidade da massa reunida: um homem aproximou-se da tribuna dizendo ser um dos náufragos de Arginusas, afirmou ter sobrevivido agarrando-se a um barril e ter sido encarregado, pelos companheiros que se afogavam, de comparecer perante o povo ateniense e acusar os estrategos por não terem resgatado homens que se haviam mostrado os mais nobres e virtuosos (a!ristoi) na defesa de sua patrís. Diante do clima hostil para os estrategos, alguns homens procuraram impedir que a moção exposta por Calixeno fosse submetida à votação, pois entendiam que a mesma, ao propor um julgamento único para diferentes acusados, era contrária às leis da polis. Em resposta, segundo Xenofonte, a maioria da multidão (pléthos) presente à assembléia passou a expressar-se por gritos, afirmando ser prática medonha e odiosa (deinos) impedir o povo de agir da forma que desejasse (Helênicas, I.7.12).

Mas os prítanes que conduziam a assembléia recusaram-se a colocar em votação uma proposta que parecia violar as leis atenienses. Calixeno, então, subiu novamente à tribuna e ratificou sua proposição em termos enfáticos. A multidão o aclamou novamente por gritos e, ainda em vozes tumultuadas, passou a ameaçar os prítanes que se recusavam a acatar o encaminhamento de Calixeno.

Como resultado, os prítanes – com exceção de Sócrates, o filósofo – atingidos pelo medo, concordaram em submeter a moção de Calixeno ao voto da assembléia.

Em contraposição à proposta apresentada por Calixeno, pronunciouse Euriptolemo, cujo discurso é (re)construído por Xenofonte. Euriptolemo, primeiramente, apresenta os estrategos como vítimas de um agir permeado por maquinações, conluios, e sugere os nomes de Terâmenes e Trasíbulo como possíveis artífices de tais conspirações, acusadores que bem poderiam ser acusados pelo crime que tentavam a outros imputar. Em seguida, denuncia a ilegalidade da proposição apresentada por Calixeno ao pretender que todos os estrategos fossem julgados por voto único, quando as leis atenienses, ao contrário, previam que, nos casos de traição contra Estado e de prejuízos causados ao démos ateniense, os julgamentos deveriam ser realizados individualmente.

Denuncia, igualmente, a iniqüidade de tal procedimento, pois tanto poderia implicar a absolvição de acusados particularmente culpados como a condenação de outros individualmente inocentes.

Apresenta como prova de tal iniqüidade o fato de um dos estrategos acusados encontrar-se, após a batalha, na condição de náufrago, tendo escapado da morte apenas por mero acaso (como poderia ser, agora, condenado à morte por não prestar socorro, quando ele próprio carecia de socorro?). Procura reconstituir as duas alternativas de ação com que se defrontaram os estrategos após o desfecho da batalha de Arginusas (continuar a combater a frota espartana e livrar Mitilene ou interromper as ações ofensivas para resgatar os náufragos), ressaltando terem os mesmos optado por acolher, simultaneamente, as duas vias de ação, velejando, eles próprios, contra os inimigos e destacando homens como Terâmenes e Trasíbulo para, com número suficiente de naus, recolher os marinheiros à deriva. Insiste em ter sido a tempestade que impediu a consecução dos dois planos de ação. Quem, então, deveria prestar contas pelo resgate não realizado? Os estrategos ou Terâmenes e Trasíbulo? Por fim, concluindo seu discurso, Euriptolemo conclama os cidadãos a não capitularem face às estratégias persuasivas de indivíduos ponhroiv, velhacos ludibriosos que propugnavam a morte dos estrategos, mas a agirem como guardiões das leis da polis, leis que eram a garantia de sua grandeza.

Conclamada a votar entre os dois encaminhamentos propostos (o de Calixeno, de julgamento em conjunto dos estrategos, e o de Euriptolemo, de julgamento em separado), a assembléia, numa segunda votação (na primeira prevaleceu a opinião de Euriptolemo, mas a votação foi invalidada após um recurso apresentado por um dos presentes), acatou a proposição de Calixeno. Os estrategos foram então submetidos a julgamento único e condenados à morte.

Di z Xenofonte que , não muito tempo depois , os atenienses arrependeram-se (metamevlein) de sua decisão e uma queixa (probolhv) foi apresentada contra as pessoas que, durante o processo de Arginusas, agiram no sentido de enganar e ludibriar (ejxapatan) o démos (Helênicas, I.7.35).

O relato de Xenofonte sobre o julgamento de Arginusas tem encontrado, recorrentemente, eco e repercussão nas apreciações historiográficas modernas. Ehrenberg qualificou a proposição aprovada como imoral e ilegal e considerou o episódio como comprovação da decadência e corrupção do regime democrático: democracy had deteriorated into mob rule (1973, p. 328). Em Hornblower, a condenação en masse dos estrategos é apreendida como uma demonstração notória das conseqüências de uma popular sovereignty. Além disso, Hornblower relaciona o julgamento das Arginusas com a derrota e ruína de Atenas ao término da Guerra do Peloponeso: desprovida dos préstimos de Alcibíades e dos generais condenados no episódio Arginusas, Atenas passou a carecer dramaticamente de talentos estratégicos capazes de dirigir favoravelmente os rumos da guerra (Hornblower, 1991, p. 150-151).

