O Juiz de Paz da Roça

Martins Pena

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Comédia em 1 ato

PERSONAGENS

JUIZ DE PAZ
ESCRIVÃO DO JUIZ (DE PAZ)
MANUEL JOÃO, lavrador [guarda nacional] MARIA ROSA, sua mulher
ANINHA, sua filha
JOSÉ [DA FONSECA], amante de Aninha
INÁCIO JOSÉ
JOSÉ DA SILVA
FRANCISCO ANTÕNIO
MANUEL ANDRÉ
SAMPAIO (lavradores)
TOMÁS
JOSEFA [JOAQUINA] GREGÓRIO
[Negros]

[A cena é na roça.]

ATO ÚNICO

CENA I

Sala com uma porta no fundo. No meio uma mesa, junto à qual estarão cosendo MARIA ROSA e ANINHA.

MARIA ROSA – Teu pai tarda muito.

ANINHA – Ele disse que tinha hoje muito que fazer.

MARIA ROSA – Pobre homem! Mata-se com tanto trabalho! É quase meio-dia e ainda não voltou. Desde as quatro horas da manhã que saiu; está só com uma xícara de café.

ANINHA – Meu pai quando principia um trabalho não gosta de o largar, e minha mãe sabe bem que ele tem só a Agostinho.

MARIA ROSA – É verdade. Os meias-caras agora estão tão caros! Quando havia valongo eram mais baratos.

ANINHA – Meu pai disse que quando desmanchar o mandiocal grande há-de comprar uma negrinha para mim.

MARIA ROSA – Também já me disse.

ANINHA – Minha mãe, já preparou a jacuba para meu pai?

MARIA ROSA – É verdade! De que me ia esquecendo! Vai aí fora e traz dous limões. (ANINHA sai.) Se o MANUEL JOÃO viesse e não achasse a jacuba pronta, tínhamos campanha velha. Do que me tinha esquecido! (Entra ANINHA.)

ANINHA – Aqui estão os limões.

MARIA ROSA – Fica tomando conta aqui, enquanto eu vou lá dentro. (Sai.)

ANINHA, só – Minha mãe já se ia demorando muito. Pensava que já não poderia falar co senhor JOSÉ, que está esperando-me debaixo dos cafezeiros. Mas como minha mãe está lá dentro, e meu pai não entra nesta meia hora, posso fazê-lo entrar aqui. (Chega à porta e acena com o lenço.) Ele aí vem.

CENA II

Entra JOSÉ com calça e jaqueta branca.

JOSÉ – Adeus, minha ANINHA! (Quer abraçá-la.)

ANINHA – Fique quieto. Não gosto destes brinquedos. Eu quero casar-me com o senhor, mas não quero que me abrace antes de nos casarmos. Esta gente quando vai à Corte, vem perdida. Ora diga-me, concluiu a venda do bananal que seu pai lhe deixou?

JOSÉ – Concluí.

ANINHA – Se o senhor agora tem dinheiro, por que não me pede a meu pai?

JOSÉ – Dinheiro? Nem vintém!

ANINHA – Nem vintém! Então o que fez do dinheiro? É assim que me ama? (Chora.)

JOSÉ – Minha ANINHA, não chores. Oh, se tu soubesses como é bonita a Corte! Tenho um projeto que te quero dizer.

ANINHA – Qual é?

JOSÉ – Você sabe que eu agora estou pobre como Jó, e então tenho pensado em uma cousa. Nós nos casaremos na freguesia, sem que teu pai o saiba; depois partiremos para a Corte e lá viveremos.

ANINHA – Mas como? Sem dinheiro?

JOSÉ – Não te dê isso cuidado: assentarei praça nos Permanentes.

ANINHA – E minha mãe?

JOSÉ – Que fique raspando mandioca, que é ofício leve. Vamos para a Corte, que você verá o que é bom.

ANINHA – Mas então o que é que há lá tão bonito?

JOSÉ – Eu te digo. Há três teatros, e um deles maior que o engenho do capitão-mor.

ANINHA – Oh, como é grande!

JOSÉ – Representa-se todas as noites. Pois uma mágica… Oh, isto é cousa grande!

ANINHA – O que é mágica?

JOSÉ – Mágica é uma peça de muito maquinismo.

ANINHA – Maquinismo?

JOSÉ – Sim, maquinismo. Eu te explico. Uma árvore se vira em uma barraca; paus viram-se em cobras, em um homem vira-se em macaco.

ANINHA – Em macaco! Coitado do homem!

JOSÉ – Mas não é de verdade.

ANINHA – Ah, como deve ser bonito! E tem rabo?

JOSÉ – Tem rabo, tem.

ANINHA – Oh, homem!

JOSÉ – Pois o curro dos cavalinhos! Isto é que é cousa grande! Há uns cavalos tão bem ensinados, que dançam, fazem mesuras, saltam, falam, etc. Porém o que mais me espantou foi ver um homem andar em pé em cima do cavalo.

ANINHA – Em pé? E não cai?

JOSÉ – Não. Outros fingem-se bêbados, jogam os socos, fazem exercício – e tudo isto sem caírem. E há um macaco chamado o macaco. Major, que é coisa de espantar.

ANINHA – Há muitos macacos lá?

