Teatro de Arena

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O Teatro de Arena de São Paulo

A principal característica do Teatro de Arena, fundado em São Paulo em 1953, tendo à frente José Renato – egresso, como outros, da Escola de Arte Dramática -, foi a de nacionalizar o palco brasileiro, a partir da estréia de Eles Não Usam Black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri, em 1958.

No início, o grupo, que foi o primeiro na América do Sul a utilizar a cena circular envolvida pelo público, visava sobretudo à economia do espetáculo, adotando as mesmas premissas estéticas do Teatro Brasileiro de Comédia, com o ecletismo de repertório. Sem a necessidade de cenários, atuando em locais improvisados, o grupo podia abolir muitas despesas.

Mesmo assim, tendo inaugurado em 1955 a sala da rua Theodoro Bayma, o Arena, em difícil situação financeira, preferiu fechar as portas com uma peça de um de seus atores, originário do Teatro Paulista do Estudante, ao qual se uniu para formar-se o Elenco Estável: Gianfrancesco Guarnieri. Black-tie não só se constituiu um grande sucesso de mais de um ano em cartaz, como iniciou a linha de prestígio da dramaturgia brasileira, continuada por Chapetuba Futebol Clube, de Oduvaldo Vianna Filho, Revolução na América do Sul, de Augusto Boal, e outros textos, aprovados no Seminário de Dramaturgia que ali se criou.

O Arena, com a colaboração de Augusto Boal, conhecedor das experiências do Actors’Studio, nos Estados Unidos, empenhou-se também na procura de um estilo brasileiro de encenação e de desempenho. A seguir, promoveu a nacionalização dos clássicos. Veio depois a fase dos musicais, expressa por Arena Conta Zumbi e Arena Conta Tiradentes, de Guarnieri e Boal. Com o Sistema Curinga, aí adotado, abrasileirou-se o teatro épico de Brecht.

A repressão violenta da ditadura, principalmente com o Ato Institucional nº 5, de 1968, ainda permitiu a Augusto Boal fazer a experiência do Teatro Jornal, primeiro passo de seu Teatro do Oprimido, que se desenvolveu no exterior nas formas do Teatro Invisível e do Teatro-Foro. Mas seu exílio, em 1971, já afastados outros valores do grupo, interrompeu a grande trajetória do Teatro de Arena.

Sábato Magaldi

Fonte: www.tecsi.fea.usp.br

Teatro de Arena

História

Fundado nos anos 1950, torna-se o mais ativo disseminador da dramaturgia nacional que domina os palcos nos anos 1960, aglutinando expressivo contingente de artistas comprometidos com o teatro político e social.

A primeira referência brasileira a um teatro em forma de arena surge numa comunicação de Décio de Almeida Prado, professor da Escola de Arte Dramática – EAD, em conjunto com seus alunos Geraldo Mateus e José Renato no 1º Congresso Brasileiro de Teatro, realizado no Rio de Janeiro em 1951, destacando o possível barateamento da produção teatral. No mesmo ano, essas idéias são postas em prática na montagem de José Renato, para O Demorado Adeus, de Tennessee Williams, ainda no âmbito da EAD.

A fundação da companhia Teatro de Arena ocorre em 1953, com a estréia, nos salões do Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM/SP, de Esta Noite É Nossa, de Stafford Dickens. Integram o grupo, entre outros, José Renato, Geraldo Mateus, Henrique Becker, Sergio Britto, Renata Blaunstein e Monah Delacy.

Ainda em 1953, produz-se um repertório, que inclui O Demorado Adeus, de Tennessee Williams, e Uma Mulher e Três Palhaços, de Marcel Achard, ambas sob direção de José Renato; além de Judas em Sábado de Aleluia, de Martins Pena, com direção de Sergio Britto, em 1954. As apresentações ocorrem em clubes, fábricas e salões. No final do ano é apresentada à imprensa a sala, situada na Rua Teodoro Baima, onde será instalado o Teatro de Arena.