Sordi destaca o papel de Terâmenes como inspirador do processo contra os estrategos (quizás intentaba defenderse acusando, de la acusación de no haberlos recogido) e também apreende o resultado do julgamento como uma vitória do equívoco e do iníquo:

Atenas se privaba de sus generales mejores y, a la vez, de los partidários más fieles de la democracia: el proceso de las Arginusas, con la decisión ilegal de juzgar a los estrategos coletivamente y no de manera individual, fue uno de los errores judiciales y políticos más graves del pueblo ateniense (Sordi, 1981, p. 202).

Portanto, pelo relato de Xenofonte – assim como em freqüentes exemplos da reflexão moderna – o julgamento de Arginusas opõe, por um lado, a franqueza e sinceridade dos estrategos, sua disposição em estabelecer e reconstituir os fatos em conformidade com o exato e com o verdadeiro, disposição que não se deixa declinar sequer face à possibilidade de salvação imputando a outros a responsabilidade pela morte dos náufragos; por outro lado, os acusadores, impelidos por escusas motivações, centrando seus esforços não na investigação da verdade, mas em favorecer o arrebatamento emocional e irracional das massas. A iníqua sentença ao final proferida é assimilada ao triunfo da ira passional sobre a lucidez e a acuidade da razão.

Na primeira assembléia que apreciou as acusações contra os estrategos, na qual estes deram inequívocas demonstrações de lisura ao não devolver a seus acusadores as incriminações que lhes tentavam impingir, diz Xenofonte que a sensatez e a ponderação estavam a ponto de triunfar, assegurando a vitória da causa dos acusados. Mas, no intervalo entre a primeira e a segunda assembléia, tudo muda. A sina dos estrategos começa a ser selada na medida em que vão se acumulando eventos que propiciam a exacerbação emocional do démos, como o festival das Apatúrias e a exposição dos enlutados pelos mortos na guerra. Na segunda assembléia, ao invés da boa-fé dos generais, prevalece a exaltação e o arroubo irreflexivo da multidão que, por seus gritos, tumultos e ameaças, impedem aos prítanes o uso da circunspeção e do bom senso.

Somente mais tarde, conclui Xenofonte, quando já libertos do êxtase passional, é que a massa dos cidadãos logra apreender o episódio das Arginusas em sua autêntica e verdadeira dimensão: como acontecimento desastroso no qual prevaleceram as práticas do engano e da fraudulência sobre o démos

Entrementes, nessa sucessão de eventos comandada, segundo a narrativa de Xenofonte, pelas estratégias ludibriosas de Terâmenes, sobressai o seu – e de seus partidários – comparecimento à Assembléia fazendo-se passar por parente dos atenienses mortos em Arginusas. Como atores no teatro, eles comparecem à assembléia disfarçados, fazendo-se passar pelo que não são. Seus trajes negros e seus cabelos cortados correspondem às máscaras dos atores que permitiam a assunção de novas e distintas identidades. Terâmenes faz da política, então, um ramo da poesia que, pela caracterização aristotélica, era definida enquanto prática de imitações, miméseis.

Mas não é apenas pelo recurso à mimésis que as práticas teramenianas fazem aproximar política e poesia. Em inúmeras passagens da Poética, Aristóteles estabelece como atributo distintivo da poesia trágica o imitar de ações que visam suscitar a seus apreciadores o terror (phobos) e a piedade (eleos). 2 Em outro momento, ao tratar dos elementos qualitativos que, na tragédia, devem estar presentes na urdidura dos mitos, Aristóteles alinhou, ao lado da peripécia e do reconhecimento, o infortúnio (pathos) como parte necessária na composição das peças trágicas e o definiu como uma ocorrência destrutiva (fqartikhv) e dolorosa (ojdunhrav), tais como as mortes em cena, as aflições excessivas, os ferimentos na carne, entre outras a tais semelhantes (Poética, 1452b). Em outra passagem da Poética, diz o estagirita que são eficazes para provocar a piedade imitações nas quais se representam indivíduos reduzidos à infelicidade sem o merecer; e, quanto a despertar o terror, eficientes se mostram as representações nas quais estes imerecidamente desditosos e infelizes se apresentam como o@moioi, iguais, semelhantes a nós mesmos (Poética, 1453a).

Dessa forma, melhor se compreende o alcance trágico que o Terâmenes de Xenofonte parece procurar pespegar ao episódio Arginusas. Sua imitação como pa r ent e dos c idadãos -ma r inhe i ros a fog ados , e x ibida em pl ena Assembléia, local privilegiado de deliberação política, parece guiada sobretudo pelo objetivo de, tal como um poeta trágico, provocar e incitar o terror e a piedade dos cidadãos reunidos. Terâmenes quer trazer para a assembléia não a reflexão e o seguro raciocínio em torno da questão a ser apreciada, mas sim a dolorosa e aflitiva recuperação mnemônica de um evento desditoso. Mais ainda, a duplicidade de identidade assumida por Terâmenes – não parente que finge ser parente dos mortos – parece também convidar os cidadãos, espectadores dessa peculiar mimésis, a partilhar de um sentimento de igualdade para com os infelizes náufragos. O não parente que age como parente dos mortos convoca a todos que o observam a também se sentirem como parentes, como próximos, como iguais àqueles que, dignos e valorosos combatentes, obtiveram um fim imerecido, abandonados pelos comandantes da frota da cidade.

