Poemas – Rodrigues de Abreu

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Rodrigues de Abreu

A Montanha

Muda, cheia de sombra e de mistério
e de vida interior, guarda sombria
tristeza, adormentando-a todo o dia,
ampla e calada, como um cemitério…

Rica no tronco, no seu vasto império
incontentada, oprime-a a nostalgia
desse país azul, ao qual envia
torres de pedra e hinos de saltério.

E muda, o espaço amando unicamente,
esquece-se da vida que em pletora
vive em seu ser… Passa tal qual a gente,

buscando, sempre heróica amplos espaços
também a gente, na ânsia que apavora,
aos céus estende, em súplicas, os braços…

Aos Poetas

Mentimos a nós mesmos, embuçados
nessas mágoas irreais em que vivemos.
Mas, somos, a fingir esses extremos,
os maiores dos homens torturados .

Carregamos as dores e os pecados
dos homens. E por eles nos ardemos
em esperanças e êxtases supremos,
com todos os sentidos exaltados.

Tristes de nós, que vamos, nos caminhos,
chorando as almas das torturas presas,
pondo as alheias dores em canções.

Mas, sangrando a nossa alma nos espinho;
fazendo nossas todas as tristezas,
alegramos os tristes corações.

A Goteira

Quando eu ouço a goteira batendo no soalho,
a goteira que é, toda nervosa e fria,
hemoptise da tuberculose do ar,
fico pensando na vida e no quanto não valho,
penso na minha mãe que me vem visitar,
penso no tempo em que qualquer coisa eu valia.

Minha mãe está chorando na goteira…

Antigamente, às noites chuvosas, eu tinha
insónias, escutando o ruído da goteira
cadenciada, conforme a vontade da chuva…

E aos poucos me visitava esse ruído contínuo:
e então a minha mãe levantava-se e vinha
com uma bacia e punha-a embaixo da goteira.

Amor

Eu julgo que em meu ser todo o amor do Universo
Condensou-se… Em mim vive a alma de Juan Tenório,
insaciada de amor, a clamar no meu verso
e na revolta audaz do meu viver inglório!…
Arde em minha alma, e vibra, e soluça, num “scherzo”

de anseio… E este meu ser, que parece marmóreo,
passou por muito amor, amou muito, disperso,
no ar, quando era fluido, a vagar, transitório! ‘
E, homem, deixo um amor, e outro amor já me invade

E esta tortura atroz, que a não conhece o vulgo
cerca-me sempre mais de horror e soledade.

E brame, no meu ser, o amor dos outros seres!
Amo muito! E, assim, vivo! e, assim, sofro! e, assim julgo

amar, num só amor, a todas as mulheres!…

A um que Foi Crucificado

Querido irmão, meu espírito se une ao teu.
Não te enfades, se muitos dos homens que te cantam hinos não
te compreendem.

Eu não te canto meu hino, eu não te adoro, mas te compreendo.

Com alegria profunda, eu te recordo, ó companheiro, e ao recordar-te,
saúdo-te o mesmo que surgiram antes de ti e surgirão após
mim.

Para todos rasgamos o mesmo sulco, transmitindo a mesma herança e
a mesma colheita, nós, a pequena falange dos iguais, indiferentes aos
países e às idades.

As Andorinhas

Bastou para eu amá-las isto apenas:
Uma tarde chegando ao meu recanto
Deram momentos de alegria e encanto,
Calor de ninhos, maciez de penas…

E homem de fel, tornei-me bom e santo!
Charco imundo, coalhei-me de açucenas
— Só por elas, sem pejo e sem espanto,
A mim baixarem do alto céu serenas.

E do alto céu sereno elas trouxeram
Todo o mundo vibrante das cantigas
Dos que hoje gozam e que já sofreram,

Povoando do meu ser a soledade,
Vivendo nele, eternamente amigas,
Na perpétua presença da saudade.

As Histórias de Amor

Nos meus poemas, às vezes, passam mulheres. Passam mulheres vindas
de um lado, vindas de outro, que são sempre alheias à minha
existência. Não estavam em mim, por isso não saem de mim.
Eu as ponho em meus poemas, tal qual como neles, às vezes, eu ponho
flores variadas, farrapos doirados de nuvens, águas cantantes e mansas.
Embelezo com isso os lugares onde se move o meu pensamento.

Mas, nunca em meus poemas, aparecerá uma mulher saída de mim,
e a história sempre melancólica de um beijo, de um amor, de
uma separação…

Ah! nunca vos direi que não me posso esquecer de certa mulher, nem
vos contarei a história sempre melancólica de um beijo, de um
amor, de uma separação!

Temo chorar e fazer-vos chorar, infinitamente!"

A Vida

A longa espera…
A chegada…
A partida…
Eis toda a minha primavera,
toda a felicidade sonhada,
toda a tristeza… A Vida!

Uma tarde (e como canta a saudade daquela
tarde fecunda, tarde solene de verão!),
nos céus distantes cada uma
das duas palavras de amor acordava uma estrela,
enquanto em minha alma, num voo de pluma,
criava a tortura de nova Ilusão…

Agora esta vida é uma noite sombria
de um vento soturno de desolação!
Para onde levaste as estrelas que estavam na noite brilhando?

Sem tuas palavras a noite está fria, minha alma está fria!

A Minha Vida

A minha vida é simples e apagada.
Não é, como essas vidas de romances,
cheia de tantos e imprevistos lances,
de fulgores de beijos e de espada!

Vida de quem se levantou do nada
e vai passando por humanos transes,
pondo as suas tristezas em rimances,
burguesmente seguindo a sua estrada.

Amo. Por isso nada me intimida…
Aceito tudo com jovial semblante
e voto à minha vida amor profundo.

Quando eu morrer e entrar numa outra vida,
hei de estranhar, hei de chorar bastante,
terei tantas saudades deste mundo!

A Virgem Maria

As virações da tarde suspirantes,
pura Maria,
passam gemendo, gemem odorantes,
a flor das vagas tépidas errantes
à luz do dia
do teu nome celeste a melodia
MARIA!

E a vaga enfim, ao ser assim beijada,
tem mais poesia!
E a luz do dia pálida e magoada
– se acaso do teu nome é bafejada –
sua agonia despe.
Ridente brilha o que morria
MARIA!

Porque Rosa, Tu és a mais formosa
Rosa, ó Maria!
Mais pura e linda e mais linda e saudosa
que a filha de Labão triste e chorosa,
doce Maria,
que ela, brilhando em meio da agonia
do ermo imenso, imensa como um dia
MARIA!

Porque Raquel foi mística miragem,
bela Maria,
de Ti, do Rosto teu! Lassa visagem
que aparecia,
muito imperfeita mas de Ti imagem,
nas tendas do deserto em que vivia
MARIA!

Linda Maria! quando eu vejo a vida,
calma Maria,
sem porto de esperança, a alma descrida,
na ventania
o fel vertendo vai, lágrima havida,
que me deixou sem luz, sem lar, sem dia,
MARIA!

Mas Tu, deste deserto, pomba errante,
rósea Maria,
estende a mão ao lânguido viajante!
Brilha ao triste pastor gemendo arfante,
doce Maria,
e eu cantarei a tua melodia
MARIA!