Até 1956, o Arena experimenta diferentes gêneros de textos, visando compor um repertório e encontrar uma estética própria. Novo patamar é alcançado com a fusão realizada com o Teatro Paulista dos Estudantes, TPE, e a contratação de Augusto Boal para ministrar aulas sobre as idéias de Stanislavski ao elenco e encenar Ratos e Homens, de John Steinbeck. Entre os recém- chegados estão Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho, Milton Gonçalves, Vera Gertel, Flávio Migliaccio, Floramy Pinheiro, Riva Nimitz. A presença de Augusto Boal, que havia cursado dramaturgia em Nova York e conhecia os escritos de Stanislavski pela via do Actor’s Studio, conduz o grupo a um posicionamento político de esquerda. Em 1957, Juno e o Pavão, de Sean O’Casey trata da luta do IRA, na Irlanda.

À beira da dissolução devido a uma crise financeira e ideológica, o grupo é salvo pelo sucesso de Eles Não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri, com direção de José Renato, em 1958. Vislumbrando uma fértil possibilidade aberta pelos textos nacionais, que colocam em cena os problemas que a platéia quer ver retratados no palco, o Arena resolve criar um Seminário de Dramaturgia e laboratórios de interpretação. Novos textos demandam um novo estilo de interpretação, mais próximo dos padrões brasileiros e populares.

Entre 1958 e 1960, o Arena leva à cena diversos originais escritos pelos integrantes da companhia, num expressivo movimento de nacionalização do palco, difusão dos textos e politização da discussão da realidade nacional. Figuram, entre outros, Chapetuba Futebol Clube, de Oduvaldo Vianna Filho, direção de Boal, 1959; Gente Como a Gente, de Roberto Freire, 1959, e Fogo Frio, de Benedito Ruy Barbosa, 1960, ambos dirigidos novamente por Boal; Revolução na América do Sul, de Boal, direção de José Renato, 1960; O Testamento do Cangaceiro, de Francisco de Assis, mais uma direção de Boal, 1961.

Na excursão carioca de Eles Não Usam Black-Tie, Oduvaldo Vianna Filho e Milton Gonçalves, desligam-se do Arena e em 1961, participam da criação do Centro Popular de Cultura – CPC, iniciativa de base estudantil e destinada à agitação política, ligado à União Nacional dos Estudantes, UNE.

José Renato parte para um estágio na França, no Théâtre National Populaire, companhia de Jean Vilar. Ao retornar ao Brasil, procura por em prática a noção de teatro popular, debruçando-se sobre clássicos da dramaturgia com o objetivo de, a partir de enfoques renovados, descobrir um teatro vivo e participativo. Essa fase, conhecida como de nacionalização dos clássicos, registra encenações de grande acuidade artística, fortemente influenciadas por Bertolt Brecht. Entre outras, são montadas Os Fuzis da Senhora Carrar, de Brecht, direção de José Renato, e A Mandrágora, de Maquiavel, dirigida por Boal, ambas de 1962. Nesse período, um colaborador constante é Flávio Império, com notáveis criações de figurinos e cenários.

Nomes como Paulo José, Dina Sfat, Joana Fomm, Juca de Oliveira, João José Pompeo, Lima Duarte, Myrian Muniz, Isabel Ribeiro, Dina Lisboa, Renato Consorte, entre outros, integram o elenco estável.

José Renato sai do Arena em 1962, mudando-se para o Rio de Janeiro, para dirigir o Teatro Nacional de Comédia – TNC, onde trabalha para reorganizar essa companhia estatal, nos moldes do Théâtre National Populaire – TNP. O Arena, a partir de então, tem entre seus sócios Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal.

Em 1964 está em cartaz O Tartufo, de Molière. A nova realidade que se configura a partir do golpe militar faz a companhia reorientar os planos, assim como repensar o repertório. É preciso algo novo, para responder à nova situação e driblar a censura, que proíbe a representação de peças brasileiras realistas que faziam parte do repertorio da companhia.

A solução vem com a criação de Arena Conta Zumbi, de Boal e Guarnieri, que, estreando em 1965, marca o surgimento de um novo procedimento cênico-interpretativo, denominado sistema coringa.