A mimésis terameniana, então, faz a política se transformar em drama: o locus essencial de reflexão e debate dos assuntos da cidadania converte-se em local em que se busca o extravasar das emoções. A Pnyx passa a ser salvaguardada por Dioniso, o deus da máscara, o deus do teatro. Nela desfilam líderes que, mais do que favorecidos pelos dotes de uma penetrante inteligência, mostram-se como autênticos dramatourgoi, a buscar não o esclarecimento das massas, não o estabelecimento de uma política guiada pela razão, mas sim o avivar e o exacerbar das paixões.

Tem-se, então, uma política regulada não pelo pensamento, mas pela paixão. E as conseqüências de uma tal política, quer nos ensinar Xenofonte, estão presentes em julgamentos iníquos e desastrosas deliberações, como no caso de Arginusas. Equívocos e indignidades que, a se repetirem continuamente, selam a derrota ateniense na guerra, decretam a ruína e a derrocada da cidade. Um outro registro pode ser evocado quando adotamos por objeto de análise o emprego de práticas dramáticas e teatrais nas arenas atenienses de deliberação política. Trata-se, é verdade, diferentemente do anterior, de Xenofonte, de um registro em nada comprometido com a presunção de fixar ações efetivamente observadas nos palcos em que se desenrolam as múltiplas experiências, tensões e conflitos sociais dos homens.

Mas, ainda assim, registro que exprime uma dada apreciação, um exame e julgamento peculiares a respeito do assunto que nos interessa: falamos das obras cômicas de Aristófanes.

Em Acarnenses, peça exibida em 425 a.C., portanto no sétimo ano da guerra entre atenienses e peloponésios, o personagem central, Dikaiópolis, ansioso por abandonar as aflições e penúrias provocadas pela guerra, mostrase em cena, em plena assembléia da Pnyx, disposto a gritar (boan), a interromper (uJpokrouvein), a injuriar e insultar (loidorein) qualquer orador que, ao utilizar-se da palavra, tratasse de outro assunto que não a adoção de medidas capazes de restaurar imediatamente a paz entre os atenienses (Acarnenses, v. 38-39). Frustrado em seu intento de, por sua presença na Pnyx, conduzir a Assembléia para a deliberação pela interrupção da guerra contra os lacedemônios, Dikaiópolis, obstinado em, a qualquer custo, recuperar o conforto e o lazer que desfrutava antes do início dos prélios guerreiros, e utilizando-se de recursos fantásticos, logra estabelecer uma paz privada, individual, envolvendo, por um lado, sua exclusiva pessoa e, por outro lado, o conjunto de cidades aliadas aos lacedemônios que dava combate aos atenienses.

Dikaiópolis, então, para trocar a guerra pela paz, resolve simplesmente se desviar de suas obrigações como cidadão, ignorar as deliberações adotadas pelo démos soberano, renunciar à sua identidade de polités, a ela sobrepondo uma autonomia que reivindica como idiótés, como indivíduo em sua esfera particular.

Porém, obtida sua insólita trégua privada, o herói cômico deverá confrontar-se com a fúria de um coro composto por idosos cidadãos de Atenas, habitantes do demo de Acarnas, velhos empedernidos, robustos, rijos combatentes de Maratona, duros como pau (Acarnenses, v. 180-181). Os acarnenses acusam Dikaiópolis de velhaco desavergonhado (anaiskhyntos), infame (bdelyros), de traidor (prodotés) de sua patrís, por haver, isoladamente, obtido trégua com os inimigos da cidade (Acarnenses, v. 289-290). Descarregam uma chuva de pedras sobre Dikaiópolis, ameaçando imediatamente lapidá-lo. Dikaiópolis, porém, consegue estabelecer um acordo com os hostis acarnenses, que aceitam largar suas pedras para ouvir os argumentos que este se dispõe a apresentar para justificar sua conduta. Mas a ameaça de morte ainda paira sobre a cabeça do herói que deverá exercitar suas habilidades persuasivas mantendo a cabeça num cepo (Acarnenses, v. 355).

Antes de começar a falar, porém, Dikaiópolis solicita a seus antagonistas a concessão de um intervalo de tempo para que pudesse melhor preparar-se, para que conseguisse juntar determinação e vigor em sua alma. Mas como utiliza Dikaiópolis esse tempo de preparação para o debate decisivo com os cidadãos que ameaçam executá-lo por traição à causa da polis? Ele aproveita este momento para bater à casa do dramaturgo Eurípides e é lá que procura se prover dos requisitos que identifica como necessários para vitória obter com o discurso que deverá pronunciar perante o coro. Dikaiópolis quer se disfarçar com trajes propícios a despertar piedade em seus ouvintes, mostrandose como o mais desgraçado e miserável (athliótatos) dos homens. Assim, suplica para que o tragediógrafo ceda-lhe parte dos figurinos por ele utilizados em suas peças anteriormente encenadas. E, ao final, sai Dikaiópolis da frente da casa de Eurípides perfeitamente caracterizado como mendigo, coberto por andrajos, com um chapéu lamentável a cobrir sua cabeça e, ainda, apoiandose em um velho e sujo cajado.