JOSÉ – Há, e macacas também.

ANINHA – Que vontade tenho eu de ver todas estas cousas!

JOSÉ – Além disto há outros muitos divertimentos. Na Rua do Ouvidor há um cosmorama, na Rua de São Francisco de Paula outro, e no Largo uma casa aonde se vêem muitos bichos cheios, muitas conchas, cabritos com duas cabeças, porcos com cinco pernas, etc.

ANINHA ? Quando é que você pretende casar-se comigo?

JOSÉ – O vigário está pronto para qualquer hora.

ANINHA – Então, amanhã de manhã.

JOSÉ – Pois sim. (Cantam dentro.)

ANINHA – Aí vem meu pai! Vai-te embora antes que ele te veja.

JOSÉ – Adeus, até amanhã de manhã.

ANINHA – Olhe lá, não falte! (Sai JOSÉ.)

CENA III

ANINHA, só – Como é bonita a Corte! Lá é que a gente se pode divertir, e não aqui, aonde não se ouve senão os sapos e as entanhas cantarem. Teatros, mágicos, cavalos que dançam, cabeças com dous cabritos, macaco major… Quanta cousa! Quero ir para a Corte!

CENA IV

Entra MANUEL JOÃO com uma enxada no ombro, vestido de calças de ganga azul, com uma das pernas arregaçada, japona de baeta azul e descalço. Acompanha-o um negro com um cesto na cabeça e uma enxada no ombro, vestido de camisa e calça de algodão.

ANINHA – Abença, meu pai.

MANUEL JOÃO – Adeus, rapariga. Aonde está tua mãe?

ANINHA – Está lá dentro preparando a jacuba.

MANUEL JOÃO – Vai dizer que traga, pois estou com muito calor. (ANINHA sai. M. JOÃO, para o negro:) Olá, Agostinho, leva estas enxadas lá para dentro e vai botar este café no sol. (O preto sai. MANUEL JOÃO senta-se.) Estou que não posso comigo; tenho trabalhado como um burro!

CENA V

Entra MARIA ROSA com uma tigela na mão, e ANINHA a acompanha.

MANUEL JOÃO – Adeus, senhora MARIA ROSA.

MARIA ROSA – Adeus, meu amigo. Estás muito cansado?

MANUEL JOÃO – Muito. Dá-me cá isso?

MARIA ROSA – Pensando que você viria muito cansado, fiz a tigela cheia.

MANUEL JOÃO – Obrigado. (Bebendo:) Hoje trabalhei como gente… Limpei o mandiocal, que etava muito sujo… Fiz uma derrubada do lado de FRANCISCO ANTÔNIO… Limpei a vala de Maria do Rosário, que estava muito suja e encharcada, e logo pretendo colher café. ANINHA?

ANINHA – Meu pai?

MANUEL JOÃO – Quando acabares de jantar, pega em um samborá e vai colher o café que está à roda da casa.

ANINHA – Sim senhor.

MANUEL JOÃO – Senhora, a janta está pronta?

MARIA ROSA – Há muito tempo.

MANUEL JOÃO – Pois traga.

MARIA ROSA – ANINHA, vai buscar a janta de teu pai. (ANINHA sai.)

MANUEL JOÃO – Senhora, sabe que mais? É preciso casarmos esta rapariga.

MARIA ROSA – Eu já tenho pensado nisto; mas nós somos pobres, e quem é pobre não casa.

MANUEL JOÃO – Sim senhora, mas uma pessoa já me deu a entender que logo que puder abocar três ou quatro meias-caras destes que se dão, me havia de falar nisso… Com mais vagar trataremos deste negócio. (Entra ANINHA com dous pratos e os deixa em cima da mesa.)

ANINHA – Minha mãe, a carne-seca acabou-se.

MANUEL JOÃO – Já?!

MARIA ROSA – A última vez veio só meia arroba.

MANUEL JOÃO – Carne boa não faz conta, voa. Assentem-se e jantem. (Assentam-se todos e comem com as mãos. O jantar consta de carne-seca, feijão e laranjas.) Não há carne-seca para o negro?

ANINHA – Não senhor.

MANUEL JOÃO – Pois coma laranja com farinha, que não é melhor do que eu. Esta carne está dura como um couro. Irra! Um dia destes eu… Diabo de carne!… hei-de fazer uma plantação… Lá se vão os dentes!… Deviam ter botado esta carne de molho no corgo… que diabo de laranjas tão azedas! (Batem à porta.) Quem é? (Logo que MANUEL JOÃO ouve bater na porta, esconde os pratos na gaveta e lambe os dedos.)

ESCRIVÃO, dentro – Dá licença, Senhor MANUEL JOÃO?

MANUEL JOÃO – Entre quem é.

ESCRIVÃO, entrando – Deus esteja nesta casa.

MARIA ROSA e MANUEL JOÃO – Amém.

ESCRIVÃO – Um criado da Senhora Dona e da Senhora Doninha.

MARIA ROSA e ANINHA – Uma sua criada. (Cumprimentam.)

MANUEL JOÃO – O senhor por aqui a estas horas é novidade.

ESCRIVÃO – Venho da parte do senhor juiz de paz intimá-lo para levar um recruta à cidade.

