Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas

Friedrich Engels

Do Comitê Central à Liga

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Irmãos: Durante os dois anos revolucionários de 1848 e 1849, a Liga atravessou galhardamente uma dupla prova: primeiro, porque os seus membros participaram energicamente do movimento em todos os lugares onde ele se deu e porque, na imprensa, nas barricadas e nos campos de batalha, estiveram na vanguarda da única classe verdadeiramente revolucionária – o proletariado. Ademais, porque a concepção que a Liga tinha do movimento, tal como foi formulada nas circulares dos congressos e do Comitê Central, em 1847, assim como no Manifesto Comunista, se revelou a única acertada; porque as esperanças manifestadas nesses documentos se confirmaram plenamente, e os pontos de vista sobre as condições sociais do momento, que a Liga até então só havia divulgado secretamente, se acham agora na boca de todo o mundo e são defendidos abertamente nas praças públicas. Ao mesmo tempo, a primitiva e sólida organização da Liga se debilitou de modo considerável. Grande parte dos seus membros – os que participam diretamente do movimento revolucionário – acreditava que já havia passado a época das sociedades secretas e que bastava a atividade pública. Alguns círculos e comunidades foram enfraquecendo os seus laços com o Comitê Central e terminaram por extinguí-los pouco a pouco. Assim, pois, enquanto o partido democrático, o partido da pequena- burguesia, fortalecia sua organização na Alemanha, o partido operário perdia sua única base firme, conservava a custo sua organização em algumas localidades, para fins exclusivamente locais e, por isso, no movimento geral caiu por completo sob a influência e a direção dos democratas pequeno-burgueses. É necessário acabar com tal estado de coisas, é preciso restabelecer a independência dos operários. Compreendendo esta necessidade, o Comitê Central, já no inverno de 1848- 1849, enviou Joseph Moll com a missão de reorganizar a Liga na Alemanha. A missão de Moll não produziu o resultado desejado, em parte porque os operários alemães não tinham experiência suficiente e em parte por que tal experiência se interrompeu em virtude da insurreição de maio do ano passado. O próprio Moll, que empunhou armas e se incorporou ao exército de Baden-Palatinado, tombou no encontro de 19 de julho, nas imediações de Murg. A Liga perdeu nele um dos membros mais antigos, mais ativos e mais seguros, que havia participado de todos os congressos e comitês centrais e que já realizara antes, com grande êxito, várias missões no exterior. Depois da derrota dos partidos revolucionários da Alemanha e França, em julho de 1849, quase todos os membros do Comitê Central voltaram a reunir-se em Londres, preencheram as suas fileiras com novas forças revolucionárias e empreenderam com

renovada energia a tarefa de reorganizar a Liga.

Esta reorganização só pode ser alcançada por um enviado especial, e o Comitê Central acha que é de grande importância que esse enviado parta precisamente agora, quando é iminente uma nova revolução, quando, portanto, o partido operário deve agir de modo mais organizado, mais unânime e mais independente, se não quer de novo ser explorado pela burguesia e marchar a reboque desta, como em 1848.

Já em 1848, vos dissemos, irmãos, que os liberais burgueses alemães logo chegariam ao poder e empregariam imediatamente contra os operários esse poder recém-conquistado. Já vistes como se realizou isto. Com efeito, imediatamente depois do movimento de março de 1848, foram os burgueses que ficaram com o poder, utilizando-o sem delongas para forçar os operários, seus aliados na luta, a voltar à sua condição anterior de oprimidos. E, embora a burguesia não pudesse obter tudo isso sem se aliar ao partido feudal, derrotado em março, e, afinal, sem ceder de novo ao domínio deste mesmo partido absolutista feudal, pode, não obstante, assegurar para si as condições que, em vista das dificuldades financeiras do governo, haveriam de pôr finalmente nas suas mãos o Poder e salvaguardariam os seus interesses, no caso

de o movimento revolucionário entrar, a partir de agora, na via do chamado desenvolvimento pacífico.