Como o Alarve e também o Beduíno,
pura Maria,
te busco, ó minha Fonte!… Alvor divino
sana a ferida… O ocaso vespertino
e a ventania
chegam; nos braços teus, doce Maria,
acolho-me! Açucena, Virgem Pia
MARIA!

Benedito Abreu (Número de 25-11-16)

Alfaiataria da Moda

Esses que andam em busca, almas de artista,
do belo, e da Arte, e da impecável Forma,
que têm por ideal, que têm por norma,
do traje "chie" a esplêndida conquista…

Entrem (ninguém por certo se arrepende)
nesta Alfaiataria que é da "Moda"
e verão que por toda a parte, em toda
ela esplêndido talhe "chie" esplende!

Algodão

Ouro branco, esperança da alma aflita
do caipira, ouro feito de algodão,
ouro de neve branca, de bendita
neve toda a alma verde do sertão.

Fuljo — branco de neve nas alturas
dos sonhos dos cansados lavradores,
que me tornam, as tristes criaturas,
mais alvos pelas gotas de seus suores.

Vêem-me, sonhando, em longas fibras de ouro,
depois em moeda, e assim sonhando vão…
Dormem pensando em mim: Sou o tesouro,
o ouro branco das terras do sertão.

Ao Luar

Ouro branco, esperança da alma aflita
do caipira, ouro feito de algodão,
ouro de neve branca, de bendita
neve toda a alma verde do sertão.

Fuljo — branco de neve nas alturas
dos sonhos dos cansados lavradores,
que me tornam, as tristes criaturas,
mais alvos pelas gotas de seus suores.

Vêem-me, sonhando, em longas fibras de ouro,
depois em moeda, e assim sonhando vão…
Dormem pensando em mim: Sou o tesouro,
o ouro branco das terras do sertão.

Aos Escravos

Santos e bons escravos! na canseira,
rudes, ao sol e à chuva mourejando,
íeis, a suar, sem o saber, semeando
a semente da glória brasileira…

Os céus enchíeis de canções, sonhando…
Na esperança, divina companheira,
púnheis o hino da fé na própria poeira
da terra, a terra virgem fecundando.

E escrevestes, sofrendo tanta guerra,
ardendo em prece e em dores de saudade,
a página melhor da nossa história:

porque apesar do luto que ela encerra,
foi ela a porta Imensa, de ouro e jade,
aberta, em brilhos, para a vossa glória!

Aos Poetas

Mentimos a nós mesmos, embuçados
nessas mágoas irreais em que vivemos.
Mas, somos, a fingir esses extremos,
os maiores dos homens torturados .

Carregamos as dores e os pecados
dos homens. E por eles nos ardemos
em esperanças e êxtases supremos,
com todos os sentidos exaltados.

Tristes de nós, que vamos, nos caminhos,
chorando as almas das torturas presas,
pondo as alheias dores em canções.

Mas, sangrando a nossa alma nos espinho;
fazendo nossas todas as tristezas,
alegramos os tristes corações.

Bauru

Moro na entrada do Brasil novo.
Bauru! nome – frisson, que acorda na alma da gente
ressonâncias de passos em marcha batida
para a conquista soturna do Desconhecido!

Acendi meu cigarro no tôco de lenha deixado na estrada,
no meio da cinza ainda morna
do último bivaque dos Bandeirantes…

Cidade de espantos!
Carros de bois geram desastres com máquinas Ford!
Rolls-Royces encalham beijando a areia!
Casas de táboas mudáveis nas costas;
bungalows comodistas roubados da noite para o dia,
as avenidas paulistas…

Cidade de espantos!
Eu canto a estesia suave dos teus bairros chics,
as chispas e os ruídos do bairro industrial,
a febre do lucro que move os teus homens nas ruas do centro,
e a pecaminosa alegria dos teus bairros baixos…
Recebe o meu canto, cidade moderna!

Onde é que estão brasileiros ingênuos,
As úlceras feias de Bauru?
Vi homens fecundos que fazem reclamo da Raça!
E eu sei que há mulheres fidalgas que ateiam incêndios
na mata inflamável dos nossos desejos!
Mulheres fidalgas que já transplantaram
o Rio de Janeiro para êste areal…

A Alegria busina e atropela os trustes nas ruas
A cidade se fez a toques de sinos festivos,
a marchas vermelhas de música, ao riso estridente,
de Colombinas e de Arlequins.

Por isso, cidade moderna, a minha tristeza de tuberculoso,
contaminada da doença da tua alegria
morreu enforcada nos galhos sem fôlhas
das tuas raras árvores solitárias…
Eu já tomei cocaína em teus bairros baixos,
onde há Milonguitas de pálpebras murchas
e de olhos brilhantes!

Rua Batista de Carvalho!
O sol da manhã incendeia ferozmente
a gasolina que existe na alma dos homens.
Febre…Negócios…Cartórios, Fazendas…Café…
Mil forasteiros chegaram com os trens da manhã,
e vão, de passagem, tocados da pressa,
para o El-Dorado real da zona noroeste!

…Acendí meu cigarro no tôco de lenha deixado ainda acêso

na estrada, no meio da cinza
do último bivaque dos Bandeirantes…

E enquanto o fumo espirala, cerrando os meus olhos,
fatigados do assombro das tuas visões,
eu fico sonhando com o teu atordoante futuro,
Cidade de espantos!

Cana

Tenho ar de guerra. Vivo farfalhando.
Mas quanta dor no farfalhar eu tenho:
É o rumor que hei de ouvir um dia, quando
moer-me o engenho.

E do meu sangue doce há de nascer
o açúcar! Mas também o ódio que eu tenho
há de no álcool, de novo, renascer…
Mata-me o engenho!…

Capitão Otaviano Pinto Ribeiro (Vice)

Sem dúvida, ele foi, numa outra vida,
a bola de bilhar mais reluzente,
que, pela evolução, se tornou gente,
embora sendo de marfim polida.

No peito e abdómen, massa confundida,
e em tudo o mais o símile é saliente.
Ai dele, se o empurrarem, de repente,
redondinho, rolante, na descida!

Hão de pensar que, assim falando, ofendo
as respeitáveis cãs do amigo velho…
Eu, porém, desse modo não entendo,

pois, o seu crânio não tem cãs de prata:
é, pela evolução, um liso espelho,
ao qual se pode dar laço à gravata!

Capivari

Terra de muito azul e de muita harmonia,
onde ao sol, se divisa o lourejar das messes,
tu nem pareces terra, o que tu mais pareces
é um pedaço do céu de Enlevo e de Alegria!

Há por tua floresta imácula e sombria,
de asas palpitações e doçuras de preces…
Terra de um povo bom! A ambição não conheces,
nem ódio, e nem calúnia; e és boa, como o dia!

Mãe fecunda de Heróis, de mulheres divinas,
de montanhas azuis, onde o olhar se não cansa,
e de errantes visões, de sons de cavatinas…

És o país ideal da Paz e da Bonança!
Canta a luz, canta a Vida! E nas tuas campinas,
eternamente, paira o verde da Esperança!…

Casa Destelhada

A Plínio Salgado

A minha vida é uma casa destelhada
por um vento fortíssimo de chuva.