Nesse momento, então, em sua mente antecipa os efeitos que tal disfarce deverá causar naqueles a quem cabe persuadir:

É necessário que, hoje, por um mendigo me faça passar […] Podem os espectadores saber quem sou, mas nas faces dos homens do Coro deve uma expressão de estupidez (élithiotés) aflorar quando eu, com minhas palavrinhas, os iludir (Acarnenses, v. 440-444).

Pelo registro cômico, portanto, os artifícios miméticos rotineiros nos espetáculos teatrais são apreendidos como particularmente eficazes também nas arenas de deliberação política, para obtenção de persuasão do démos soberano. E, como já apontava Xenofonte, também Aristófanes associa o recurso à dramatização das intervenções políticas com um tipo de liderança que, nos momentos em que se dirige aos cidadãos reunidos propugnando uma determinada deliberação, mostra-se atento e afeito a iludir, ludibriar, enganar a massa cidadã, ao invés de a ela favorecer o meditar e o esclarecer. Portanto, destacar – ou antes, denunciar – a utilização de práticas miméticas pelos que, nas assembléias e tribunais, buscavam sobressair nas recomendações ao démos significa, tanto em Xenofonte como em Aristófanes, identificar uma conduta política apreendida como indigna, posto que assentada e objetivada na efetivação do logro e do ardil, ao invés de pautar-se pela revelação e propagação dos verdadeiros interesses da cidadania..

Tal fica ainda mais manifesto quando abordamos a situação inversa a esta que temos estado a tratar, ou seja, quando nos deparamos com os relatos que visam dignificar oradores que, ao se dirigirem aos cidadãos detentores, por seu voto, das prerrogativas de definição das ações do Estado, não se deixavam jamais atrair pelo uso das miméseis teatrais, que em momento algum procuravam seduzir os ouvintes pelo suscitar da piedade, da compaixão, do terror.

Sócrates era, com certeza, uma espécie de herói e modelo para Xenofonte e Platão. Já salientamos, anteriormente, que a narrativa de Xenofonte sobre o episódio das Arginusas se encarrega de apontar Sócrates como o único, dentre todos os prítanes responsáveis pela condução daquela assembléia, que não se permite transigir com o encaminhamento – ditado pelo clima irracional e emotivo que prevalece na reunião desde a aparição, disfarçados, de Terâmenes e seus seguidores – propugnante de um julgamento único a todos os estrategos. Mais eloqüente, porém, revela-se o depoimento de Platão a respeito da integridade intelectiva de seu mestre e de sua repulsa às práticas oratórias que transformavam assembléias e tribunais em locais de representação dos mais pungentes dramas.

Numa certa altura de sua Apologia, Platão nos mostra Sócrates expondo ao tribunal – que culminará por decretar-lhe a morte – os procedimentos que nortearam a defesa por ele pronunciada diante dos juízes.

Diz o Sócrates de Platão:

[…] pode alguém, dentre os que me escutam, sentir-se, talvez, exasperado, lembrando de sua própria conduta quando, enfrentando um processo de importância menor do que este que me cabe, empenhou-se, perante os juízes, por rogar e suplicar, vertendo incontáveis lágrimas, exibindo os filhos e vários outros parentes e amigos – contando, assim, fazer os ouvintes dele se apiedar (ejleein). Eu, porém, ainda que exposto a grande risco e perigo, me recuso a tais práticas adotar (Apologia, 34b-c).

Um pouco mais adiante, insiste: jamais agirá como outros que, ao defenderem uma causa, apresentam-se diante do povo a encenar ejleinav dravmata, dramas lastimosos (Apologia, 35b).

Por fim, já conhecedor do mortal veredicto contra ele proferido pelo tribunal, diz Sócrates, dirigindo-se àqueles que votaram por sua condenação:

Parece-me, homens de Atenas, que podem estar vocês a imaginar haver sido eu declarado culpado em razão de minha incapacidade em proferir os discursos adequados para induzi-los a votar pela absolvição, desde que eu julgasse justo qualquer coisa a ser feita ou falada com o intuito de escapar à condenação. Enganam-se, porém, vocês todos. Pois, se foi uma carência ou inabilidade (ajporiva) que decretou minha condenação, não foi esta a carência ou inabilidade no uso das palavras, mas sim na insolência (tovlma), no descaramento (ajnaiscuntiva) e na disposição em pronunciar as palavras que mais doces soam para seus ouvidos. Com certeza apreciariam ouvir-me a lamentar (qrhnein), a prantear (ojduvresqai), a fazer e falar inúmeras coisas que, insisto, se me afiguram como indignas (ajnavxia) – coisas que estão acostumados a de outros escutar (Apologia, 38d-e).

