Os Deuses da Grécia

Machado de Assis

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Quando, co’os tênues vínculos de gozo,
Ó Vênus de Amatonte, governavas
Felizes* raças, encantados povos
Dos fabulosos tempos;

Quando fulgia a pompa do teu culto,
E o templo ornavam delicadas rosas,
Ai! quão diverso o mundo apresentava
A face aberta em risos!

Na poesia envolvia-se a verdade;
Plena vida gozava a terra inteira;
E o que jamais hão de sentir na vida
Então sentiam homens.

Lei era repousar no amor; os olhos
Nos namorados olhos se encontravam;
Espalhava-se em toda a natureza
Um vestígio divino.

Onde hoje dizem que se prende um globo
Cheio de fogo, — outrora conduzia
Hélios o carro de ouro, e os fustigados
Cavalos espumantes.

Povoavam Oreades os montes,
No arvoredo Doriades vivia,
E agreste espuma despejava em flocos
A urna das Danaides.

Refúgio de uma ninfa era o loureiro;
Tantália moça as rochas habitava;
Suspiravam no arbusto e no caniço
Sírinx, Filomela.

Cada ribeiro as lágrimas colhia
De Ceres pela esquiva Perséfone;
E do outeiro chamava inutilmente
Vênus o amado amante.

Entre as raças que o pio tessaliano
Das pedras arrancou, — os deuses vinham;
Por cativar uns namorados olhos
Apolo pastoreava.

Vínculo brando então o amor lançava
Entre os homens, heróis e os deuses todos;
Eterno culto ao teu poder rendiam,
Ó deusa de Amatonte!

Jejuns austeros, torva gravidade
Banidos eram dos festivos templos;
Que os venturosos deuses só amavam
Os ânimos alegres.

Só a beleza era sagrada outrora;
Quando a pudica Tiemonte mandava,
Nenhum dos gozos que o mortal respira
Envergonhava os deuses.

Eram ricos palácios vossos templos;
Lutas de heróis, festins e o carro e a ode,
Eram da raça humana aos deuses vivos
A jucunda homenagem.

Saltava a dança alegre em torno a altares;
Louros c’roavam numes; e as capelas
De abertas, frescas rosas, lhes cingiam
A fronte perfumada.

Anunciava o galhofeiro Baco
O tirso de Evoé; sátiros fulvos
Iam tripudiando em seu caminho;
Iam bailando as Menades.

A dança revelava o ardor do vinho;
De mão em mão corria a taça ardente,
Pois que ao fervor dos ânimos convida
A face rubra do hóspede.

Nenhum espectro hediondo ia sentar-se
Ao pé do moribundo. O extremo alento
Escapava num ósculo, e voltava
Um gênio a tocha extinta.

E além da vida, nos infernos, era
Um filho de mortal quem sustentava
A severa balança; e co’a voz pia
Vate ameigava as Fúrias.

Nos Elíseos o amigo achava o amigo;
Fiel esposa ia encontrar o esposo;
No perdido caminho o carro entrava
Do destro Automedonte.

Continuava o poeta o antigo canto;
Admeto achava os ósculos de Alceste;
Reconhecia Pilades o sócio
E o rei tessálio as flechas.

Nobre prêmio o valor retribuía
Do que andava nas sendas da virtude;
Ações dignas do céu, filhas dos homens,
O céu tinham por paga.

Inclinavam-se os deuses ante aquele
Que ia buscar-lhe algum mortal extinto;
E os gêmeos lá no Olimpo alumiavam
O caminho ao piloto.

Onde és, mundo de risos e prazeres?
Porque não volves, florescente idade ?
Só as musas conservavam teus divinos
Vestígios fabulosos.

Tristes e mudos vejo os campos todos;
Nenhuma divindade aos olhos surge;
Dessas imagens vivas e formosas
Só a sombra nos resta.

Do norte ao sopro frio e melancólico,
Uma por uma, as flores se esfolharam;
E desse mundo rútilo e divino
Outro colheu despojos.

Os astros interrogo com tristeza,
Seleno, e não te encontro; à selva falo,
Falo à vaga do mar, e à vaga, e à selva,
Inúteis vozes mando.

Da antiga divindade despojada,
Sem conhecer os êxtases que inspira,
Desse esplendor que eterno a fronte lhe orna
Não sabe a natureza.

Nada sente, não goza do meu gozo;
Insensível à força com que impera,
O pêndulo parece condenado
Às frias leis que o regem.

Para se renovar, abre hoje a campa,
Foram-se os numes ao país dos vates;
Das roupas infantis despida, a terra
Inúteis os rejeita.

Foram-se os numes, foram-se; levaram
Consigo o belo, e o grande, e as vivas cores,
Tudo que outrora a vida alimentava,
Tudo que é hoje extinto.

Ao dilúvio dos tempos escapando,
Nos recessos do Pindo se entranharam:
O que sofreu na vida eterna morte,
Imortalize a musa!

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