Para assegurar seu domínio, a burguesia nem sequer precisava recorrer a medidas violentas, que a tornariam odiosa aos olhos do povo, pois todas essas medidas violentas já haviam sido tomadas pela contra-revolução feudal. Mas o desenvolvimento não há de seguir essa via pacífica. Pelo contrário, a revolução, que há de acelerar esse desenvolvimento, está próxima, quer seja provocada por uma insurreição do proletariado francês, quer por uma invasão da Babel revolucionária pela Santa Aliança.

E o papel de traição que os liberais burgueses alemães desempenharam em relação ao povo, em 1848, será desempenhado na próxima revolução pelos pequeno-burgueses democratas, que hoje ocupam na oposição o mesmo lugar que ocupavam os liberais burgueses antes de 1848. Este partido democrático, mais perigoso para os operários do que foi o partido liberal, está integrado pelos seguintes elementos: I. Pela parte mais progressista da grande burguesia, cujo objetivo é a total e imediata derrocada do feudalismo e do absolutismo. Essa fração está representada pelos antigos conciliadores de Berlim que propuseram a suspensão do pagamento de suas contribuições.

II. Pela pequena-burguesia democrata-constitucional, cujo principal objetivo no movimento anterior era criar um Estado federal mais ou menos democrático, tal como o haviam propugnado os seus representantes – a esquerda da Assembléia de Frankfurt -, mais tarde o Parlamento de Stuttgart e ela mesma na campanha de pró-constituição do Império.

III. Pelos pequeno-burgueses republicanos, cujo ideal é uma república federal alemã no estilo da Suíça e que agora se chamam a si mesmos “vermelhos” e “democrata-sociais”, porque têm o pio desejo de acabar com a opressão do pequeno capital pelo grande, do pequeno-burguês pelo grande burguês. Representavam esta fração os membros dos congressos e comitês democráticos, os dirigentes das uniões democráticas e os redatores da imprensa democrática.

Agora, depois da sua derrota, todas essas frações se chamam republicanas ou vermelhas, exatamente como os pequeno-burgueses republicanos da França se chamam, hoje em dia, socialistas. Ali onde ainda têm a possibilidade de perseguir seus fins por métodos constitucionais, como em Wurtemberg, Baviera etc., aproveitam a ocasião para conservar as suas velhas frases e para demonstrar com os fatos que não mudaram em absoluto. Compreende-se, de resto, que a mudança de nome deste partido não modifica de modo algum sua atitude para com os operários; a única coisa que faz é demonstrar que agora se vê obrigado a lutar contra a burguesia, aliada ao absolutismo, e a procurar o apoio do proletariado.

O partido democrata pequeno-burguês é muito poderoso na Alemanha. Não somente abrange a enorme maioria da população burguesa das cidades, os pequenos comerciantes e industriais e os mestres artesãos, mas também é acompanhado pelos camponeses e operários agrícolas, pois estes últimos ainda não encontraram o apoio de um proletariado urbano independentemente organizado.

A atitude do partido operário revolucionário em face da democracia pequeno-burguesa é a seguinte: marchar com ela na luta pela derrubada daquela fração cuja derrota é desejada pelo partido operário;

posição em proveito próprio.

Longe de desejar a transformação revolucionária de toda a sociedade em benefício dos proletários revolucionários, a pequena-burguesia democrata tende a uma mudança da ordem social que possa tornar a sua vida, na sociedade atual, mais cômoda e confortável. Por isso, reclama em primeiro lugar uma redução dos gastos do Estado por meio de uma limitação da burocracia e do deslocamento das principais cargas tributárias para os ombros dos grandes proprietários de terras e burgueses. Exige, ademais, que se ponha fim à pressão do grande capital sobre o pequeno, pedindo a criação de instituições de crédito do Estado e leis contra a usura, com o que ela e os camponeses teriam a possibilidade de obter, em condições favoráveis, créditos do Estado, em lugar de serem obrigados a pedi-los aos capitalistas; ela pede, igualmente, o estabelecimento de relações burguesas de propriedade no campo, mediante a total abolição do feudalismo. Para levar a cabo tudo isso, precisa de um regime democrático, seja constitucional ou republicano, que dê maioria a ela e a seus aliados, os camponeses, e autonomia democrática local, que ponha nas suas mãos o controle direto da propriedade comunal e uma série de funções desempenhadas hoje em dia por burocratas.