Assim como a narrativa de Xenofonte em torno das Arginusas, também a reconstituição platônica do julgamento de Sócrates dedica-se a expor o engendrar e efetivar de um inoportuno julgamento, uma iníqua sentença (krisis adikos). 3 Em ambos os autores, o prevalecer deste juízo injusto aparece relacionado com o emprego de práticas que visam inserir o trágico e o dramático nos ambientes de deliberação política. Mas, de certa forma, os relatos de Xenofonte e Platão se distinguem e se complementam. No primeiro, a responsabilidade pela iniqüidade da sentença, ao final pronunciada, recai sobre uma determinada liderança política – Terâmenes – que, despertando as paixões das massas através de efeitos teatrais, a elas engana, impedindo que apreciem o caso com a sensatez e a acuidade requeridas. A teatralização da política é, então, nesse caso, uma iniciativa adotada por um tipo específico de liderança, que age mediante o ludíbrio, ao invés do esclarecimento da massa cidadã. No segundo caso, Platão relaciona o equívoco que caracteriza o julgamento de Sócrates não pela inserção de elementos teatrais e dramáticos em seu desenrolar, mas, ao contrário, justamente por sua ausência. Pelo texto de Platão, a Sócrates se oferece a perspectiva de livrar-se da mortal condenação, desde que este admitisse lançar mão dos recursos dramáticos que as massas – detentoras do privilégio de definição das decisões do Estado – estavam já acostumadas a presenciar e pelos quais ansiavam. E é sua recusa em transigir em seu apego a uma política conduzida pela razão que, por um lado, faz de Sócrates, em Platão, um herói 4 e, por outro, sela sua morte injusta. Nesse caso, portanto, a responsabilidade pela adoção de artifícios dramáticos no interior dos espaços deliberativos da democracia ateniense é situada no âmbito do démos e não no da liderança, pois são os próprios modos de agir e sentir que conformam as massas que reclamam essa teatralização da política.

E, quando tal demanda é frustrada, vinga-se a multidão impondo a derrota, determinando a morte para os que se recusam em pactuar com essa transformação dos ambientes destinados à persuasão intelectiva em locais consagrados à comoção dos cidadãos reunidos.

Nesta nossa investigação em torno da dramatização das práticas políticas no interior da democracia ateniense, no entanto, um outro episódio pode ainda ser referido, episódio este que nos parece conduzir para considerações distintas das até aqui levantadas. Em sua Vida de Sólon, Plutarco registra uma curiosa anedota envolvendo o célebre legislador ateniense no contexto da disputa, travada entre sua cidade e a rival Mégara, respeitante à posse da ilha de Salamina.

Diz Plutarco:

Certa feita os atenienses, fatigados pela longa (makros) e penosa (dyskherés) guerra que travavam com a cidade de Mégara pela ilha de Salamina, estabeleceram uma lei pela qual, daquele momento em diante, nenhum cidadão deveria, sob ameaça de punição com a morte, apresentar qualquer proposta – quer escritas,quer orais – que se referisse à disputa por Salamina. Sólon sentiase profundamente atingido, apreendendo tal restrição como uma desonra (ajdoxiva). Então, percebendo que muitos dentre os mais jovens pareciam dispostos a reiniciar as ações guerreiras mas, receosos da lei, não se encorajavam a propô-las, passou ele a fingir estar de seu juízo (logismos) privado. Fez circular, por toda a cidade, através das pessoas de sua casa, boatos de que exibia sinais de loucura (parakinétikos). Ao mesmo tempo, compusera Sólon, secretamente, um poema elegíaco e empenhou-se em decorá-lo, de modo que pudesse depois declamá-lo. Irrompeu, então, subitamente, perante o povo reunido [na ágora]v, exibindo na cabeça um barrete. Depois de agrupada uma grande multidão, subiu ele na pedra reservada ao arauto e passou a recitar sua elegia, que começava com os seguintes versos: “Como um arauto, da adorável Salamina venho trazendo uma canção em versos, ao invés de um discurso à ágora adequado”. Este poema se intitula Salamina e é composto por uma centena de graciosos versos. Quando Sólon terminou de cantá-los, seus amigos começaram a aplaudilo e elogiá-lo (ejpainein). Pisístrato, em particular, dirigindo-se aos cidadãos, tratou de os animar (ejgkeleuvein) e excitar (parorman) para que se deixassem persuadir pelas palavras proferidas por Sólon. Eles, então, decidiram por revogar a lei e por engajarem-se novamente na guerra contra os megarenses e, ainda, apontaram Sólon para liderá-los (proestavnai) nesta luta (Solon, 8.1-3).

A anedota de Plutarco, portanto, à semelhança da narrativa de Xenofonte em torno das Arginusas, relata os procedimentos que nortearam uma determinada deliberação política adotada pela assembléia dos cidadãos atenienses. Como Terâmenes, Sólon também comparece a um ambiente de debate e deliberação dos assuntos comuns e nele se expressa lançando mão de recursos teatrais. Com seu barrete, apresenta-se disfarçado, fazendo-se passar por demente. E, para que mais facilmente os que o vissem associassem aquele ridículo boné como emblema de sua desrazão, tratou de, previamente, espalhar pela cidade boatos de que se encontrava privado do raciocínio. Tal qual Terâmenes, o Sólon da anedota plutarqueana igualmente apreende os cidadãos reunidos como espectadores de uma mimésis. Ocupando o local destinado aos oradores, expressa-se não com os termos próprios aos que se dedicam a refletir sobre os problemas da polis, preferindo, ao contrário, a linguagem versificada dos teatros e dos concursos elegíacos. Como no caso de Terâmenes, o sucesso alcançado por Sólon também parece apontar para a ilação de ser a linguagem teatral mais eficaz no persuadir ao démos do que o discurso direto da lógica racional.