MANUEL JOÃO – Ó homem, não há mais ninguém que sirva para isto?

ESCRIVÃO – Todos se recusam do mesmo modo, e o serviço no entanto há-de se fazer.

MANUEL JOÃO – Sim, os pobres é que o pagam.

ESCRIVÃO – Meu amigo, isto é falta de patriotismo. Vós bem sabeis que é preciso mandar gente para o Rio Grande; quando não, perdemos esta província.

MANUEL JOÃO – E que me importa eu com isso? Quem as armou que as desarme.

ESCRIVÃO – Mas, meu amigo, os rebeldes têm feito por lá horrores!

MANUEL JOÃO – E que quer o senhor que se lhe faça? Ora é boa!

ESCRIVÃO – Não diga isto, Senhor MANUEL JOÃO, a rebelião…

MANUEL JOÃO, gritando – E que me importa eu com isso?… E o senhor a dar-lhe…

ESCRIVÃO, zangado – O senhor juiz manda dizer-lhe que se não for, irá preso.

MANUEL JOÃO – Pois diga com todos os diabos ao senhor juiz que lá irei.

ESCRIVÃO, à parte – Em boa hora o digas. Apre! custou-me achar um guarda… Às vossas ordens.

MANUEL JOÃO – Um seu criado.

ESCRIVÃO – Sentido nos seus cães.

MANUEL JOÃO – Não mordem.

ESCRIVÃO – Senhora Dona, passe muito bem. (Sai o ESCRIVÃO.)

MANUEL JOÃO – Mulher, arranja esta saia, enquanto me vou fardar. (Sai M. João.)

CENA VI

MARIA ROSA – Pobre homem! Ir à cidade somente para levar um preso! Perder assim um dia de trabalho…

ANINHA – Minha mãe, pra que é que mandam a gente presa para a cidade?

MARIA ROSA – Pra irem à guerra.

ANINHA – Coitados!

MARIA ROSA – Não se dá maior injustiça! Manoel João está todos os dias vestindo a farda. Ora pra levar presos, ora pra dar nos quilombos… É um nunca acabar.

ANINHA – Mas meu pai pra que vai?

MARIA ROSA – Porque o juiz de paz o obriga.

ANINHA – Ora, ele podia ficar em casa; e se o juiz de paz cá viesse buscá-lo, não tinha mais que iscar a Jibóia e a Boca-Negra.

MARIA ROSA – És uma tolinha! E a cadeia ao depois?

ANINHA – Ah, eu não sabia.

CENA VII

Entra MANUEL JOÃO com a mesma calça e jaqueta de chita, tamancos, barretina da Guarda Nacional, cinturão com baioneta e um grande pau na mão.

MANUEL JOÃO, entrando – Estou fardado. Adeus, senhora, até amanhã. (Dá um abraço.)

ANINHA – Abença, meu pai.

MANUEL JOÃO – Adeus, menina.

ANINHA – Como meu pai vai à cidade, não se esqueça dos sapatos franceses que me prometeu.

MANUEL JOÃO – Pois sim.

MARIA ROSA – De caminho compre carne.

MANUEL JOÃO – Sim. Adeus, minha gente, adeus.

MARIA ROSA e ANINHA – Adeus! (Acompanham-no até a porta.)

MANUEL JOÃO, à porta – Não se esqueça de mexer a farinha e de dar que comer às galinhas.

MARIA ROSA – Não. Adeus! (Sai MANUEL JOÃO.)

CENA VIII

MARIA ROSA – Menina, ajuda-me a levar estes pratos para dentro. São horas de tu ires colher o café e de eu ir mexer a farinha… Vamos.

ANINHA – Vamos, minha mãe. (Andando:) Tomara que meu pai não se esqueça dos meus sapatos… (Saem.)

CENA IX

Sala em casa do juiz de paz. Mesa no meio com papéis; cadeiras. Entra o juiz de paz vestido de calça branca, rodaque de riscado, chinelas verdes e sem gravata.

JUIZ – Vamo-nos preparando para dar audiência. (Arranja os papéis.) O escrivão já tarda; sem dúvida está na venda do Manuel do Coqueiro… O último recruta que se fez já vai-me fazendo peso. Nada, não gosto de presos em casa. Podem fugir, e depois dizem que o juiz recebeu algum presente. (Batem à porta.) Quem é? Pode entrar. (Entra um preto com um cacho de bananas e uma carta, que entrega ao juiz. JUIZ, lendo a carta:) “Il.mo Sr. – Muito me alegro de dizer a V. S.ª que a minha ao fazer desta é boa, e que a mesma desejo para V.S.ª pelos circunclóquios com que lhe venero”. (Deixando de ler:) Circunlóquios… Que nome em breve! O que quererá ele dizwer? Continuemos. (Lendo:) “Tomo a liberdade de mandar a V.S.ª um cacho de bananas-maçãs para V.S.ª comer com a sua boca e dar também a comer à Sr.ª Juíza e aos Srs. JUIZinhos. V.S.ª há-de reparar na insignificância do presente; porém, Il.mo Sr., as reformas da Constituição permitem a cada um fazer o que quiser, e mesmo fazer presentes; ora, mandando assim as ditas reformas, V.S.ª fará o favor de aceitar as ditas bananas, que diz minha Teresa Ova serem muito boas. No mais, receba as ordens de quem é seu venerador e tem a honra de ser – MANUEL ANDRÉ de Sapiruruca.” – Bom, tenho bananas para a sobremesa. Ó pai, leva estas bananas para dentro e entrega à senhora. Toma lá um vintém para teu tabaco. (Sai o negro.) O certo é que é bem bom ser juiz de paz cá pela roça. De vez em quando temos nossos presentes de galinhas, bananas, ovos, etc., etc. (Batem à porta.) Quem é?