Os democratas pequeno-burgueses acham também que é preciso opor-se ao domínio e ao rápido crescimento do capital, em parte limitando o direito de herança, em parte pondo nas mãos do Estado o maior número possível de empresas. No que toca aos operários, é indubitável que devem continuar sendo operários assalariados; os pequeno-burgueses democratas apenas desejam que eles tenham salários mais altos e uma existência mais garantida e esperam alcançar isso facilitando, por um lado, trabalho aos operários, através do Estado, e, por outro, com medidas de beneficência. Numa palavra, confiam em corromper os operários com esmolas mais ou menos veladas e debilitar sua força revolucionária por meio da melhoria temporária de sua situação. Nem todas as frações da democracia pequeno-burguesa defendem todas as reivindicações que acabamos de citar. Tão somente uns poucos democratas pequeno-burgueses consideram seu objetivo o conjunto dessas reivindicações. Quanto mais avançam alguns indivíduos ou frações da democracia pequeno-burguesa, tanto maior é o número dessas reivindicações que apresentam como suas, e os poucos que vêem no acima exposto o seu próprio programa supõem, certamente, que ele representa o máximo que se pode exigir da revolução. Mas essas reivindicações não podem satisfazer de nenhum modo ao partido do proletariado. Enquanto os pequeno-burgueses democratas querem concluir a revolução o mais rapidamente possível, depois de terem obtido, no máximo, os reclamos supramencionados, os nossos interesses e as nossas tarefas consistem em tornar a revolução permanente até que seja eliminada a dominação das classes mais ou menos possuidoras, até que o proletariado conquiste o poder do Estado, até que a associação dos proletários se desenvolva, não só num país, mas em todos os países predominantes do mundo, em proporções tais que cesse a competição entre os proletários desses países, e até que pelo menos as forças produtivas decisivas estejam concentradas nas mãos do proletariado. Para nós, não se trata de reformar a propriedade privada, mas de aboli-la; não se trata de atenuar os antagonismos de classe, mas de abolir as classes; não se trata de melhorar a sociedade existente, mas de estabelecer uma nova. Não resta a menor dúvida de que, com o desenvolvimento da revolução, a democracia pequeno-burguesa obterá, na Alemanha, por algum tempo, uma influência predominante. A questão é, pois, saber qual há de ser a atitude do proletariado e particularmente da Liga diante da democracia pequeno-burguesa:

1. Enquanto subsistir a situação atual, em que os democratas pequeno-burgueses também se acham oprimidos

2. No curso da próxima luta revolucionária, que lhes dará uma situação de superioridade

3. Ao terminar a luta, durante a situação de sua superioridade sobre as classes derrubadas e sobre o proletariado.

1. No momento presente, quando a pequena-burguesia democrática é oprimida por toda parte, exorta em geral o proletariado à união e à reconciliação, estende-lhe a mão e procura criar um grande partido de oposição, que abranja todas as tendências do partido democrata, isto é, procura arrastar o proletariado a uma organização partidária onde hão de predominar as frases social-democratas de tipo geral, atrás das quais se ocultarão os interesses particulares da democracia pequeno-burguesa, organização na qual, em

nome da tão desejada paz, as reivindicações especiais do proletariado não possam ser apresentadas.