Mas uma diferença fundamental se deixa entrever entre, por um lado, os relatos de Xenofonte e Platão, e, por outro, o de Plutarco a respeito da utilização de práticas e recursos teatrais nos ambientes de efetivação da cidadania. Em Xenofonte, como vimos, tais práticas aparecem essencialmente associadas à intenção de dolo, de ludíbrio, por parte das lideranças que delas se utilizam em seus diálogos e colóquios com as massas. E, ainda por Xenofonte, como também por Platão, essa teatralização da política corresponderia a um afastamento da política guiada pela razão em favor de deliberações efetivadas sob o ímpeto desenfreado das paixões. Já na anedota de Plutarco, a mimésis operada por Sólon não aparece nem como logro sobre o démos, nem como antítese de uma política operada pela razão.

Sólon pretende não ludibriar o démos, mas sim uma lei que apreende como indigna de uma cidade composta por indivíduos valorosos e avessos à pusilanimidade. Plutarco afirma que Sólon arquitetou sua estratégia mimética/ persuasiva após perceber que muitos de seus concidadãos já se mostravam dispostos a enfrentar os perigos da guerra – talvez em nome da glória e fama que as novas conquistas poderiam propiciar à cidade. Dessa forma, a ação de Sólon, ao invés de frustrar os interesses das massas, visa produzir exatamente os efeitos que estas previamente desejavam. E o resultado final do combate – comandado, pelo lado ateniense, pelo próprio Sólon – ao assinalar a vitória de Atenas sobre Mégara, parece insinuar como apropriadas e corretas as pretensões das massas em arrostar aqueles que se interpunham ao seu desejo de posse e desfrute de Salamina.

Num certo sentido a mimésis de Sólon é imperfeita pois, sob a máscara de louco, todos os que o ouvem conseguem discernir a razão astuciosa que comanda a ação imitante – bem o prova o fato de, ao final de sua récita, terem os cidadãos apontado justamente Sólon, o aparentemente louco, como comandante do empreendimento militar que então aprovaram. O estado de desrazão é, então, por todos apreendido como disfarce da mais pura e perspicaz razão a, astutamente, guiar as vontades coletivas, fazendo-as driblar e ludibriar as interdições estabelecidas num tempo pretérito, quando, momento de fraqueza, a cidade se deixara dominar pela fadiga e pela aflição.

Mimética, portanto, a ação persuasiva de Sólon perante o povo reunido na ajgorav. Mimética, porém não trágica; pois aqui, diferentemente de Terâmenes, Sólon, com sua representação, não pretende despertar o terror ou a piedade nos que a ela assistem. Nem pretende obrigar os espectadores a confrontarem o infortúnio, a calamidade, o sofrimento. Pelo contrário, quer exibir o deleite e a honra gloriosa inerentes às conquistas duramente obtidas. Portanto, outro registro, outra apreciação nos lega Plutarco a respeito da mimésis enquanto estratégia persuasiva nas arenas políticas da democracia ateniense. Registro afirmativo da astúcia da liderança que, em sua interlocução com as massas, vale-se dos modos de representação correntes nas diversas artes poéticas mas que não restringe tal liderança astuciosa ao âmbito negativo da política comandada pela intenção de fraude e ludíbrio sobre os verdadeiros interesses da polis

Em Xenofonte, a política ditada pelas paixões do povo conduz a um destino tão certo como desditoso: a ruína da polis. Em Plutarco, por outro lado, a paixão, alçada à condição de impulsionadora das iniciativas e deliberações da cidade, pode redundar em resultado oposto: a vitória, a glória, a honra. O ímpeto e o entusiasmo das massas são ingredientes que permitem engendrar a grandeza e a excelência de uma comunidade de cidadãos. A mimésis soloniana, portanto, aponta para o ímpeto passional das massas como uma virtude que, desde quando aliada à inteligência e à sagacidade das lideranças, se converte em quesito indispensável para que uma polis alcance proeminência e destaque junto às demais. Enquanto que Xenofonte e Platão assinalavam irremediavelmente as decisões tomadas nos fóruns da democracia com a mácula do indigno, do equívoco e do inepto, em função das paixões populares que prevalecem nesses fóruns, o Sólon de Plutarco parece acreditar possível a canalização de tais paixões para a consecução de objetivos gloriosos.

Mas num ponto essencial todos eles – Xenofonte, Aristófanes, Platão e Plutarco – parecem concordar: sob a condução de líder dedicado à mimésis, resta à política ser sempre comandada pelas paixões das massas. Terâmenes usa sua astúcia mimética para manipular, para exacerbar, para instigar tais paixões. Sólon não engendra nem incita o entusiasmo emocional das massas – já que tal entusiasmo passional parece ser a elas inerente – mas, ao final, sua sagacidade e habilidade no uso da linguagem poética serve ao propósito de permitir que os desejos das massas comandem as ações do Estado.

