Se não quereis padecer (1595)

Redondilhas de Luís Vaz de Camões

Trovas

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que Luís de Camões fez, na Índia,
a certos fidalgos a quem convidara para cear

A primeira iguaria foi posta

a Casco de Ataíde. entre dous pratos,

e diria assim:

Se não quereis padecer

üa ou duas horas tristes,

sabeis que haveis de fazer?

Volveros por do venistes,

que aqui não há que comer.

E posto que aqui leiais

trovinha que vos enleia,

corrido não estejais;

porque por mais que corrais

não heis-de alcançar a ceia.

A segunda, a D. Franeisco d’Almeida:

Heliogábalo zombava

das pessoas convidadas,

e de sorte as enganava

que as iguarias que dava

vinham nos pratos pintadas.

Não temais tal travessura,

pois já não pode ser nova;

que a ceia está mui segura

de vos não vir em pintura,

mas há-de vir toda em trova.

A terecira, a Heitor da Silveira:

Ceia não a papareis;

contudo, porque não minta,

para beber achareis,

não Caparica, mas tinta,

e mil cousas que papeis.

E vós torceis o focinho,

com esta anfibologia?

Pois sabei que a Poesia

vos dá aqui tinta por vinho,

e papéis por iguaria.

A quarta foi posta a João Lopes Leitão,

a quem o Autor mandou um moto,

que vai adiante, sobre uma peça

de cacha, que este mandas ü a da Dama:

Porque os que vos convidaram

vosso estâmago não danem,

por justa causa ordenaram,

se trovas vos enganaram,

que trovas vos desenganem.

Vós tereis isto por tacha,

converter tudo em trovar;

pois se me virdes zombar,

não cuideis, Senhor, que é cacha,

que aqui não há cachar.

Finge que, responde João Lopes Leitão:

Pesar ora não de São!

Eu juro pelo Céu bento

se de comer me não dão,

que eu não sou camaleão

que me hei-de manter do vento.

Finge que responde o Autor:

Senhor, não vos agasteis,

porque Deus vos proverá;

e se mais saber quereis,

nas costas deste lereis

as iguarias que há.

Vira o papel, que dizia assi:

Tendes nem migalha assada,

cousa ne~nua de molho,

e nada feito em empada,

e vento de tigelada,

picar no dente em remalho.

De fumo tendes tassalhos,

aves da pena que sente

quem de fome anda doente;

bocejar de vinho e de alhos,

manjar em branco excelente.

A quinta e derradeira iguaria foi posta

a Francisco de Melo e dizia:

De um homem que teve o ceptro

da veia maravilhosa,

não foi cousa duvidosa

que se lhe tornava em metro

o que ia a dizer em prosa.

De mim vos quero apostar

que faça cousas mais novas

de quanto podeis cuidar:

esta ceia, que é manjar,

vos faça na boca em trovas

Fonte: www.bibvirt.futuro.usp.br

 

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