ESCRIVÃO, dentro – Sou eu.

JUIZ – Ah, é o escrivão. Pode entrar.

CENA X

ESCRIVÃO – Já intimei MANUEL JOÃO para levar o preso à cidade.

JUIZ – Bom. Agora vamos nós preparar a audiência. (Assentam-se ambos à mesa e o juiz toca a campainha.) Os senhores que estão lá fora no terreiro podem entrar. (Entram todos os lavradores vestidos como roceiros; uns de jaqueta de chita, chapéu de palha, calças brancas de ganga, de tamancos, descalços; outros calçam os sapatos e meias quando entram, etc. TOMÁS traz um leitão debaixo do braço.) Está aberta a audiência. Os seus requerimentos?

CENA XI

INÁCIO JOSÉ, FRANCISCO ANTÔNIO, MANUEL ANDRÉ e SAMPAIO entregam seus requerimentos.

JUIZ – Sr. ESCRIVÃO, faça o favor de ler.

ESCRIVÃO, lendo – Diz INÁCIO JOSÉ, natural desta freguesia e casado com JOSEFA JOAQUINA, sua mulher na face da Igreja, que precisa que Vossa Senhoria mande a GREGÓRIO degradado para fora da terra, pois teve o atrevimento de dar um ambigada em sua mulher, na encruzilhada do Pau-Grande, que quase a fez abortar, da qual embigada fez cair a dita sua mulher de pernar para o ar. Portanto pede a Vossa Senhoria mande o dito GREGÓRIO degradado para Angola. E.R.M.

JUIZ – É verdade, Sr. GREGÓRIO, que o senhor deu uma embigada na senhora?

GREGÓRIO – É mentira, Sr. juiz de paz, eu não dou embigadas em bruxas.

JOSEFA JOAQUINA – Bruxa é a marafona de tua mulher, malcriado! Já não se lembra que me deu uma embigada, e que me deixou uma marca roxa na barriga? Se o senhor quer ver, posso mostrar.

JUIZ – Nada, nada, não é preciso; eu o creio.

JOSEFA JOAQUINA – Sr. juiz, não é a primeira embigada que este homem me dá; eu é que não tenho querido contar a meu marido.

JUIZ – Está bom, senhora, sossegue. Sr. INÁCIO JOSÉ, deixe-se destwas asneiras, dar embigadas não é crime classificado no Código. Sr. GREGÓRIO, faça o favor de não dar mais embigadas na senhora; quando não, arrumo-lhe com as leis às costas e meto-o na cadeia. Queiram-se retirar.

INÁCIO JOSÉ, para GREGÓRIO – Lá fora me pagarás.

JUIZ – ¨Estão conciliados. (INÁCIO JOSÉ, GREGÓRIO e JOSEFA [Joaquina] saem.) Sr. escrivão, leia outro requerimento.

ESCRIVÃO, lendo – “O abaixo-assinado vem dar os parabéns a V.S.ª por ter entrado com saúde no novo ano financeiro. Eu, Il.” sr. juiz de paz, sou senhor de um sítio que está na beira do rio, aonde dá muito boas bananas e laranjas, e como vêm de encaixe, pelo a V.S.ª o favor de aceitar um cestinho das mesmas que eu mandarei hoje à tarde. Mas, como ia dizendo, o dito sítio foi comprado com o dinheiro que minha mulher ganhou nas costuras e outras cousas mais; e, vai senão quando, um meu vizinho, homem da raça do Judas, diz que metade do sítio é dele. E então, que lhe parece, sr. juiz, não é desaforo? Mas, como ia dizendo, peço a V.S.ª para vir assistir à marcação do sítio. MANUEL ANDRÉ. E.R.M.”

JUIZ – Não posso deferir por estar muito atravancado com um roçado; portanto, requeira ao suplente, que é o meu compadre Pantaleão.

MANUEL ANDRÉ – Mas, sr. juiz, ele também está ocupado com uma plantação.

JUIZ – Você replica? Olhe que o mando para a cadeia.

MANUEL ANDRÉ – Vossa Senhoria não pode prender-me à toa; a Constituição não manda.

JUIZ – A Constituição!… Está bem!… Eu, o juiz de paz, hei por bem derrogar a Constituição! Sr. escrivão, tome termo que a Constituição está derrogada, e mande-me prender este homem.

MANUEL ANDRÉ – Isto é uma injustiça!

JUIZ – Ainda fala? Suspendo-lhe as garantias…

MANUEL ANDRÉ – É desaforo…

JUIZ, levantando-se – Brejeiro!… (MANUEL ANDRÉ corre; o juiz vai atrás.) Pega… Pega… Lá se foi… Que o leve o diabo. (Assenta-se.) Vamos às outras partes.