Semelhante união seria feita em benefício exclusivo da pequena-burguesia democrata e em prejuízo indubitável do proletariado. Este teria perdido a posição independente que conquistou à custa de tantos esforços e cairia uma vez mais na situação de simples apêndice da democracia burguesa oficial. Tal união deve ser, portanto, resolutamente rejeitada. Em vez de descer mais uma vez ao papel de coro laudatório dos democratas burgueses, os operários e, sobretudo, a Liga devem procurar estabelecer, junto aos democratas oficiais, uma organização independente do partido operário, ao mesmo tempo legal e secreta, e fazer de cada comunidade o centro e núcleo de sociedades operárias, nas quais a atitude e os interesses do proletariado possam ser discutidos independentemente das influências burguesas. Uma prova de quão pouco séria é a atitude dos democratas burgueses diante de uma aliança com o proletariado, na qual este tivesse a mesma força e os mesmos direitos que ela, são os democratas de Breslau, cujo órgão de imprensa, o Neue Oder Zeitung, ataca com fúria os operários organizados independentemente, aos quais tacha de socialistas. Para lutar contra um inimigo comum não se precisa de nenhuma união especial.

Uma vez que é necessário lutar diretamente contra tal inimigo, os interesses de ambos os partidos coincidem no momento e essa união, como vem ocorrendo até agora, surgirá no futuro por si mesma e momentaneamente. É claro que nos iminentes conflitos sangrentos, assim como em todos os anteriores, serão sobretudo os operários que conquistarão a vitória por seu valor, resolução e espírito de sacrifício.

Nessa luta, como nas anteriores, a massa pequeno-burguesa manterá uma atitude de expectativa, de irresolução e inatividade por tanto tempo quanto seja possível, com o propósito de , ao ficar assegurada a vitória, utilizá-la em benefício próprio, convidar os operários a que permaneçam tranquilos e retornem ao trabalho, evitar os chamados excessos e despojar o proletariado dos frutos da vitória. Não depende dos trabalhadores impedir que a pequena-burguesia democrata proceda desse modo, mas está ao seu alcance dificultar aos democratas burgueses a possibilidade de se imporem ao proletariado pela força das armas e ditar-lhes condições sob as quais o domínio burguês leve desde o princípio o germe de sua queda, facilitando, consideravelmente, sua ulterior substituição pelo poder do proletariado. Durante o conflito e imediatamente depois de terminada a luta, os operários devem procurar, em primeiro lugar e enquanto for possível, resistir às tentativas contemporizadoras da burguesia e obrigar os democratas a levarem à prática as suas atuais frases terroristas. Devem agir de tal maneira que a agitação revolucionária não seja reprimida de novo, imediatamente depois da vitória. Pelo contrário, deverão procurar mantê-la pelo maior tempo possível. Os operários não só não devem opor-se aos chamados excessos, aos atos de vingança popular contra indivíduos odiados ou contra edifícios públicos que o povo só relembre com ódio, não somente devem admitir tais atos, mas assumir a sua direção. Durante a luta, e depois dela, os operários devem aproveitar todas as oportunidades para apresentar suas própria exigências, ao lado das exigências dos democratas burgueses. Devem exigir garantias para os operários tão logo os democratas burgueses se disponham a tomar o poder. Se for preciso, essas garantias devem ser arrancadas pela força.

Em geral, é preciso levar os novos governantes a se obrigarem às maiores concessões e promessas; é o meio mais seguro de comprometê-los. Os operários devem conter, em geral e na medida do possível, o entusiasmo provocado pela nova situação e pela embriaguez do triunfo, que se segue a toda luta de rua vitoriosa, opondo a tudo isso uma apreciação fria e serena dos acontecimentos e manifestando abertamente sua desconfiança para com o novo governo. Ao lado dos novos governos oficiais, os operários deverão constituir imediatamente governos operários revolucionários, seja na forma de comitês ou conselhos municipais, seja na forma de clubes operários ou de comitês operários, de tal modo que os governos democrático-burgueses não só percam imediatamente o apoio dos operários, mas também se vejam desde o primeiro momento fiscalizados e ameaçados por autoridades atrás das quais se encontre a massa inteira dos operários. Numa palavra, desde o primeiro instante da vitória, é preciso despertar a desconfiança não mais contra o partido reacionário derrotado, mas contra o antigo aliado, contra o partido que queira explorar a vitória comum no seu exclusivo benefício.