(As goteiras de todas as misérias
estão caindo, com lentidão perversa,
na terra triste do meu coração.)

A minha alma, a inquilina, está pensando
que é preciso mudar-se, que é preciso
ir para uma casa bem coberta…

(As goteiras de todas as misérias
estão caindo, com lentidão perversa,
na terra triste do meu coração.)
Mas a minha alma está pensando
em adiar, quanto mais, a mudança precisa.
Ela quer muito bem à velha casa em que já foi feliz…

E encolhe-se, toda transida de frio,
fugindo às goteiras, que caem lentamente
na terra esverdeada do meu coração!

Oh! a felicidade estranha
de pensar que a casa agüente mais um ano
nas paredes ocilantes!
Oh! a felicidade voluptuosa
de adiar a mudança, demorá-la,
ouvindo a música das goteiras tristes,
que caem lentamente, perversamente,
na terra gelada do meu coração!

(Do livro: "Casa Destelhada")

Celso Epaminondas de Almeida

(Consultor Jurídico)

De festas é um programa retumbante.
Nasceu, de certo, em tempo de folia,
de farra, quando Momo aparecia
num rebolado Carnaval triunfante!

Tem pelo teatro uma paixão doentia.
Dizem que, em sua vida de estudante,
do SanfAna em puleiro era constante,
mandando às favas toda a Academia.

É o Artur Azevedo em miniatura,
sem ter do Artur a atroz circunferência
cheia de vinte arrobas de gordura…

Moço bom, de uma rara inteligência,
que tem, ao recitar, a arte mais pura
de adormecer, aos poucos, a assistência!

Cereais

Toda a força da terra, a seiva e a vida,
sugo, servindo aos homens de alimento,
faço o comércio; e a nau por mim batida
sofre no mar os- látegos do vento.

Milho que envia encanto para a altura,
feijão e arroz e o merencório trigo,
dentre os amigos, o melhor amigo,
que Deus deu, feito pão, à criatura.

Eu vou levando aos lares a riqueza,
sendo a riqueza da família humana…
Eu sou a graça e o dom da natureza
entrando no palácio e na choupana.

Crianças

Somos duas crianças! E bem poucas
no mundo há como nós: pois, minto e mentes,
se te falo e me falas; e bem crentes
somos de nos magoar, abrindo as bocas…

Mas eu bem sinto, em teu olhar, as loucas
afeições, que me tens e também sentes,
em meu olhar, as proporções ingentes
do meu amor, que, em teu falar, há poucas!

Praza aos céus que isto sempre assim perdure:
que a voz engane no que o olhar revela;
que jures não amar, que eu também jure…

Mas que sempre, ao fitarmo-nos, ó bela,
penses: “Como ele mente” e que eu murmure:
“quanta mentira tem os lábios dela!”.

Desejos

Ter um velho jardim de um castelo escondido,
que, em meio da floresta escura, se esborcina!…
E encontrar nele o enlevo, e encontrar nessa ruína
toda a festa de amor de um tempo já vivido…

Jograis e menestréis de um poema perdido,
onde há fadas dançando, à hora em que o sol declina.
E de flauta um gemer, de oboés a cavatina,
à hora em que a treva desce, havendo o sol sumido…

E depois tu surgindo, alva e leve, banhada
dos orvalhos da tarde!… ao vento solto o flâmeo,
cabelos de oiro ao vento e de face rosada!
E, no desejo louco e feroz que me mata,
ter-te na hora em que o mar entoa o epitalâmio
do silêncio da terra, em lânguida sonata!…

Elogio das Minhas Mãos

Sei eu bem o que vos devo. Servis-me, boas amigas, desde o princípio
da minha vida. Na minha adolescência, vós é que erguíeis
para o ar os castelos dos meus sonhos. Tremíeis como eu, na graça
e na esperança, a cada novo arquitetar; e vós somente velastes
meus olhos no choro amargo de cada queda.

Na minha tormentosa mocidade, nesta ânsia Ingrata de perfeição,
neste doloroso culto da Arte, sois escravas diligentes, atentas pelo esplendor
do sacrifício. Vós é que, suando angustiadas, assistis
à tortura silenciosa da minha alma para o florescer de um pensamento
novo. Com que pressa alegre e boa não procurais desenhar, de leve,
sobre o papel, a expressão de todas as minhas ideias. Tem do o trabalho
inglório, como vos acariciais mutuamente, felizes por me verdes feliz,
na contemplação da obra acabada, em que o meu pensamento se
move nas rendas das imagens sutis, na cadência fácil dos versos
sonoros! Nos meus dias de desdita, vós é que me amparais a fronte
e procurais abrandar-me a febre. Nos meus dias de felicidade e de orgulho,
vós é que levais aos meus lábios remoçados a taça
repleta. Nunca vos erguestes em ira contra os meus semelhantes. Nunca aplaudistes
as infâmias dos homens.

Pelas consolações que espalhardes; pela bondade com que pousardes
nas cabeças dos pequeninos; pêlos gestos de bênção
e perdão que tiverdes, ó minhas mãos, sede abençoadas!

Ainda mais abençoadas sejais, se não levardes às outras
almas a angústia e o desejo de vingança! Se nunca escreverdes
um pensamento que turbe a alma das crianças e das virgens! Se não
semeardes sementes de malícia e de pecado!

Oh! minhas mãos! Ouero que sejais duas esponjas enormes, que se embebam
de todas as dores humanas, secando da água do pranto a superfície
da Terra.
Bauru — 1925

Em Memória de Minha Mãe

Lembro-me tanto de você, mamãezinha!
Mas, nestes dias infindáveis de moléstia,
Sinto quase alegria,
Ao pensar que você morreu antes de eu ter ficado doente.
Você morreu, mamãezinha, você morreu
Desejando para mim tanta felicidade!

Eu sei que você sabe que estou doente.
Mas hoje você já tem outra revelação da vida.
Já compreendeu e aceitou que eu tenho de passar
Pela vereda do sofrimento.
Sinto que é o seu espírito bom que anda em volta de mim,
Que enche de resignação minhas noites compridas.
É você que põe a prece nos meus lábios,
Quando a dor os repuxa para um grito blasfemo.
É você, doce enfermeira, do outro mundo,
Que aquieta o meu espírito atribulado e febril,
Que embala a minha alma, que a minha alma adormece…
Na cama de provação do meu corpo doente…

Calculo o que sofreríamos,
Se você fosse viva!
Você que me dizia:
“Meu filho, deixa de fazer versos;
ouvi dizer que todo poeta morre tísico…”
Você que passava a noite velando o meu sono,
Quando eu tossia um bocadinho…

Mamãezinha, se você fosse viva,
Andaria em meu redor pálida e desolada.
Os seus olhos seriam como duas feridas
Vermelhas de tanto chorarem.
Embora você se fizesse de dura
E entrando no meu quarto fingindo sorrisos,
Eu saberia que você, cada vez que eu tossisse,
Choraria escondida num canto da casa….
E eu sofreria mais com essa dor sem remédio.

Mamãezinha, se você fosse viva, cuidaria do meu corpo,
mas não haveria espírito bom, que do outro mundo
aquietasse a minha alma…

E eu morreria desesperado, desesperado!

