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De novo, em um salto, vamos ao norte da Palestina, porque estes dois países também nos interessam.
Para falar da Síria, com sua capital Damasco, temos que falar dos arameus. Dizia-se, até pouco atrás, que estes eram nômades semitas que a partir do deserto siro-arábico invadiram a Alta Mesopotâmia, a Anatólia (Ásia Menor) e a Síria. Mas hoje não temos mais tanta certeza disso, por isso seria melhor não falar mais dos arameus desta maneira. Certo é que nunca houve uma união política aramaica, sendo a Síria a sede de vários reinos arameus.
A primeira menção segura dos documentos antigos sobre os arameus data do ano 1110 a.C., mais ou menos, e está em textos cuneiformes do reinado do assírio Tiglat-Pileser I (1115-1077 a.C.). No quarto ano de seu reinado ele combateu os Ahlamu-Arameus no Eufrates e lhes queimou seis acampamentos no Djebel Bishri.
Eis o comunicado real:”Marchei contra os ahlamu-arameus, inimigos do deus Assur, meu senhor. Em um só dia realizei uma incursão desde as proximidades da terra de Suhi até Carquemish da terra de Hatti. Infligi-lhes baixas e trouxe prisioneiros, bens e gado sem conta”.
E ainda:”Por vinte e oito vezes, à razão de duas por ano, cruzei o Eufrates em perseguição aos ahlamu-arameus. Da cidade de Tadmor (Palmira) da terra de Amurru, da cidade de Anat da terra de Suhi, até a cidade de Rapigu da terra de Karduniash (Babilônia), sua derrota foi por mim consumada”[13].
Com o tempo, os termos ahlamu e arameu tornaram-se sinônimos, mas é possível que fossem dois grupos diversos, aparentados, contudo.
O reino de Aram-Damasco era pequeno, mas depois que Davi conquistou todos os outros, segundo os textos bíblicos, Damasco se impôs como principal, dominando todo o território sírio. Foi aniquilado pelos assírios, um pouco antes de Israel do norte. A província síria destacou-se depois, sob o domínio romano.
A Fenícia, a faixa costeira ao norte de Israel e ao lado da Síria, era muito fértil. Seu nome vem da púrpura que era extraída ali de certas conchas. Em fenício-hebraico, “púrpura” se dizia canaan e em grego foinix, donde “Fenícia”. Líbano, seu nome atual, é devido à cadeia de montanhas assim chamada e significa “o branco”, por causa da neve no pico dos montes.
Começando pelo sul da Fenícia, encontramos a cidade de Tiro, existente desde o III milênio a.C., construída metade sobre uma ilha, metade no continente. Por isso resistiu maravilhosamente a terríveis assédios assírios e babilônicos. Foi tomada por Alexandre Magno após sete meses de cerco. Tiro era famosa por seu comércio e suas naves. Foi quase sempre aliada de Israel.
Sídon, habitada por cananeus, foi famosa por causa de seus navegantes. Os assírios conquistaram-na, mas foi cidade livre sob os romanos. Concorrente de Tiro no comércio e navegação.
Ainda: Ugarit (Ras Shamra), habitada por cananeus. É importante por causa de sua grande literatura, relacionada com a literatura bíblica e sua língua, parente da hebraica. As escavações aí realizadas enriqueceram muito os estudos bíblicos nos últimos tempos. Foi destruída pelos filisteus.
A descoberta
Em março de 1928, um lavrador alauíta, arando sua propriedade a cerca de 12 km ao norte de Latakia, antiga Laodicea ad mare, remove uma pedra na qual seu arado bate e encontra os restos de uma tumba antiga. Colocado a par da descoberta, o Serviço de Antigüidades da Síria e do Líbano, na época sob mandato francês, encarrega um especialista, M. L. Albanese, que imediatamente notifica a presença de uma necrópole e identifica a tumba como sendo do tipo micênico, datável aí pelos séculos XIII ou XII a.C.
Uma necrópole supõe a existência de uma cidade. Por isso, Albanese e Dussaud prestaram atenção à colina vizinha, chamada Ras Shamra, de uns 20 metros de altitude, que tinha toda a aparência de ser um tell arqueológico, ou seja, um acúmulo de ruínas antigas, e que podia corresponder à cidade procurada.