ESCRIVÃO, lendo – Diz João de SAMPAIO que, sendo ele “senhor absoluto de um leitão que teve a porca mais velha da casa, aconteceu que o dito acima referido leitão furasse a cerca do Sr. TOMÁS pela parte de trás, e com a sem-cerimônia que tem todo o porco, fossasse a horta do mesmo senhor. Vou a respeito de dizer, Sr. JUIZ, que o leitão, carece agora advertir, não tem culpa, porque nunca vi um porco pensar como um cão, que é outra qualidade de alimária e que pensa às vezes como um homem. Para V.S.ª não pensar que minto, lhe conto uma história: a minha cadela Tróia, aquela mesma que escapou de morder a V.S.ª naquela noite, depois que lhe dei uma tunda nunca mais comeu na cuia com os pequenos. Mas vou a respeito de dizer que o Sr. TOMÁS não tem razão em querer ficar com o leitão só porque comeu três ou quatro cabeças de nabo. Assim, peço a V.S.ª que mande entregar-me o leitão. E.R.M.”

JUIZ – É verdade, Sr. TOMÁS, o que o Sr. SAMPAIO diz?

TOMÁS – É verdade que o leitão era dele, porém agora é meu.

SAMPAIO – Mas se era meu, e o senhor nem mo comprou, nem eu lho dei, como pode ser seu?

TOMÁS – É meu, tenho dito.

SAMPAIO – Pois não é, não senhor. (Agarram ambos no leitão e puxam, cada um para sua banda.)

JUIZ, levantando-se – Larguem o pobre animal, não o matem!

TOMÁS – Deixe-me, senhor!

JUIZ – Sr. ESCRIVÃO, chame o meirinho. (Os dous apartam-se.) Espere, Sr. ESCRIVÃO, não é preciso. (Assenta-se.) Meus senhores, só vejo um modo de conciliar esta contenda, que é darem os senhores este leitão de presente a alguma pessoa. Não digo com isso que mo dêem.

TOMÁS – Lembra Vossa Senhoria bem. Peço licença a Vossa Senhoria para lhe oferecer.

JUIZ – Muito obrigado. É o senhor um homem de bem, que não gosta de demandas. E que diz o Sr. SAMPAIO?

SAMPAIO – Vou a respeito de dizer que se Vossa Senhoria aceitar, fico contente.

JUIZ – Muito obrigado, muito obrigado! Faça o favor de deixar ver. Ó homem, está gordo, tem toucinho de quatro dedos. Com efeito! Ora, Sr. TOMÁS, eu que gosto tanto de porco com ervilha!

TOMÁS – Se Vossa Senhoria quer, posso mandar algumas.

JUIZ – Faz-me muito favor. Tome o leitão e bote no chiqueiro quando passar. Sabe aonde é?

TOMÁS, tomando o leitão – Sim senhor.

JUIZ – Podem se retirar, estão conciliados.

SAMPAIO – Tenho ainda um requerimento que fazer.

JUIZ – Então, qual é?

SAMPAIO – Desejava que Vossa Senhoria mandasse citar a Assembléia Provincial.

JUIZ – Ó homem! Citar a Assembléia Provincial? E para quê?

SAMPAIO – Pra mandar fazer cercado de espinhos em todas as hortas.

JUIZ – Isto é impossível! A Assembléia Provincial não pode ocupar-se com estas insignificâncias.

TOMÁS – Insignificância, bem! Mas os votos que Vossa Senhoria pediu-me para aqueles sujeitos não era insignificância. Então me prometeu mundos e fundos.

JUIZ – Está bom, veremos o que poderei fazer. Queiram-se retirar. Estão conciliados; tenho mais que fazer (Saem os dous.) Sr. ESCRIVÃO, faça o favor de… (Levanta-se apressado e, chegando à porta, grita para fora:) Ó Sr. TOMÁS! Não se esqueça de deixar o leitão no chiqueiro!

TOMÁS, ao longe – Sim senhor.

JUIZ, assentando-se – Era muito capaz de esquecer. Sr. ESCRIVÃO, leia o outro requerimento.

ESCRIVÃO, lendo – Diz FRANCISCO ANTÔNIO, natural de Portugal, porém brasileiro, que tendo ele casado com Rosa de Jesus, trouxe esta por dote uma égua. “Ora, acontecendo ter a égua de minha mulher um filho, o meu vizinho JOSÉ da Silva diz que é dele, só porque o dito filho da égua de minha mulher saiu malhado como o seu cavalo. Ora, como os filhos pertencem às mães, e a prova disto é que a minha escrava Maria tem um filho que é meu, peço a V.S.ª mande o dito meu vizinho entregar-me o filho da égua que é de minha mulher.”

JUIZ – É de verdade que o senhor tem o filho da égua preso?

JOSÉ da Silva – É verdade; porém o filho me pertence, pois é meu, que é do cavalo.

JUIZ – Terá a bondade de entregar o filho a seu dono, pois é aqui da mulher do senhor.

JOSÉ da Silva – Mas, Sr. JUIZ…

JUIZ – Nem mais nem meios mais; entregue o filho, senão, cadeia.