Estrada de Rodagem

maravilhosa de ensinamentos…

O meu tordilho tem o andar mais duro
do que um perfeito verso alexandrino.
O sol de outubro bate em minhas costas
tão quente que, se chispa numa pedra,
ateia fogo nos capins dos campos.
Mas a areia se estende em minha frente
Penso que a terra areenta é uma terra bondosa
Melhor que a terra roxa, bem melhor
para quem aguenta o tranco formidável
de um cavalo tordilho de andar duro!
Terra areenta, que amansa o piso dos cavalos
Um capão solitário ensombra o meu caminho
Paro. Gozo o frescor inebriante.
Hei de escrever um grande poema sobre as árvores
E tenho ideias luminosas de patriota:
todo homem que destruir as boas árvores
deveria percorrer no dorso de um cavalo
num mês como este uma estrada de rodagem infinita.
Poderia fazer uma égioga sentida
em que dissesse do abatimento
dos bois que surgem tristes pêlos campos
Não faço. Mas, prometo cordialmente
tratar bem esses úteis animais..

Na paisagem monótona aparecem
manchas humanas a cavalo…
São leprosos, distingo na distância.
Faço que vou campear uma rês tresmalhada:
enveredo pelo campo, vou direto
para o lado onde uns bois ruminam calmamente.
Eh! boi! Eh! vaca!
(Li algures que os leprosos são malvados.
E há uma lenda entre esse povo angustiado
que se cura quem transmite a própria doença hedionda
a sete pessoas de saúde…)

Já passaram. Vão soturnos. As moscas voam,
na poeira que os coroa, em procura das chagas.
Que piedade, meu Deus, desses pobres lázaros!
Mas, espero que o bom vento varra longe
poeira, moscas e o ar que os doentes respiraram!

Esta estrada parece que é infinita.
No entanto vou fazer apenas duas léguas.
o Brasil é o maior país do mundo:
tem maiores estradas do que esta.

Surge a porteira, coisa incómoda na estrada.
Lembro-me novamente dos morféticos.
(Soube que eles enlambuzam com as chagas
os lugares da tábua em que é comum pegar-se…)
Desço do meu cavalo, com paciência,
e abro de um modo exótico a porteira,
segurando um lugar da última tábua
onde ninguém pensou em segurar.
(Mês do centenário de S. Francisco de Assis
que abraçava os doentes como esses…
A minha covarde repugnância!
Quero ser bom, quero ser santo.
Penso em voltar atrás, procurar os doentes
repetir nesses pobres a façanha do Santo!
Já estão longe. Vão soturnos. Mal os vejo
na densa poeira que os redoira ao sol violento
o meu cavalo é ruim, fica para outra ocasião!)

Areia que faz abençoar a terra ruim!
Capão que faz a gente amar as florestas!
Não há pássaros nem nada nesta estrada de rodagem’
Todas as estradas serão assim?

Boa estrada de rodagem.
É sempre nesta curva esquecida, esquecida,
que ela me dá, repetida, a delícia da viagem.
Surge a cidade, sob o sol faiscante e bonito.
Eu esqueço a canseira extasiado e feliz.
Vejo a torre da igreja. O jardim… Mentalmente,
vou, no quadro que eu vejo na distância,
colocando os lugares conhecidos:
casas de amigos, minha casa.
Nem percebo o andar duro do tordilho,
nesta visão que sempre faz bem à minha alma.
E acho que é verdadeiro o orador eloquente,
que elogia o Sr. Governador da cidade,
nas festas em que S. Excia. marcha com os cobres da câmara.

Ele é um grande prefeito
mesmo que não faça nada,
contanto que não mude a cidade,
tirando o bem que a estrada oferta, de surpresa,
aos que pacientemente a percorrem. . .

Estrada de Rodagem,
maravilhosa de ensinamentos…
maravilhosa de bondade…
Depois de te percorrer,
entro, tão bom, a minha casa
como se praticasse em teu dorso sangrento
a façanha piedosa do Santo de Assis.

Evocação à Terra

Terra forte e sadia, abre-te em hino e flores,
rica de sóis, rica de luz, cheia de entono!
E, estremecendo, toda anseio, pelo outono,
mostra aos homens, fecunda, os frutos dessas dores.

E fecundando a terra amiga, ó lavradores,
e suportando o sol e a chuva, no abandono
dos homens, despertai! Tirai-vos desse sono
fazendo rebentar em frutos vossos suores.

Lutai!… Sofrei lutando! esta vida é uma luta.
E sobre vós, que ides curvados semeando,
paira o poema de dor e amor à terra bruta’.

E eu, sofrendo convosco, estendo-vos, amiga,
os braços, esquecendo os maus que vão rosnando,
por vós, por vosso sonho e por vossa cantiga!

Hino à Vida

(Música do Hino Acadêmico de Carlos Gomes)

Toda cheia de risos e dores,
tentadora de aceno fatal,
ris nas flores e choras nas flores,
fascinante no bem e no mal…
Mas temendo-te e amando-te, õ vida,
o homem, sempre num mar de sofrer,
canta e vibra numa ânsia insofrida
de viver, de viver, de viver!…
Vida humilde ou brilhante de glória!
Rio manso dormindo ao luar!
Atra noite em que a voz merencória
manda aos céus, em revoltas, o mar.
Tudo — a fera, a ave e a triste alma humana
inconsciente num mar de sofrer,
canta e exulta a miragem que engana.. .
de viver, de viver, de viver!..

Hino do Capivariano Futebol Clube

I

Camaradas! Garbosos lutemos
rijamente, felizes na união,
pela qual, sem temor, venceremos,
aureolando este nosso pendão!…

II

Suba aos astros, dizendo o que somos,
nosso brado de intenso fervor!.. .
Porque, moços, cantando nos pomos,
nesta luta, da luta ao fragor!

Coro

Capivariano! Clube amado,
a incitar-te à vitória final,
as mulheres, sorrindo ao teu lado,
querem ver-te marchando triunfal!…

III

Camaradas os astros na altura
a nós mandam seu vivo clarão!…
A cobrir-nos de muita doçura,
a aureolar este nosso pendão!…

IV

Na vitória ou derrota, tenhamos
sempre o mesmo sublime fervor…
E tenhamos, na glória em que vamos,
o sorriso, a ternura, o valor!…

Linha de Tiro

Aos moços

Para vós, rapazes da minha terra, escrevi estas linhas. Escrivi-as,
pensando em vós e sonhando com a nossa Pátria; portanto de vós
e para vós brotaram. . . . Há nelas um apelo a vós, novos
da minha terra.

Grande e abençoada esta nossa terra. Mãe de Fernão Dias
Pais Leme e da sua bandeira, num fulgor de esmeraldas, ardendo em febre nos
sertões. Mãe dos rudes jangadeiros do Norte, dos cavaleiros
do Sul, todos heróicos e nobres. Mãe dos lutadores obscuros,
sumidos no seu sonho de independência. .
Grande e abençoada esta nossa terra de sonhos e de realidades e de
veteranos e de jovens sorteados e de voluntários resignados e patriotas
e de vida velha e de vida nova. . .