Um ano mais tarde, no dia 2 de abril de 1929, sob o comando de Claude F. A. Schaeffer, começaram as escavações, primeiro da necrópole, e logo em seguida, no dia 8 de maio, no tell, que tem um extensão de uns 25 hectares e se encontra a cerca de 800 metros da costa. Ao norte se vê o Jebel Aqra’, “monte pelado”, ou Monte Zafon (o monte Casius, dos romanos) que separa a região dos alauítas do vale e da desembocadura do rio Orontes.
Poucos dias mais tarde, foram feitas as primeiras descobertas: tabuinhas de argila escritas em caracteres cuneiformes, objetos de bronze e de pedra… Foi o começo de uma série de descobertas numa escavação que se prolonga até os nossos dias. De 1929 a 1980 foram realizadas 40 campanhas arqueológicas no local, empreendimento só suspenso durante II Guerra Mundial. E as pesquisas ainda continuam.
Os 5 níveis arqueológicos
Os arqueólogos classificaram a seqüência estratigráfica em 5 níveis:
O nível 3 (3000-2100 a.C.)
Apresenta em suas camadas superiores cerâmica cananéia. Isto é interessante, porque, embora do ponto de vista geográfico Ugarit não se encontre em Canaã, do ponto de vista cultural e étnico esta é uma cidade cananéia. Esta época manifesta contato ou influência da cultura contemporânea da Baixa Mesopotâmia.
O nível 2 (2100-1500 a.C.)
Nos indica uma cultura tipicamente semita na cidade: cerâmica e templos são de tipo cananeu. Mas há influências estrangeiras, vindas do Egito, da Mesopotâmia e da região do mar Egeu. A invasão dos hicsos não modificou substancialmente esta cultura, que continuou sendo semítica e cananéia. Chama a atenção, neste nível, toda uma necrópole com cerâmica cananéia.
Tumbas familiares são feitas debaixo das casas, e guardam muitos utensílios e armas. O testemunho acerca do culto dos mortos na civilização cananéia, encontrado em Ugarit, é de grande importância para se entender a reação israelita ao tema presente na Bíblia Hebraica.
O nível 1 (1500-1100 a.C.)
Mostra indícios de grande prosperidade no seu começo, refletidos nas construções amplas e nas tumbas da necrópole de Mina’ al-bayda’. Construiu-se neste época um bairro marítimo. O estilo da cerâmica encontrada nas tumbas é ródio-cipriota. Um violento incêndio destruiu esta prosperidade, incêndio mencionado em uma das cartas de Tell el-Amarna, e verificado no tell por uma camada de cinzas que divide este nível em duas partes.
A reconstrução foi esplêndida e dominada pela arte de estilo micênico. A ruína desta civilização, e com ela a da cidade, ocorre no começo da época do ferro, como conseqüência de um processo de decomposição social interna coincidente com a passagem dos “povos do mar”. Os vestígios de ocupação posterior são de menor importância.
A identificação da cidade
A identificação do nome do local não foi difícil, pois os textos descobertos sugeriram imediatamente que se tratava de Ugarit (ú-ga-ri-it), já conhecida por referências da literatura egípcia e mesopotâmica, sobretudo pelas Cartas de Tell el-Amarna, onde se encontram algumas provenientes da própria Ugarit. Entre os textos encontrados aparece o nome da cidade.
Os textos ugaríticos
Os textos foram encontrados todos no primeiro nível, pertencendo, portanto, à última fase da cidade. Estavam principalmente na “Biblioteca” anexada ao templo de Baal e no “Palácio Real” ou “Grande Palácio”, que possuía diversas dependências para arquivos.
As tabuinhas estão redigidas em sete sistemas diferentes de escrita, correspondente a sete línguas diferentes: em hieróglifos egípcios, em hitita hieroglífico e cuneiforme, em acádico, em hurrita, em micênico linear e cipriota e em ugarítico. Os textos que nos interessam estão em ugarítico, um sistema cuneiforme alfabético, que foi decifrado em poucos meses por H. Bauer, E. Dhorme e Ch. Virolleaud. Nesta língua, que é uma forma do cananeu, foram encontrados cerca de 1300 textos
O Ciclo de Baal
O Ciclo de Baal (ou Ba’lu)[15] apresenta algumas dificuldades especiais dentro da literatura ugarítica: não é fácil determinar se temos um mito único, com rigorosa unidade de composição, ou se temos um ciclo que engloba diversas composições literárias, com tema e tramas próprios ou se estamos lidando com versões diferentes de um mesmo mito.