JOSÉ da Silva – Eu vou queixar-me ao Presidente.

JUIZ – Pois vá, que eu tomarei a apelação.

JOSÉ da Silva – E eu embargo.

JUIZ – Embargue ou não embargue, embargue com trezentos mil diabos, que eu não concederei revista no auto do processo!

JOSÉ da Silva – Eu lhe mostrarei, deixe estar.

JUIZ – Sr. ESCRIVÃO, não dê anistia a este rebelde, e mande-o agarrar para soldado.

JOSÉ da Silva, com humildade – Vossa Senhoria não se arrenegue! Eu entregarei o pequira.

JUIZ – Pois bem , retirem-se; estão conciliados. (Saem os dous.) Não há mais ninguém? Bom, está fechada a sessão. Hoje cansaram-me!

MANUEL JOÃO, dentro – Dá licença?

JUIZ – Quem é? Pode entrar.

MANUEL JOÃO, entrando – Um criado de Vossa Senhoria.

JUIZ – Oh, é o senhor? Queira ter a bondade de esperar um pouco, enquanto vou buscar o preso. (Abre uma porta do lado.) Queira sair para fora.

CENA XII

Entra JOSÉ.

JUIZ – Aqui está o recruta; queira levar para a cidade. Deixe-o no quartel do Campo de Santana e vá levar esta parte ao general. (Dá-lhe um papel.)

MANUEL JOÃO – Sim senhor. Mas, Sr. JUIZ, isto não podia ficar para amanhã? Hoje já é tarde, pode anoitecer no caminho e o sujeitinho fugir.

JUIZ – Mas aonde há-de ele ficar? Bem sabe que não temos cadeias.

MANUEL JOÃO – Isto é o diabo!

JUIZ – Só se o senhor quiser levá-lo para sua casa e prendê-lo até amanhã, ou num quarto, ou na casa da farinha.

MANUEL JOÃO – Pois bem, levarei.

JUIZ – Sentido que não fuja.

MANUEL JOÃO – Sim senhor. Rapaz, acompanha-me. (Saem MANUEL JOÃO e JOSÉ.)

CENA XIII

JUIZ – Agora vamos nós jantar. (Quando se dispõem para sair, batem à porta.) Mais um! Estas gentes pensam que um juiz é de ferro! Entre quem é!

CENA XIV

Entra JOSEFA [Joaquina] com três galinhas penduradas na mão e uma cuia com ovos.

JUIZ – Ordena alguma cousa?

JOSEFA [Joaquina] – Trazia este presente para o Sr. JUIZ. Queira perdoar não ser cousa capaz. Não trouxe mais porque a peste deu lá em casa, que só ficaram estas que trago, e a carijó que ficou chocando.

JUIZ – Está bom; muito obrigado pela sua lembrança. Quer jantar?

JOSEFA [Joaquina] – Vossa Senhoria faça o seu gosto, que este é o meu que já fiz em casa.

JUIZ – Então, com sua licença.

JOSEFA [Joaquina] – Uma sua criada. (Sai.)

CENA XV

JUIZ, com as galinhas nas mãos – Ao menos com esta visita lucrei. Sr. ESCRIVÃO, veja como estão gordas! Levam a mão abaixo. Então, que diz?

ESCRIVÃO – Parecem uns perus.

JUIZ – Vamos jantar. Traga estes ovos. (Saem.)

CENA XVI

Casa de MANUEL JOÃO. Entram MARIA ROSA e ANINHA com um samborá na mão.

MARIA ROSA – Estou moída! Já mexi dous alqueires de farinha.

ANINHA – Minha mãe, aqui está o café.

MARIA ROSA – Bota aí. Aonde estará aquele maldito negro?

CENA XVII

Entram MANUEL JOÃO e JOSÉ.

MANUEL JOÃO – Deus esteja esta casa.

MARIA ROSA – MANUEL JOÃO!…

ANINHA – Meu pai!…

MANUEL JOÃO, para JOSÉ – Faça o favor de entrar.

ANINHA, à parte – Meu Deus, é ele!

MARIA ROSA – O que é isto? Não foste para a cidade?

MANUEL JOÃO – Não, porque era tarde e não queria que este sujeito fugisse no caminho.

MARIA ROSA – Então quando vais?

MANUEL JOÃO – Amanhã de madrugada. Este amigo dormirá trancado naquele quarto. Donde está a chave?

MARIA ROSA – Na porta.

MANUEL JOÃO – Amigo, venha cá. (Chega à porta do quarto e diz:) Ficará aqui até amanhã. Lá dentro há uma cama; entre. (JOSÉ entra.) Bom, está seguro. Senhora, vamos para dentro contar quantas dúzias temos de bananas para levar amanhã para a cidade. A chave fica em cima da mesa; lembrem-se, se me esquecer. (Saem MANUEL JOÃO e MARIA ROSA.)

CENA XVIII

ANINHA, só – Vou dar-lhe escapula… Mas como se deixou prender?… Ele me contará; vamos abrir. (Pega na chave que está sobre a mesa e abre a porta.) Saia para fora.

JOSÉ, entrando – Oh, minha ANINHA, quanto te devo!