O tema escolhido é grandioso: a saga dos quilombolas no Brasil Colônia, momento de aguda resistência dos escravos ao domínio português. Fala de uma revolução e mostra como é possível construir uma outra realidade, mais justa e igualitária. Com o Coringa, todos os atores fazem todos os papéis, alternando-os entre si, prescindindo de um aprofundamento psicológico nas interpretações. A ligação entre os fatos, a narração dos episódios obscuros ficam por conta de um Coringa, elo entre a ficção e a platéia. O espetáculo torna-se um sucesso estrondoso – dois anos em cartaz. As canções de Edu Lobo, gravadas por diversos intérpretes, invadem rádios e TV, popularizando-se.

A experiência repete-se em Arena Conta Tiradentes, de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, em 1967. Novo sucesso, centrado sobre a Inconfidência Mineira, elevando Tiradentes à condição de mártir da luta contra a opressão. Este teatro que exorta à revolução política choca-se com a proposta do Teatro Oficina, que, no mesmo ano, está em cartaz com a encenação carnavalesca e antropofágica de O Rei da Vela.

A situação política do país complica-se com a instauração do AI-5. O grupo novamente tem de reposicionar-se. Augusto Boal organiza e monta Primeira Feira Paulista de Opinião, em 1968, no Teatro Ruth Escobar; e também MacBird, sátira de Barbara Garson sobre a Guerra do Vietnã e o assassinato de Kennedy. São produções pobres, feitas às pressas, para responder ao cada vez mais convulsionado momento político.

O palco do Arena é ocupado por duas experiências frustradas: O Círculo de Giz Caucasiano, de Bertolt Brecht, que não vai além da estréia; e La Moschetta, sátira renascentista de Angelo Beolco, que nem mesmo a interpretação de Gianfrancesco Guarnieri salva do malogro. Em 1969, tenta uma alternativa com A Resistível Ascensão de Arturo Ui, novo apelo a Bertolt Brecht. Mas o uso do Sistema Coringa, a dispersão de forças de Augusto Boal dividido entre muitos compromissos, e o clima político concorrem para um resultado frio, que não prende a atenção do público. Gianfrancesco Guarnieri desliga-se do Arena.

Uma saída momentânea para a crise é a remontagem de Zumbi, para percorrer um circuito internacional, no ano de 1970, juntamente com Arena Conta Bolivar, proibida no Brasil. Utilizando parte de um elenco jovem, Augusto Boal monta, em 1971, o Teatro Jornal – 1ª Edição, de onde nasce, no futuro, o Núcleo Independente. Nessa montagem, surge uma nova frente estética voltada para a mobilização popular. Com a leitura de jornais diários, o elenco improvisa notícias e apresenta diversas angulações do problema flagrado, oferecendo-se para ensinar o público. Essa é a gênese do Teatro do Oprimido.

Augusto Boal é detido em 1971, em meio a novos ensaios de Arena Conta Bolivar, e em seguida parte para o exílio. O Arena passa às mãos do administrador Luiz Carlos Arutin e do Núcleo, grupo remanescente do espetáculo Teatro Jornal. Doce América, Latino América, criação coletiva, com direção de Antônio Pedro, é apresentada até o fechamento do teatro, em 1972.

Segundo o crítico Sábato Magaldi, “O Teatro de Arena de São Paulo evoca, de imediato, o abrasileiramento do nosso palco, pela imposição do autor nacional.

Os Comediantes e o Teatro Brasileiro de Comédia, responsáveis pela renovação estética dos procedimentos cênicos, na década de quarenta, pautaram-se basicamente por modelos europeus. Depois de adotar, durante as primeiras temporadas, política semelhante à do TBC, o Arena definiu a sua especificidade, em 1958, a partir do lançamento de Eles Não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri. A sede do Arena tornou-se, então, a casa do autor brasileiro.

O êxito da tomada de posição transformou o Arena em reduto inovador, que aos poucos tirou do TBC, e das empresas que lhe herdaram os princípios, a hegemonia da atividade dramática. De uma espécie de TBC pobre, ou econômico, o grupo evoluiu, para converter-se em porta-voz das aspirações vanguardistas de fins dos anos cinqüenta.”1

A histórica sala é comprada pelo Serviço Nacional de Teatro, SNT, em 1977, impedindo assim a dissipação da memória de uma das equipes de maior relevância na cena brasileira. Com o nome de Teatro Experimental Eugênio Kusnet, ela abriga, desde então, elencos de pesquisa da linguagem teatral.