2. Mas, para opor-se enérgica e ameaçadoramente a esse partido, cuja traição aos operários começará desde os primeiros momentos da vitória, estes devem estar armados e organizados. Dever-se-á armar, imediatamente, todo o proletariado, com fuzis, carabinas, canhões e munições; é preciso opor-se ao ressurgimento da velha milícia burguesa, dirigida contra os operários. Onde não se possa adotar essas medidas, os operários devem procurar organizar-se independentemente, como guarda proletária, com chefes e um estado-maior eleitos por eles próprios, e pôr-se às ordens, não do governo, mas dos conselhos municipais revolucionários criados pelos próprios operários. Onde os operários trabalharem em empresas do Estado, deverão promover seu armamento e organização em corpos especiais com comandos eleitos por eles mesmos, ou como unidades que participem da guarda proletária. Sob nenhum pretexto entregarão suas armas e munições; toda tentativa de desarmamento será rejeitada, caso necessário, pela força das armas. Destruição da influência dos democratas burgueses sobre os operários; formação imediata de uma organização independente e armada da classe operária; criação de condições que, na medida do possível, sejam as mais duras e comprometedoras para a dominação temporária e inevitável da democracia burguesa: tais são os pontos principais que o proletariado e, portanto, a Liga devem ter em mente durante a próxima insurreição e depois dela.

3. Logo que os novos governos se tenham consolidado um pouco iniciarão suas lutas contra os operários.

A fim de estarem em condições de oporem-se energicamente aos democratas pequeno-burgueses, é preciso, sobretudo, que os operários estejam organizados de modo independente e centralizados através dos seus clubes. Depois da derrocada dos governos existentes, e na primeira oportunidade, o Comitê Central se transferirá para a Alemanha, convocará imediatamente um Congresso, perante o qual proporá as medidas necessárias para a centralização dos clubes operários sob a direção de um organismo estabelecido no centro principal do movimento. A rápida organização de agrupamentos – pelo menos provinciais- dos clubes operários é uma das medidas mais importantes para revigorar e desenvolver o partido operário. A consequência imediata da derrubada dos governos existentes há de ser a eleição de uma assembléia nacional representativa. Nela o proletariado deverá fazer com que: I. Nenhum núcleo operário seja privado do direito de voto, a pretexto algum, nem por qualquer estratagema das autoridades locais ou dos comissários do governo.

II. Ao lado dos candidatos burgueses democráticos figurem em toda parte candidatos operários, escolhidos na medida do possível entre os membros da Liga, e que para o seu triunfo se ponham em jogo todos os meios disponíveis. Mesmo que não exista esperança alguma de triunfo, os operários devem apresentar candidatos próprios para conservar a independência , fazer uma avaliação de forças e demonstrar abertamente a todo mundo sua posição revolucionária e os pontos de vista do partido. Ao mesmo tempo, os operários não devem deixar-se enganar pelas alegações dos democratas de que, por exemplo, tal atitude divide o partido democrático e facilita o triunfo da reação. Todas essas alegações tem o objetivo de iludir o proletariado. Os êxitos que o partido operário alcançar com semelhante atitude independente pesam muito mais do que os danos que possa ocasionar a presença de uns quantos reacionários na assembléia representativa. Se a democracia agir resolutamente, desde o princípio, e com medidas terroristas contra a reação, a influência desta nas eleições ficará de antemão eliminada.

O primeiro ponto a provocar o conflito entre os democratas burgueses e os operários será a abolição do feudalismo. Do mesmo modo que na primeira revolução francesa, os pequeno-burgueses entregarão as terras feudais aos camponeses, na qualidade de propriedade livre, isto é, procurarão conservar o proletariado agrícola e criar uma classe camponesa pequeno-burguesa, que passará pelo mesmo ciclo de empobrecimento e endividamento progressivo em que se encontra, atualmente, o camponês francês. No interesse do proletariado rural e no seu próprio interesse, os operários têm de opor-se a esse plano.