Em outros termos: em Xenofonte, Aristófanes, Plutarco ou Platão, as massas comparecem aos ambientes de deliberação política intrinsecamente associadas com o irracional e o emocional. Nesse sentido, identificar as práticas miméticas de determinadas lideranças políticas equivale, nesses registros, a distinguir formas específicas de acolhimento do irracional e do emocional na definição das estratégias de ação do Estado. Às vezes negando toda e qualquer possibilidade de uma adequada condução dos assuntos públicos ao se identificar tal acolhimento, outras vezes nele divisando algum proveito público – desde que esse acolhimento seja dirigido por uma inteligência lúcida e sagaz – essas tradições antigas preocupam-se sempre, em primeiro lugar, em fixar a razão como qualidade essencial para a condução e direção do Estado e, em segundo lugar, em afirmar o círculo estreito das boas lideranças políticas como depositário exclusivo dessa virtude intelectiva e dirigente.

Sob a intenção de desvelar mecanismos peculiares de atuação política, caracterizados pelo emprego de artifícios poéticos e teatrais, revela-se a dupla utopia que animava os labores narrativos de, dentre outros, Xenofonte, Platão e Plutarco. Primeiro, a utopia de constituição de uma politeía na qual todas as ações do Estado fossem definidas mediante o uso exclusivo da razão, na qual as pulsões imputadas como apanágio das massas populares estivessem alijadas das arenas de liberativas ou , na concessão sólon-plutarqueana , que nelas comparecessem sob a tutela e condução de uma inteligência sagaz. Segundo, a utopia de instituição de uma nova aristocracia que, mantendo-se sempre refratária ao arrebatamento das emoções e exibindo como virtude distintiva a constância e excelência no uso do cálculo racional, arrebatasse da numerosa massa cidadã as prerrogativas de definição dos cursos de ação a serem trilhados pela polis.

Luiz Otávio de Magalhães

Márcia Cristina Lacerda Ribeiro

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Fonte: periodicos.uesb.br

Democracia Ateniense

A democracia Ateniense começou no século VI a.C. Com as reformas de Sólon. A democracia ateniense surgiu com o propósito de ser um governo dedicado ao povo, um dos significados mais comuns citados e uma frase que define o significado do governo de democracia como; governo do povo, pelo povo para o povo.

No conjunto de todas as cidades-estado gregas, Atenas ocupava um lugar destacado. Para alem do seu poderio económico e militar a polis ateniense tornou-se num brilhante centro cultural e politico. Um dos aspetos que mais contribuiu para o prestigio da cidade foi a original forma de governo, os atenienses chamavam-lhe democracia.

A democracia ateniense estabeleceu a igualdade entre todos os cidadãos:

Igualdade perante a lei (isonomia)
Igualdade de acesso aos cargos políticos (isocracia)
Igual direito ao uso da palavra ( isegoria)

Cidadãos Atenienses

O povo ateniense era definido como cidadãos, porem nem todos o povo eram considerado cidadão,as únicas pessoas que poderiam ser considerada cidadã era os homens maiores de 20 anos ,as mulheres atenienses que tinham a legislação ao seu favor como cidadãs atenienses ,porem não podiam participar da vida política na assembléia,os escravos e os estrangeiros ,não poderiam votar na assembléia de Atenas, pelo fato de serem de outro pais., para os atenienses só eles eram verdadeiros filhos de Deuses e heróis gregos, sendo assim só eles tinham o beneficio e o prestigio de desfrutar da democracia.

A votação ateniense aconteceu na assembléia ekklesia. A assembléia era formada por apenas cidadãos maiores de 20 anos e alfabetizados, ela era formada pela boule e Protanes, quase a metade dos cidadãos de Atenas passaram pela ekklesia pelo menos uma parte da sua vida.

A ekklesia

A ekklesia era responsável pelas decisões da Atenas democrática. A ekklesia acontecia pelo menos quatro vezes no ano sendo responsável, pelo surgimento de algumas leis e pela as decisões comerciais e de defesa de estado, com em questões de guerras e na proteção de fronteiras. A assembléia poderia demorar de quatro a duas hortas para ser discutida e para a realização da contagem dos votos, que aconteceu com o levantamento de mãos.

A ekklesia também definiu a permanecia de oficias no poder e ate a saída de alguns cidadãos atenienses que, por meio de votação era expulso do Estado durante 10 anos, os votos aconteciam pelos próprios cidadãos atenienses, alguns cidadãos eram expulsos por questões políticas que aconteceram dentro e fora da assembléia.

A Democracia Ateniense

Atenas foi, desde o século V até 322 AC, uma estável e próspera democracia, tão autêntica que operava mediante a participação dos cidadãos em todos os escalões do governo, sem intermediação de representantes ou deputados. A democracia ateniense é até hoje o modelo universal mais admirado como ideal em matéria de governo.

A democracia ateniense era exercida diretamente pelos cidadãos de Atenas, e somente por eles. Todos os demais – estrangeiros residentes e escravos – eram excluídos. E a exclusão era para valer, porque a coisa mais difícil na Grécia clássica era tornar-se cidadão de qualquer das cidades-Estados nas quais a nação se dividia. Em Atenas, por exemplo, o estrangeiro só obtinha a cidadania mediante aprovação da assembléia popular; e ainda assim, a decisão podia ser contestada judicialmente, caso houvesse suspeita quanto ao mérito da concessão. O naturalizado podia participar da política, mas o exercício de cargos públicos só seria permitido aos seus descendentes, se fossem filhos de mãe ateniense.