Nota

1 MAGALDI, Sábato. Um palco brasileiro. In: ______. Um palco brasileiro: o Arena de São Paulo. São Paulo: Brasiliense, 1984. p.7-8.

Fonte: www.itaucultural.org.br

Teatro de Arena

O Teatro de Arena sempre se fez presente em favor de homens e mulheres brasileiros, sempre incomodou, sempre conclamou à reflexão […] Dessa história faz parte o cidadão comum, aquele que, antes de subir ao palco e criar os conflitos que ali adquirem forma poético-dramática, é feito de dúvidas e incertezas, de alegrias e tristezas, de sucessos e fracassos, de vitórias e, por vezes, trágicas derrotas… Izaías Almada, Teatro de Arena

Ao analisarmos a década de 1960, deparamo-nos com um dos movimentos culturais mais importantes do país, o Teatro de Arena, que se tornou um símbolo de nacionalismo e resistência democrática.

Buscando resgatar as particularidades desse movimento, Izaías Almada escreveu o livro Teatro de Arena: uma estética de resistência1. Este livro faz parte da coleção Paulicéia, coordenada por Emir Sader que aborda eventos políticos, sociais e culturais de grande importância para o estado de São Paulo.

Todavia esta importância, no caso do Arena, estende-se por grande parte do país. Neste sentido, a perspectiva de Almada foi a de buscar lembranças e opiniões de ex-integrantes do Teatro de Arena e de pessoas que, de uma forma ou de outra, foram contemporâneos às muitas atividades que o grupo desenvolveu. Izaías, um dos atores do Arena entre os anos de 1964 a 1969, organizou neste livro entrevistas e reflexões sobre o dia-a-dia do grupo, de forma que podemos dividi-lo em cinco partes. Em um primeiro momento, contextualizou o surgimento do Arena, a partir das atividades do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e da Escola de Arte Dramática (EAD), para, em seguida, dar espaço às entrevistas dos pioneiros; às reminiscências históricas dos Seminários de Dramaturgia, e depoimentos das fases de nacionalização dos clássicos e dos musicais. Por último, depoimentos de atores e dramaturgos do Arena que acompanharam o encerramento das atividades do grupo.

O Arena, situado à Rua Teodoro Baima – 94, onde atualmente funciona a Sala Experimental Eugênio Kusnet, foi o palco de uma nova forma de se conceber o teatro “nacional”. Décio de Almeida Prado, crítico teatral, falecido em 2000, analisou o contexto em que surgiu o Teatro de Arena, recordando como era a cena cultural com o TBC e com a criação da EAD, onde foi professor do então aluno José Renato, um dos criadores do Arena. Essa forma de teatro apresentou-se, no inicio, como uma maneira barata de encenar, já que com o palco em forma de arena não era necessário o investimento em grandes cenários. Eram valorizados, nesse caso, os figurinos e a própria interpretação do ator. Posteriormente, em especial, com a encenação de “Eles não usam Black-tie”, em 1958, as ideologias dos seus integrantes foram estabelecendo o que hoje conhecemos como teatro “revolucionário” o que, para muitos entrava, em contraste com os teatros apresentados até então. Essa nova forma de teatro, voltado para uma estética de esquerda e com discussões sobre a realidade do país, chamou a atenção de vários segmentos da sociedade, já que personagens como empregadas domésticas e operários em greve, por exemplo, antes não haviam sido protagonistas de uma peça de teatro. “O Arena foi a valorização das peças de conteúdo social, dos autores nacionais, uma transformação. […] O Arena foi, de fato, um sopro inovador no teatro brasileiro” (p. 44), sopro este que a jornalista Regina Helena de Paiva Ramos vivenciou e transcreveu durante dezessete anos em que trabalhou, no jornal Gazeta, como crítica teatral. Durante esse tempo, as apresentações do Arena renderam muitos comentários e entrevistas na coluna feminina assinada por Regina , uma opção diferente em um período em que os jornais destinavam esse tipo de coluna para publicação de receitas e dicas de comportamento.