Têm de exigir que a propriedade feudal confiscada fique como propriedade do Estado e seja transformada em colônias operárias, que o proletariado rural associado explore com todas as vantagens da grande exploração agrícola; desse modo, o princípio da propriedade comum obtém logo uma base sólida, no meio das vacilantes relações de propriedade burguesas. Tal como os democratas com os camponeses, os operários têm de unir-se com o proletariado rural. Além disso, os democratas trabalharão diretamente para uma República federativa ou, pelo menos, se não puderem evitar uma República una e indivisível, procurarão paralisar o governo central mediante o máximo possível de autonomia e independência para as comunas e províncias. Frente a esse plano, os operários têm não só de tentar realizar a República alemã una e indivisível, mas também a mais decidida centralização, nela, do poder nas mãos do Estado. Eles não se devem deixar induzir em erro pelo palavreado sobre a liberdade das comunas, o auto-governo etc. Num país como a Alemanha, onde estão ainda por remover tantos resquícios da Idade Média, onde está por quebrar tanto particularismo local e provincial, não se pode tolerar em circunstância alguma que cada aldeia, cada cidade, cada província ponha um novo obstáculo à atividade revolucionária, que só pode emanar do centro em toda a sua força. Não se pode tolerar que se renove o estado de coisas atual, em que os alemães, por um mesmo passo em frente, são obrigados a bater-se separadamente em cada cidade, em cada província. Menos ainda pode tolerar-se que, através de uma organização comunal pretensamente livre, se perpetue uma forma de propriedade -a comunal-, que ainda se situa aquém da propriedade privada moderna e por toda a parte se dissolve necessariamente nesta e as desavenças dela decorrentes entre comunas pobres e ricas, assim como o direito de cidadania comunal, subsistente, com as suas mazelas contra os operários, ao lado do direito de cidadania estatal. Tal como na França em 1793, o estabelecimento da centralização mais rigorosa é hoje, na Alemanha, a tarefa do partido realmente revolucionário**.

Vimos como os democratas chegarão à dominação com o próximo movimento e como serão forçados a propor medidas mais ou menos socialistas. Que medidas os operários devem propor?. Estes não podem, naturalmente, propor quaisquer medidas diretamente comunistas no começo do movimento. Mas podem: 1. Obrigar os democratas a intervir em tantos lados quanto possível da organização social até hoje existente, a perturbar o curso regular desta, a comprometerem-se a concentrar nas mãos do Estado o mais possível de forças produtivas, de meios de transporte, de fábricas, de ferrovias, etc.

2. Têm de levar ao extremo as propostas dos democratas, que não se comportarão em todo o caso como revolucionários mas como simples reformistas, e transformá-las em ataques diretos contra a propriedade privada; por exemplo, se os pequeno-burgueses propuserem comprar os estradas de ferro e as fábricas, os operários têm de exigir que essas estradas de ferro e fábricas, como propriedade dos reacionários, sejam confiscadas simplesmente e sem indenização pelo Estado. Se os democratas propuserem o imposto proporcional, os operários exigirão o progressivo; se os próprios democratas avançarem a proposta de um imposto progressivo moderado, os operários insistirão num imposto cujas taxas subam tão depressa que o grande capital seja com isso arruinado; se os democratas exigirem a regularização da dívida pública, os operários exigirão a bancarrota do Estado. As reivindicações dos operários terão, pois, de se orientar por toda a parte segundo as concessões e medidas dos democratas.

Se os operários alemães não podem chegar à dominação e realização dos seus interesses de classe sem passar por todo um desenvolvimento revolucionário prolongado, pelo menos desta vez eles têm a certeza de que o primeiro ato deste drama revolucionário iminente coincide com a vitória direta de sua própria classe na França e é consideravelmente acelerado por aquela.

Mas têm de ser eles próprios a fazer o máximo pela sua vitória final, esclarecendo-se sobre os seus interesses de classe, tomando o quanto antes a sua posição de partido autônomo, não se deixando um só instante induzir em erro pelas frases hipócritas dos pequeno-burgueses democratas quanto à organização independente do partido do proletariado. Seu grito de batalha tem de ser: a revolução permanente.

Londres, Março de 1850.

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