Nesta santa e abençoada terra Bilac viveu e sonhou e ainda vive e
ainda sonha. Vive em cada um de nós e sonha cada um de nós:
vive em nós a vida da Pátria e a vida universal cheias de sofrimentos
e de desolação, de incertezas e de alvoradas, de luto e de glórias;
sonha em nós esse grande sonho do ressurgimento do nosso povo, da nossa
marinha e do nosso exército, num esplendido arremesso para o poder
e para a glória.

Pátria atestada de ouro, com muitas cidades cheias de vida, vastos
campos de fartas messes e, mais ainda, pátria de um povo são,
unido e sábio, onde vinguem as boas idéias e se tornem em realidade
todos os grandes sonhos .

. . assim, nós que sofremos e lutamos, queremos o Brasil, esta abençoada
terra de Bartolomeu de Gusmão, de Osório e de Gonçalves

Dias. E assim o teremos, porque em cada um de nós há um pouco
da vida da Pátria. . .
Não são vastas florestas, que sem nós seriam brutas e
sem utilidade; não são rios, que sem nós, ao mar rolando
eternamente, em vão alagariam as margens convizinhas e fertilizariam
a terra; não são os campos, que sem nós, em vão,
mandariam aos céus as preces do seu labor e do seu sono; não
são as minas de ouro, as pedras preciosas fulgindo, e toda a riqueza
material e bruta, que foram a Pátria. Não é tudo isso!
Somos nós. Nos somente, porque em cada um de nós há um
pouco da vida da Pátria: somos células do grande corpo da Pátria.

Unidos, amando, falando a mesma língua sonora, tendo as mesmas aspirações
e este nosso sonho comum, brasileiros! Plantaremos o Brasil em qualquer areal
áspero da Líbia. . . . .
O Brasil está em nós, nos nossos corações; vive
de nós e para nós; sofre as rajadas que há em nossas
almas, e se ilumina aos clarões das esperanças que nos iluminam.
. .E, rapazes, desde que temos a dita suprema de, amando e sofrendo, amar
sob estes céus benditos e serenos, sofrer sobre a terra fértil,
saibamos elevar material e espiritualmente a nossa Pátria e defender
os imensos e sagrados tesouros que nos legaram nossos pais, filhos deste país
fecundo em nautas, guerreiros e poetas!

Cada um de nós tem o dever e é obrigado a ouvir e a seguir
a grande voz da Pátria. Ela quer ser forte, quer a paz e quer ter conceito
no convívio das nações : formemos exércitos e
ela será forte; com os exércitos, garantir-lhe-emos a paz; tenhamos
poderosa marinha, que proteja outras terras os nossos interesses e comércio
e que leve a nossa bandeira, com orgulhoso entono desfraldada, a todas as
terras e a todos os mares.
E é cada um de nós, porque somos células da Pátria,
quem formará isso tudo. Sejamos bons cidadãos e bom soldados.

Que em nós se de a ressurreição cívica da nossa
Pátria: surjamos à voz da Pátria; e, fibra a fibra, vibremos,
abençoados, com o hino imenso, que sabe dos nossos rios cantantes,
das nossas matas cheirosas, dos nossos mares sonoros!
O hino da ressurreição entrou todas as aldeias; e, já
existindo em nós, entrou Capivari com a Linha de Tiro . . .

Rapazes capivarianos! Alistai-vos . . .Capivarianos, abri vossas bolsas e
auxiliai 0 "603", dando maior glória a esta nossa santa cidade,
nossa mãe e mãe de Amadeu Amaral. . .

Glorifiquemos Capivari, parte gloriosa e sagrada e sã Brasil, santo
e abençoado pais de inventores, de marujos, de sábios e de poetas!

Um Atirador

Mar Desconhecido

Se eu tivesse tido saúde, rapazes,
não estaria aqui fazendo versos.
Já teria percorrido todo o mundo.
A estas horas, talvez os meus pés estivessem quebrando
o último bloco de gelo
da última ilha conhecida de um dos pólos.
Descobriria um mundo desconhecido,
para onde fossem os japoneses
que teimam em vir para o Brasil…
Porque em minha alma se concentrou
toda a ânsia aventureira
que semeou nos cinco oceanos deste mundo
buques de Espanha e naus de Portugal!
Rapazes, eu sou um marinheiro!

Por isso em dia vindouro, nevoento,
porque há de ser sempre de névoa esse dia supremo,
eu partirei numa galera frágil
pelo Mar Desconhecido.
Como em redor dos meus antepassados
que partiram de Sagres e de Palos,
o choro estalará em derredor de mim.

Será agudo e longo como um uivo,
o choro de minha tia e minha irmã.
Meu irmão chorará, castigando, entre as mãos, o pobre

rosto apavorado.
E até meu pai, esse homem triste e estranho,
que eu jamais compreendi, estará soluçando,
numa angústia quase igual à que lhe veio,
quando mamãe se foi numa tarde comprida…

Mas nos meus olhos brilhará uma chama inquieta.
Não pensem que será a febre.
Será o Sant Elmo que brilhou nos mastros altos
das naves tontas que se foram à Aventura.

Saltarei na galera apodrecida,
que me espera no meu porto de Sagres,
no mais áspero cais da vida.
Saltarei um pouco feliz, um pouco contente,
porque não ouvirei o choro de minha mãe.
O choro das mães é lento e cansado.
E é o único choro capaz de chumbar à terra firme
o mais ousado mareante.

Com um golpe rijo cortarei as amarras.
Entrarei, um sorriso nos lábios pálidos,
pelo imenso Mar Desconhecido.
Mas, rapazes, não gritarei JAMAIS!
não gritarei NUNCA! não gritarei ATÉ A OUTRA VIDA!
Porque eu posso muito bem voltar do Mar Desconhecido,
para contar a vocês as maravilhas de um país estranho.
Quero que vocês, à moda antiga, me bradem BOA VIAGEM!,
e tenham a certeza de que serei mais feliz.
Eu gritarei ATÉ BREVE!, e me sumirei na névoa espessa,
fazendo um gesto carinhoso de despedida.

Meio-dia

As enxadas brilham no ar. Brilham, e, às vezes, faíscam nas
pedras ocultas na terra. O sol do meio-dia escalda o dorso suarento dos trabalhadores.
Nem um vento vai despertar e trazer a frescura que está adormecida
lá longe, debaixo das árvores…

Mas, um homem canta. Outro homem canta. Outro e mais outro ainda…

A maravilha estupenda do canto! As enxadas, ao ritmo do canto, brilham mais,
faiscam mais, apressadas e leves. Os homens estão mais em arco sobre
o ventre da terra.

É impossível que a semente não germine. É impossível
que, no seu tempo, a chuva não venha, pacífica e copiosa. No
seu tempo, o sol brilhará manso e fecundo. No seu tempo, far-se-á
a colheita abundante.

Em verdade vos digo. Deus não deixa de abençoar os que recebem,
cantando, as dores e os trabalhos da vida.

Mocidade

Tu passaste correndo pelo caminho polvorento. Teu corpo apareceu nítido
e jovem, porque, na carreira, tuas vestes claras e leves se colaram aos teus
membros. Os teus cabelos longos, de menina, se agitavam como uma bandeira
festiva. Eu fiquei olhando fixamente.