Além da própria trajetória do Teatro de Arena, há nesse livro particularidades do cotidiano de mulheres e homens que viveram esse instigante e turbulento período da história do Brasil.

Histórias como a de Vera Gertel, casada com Vianinha e ligada à Juventude Comunista, que conta como era ser atriz, mulher e militante nessa sociedade. Nas entrelinhas apreendemos também, a história de pessoas que não participaram do Arena, mas que também foram atuantes na modificação das suas realidades. Por meio das lembranças que esse livro evoca, saltam aos olhos do leitor a importância do trabalho de grupos de teatro permanentes, cada vez mais difícil no mundo contemporâneo. É claro que muito já foi escrito sobre o Arena durante todos esses anos, mas a maior parte dos livros o retratam de forma fatual ou cronológica, deixando de lado o fato de que esses jovens possuíam uma sociabilidade que não pode ser deixada de lado.

Neste ponto de vista, a relação artista, obra e seu tempo se faz presente quando deparamo-nos com as entrevistas. Elas demonstram que o Arena não foi fruto de um plano pré-elaborado por única pessoa. Na verdade, ele foi se construindo e se modificando com o passar dos anos, de acordo com as transformações que ocorriam no cenário nacional e mundial. Sendo assim, atores e dramaturgos fizeram parte do processo de criação, no qual o texto e a cena contribuíram para a consolidação de um grupo que primava por uma consciência social e política. “O Teatro de Arena atravessou 20 anos da história do Brasil e era natural que nesse período buscasse a cada momento orientar-se estética e politicamente de acordo com os ideais dos seus principais integrantes, homens e mulheres de esquerda, de origem pequeno-burguesa, alguns dos quais ligados ao Partido Comunista Brasileiro” (p. 94). Além da preocupação com o engajamento social, havia também uma atenção especial com a própria formação do ator, sendo Augusto Boal um dos maiores incentivadores desta política. Devido seu interesse pela ciência teatral, isto é, pela necessidade de se refletir sobre os textos a serem encenados e/ou mesmo escritos, Boal idealizou os Seminários de Dramaturgia com o intuito de propiciar uma ampla discussão acerca do papel do teatro e do ator. Boal, segundo Roberto Freire, expunha os seus conceitos e conhecimentos sobre teatro, uma vez que era ele quem mais se preocupava com esse aspecto “científico” decorrente de um curso de dramaturgia feito nos Estados Unidos, com John Gassner.

No entanto, não podemos nos esquecer, que durante todos esses anos, o Teatro de Arena recebeu várias críticas por seu modo de enxergar a realidade. Muitos, até hoje, alegam que foi um grupo fechado, limitado pelas próprias ideologias, que dividia o mundo entre “bons” e “maus”. Entretanto, este era um período pós-guerra, em que o maniqueísmo encontrava-se presente não somente no Brasil, mas também em todo o mundo. Porém, em nosso país, com o advento do golpe de 1964, as questões políticos-culturais tiveram colorações próprias. Como exemplo desse procedimento, pode-se recordar Arena Conta Tiradentes.

Neste espetáculo, usufruindo da liberdade poética, os autores tomaram uma ação como modelo e a recriaram a seu modo, inserindo-a no debate de seu tempo.

Assim sendo, tais peças não possuíam um aparato meramente histórico, mas tratavam de uma resignificação do tema liberdade, inserido em uma nova realidade e, como tal, deverá ser analisado em sua própria historicidade. De modo geral, percebe-se, no decorrer do livro, que as histórias dos integrantes do Arena vão se entrecruzando. Pessoas com trajetórias tão distintas, que, em um primeiro momento acreditamos não ter nenhuma ligação, encontram-se e identificam-se com os projetos e com as utopias daquela fase combativa do Arena. A cantora Marília Medalha nunca havia pensado em ser atriz e acabou participando da peça Arena conta Zumbi.