Apesar do mesmo tom e da mesma concepção mitológica, da coerência e continuidade entre os diversos episódios que compõem o mito total, podemos estar falando de diferentes redações de um mesmo “mitema” ou de “mitemas diferentes”. Isto sem contar que, também em Ugarit, há uma “história da tradição e da redação” dos textos, história essa que é dificílima de ser feita…
Outra dificuldade é o número e a ordem das tabuinhas. G. del Olmo Lete, em Mitos y Leyendas de Canaán, exclui os fragmentos que por suas características externas, materiais ou epigráficas não podem constituir unidade editorial com os demais. Diz o autor: “Nos restam assim seis tabuinhas que podem representar uma versão ou redação unitária do ciclo mencionado. Delas, quatro (1.1,3,5,6) possuíam originalmente seis colunas de texto, três de cada lado (…).
Suas dimensões eram mais ou menos as mesmas”[16]. As dimensões padrão são 26,5 x 19,5 cm e 26 x 22 cm. A divisão entre as colunas é feita por uma linha dupla profundamente marcada. O número de linhas conservadas por coluna oscila entre 62 e 65. A exceção fica por conta da tabuinha 4, que tem oito colunas e da tabuinha 2 que tem somente quatro colunas.
Como é comum nas tabuinhas cuneiformes, a terceira coluna continua diretamente, ultrapassando a borda inferior, no verso. De modo que, a tabuinha não deve ser virada como uma página de um livro, mas de cima para baixo. Assim, enquanto as colunas do anverso estão dispostas da esquerda para a direita, as do reverso estão dispostas da direita para a esquerda, de modo que a correspondência anverso/reverso das colunas é a seguinte: 1/6, 2/5 e 3/4.
A escrita ugarítica caminha da esquerda para a direita, segundo o uso da epigrafia cuneiforme. E o mais interessante no Ciclo de Baal é que as seis tabuinhas têm a mesma “caligrafia”, ou seja, foram escritas pelo mesmo escriba que se identifica como Ilimilku em 1.6 e 1.16, junto com o nome do Sumo Sacerdote, Attanu-Purlianni, para quem trabalhou e que deve ter ditado o texto, e a quem deveremos considerar como o autor, redator ou, quem sabe, apenas o transmissor desta versão tradicional do mito de Baal e o nome do rei, Niqmaddu, que governou Ugarit de 1370 a 1335 a.C.
KTU 1.6 VI diz, no seu final:
El escriba fue Ilimilku, shubbani,
discípulo de Attanu-Purlianni,
Sumo Sacerdote, Pastor Máximo,
Inspector de Niqmaddu, Rey de Ugarit
Señor Formidable, Provisor de nuestro sustento.
As tabuinhas do Ciclo de Baal foram encontradas todas nas campanhas arqueológicas de 1930, 1931 e 1933 e estão hoje no Museu do Louvre (1.1,2,5,6), Paris, e no Museu de Aleppo (1,3,4), Síria.
Assim, as seis tabuinhas trazem um ciclo mitológico, composto de três mitos ou composições autônomas que giram cada uma em torno de um mitema particular: Luta entre Ba’lu e Yammu (1.1-2), O palácio de Ba’lu (1,3-4) e a Luta entre Ba’lu e Môtu (1.5-6).
O universo mitológico de Ugarit
Entre os muitos deuses que constituem o panteão de Ugarit, apenas uns dez ou doze são ativos em sua literatura, enquanto alguns outros que ali aparecem têm um papel muito impreciso.
Destacam-se:
ILU (=EL) | deus supremo, criador dos deuses e do homem |
BA’LU (=BAAL) | chefe dos deuses, deus da chuva e da fertilidade, senhor da terra |
YAMMU (=YAM) | deus do mar |
KÔTHARU (=KOSHAR-WAHASIS) | deus artesão |
‘ATHTARU (=’ATHTAR) | deus do deserto |
‘ANATU (= ‘ANAT) | deusa do amor, da guerra e da fertilidade – esposa de Baal |
ATIRATU (= ‘ASHERAH) | esposa de El, deusa mãe |
MÔTU (= MÔT) | deus da morte e da esterilidade |
‘ATHTARTU (= ASTARTÉ) | esposa de Baal, deusa da guerra e da caça |
SHAPSHU | deusa sol |
Fonte: www.airtonjo.com
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