Os que estavam perto de mim diziam: "Ele tem razão de estar embevecido.
Olhem que tarde magnífica!"

A tarde devia estar mesmo maravilhosa! Todos que me cercavam, olhavam atentamente.
Não sei o que eles olhavam fixamente.

Adivinhavam que havia qualquer coisa, que embelezava a tarde, e a procuravam.

O algodão das nuvens se incendiava sem estrondo. As paisagens se tornavam
pequeninas e trémulas. O capinzal, alto e florido de roxo, ondulava
e murmurava como um lago agitado…

Mas eu sabia que a tarde era maravilhosa, porque o caminho polvorento se
tinha iluminado com a tua beleza, com a tua saúde, com a tua agilidade.
Por isso, continuava olhando fixamente o triste caminho polvorento.

Montanha

Muda, cheia de sombra e de mistério
e de vida interior, guarda sombria
tristeza, adormentando-a todo o dia,
ampla e calada, como um cemitério…

Rica no tronco, no seu vasto império
incontentada, oprime-a a nostalgia
desse país azul, ao qual envia
torres de pedra e hinos de saltério.

E muda, o espaço amando unicamente,
esquece-se da vida que em pletora
vive em seu ser… Passa tal qual a gente,

buscando, sempre heróica amplos espaços
também a gente, na ânsia que apavora,
aos céus estende, em súplicas, os braços…

Noturnos

A Pompílio Raphael Flores, meu amigo,
dedico este livro, Junho/1919

Muitos homens, que vivem na opulência,
dirão, lendo os meus versos: "Nada valem.
As angústias, melhor é que se calem."
Mas, todos os que vivem na indigência:
"Seja abençoado quem as nossas dores
interpretou e todos os clamores…"

I

Para curar as grandes cicatrizes,
fiz estes versos para os infelizes.

Fiz, quando o frio me apertava e o vento
me trazia dos pobres o lamento;
quando, pensando em minha vida, vi
que para a dor também foi que nasci.

II

Sou irmão dos mendigos. Se não peço
nas ruas por não ser ainda a ocasião,
peço a esmola do amor, por isso meço
o sofrimento dos que pedem pão.

À noite, ao frio, quase que enlouqueço:
sinto a geada no pobre coração;
e porque tenho frio e enfim padeço,
vejo em cada mendigo um meu irmão!

Compreendo todo o horror que a vida encerra…
Da mesma essência fez os homens Deus:
e uns riem e outros choram sobre a terra!

Hei-de fazer os vossos prantos meus,
tristes mendigos que a indigência aterra,
pobres que sois a maldição dos céus…

III

Quando junho entra ríspido, friorento
fecho-me em casa. E as noites levo, a fio,
cheio de tédio e, como junho, frio,
sozinho com meu triste pensamento…

Por entre os galhos secos, fora, o vento
passa, rondando em fúnebre assobio;
e também passa por meu ser vazio
de crenças, a pungir-me, o sofrimento.

Penso no vento, penso em junho… Corta
meu pobre coração um frio intenso;
gelada, a alma parece que está morta.

E, numa solidão indefinida,
pensando em junho e em frio, -triste, penso
na miséria e no horror da minha vida!

IV

Penso na vida… E como é triste a gente
pensar na vida, quando o vento chora
longo nas ruas, como quem implora
uma esmola, pedindo-a humildemente…

Nasci num dia aziago, certamente,
(diz-mo esta dor que me crucia agora)
pois a Felicidade, mais de uma hora,
tive-a e deixei-a, só de inexperiente.

Cresci. Vivi de engano e desengano,
porque já foi um erro eu ter nascido…
Qual o meu fim? Será perpétuo dano?

Talvez brilhe outro sol… Agora, enquanto
não brilha, penso apenas ter vivido
para estas noites que amarguram tanto!

V

A Benedito Salustiano

Trabalho mais nas noites frias, para
ver se esqueço a tristeza, que é mais funda,
e para ver se o esforço me redunda
numa alegria cobiçada e clara.
Busco, entre todas, uma ideia rara,
alheia à minha dor: rara e profunda,
sem uma alma, em torturas, moribunda,
e um coração chorando em ânsia amara…
Trabalho. Esqueço tudo. Vejo, quando
trabalho, que a minha alma é serenada,
e que o meu coração está cantando…
Mas, contemplando após a obra acabada,
vejo, no verso, um coração chorando,
vejo, no verso, uma alma atormentada.

VI

A Alarico Assumpção

Se não escrevo, nestas noites, leio
leio histórias de amor e de pecado,
de um remorso casando-se a um gorjeio,
de uma tragédia, a um beijo de noivado…

E lendo assim, sinto-me bem. Tão cheio
dos outros e de mim tão descuidado,
esqueço até que sou um torturado,
e tenho essas histórias no meu seio.

Leio. Mas, de repente, quando bate
na porta o vento, como um vil mendigo
em farrapos, pedinte e sofredor,

Lembro a perpétua angústia que me abate
e temo que essas dores, que bendigo,
se acumulem com a minha própria dor…

VII

Sonhei. Formei um mundo à parte, crendo
demais na vida… E a vida, vejo agora,
que não passa do vento que lá fora
erra, folhas e sonhos desfazendo!

Onde as folhas e as flores? Veio o frio
e levou-as o vento em assobio…

Onde os meus sonhos? Veio o desalento
e a vida mós levou, bravio vento…

VIII

A Jetrho Toledo

Tudo é engano na vida ou quase tudo.
Mente o amor, mente a glória, o ideal engana.
A vida está com máscaras de entrudo
sempre, sempre iludindo a espécie humana.

Uma voz meiga, uns olhos de veludo…
Por eles quanta vez a alma se dana
É difícil achar-se outra Suzana;
fácil, lago, e Francesca sobretudo…

Mas há no baixo mundo o que não mente:
a dor que corta e que, impiedosa, a face
faz empalidecer de muita gente.

Ah! se essa amante atroz, que vem todo ano,
não viesse mais e, enfim, me abandonasse.
Nisto, estou certo, não terei engano…

IX

Nestas noites de frio, vou sonhando
com pelicas provindas da Sibéria,
tão quentes que a alma até, que é coisa etérea,
vão, sensualmente, aos poucos, abrasando…

Penso numa mulher bondosa e amiga
a encher-me o quarto de um perfume estranho…
Penso em beijos que no ar, em sonho, apanho
e que têm o sabor de uma cantiga…

Mas sonho com tudo isso um só momento,
Vem-me o frio. Interrogo a minha vida:
"Terei tudo isso?" Numa voz sumida,
"Nunca o terás" – fora, responde o vento…

X

Ontem, pensei em ti, mulher que adoro…
Disse: "Talvez eu sofra esta tristeza
por minha causa… A vida uma beleza
seria ao lado dessa que eu imploro."

Mas, logo após, pensei, numa agonia;
se ela viesse decerto o amor morria…

E vendo em minha casa o desconforto,
vendo, por isso na alma o amor já morto,
embora ela calasse a ira escondida,
no fundo, maldiria a minha vida.