ANINHA – Deixemo-nos de cumprimentos. Diga-me, como se deixou prender?

JOSÉ – Assim que botei os pés fora desta porta, encontrei com o juiz, que me mandou agarrar.

ANINHA – Coitado!

JOSÉ – E se teu pai não fosse incumbido de me levar, estava perdido, havia ser soldado por força.

ANINHA – Se nós fugíssemos agora para nos casarmos?

JOSÉ – Lembras muito bem. O vigário a estas horas está na igreja, e pode fazer-se tudo com brevidade.

ANINHA – Pois vamos, antes que meu pai venha.

JOSÉ – Vamos. (Saem correndo.)

CENA XIX

MARIA ROSA, entrando – Ó ANINHA! ANINHA” Aonde está esta maldita? ANINHA! Mas o que é isto? Esta porta aberta? Ah! Sr. MANUEL JOÃO! Sr. MANUEL JOÃO!

MANUEL JOÃO, dentro – O que é lá?

MARIA ROSA – Venha cá depressa. (Entra MANUEL JOÃO em mangas de camisa.)

MANUEL JOÃO – Então, o que é?

MARIA ROSA – O soldado fugiu!

MANUEL JOÃO – O que dizes, mulher?!

MARIA ROSA, apontando para a porta – Olhe!

MANUEL JOÃO – O diabo! (Chega-se para o quarto.) É verdade, fugiu! Tanto melhor, não terei o trabalho de o levar à cidade.

MARIA ROSA – Mas ele não fugiu só…

MANUEL JOÃO – Hem?!

MARIA ROSA – ANINHA fugiu com ele.

MANUEL JOÃO – ANINHA?!

MARIA ROSA – Sim.

MANUEL JOÃO – Minha filha fugir com um vadio daqueles! Eis aqui o que fazem as guerras do Rio Grande!

MARIA ROSA – Ingrata! Filha ingrata!

MANUEL JOÃO – Dê-me lá minha jaqueta e meu chapéu, que quero ir à casa do juiz de paz fazer queixa do que nos sucede. Hei-de mostrar àquele melquitrefe quem é MANUEL JOÃO… Vá, senhora, não esteja a choramingar.

CENA XX

Entram JOSÉ e ANINHA e ajoelham-se aos pés de MANUEL JOÃO.

Ambos – Senhor!

MANUEL JOÃO – O que é lá isso?

ANINHA – Meu pai, aqui está o meu marido.

MANUEL JOÃO – Teu marido?!

JOSÉ – Sim senhor, seu marido. Há muito tempo que nos amamos, e sabendo que não daríeis o vosso consentimento, fugimos e casamos na freguesia.

MANUEL JOÃO – E então? Agora peguem com um trapo quente. Está bom, levantem-se; já agora não há remédio. (ANINHA e JOSÉ levantam-se. ANINHA vai abraçar a mãe.)

ANINHA – E minha mãe, me perdoa?

MARIA ROSA – E quando é que eu não hei-de perdoar-te? Não sou tua mãe? (Abraçam-se.)

MANUEL JOÃO – É preciso agora irmos dar parte ao juiz de paz que você já não pode ser soldado, pois está casado. Senhora, vá buscar minha jaqueta. (Sai MARIA ROSA.) Então o senhor conta viver à minha custa, e com o meu trabalho?

JOSÉ – Não senhor, também tenho braços para ajudar; e se o senhor não quer que eu aqui viva, irei para a Corte.

MANUEL JOÃO – E que vai ser lá?

JOSÉ – Quando não possa ser outra cousa, serei ganhador da Guarda Nacional. Cada ronda rende mil-réis e cada guarda três mil-réis.

MANUEL JOÃO – Ora, vá-se com os diabos, não seja tolo. (Entra MARIA ROSA com a jaqueta e chapéu, e de xale.)

MARIA ROSA – Aqui está.

MANUEL JOÃO, depois de vestir a jaqueta – Vamos pra casa do juiz.

Todos – Vamos. (Saem.)

CENA XXI

Casa do JUIZ. Entra o JUIZ de Paz e [o] ESCRIVÃO.

JUIZ – Agora que estamos com a pança cheia, vamos trabalhar um pouco. (Assentam-se à mesa.)

ESCRIVÃO – Vossa Senhoria vai amanhã à cidade?

JUIZ – Vou, sim. Quero-me aconselhar com um letrado para saber como hei-de despachar alguns requerimentos que cá tenho.

ESCRIVÃO – Pois Vossa Senhoria não sabe despachar?

JUIZ – Eu? Ora essa é boa! Eu entendo cá disso? Ainda quando é algum caso de embigada, passe; mas casos sérios, é outra cousa. Eu lhe conto o que me ia acontecendo um dia. Um meu amigo me aconselhou que, todas as vezes que eu não soubesse dar um despacho, que desse o seguinte: “Não tem lugar.” Um dia apresentaram-me um requerimento de certo sujeito, queixando-se que sua mulher não queria viver com ele, etc. Eu, não sabendo que despacho dar, dei o seguinte: “Não tem lugar.” Isto mesmo é que queria a mulher; porém [o marido] fez uma bulha de todos os diabos; foi à cidade, queixou-se ao Presidente, e eu estive quase não quase suspenso. Nada, não me acontece outra.