Outro que entrou no Arena de forma inesperada foi David José que participou das montagens de Tartufo e Arena Conta Tiradentes, entre outros: “A Tupi tinha um time de futebol […] cujo técnico era o Lima Duarte. Então em 1963 […] eu fui ver o Lima e depois lhe disse que gostaria de trabalhar no Arena. […] Então, foi via Lima Duarte e Guarnieri que eu fui parar no Teatro de Arena” (p. 111).

Segundo o Almada, mesmo as memórias que não se remetessem especificamente ao Arena foram preservadas para configurar um painel histórico, social e cultural mais abrangente do que se passava em São Paulo e no país. Assim sendo, histórias peculiares – para não dizer hilárias – foram mantidas no decorrer do livro. Por exemplo, devido o palco ser entre as platéias, o Arena proporcionava uma intimidade muito grande com o público, que por sua vez, se sentindo à vontade, por diversas vezes interferia no espetáculo, fazendo os seus comentários ou, até mesmo, invadindo a cena. Outras histórias, também muito interessantes, ocorreram fora do palco. Em viagens, ou mesmo em São Paulo, muitos integrantes moravam juntos em apartamentos ou no próprio teatro. Essa convivência tão estreita gerou, em muitos casos, atritos, boas gargalhadas e, é claro, para o leitor, uma maior intimidade com todos os entrevistados. Além dos atores e dramaturgos, o livro não se esquece de homenagear outros integrantes que não necessariamente ficavam no palco. Personagens como o iluminador Orion de Carvalho, o porteiro e vigia Antonio Ronco, além da platéia, foram citados com carinho pelos entrevistados. Segundo Izaías Almada, estes tinham um verdadeiro laço de amor com o Arena e faziam de tudo para que o teatro pudesse continuar, mesmo durante o período mais ferrenho da ditadura, com o CCC (Comando de Caça aos Comunistas) ameaçando invadir o prédio.

Por ter escolhido esse caminho, contrário aos interesses dos que se encontravam no poder, era natural que o Arena desaparecesse durante o período da ditadura civil-militar que governou o país de 1964 a 1984. Todavia, não foi sem luta que isto ocorreu. O Arena deu vida aos musicais Zumbi e Tiradentes e ao show Opinião, no Rio de Janeiro; montou espetáculos como O inspetor geral (Gogol), Arena canta Bahia e a Primeira Feira Paulista de Opinião. Após 1968, com o aumento da tensão política, muito dos integrantes do Arena foram presos e torturados. Mesmo assim, os trabalhos continuaram. A Primeira Feira Paulista de Opinião, por exemplo, foi um espetáculo que reuniu artistas de várias áreas para exprimir a insatisfação de todos quanto à censura e a falta de liberdade de expressão. Porém, o sucesso de público dessa peça somente fez aumentar o conflito já existente, entre militares e os integrantes do teatro, que foram reprimidos de forma violenta. Essa censura, porém, segundo Gianfrancesco Guarnieri, serviu para mobilizar a classe teatral, que conseguiu uma vitória ao pressionar o governo e obter, por meio de um grupo de trabalho, a elaboração de um anteprojeto para a nova censura. Com o fim das atividades do Arena, seus integrantes dispersaram-se ou criaram outras alianças. Contudo, a experiência que esse tipo de teatro proporcionou ainda influencia suas carreiras, seja na forma de atuar, seja na forma de conceber o que é teatro. Apesar das diferenças estabelecidas com a nova geração de atores, de uma forma ou de outra, o legado que o Arena deixou ainda será parâmetro para que muitos possam aprimorar-se no teatro. Aqueles que fizeram parte deste livro trazem em suas histórias de vida um pouco da própria História do Brasil.

Na medida em que nos debruçamos nessa leitura acabamos adquirindo um pouco mais de consciência do papel do teatro para a consolidação de uma sociedade democrática, porque, como bem observou Antonio Fagundes, em seu depoimento a Izaías Almada: No teatro é preciso jogar com a própria alma, é preciso ter uma paixão, uma paixão pela comunicação.

Talitta Tatiane Martins Freitas

Fonte: www.revistafenix.pro.br

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