XI

A Graccho Silveira

Meia-noite. Mistério. Ânsias no ar. Erra
nos céus a alma de todos os feridos
pela desgraça, em lúgubres gemidos…
Geme lugubremente toda a terra.

Sabe-se o que passou. Mas, o que encerra
esta hora escapa a todos os sentidos.
Terei paz amanhã? ou, como os idos,
outros dias terei de dano e guerra?

Os que sofrem, ansiosos, temem, certo,
que ainda não se acabassem as torturas,
que ainda tenham de andar pelo deserto…

Fora, o vento fustiga como açoite.
Hora triste, hora cheia de amarguras…
E há tantas vidas como a meia-noite!

XII

Como tendes na voz tanta doçura,
pedindo esmolas, pobres aleijados,
pobres famintos, pobres torturados,
a sangrar pela via da amargura?!

E não amaldiçoais os céus, irados?!
Volveis os olhos mansos para a Altura
que manda para a vossa desventura,
como punhais, os ventos acerados!

Ah! – sois assim, porque pedis. E pondes
na voz, por isso, um eco tão soturno
e doce que parece a voz das frondes…

Mas a vossa doçura é só fingida:
e, com razão, sozinhos, no noturno
silêncio, amaldiçoais o mundo e a vida.

XIII

À minha amada

Peço à tua lembrança, em sonho, o esquecimento
das tristezas da vida, e um pouco de alegria,
nesta noite de tédio e de vigília, fria,
cheia de angústia e choro e de rezas de vento…

E chora no arvoredo, em suspiros e preces,
a voz do vento… Que alma há nessa voz soturna
chorando, a encher a minha ansiedade noturna?…
Vem-me o frio do vento e tu não me apareces…

XIV

Nestas noites, comigo e meus pesares,
sobre a ruína de todos os meus sonhos,
quem chorará, enchendo os ares
de soluços medonhos?…

Não sei se tu virás, compadecida,
para alegrar a minha triste vida…

Sei que num "requiem", qual piedoso amigo,
o vento chora sobre a vida minha;

e não se cansa de rezar comigo
toda uma aborrecida ladainha…

XV

Os sonhos foram sozinhos
como as folhas vão ao vento;
não há barulhos de ninhos,
o Inverno pesa violento.

Mas, mesmo sem sonhos vejo,
nesta minha solidão,
surgirem no meu desejo
as glórias de outra estação.

Primavera! Primavera!
Outros sonhos hão de vir…
Minha alma há-de ser como era
antes de o Inverno cair.

XVI

Em vindo a Primavera, nesse dia,
despirei estas vestes de tristeza
e me erguerei num canto de alegria.

O poeta afina pela Natureza,
– a harpa melhor que existe neste mundo, –
os seus cantos de força ou de tibieza…

E, por isso, ora o poeta é moribundo,
ora canta na luz: Suas ideias
vêm na Natura cérebro fecundo…

Nela choram, em doces melopeias,
almas tristes e, num clamor intenso,
clangorejam heróicas epopeias.

Quanto a mim, apertando o frio, penso
nas desgraças alheias, e, sombrio,
nas minhas, cheio de um terror imenso.

Como hei eu de cantar, se não bravio
e cheio de ódio, neste isolamento
do meu quarto tão pobre e tão vazio?

Tenho no coração um grande frio
e tenho na alma um fundo desalento…
Até parece que eu é que assobio
fora, e que habita o meu quarto o vento.

No Álbum de Certa Moça

Eu poderia pôr nesta página casta uns versos sentimentais e
tão lindos, que tornariam os teus olhos maravilhados, que fariam bailar,
nos teus olhos maravilhados, grossas lágrimas irrefreáveis de
emoção!

Eu poderia pôr nesta página, minha amiga, uns versos tão
cheios de fogo e de ternura, que, quando os lesses, esquecerias a minha pessoa
familiar. E ficarias sonhando com um poeta moço, cheio de romantismo
e de ‘beleza…

O Caminho do Exílio

O imaculado céu, que foi pátria da aurora
e que cobre o país dos filhos de Israel,
cobria a caravana errante e sonhadora ‘
no rumo que seguira Agar mais Ismael…

E mais o canto ardente e a voz larga e sonora
do Alarve dava vida à Pátria de Raquel…
E a tarde que descia, imaculada embora,
vertia uma saudade amarga como fel.

Entanto a Peregrina, a Rosa, a Maga, a Linda,
seguia silenciosa a inquieta caravana
perdendo a vista atrás, as terras da Judéia.

E tinha em seu olhar silente, meigo ainda
o pranto da saudade imensa da serrana
mansão de seus avós, da sua raça hebréia.

Benedito Abreu (Número de 25-11-16)

O Homem que Cantava

Uma mulher moça chora à porta de uma cabana. Seguiram-na. Ela
está com os braços estendidos para além. Quer, num longo
ululo, atirar-se para a estrada poeirenta, em cuja curva sumiu-se, bamboleando
na rede, o corpo de um homem.

Eu sou o consolador. Fico horas a fio junto às dores profundas, embalando-as,
adormentando-as, com a minha voz baixa e rouca.

Mas, vou seguir pela estrada poeirenta. É inútil aqui a minha
presença. Eu não sei consolar essa mulher. Ela tem razão
em gritar profundamente.

O homem, que vai naquela rede, era o melhor cantador à viola que
eu vi nesta vida. Noites a fio, ficava cantando, triste e alheiadó,
canções sempre novas. A mulher moça, que o está
convulsamente chorando, o amou, porque o viu ser o primeiro num desafio famoso.
Ela o amou, porque compreendeu a tristeza atormentada das suas cantigas. Essa
mulher sabe o que perdeu. Não terá por isso consolo!
Vou seguir pela estrada poeirenta. É inútil aqui a minha presença.
Se eu ficar aqui, porque eu compreendo as cantigas dos tristes chorarei alto,como
essa mulher, a morte do homem que cantava.

Olhos Verdes

Olhos verdes da cor das verdes esmeraldas
e que cercados sois de olheiras de ametistas,
tendes nesse fulgor, a Esperança do Artista,
que da montanha azul ascende às brutas faldas!

E em meio deste mundo imundo e mau e egoísta,
cheio de intrigas, dolo e muitas outras baldas,
viveis num grande sonho, um sonho panteísta,
numa errante visão de flores e grinaldas.

Há em vós a atração dos profundos abismos,
a cuja borda os bons e maus conjuntos choram,
na música do amor em calma e cataclismos.

E a orquestração dos sons dos perdidos lamentos
desses que em vossa busca, ó pedras raras, foram
domando o mar, buscando o céu, vencendo os ventos.

Orgulho

Não apareça ao público o tumulto
Das paixões — todo o incêndio que em mim lavra:
Seja, ardendo em revoltas, a alma escrava!
E chore ou cante o coração, oculto!

Leve, a todos sorrindo, sempre o vulto
Sereno e esconda a angústia humana e brava:
Riem da dor! E à mofa a dor se agrava…
Não saibam se eu crimino ou se eu indulto…

E eu seja na miséria um invejado!
E o ódio e o ciúme e o desprezo e o amor traído
Façam-me sempre um triste e um desgraçado…

Mas rujam bem no fundo e de tal jeito
Que não saibam que há um pélago, contido,
Soluçando e bramindo no meu peito!