ESCRIVÃO – Vossa Senhoria não se envergonha, sendo um juiz de paz?

JUIZ – Envergonhar-me de quê? O senhor ainda está muito de cor. Aqui para nós, que ninguém nos ouve, quantos juízes de direito há por estas comarcas que não sabem aonde têm sua mão direita, quanto mais juízes de paz… E além disso, cada um faz o que sabe. (Batem.) Quem é?

MANUEL JOÃO, dentro – Um criado de Vossa Senhoria.

JUIZ – Pode entrar.

CENA XXII

Entram MANUEL JOÃO, MARIA ROSA, ANINHA e JOSÉ.

JUIZ, levantando-se – Então, o que é isto? Pensava que já estava longe daqui!

MANUEL JOÃO – Não senhor, ainda não fui.

JUIZ – Isso vejo eu.

MANUEL JOÃO – Este rapaz não pode ser soldado.

JUIZ – Oh, uma rebelião? Sr. ESCRIVÃO, mande convocar a Guarda Nacional e oficie ao Governo.

MANUEL JOÃO – Vossa Senhoria não se aflija, este homem está casado.

JUIZ – Casado?!

MANUEL JOÃO – Sim senhor, e com minha filha.

JUIZ – Ah, então não é rebelião… Mas vossa filha casada com um biltre destes?

MANUEL JOÃO – Tinha-o preso no meu quarto para levá-lo amanhã para a cidade; porém a menina, que foi mais esperta, furtou a chave e fugiu com ele.

ANINHA – Sim senhor, Sr. JUIZ. Há muito tempo que o amo, e como achei ocasião, aproveitei.

JUIZ – A menina não perde ocasião! Agora, o que está feito está feito. O senhor não irá mais para a cidade, pois já está casado. Assim, não falemos mais nisso. Já que estão aqui, hão-de fazer o favor de tomar uma xícara de café comigo, e dançarmos antes disto uma tirana. Vou mandar chamar mais algumas pessoas para fazerem a roda maior. (Chega à porta.) Ó Antônio! Vai à venda do Sr. Manuel do Coqueiro e dize aos senhores que há pouco saíram daqui que façam o favor de chegarem até cá. (Para JOSÉ:) O senhor queira perdoar se o chamei de biltre; já aqui não está quem falou.

JOSÉ – Eu não me escandalizo; Vossa Senhoria tinha de algum modo razão, porém eu me emendarei.

MANUEL JOÃO – E se não se emendar, tenho um reio.

JUIZ – Senhora Dona, queira perdoar se ainda a não cortejei. (Cumprimenta.)

MARIA ROSA, cumprimentando – Uma criada de Sua Excelência.

JUIZ – Obrigado, minha senhora… Aí chegam os amigos.

CENA ÚLTIMA

Os mesmos e os que estiveram em cena.

JUIZ – Sejam bem-vindos, meus senhores. (Cumprimentam-se.) Eu os mandei chamar para tomarem uma xícara de café comigo e dançarmos um fado em obséquio ao Sr. MANUEL JOÃO, que casou sua filha hoje.

Todos – Obrigado a Vossa Senhoria.

INÁCIO JOSÉ, para MANUEL JOÃO – Estimarei que sua filha seja feliz.

Os outros – Da mesma sorte.

MANUEL JOÃO – Obrigado.

JUIZ – Sr. ESCRIVÃO, faça o favor de ir buscar a viola. (Sai o ESCRIVÃO.) Não façam cerimônia; suponham que estão em suas casas… Haja liberdade. Esta casa não é agora do juiz de paz – é de João Rodrigues. Sr. TOMÁS, faz-me o favor? (TOMÁS chega-se para o juiz e este o leva para um canto.) O leitão ficou no chiqueiro?

TOMÁS – Ficou, sim senhor.

JUIZ – / Bom. (Para os outros:) Vamos arranjar a roda. A noiva dançará comigo, e o noivo com sua sogra. Ó Sr. MANUEL JOÃO, arranje outra roda… Vamos, vamos! (Arranjam as rodas; o escrivão entra com uma viola.) Os outros senhores abanquem-se. Sr. ESCRIVÃO, ou toque, ou dê a viola a algum dos senhores. Um fado bem rasgadinho… bem choradinho…

MANUEL JOÃO – Agora sou eu gente!

JUIZ – Bravo, minha gente! Toque, toque! (Um dos atores toca a tirana na viola; os outros batem palmas e caquinhos, e os mais dançam.

Tocador,

cantando –

Ganinha, minha senhora,
Da maior veneração;
Passarinho foi-se embora.
Me deixou penas na mão.

Todos –

Se me dás que comê,
Se me dás que bebê,
Se me pagas as casas,
Vou morar com você. (Dançam.)

JUIZ – Assim, meu povo! Esquenta, esquenta!…

MANUEL JOÃO – Aferventa!

Tocador,

cantando –

Em cima daquele morro
Há um pé de ananás;
Não há homem neste mundo
Como o nosso juiz de paz.

Todos –

Se me dás que comê,
Se me dás que bebê,
Se me pagas as casas,
Vou morar com você.

JUIZ – Aferventa, aferventa!…

FIM

 

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