Note que na Grécia o conceito de estrangeiro não se referia apenas a gente estranha, vinda de longe. Qualquer oriundo de outra cidade da própria Grécia era estrangeiro nas demais. Testemunho desse fato é a célebre oração de Sócrates no Crito, de Platão. Tendo Sócrates sido condenado à morte pelo tribunal popular de Atenas, seus discípulos tramam plano de fuga, mediante o qual poderia asilar-se noutra cidade grega. Sócrates recusa, demonstrando que, embora injustamente condenado, era melhor morrer dignamente como cidadão na sua pátria, do que viver de favor, como estrangeiro, noutro lugar.

Pergunta: era especificamente grego esse arraigado sentimento de apego à comunidade? Não. Os gregos, convém lembrar, eram povo jovem, recém-saído do estágio tribal; e cada cidade-Estado era habitada por clã cujos membros se consideravam descendentes de antepassado comum. O sangue determinava a identidade do grupo; e a sua sobrevivência começava pela defesa e preservação dessa identidade. O apego às tradições, o culto dos antepassados, o arraigado patriotismo – afinal, pátria é termo de origem grega – eram os fundamentos da ordem social. Ora, traços semelhantes podem ser observados em todos os povos no mesmo estágio histórico, desde as doze tribos de Israel aos povos nórdicos da Europa, os indígenas brasileiros, as tribos africanas, etc. Trata-se de característica universal, indelevelmente determinada pelo fato de que a Humanidade viveu a sua longa pré-história – mais de 150 mil anos – nessa condição.

Outra pergunta: a exclusão política em Atenas não era incompatível com democracia? Muito ao contrário, a exclusão era essencial à democracia ateniense.

Para entender, é preciso relacionar exclusão com identidade e igualdade.

Em artigo anterior, comentando o conceito de democracia de Aristóteles, vimos que esta só é praticável no caso de comunidade em que todos os membros sejam naturalmente iguais.

Ou seja, a igualdade não é estabelecida por lei, nem imposta de cima para baixo: é algo preexistente, a partir de que se institui a democracia.

É o que ocorre no exemplo do condomínio residencial brasileiro, nosso modelo de mini-democracia: todos são iguais na condição de proprietários.

Da mesma forma, na democracia ateniense todos eram iguais na de cidadãos. Não é o condomínio que faz o proprietário, nem é a democracia que nomeia o cidadão; ao contrário, é o proprietário que estabelece o condomínio, e é o cidadão que institui a democracia.

Igualdade, em democracias como a de Atenas, não passa de outro nome para identidade, a qual consiste abraçar os interesses do seu grupo, os quais existem em permanente confronto com interesses antagônicos. É preciso que todos se sintam do mesmo lado. E, naturalmente, para que exista um lado, é necessário que exista o outro.

Democracias não existem no vácuo: são Estados nacionais. E toda a nação, com seus próprios interesses, só existe em contraposição a outras nações, com seus respectivos e simétricos interesses nacionais. Nesse universo, nações sem identidade condenam-se a desaparecer. Daí a essencial importância da identidade nacional, a qual, nas democracias, se materializa na coletividade de cidadãos, por ela, e somente por ela, unidos no interesse comum. É, portanto, na identidade nacional que reside a igualdade natural com a qual se constróem as democracias.

Esses conceitos nos permitem considerar sob nova luz a questão crucial das democracias: a sua irresistível tendência a degenerar em tiranias populistas. O principal fator de degeneração das democracias é a contínua ameaça da maioria contra a minoria, impossível de evitar, por mais “freios e contrapesos” que as Constituições inventem para impedir a ditadura da maioria. Como se explica, então, a estabilidade da democracia em Atenas?

A democracia ateniense não degenerava porque todos estavam do mesmo lado, ligados pela condição exclusiva de cidadãos. Na Grécia, onde cada cidade-Estado só cuidava de si, ser cidadão implicava acima de tudo ser incondicionalmente patriota, ou seja, estar do lado da sua pátria com relação às dos outros. Nesse contexto, o domínio da maioria nunca chegava a ser opressivo para a minoria porque todos tinham idêntico interesse comum.

Se isso for verdade, duas questões pairam no ar. Primeira: sendo a participação na democracia ateniense exclusiva dos cidadãos, qual a sorte dos estrangeiros e dos escravos nesse regime?

Segunda: sendo Atenas tão diferente do Brasil, que utilidade tem para nós o seu modelo de democracia? Não dá para responder neste espaço, mas já podemos adiantar algumas conclusões.

O leitor atento terá notado que as características da democracia ateniense – espírito de identidade, patriotismo, culto às tradições, reverência pelo passado, supremacia do interesse nacional – são requisitos essenciais de cidadania, bastante familiares aos nossos militares. E são também – não é estranho? – completamente opostos ao projeto dos apátridas e ongueiros que nos governam.

Essa gente, que fala em nome da “democracia”, é visceralmente contrária a tudo isso. Para chegar ao poder, exploram a desunião nacional e o ódio de classes e de raças. Uma vez no governo, empenham-se absurdamente em construir, sempre em nome da sua “democracia”, utopias universais, sem limites ou fronteiras, nas quais só haverá “minorias” sem maioria, a conviver num mundo “multicultural” e sem antagonismos, no qual sequer haverá lados a escolher. É óbvio que há algo errado nessa história.

Quem são, então, os verdadeiros defensores da democracia?

Portinari Greggio

Fonte: www.grupoinconfidencia.org.br

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