Passos na Noite ou Canção do Destino

Vivi tão só. Entanto, Alguém, por estas noites claras
de vigília, em que penso em minha vida,
pensa num abandono semelhante.

Vivo tão só…

Vivo tão só!…

Vivo tão só… tão só! E por que penso assim?…
Vou novamente ter a noite pra pensar!…
Ânsia que estás desperta dentro em mim
deixa-me dormir, ou deixa-me chorar!

E, não choro… tão só… Mas, Alguém neste instante
de abandono, em que penso em minha vida
pensa num abandono semelhante…
Talvez! pois há tanta alma aborrecida!

Neste momento alguém (estará longe ou perto)
um lenço leva até ao rosto ou blasfema como eu.
Ai de que vale amaldiçoar este deserto:
de blasfémia ninguém na vida ainda morreu…

Bem melhor é chorar… Porque não choras, homem?
Hão de te refrescar as águas dos teus prantos…
A vida lentamente as lágrimas consomem…
E quantos não morreram em choro, quantos…

O Sonho, como um pernilongo,
tira-me o sono, cantando aos meus ouvidos…
Pesa em cima de mim um futuro bem longo
que temo ao pensar nos dias perdidos…

Consola-me o lembrar que no mundo, nesta hora,
outros sentem a mesma… (incompleto)

Poesias para a Mãe

Minha mãe quando eu era pequenino,
ela a maior das mães inspiradoras,
contava histórias pelas tardes louras,
para encher os meus sonhos de menino.

"Sê bom, meu filho, para que o destino
não te negue visões consoladoras".
E quando a tarde se ia, como um hino,
eu sonhava com fadas e com mouras.

Fiz-me bom. Inda guardo a ingenuidade
dos meus dias felizes de Inocente.
E muita vez com que simplicidade

eu não fico, por noites enluaradas,
esperando que venham docemente
levar-me para o céu mouras e fadas!

Poesia Sobre a Idealização de uma Companheira

Penso numa mulher bondosa e amiga
a encher-me o quarto de um perfume estranho…
Penso em beijos que no ar, em sonho, apanho
e que têm o sabor de uma cantiga…

Mas sonho com tudo isso um só momento.
Vem-me o frio. Interrogo a minha vida:
"Terei tudo isso?" Numa voz sumida,
"Nunca o terás!" — fora, responde o vento…

Poesia Sobre Saudade da Mãe

Lembro-me tanto de você, mamãezinha!

Mas, nestes dias infindáveis de doença,
sinto quase alegria
ao pensar que você morreu antes de eu ficar doente…
Você morreu, mamaezinha, você morreu
desejando para mim tanta felicidade!

Calculo o que eu sofreria e você sofreria
se você fosse viva…

Mas hoje você já tem outra revelação da vida.
Já compreendeu e aceitou que eu tenho de passar
pela vereda deste sofrimento.
É o seu espírito bom que anda em volta de mim,
que enche de resignação minhas noites compridas.
É você que põe a prece no meu lábio
quando a Dor o repuxa para um grito blasfemo.
É você, doce enfermeira da minha alma,
que aquieta o meu espírito atribulado e febril,
que embala o meu espírito e o adormece
na cama de provação do meu corpo doente. . .
Calculo o que sofreríamos
se você fosse viva…

Você que me dizia:
"Meu filho, deixa de fazer versos".
Você que tinha tanto medo que eu ficasse tísico,
que passava a noite velando o meu sono,
quando eu tossia um pouquinho…
Se você fosse viva,
andaria em meu redor pálida e desolada
Os seus olhos seriam, mãezinha, como duas feridas
de tanto você chorar.
Embora você se fizesse de dura,
eu saberia que você, cada vez que eu tossisse
choraria escondida num canto da casa…
Minha mãe, você sabe quanto eu lhe queria
sofreria muito mais vendo o seu sofrimento
do que a doença.
Mãezinha, se você fosse viva, cuidaria o meu corpo
Mas não haveria espírito bom, que do outro mundo
aquietasse a minha alma!
E eu morreria desesperado, desesperado’

Salomão

Os meus passos monótonos nas salas
acordam lentas nuvens de bocejos;
e saudades de abraços e de beijos
morrem feridas do esplendor das galas.

Olho o pátio: pavões movem as alas
que se murcham crivadas de lampejos;
e os leões fartos espiam, sem desejos,
os céus faiscantes de rubis e opalas…

Longe, por vales amplos e barrancos,
pendem os lírios majestosamente,
grandes, tristes, magníficos e brancos…

E em minhas saciedades infinitas
sinto morrendo, dolorosamente,
Rainhas de Sabá e Sulamitas!…

Santa Casa

A terra ligando às alturas,
na chama do meu grande amor,
eu dou, a sorrir, às criaturas
consolos e alívios à dor…

Levanto da lama da estrada
os pobres que não têm um lar
e dou-lhes o rir da alvorada
e a luz e a ternura do luar…

Folhas caídas!
Urnas de dor!
Ó tristes vidas
sem luz e amor!

Canta a agonia
triste do mar
na voz doentia
do vosso olhar.

Vinde infelizes
que vos murchais,
como as raízes
nos areais!…

Semeio a vida!
Semeio a luz!
Sou a querida
filha da cruz…

Soneto Escrito no Aniversário da Amada

Surja de novo o nosso amor, querida,
aquele amor antigo e malogrado,
que o meu, cheio de dor, levei, ao lado
meu, pela estrada aspérrima da vida!

Como esquecer a fonte onde a ferida
alma lavei da lepra do pecado?…
Foi ele o meu amigo Idolatrado
que não olvido e que me não olvida.

Nos momentos de tédio e nos momentos
de dor, comigo que chorava aflito,
ele chorou, em lúgubres acentos…

E buscou, maltrapilho e miserando,
abrandar o teu peito de granito,
um grande mar de lágrimas chorando!

Soneto para a Amada

Surja de novo o nosso amor, querida,
aquele amor antigo e malogrado,
que o meu, cheio de dor, levei, ao lado
meu, pela estrada aspérrima da vida!

Como esquecer a fonte onde a ferida
alma lavei da lepra do pecado?…
Foi ele o meu amigo Idolatrado
que não olvido e que me não olvida.

Nos momentos de tédio e nos momentos
de dor, comigo que chorava aflito,
ele chorou, em lúgubres acentos…

E buscou, maltrapilho e miserando,
abrandar o teu peito de granito,
um grande mar de lágrimas chorando!

Soneto Sobre Seu Romance

Muita vez digo: "Morrerei no dia
em que o romance deste amor findar.. ."
E a alma, pensando eu nisto, se anuvia
e põem-se os olhos tristes a chorar.

Deve ser muito fria, muito fria
a morte! Eu olho as folhas a rolar,
que, mortas, têm tremores de agonia,
elas que não viveram para amar…

Contudo, antes assim: eu, que morresse,
e aos céus subisse, como mansa prece,
minha alma que ama, só para viver.

Mas, eu não morrerei… Terei na vida
a alma, em que mais tortura é resumida:
a que recorda, para mais sofrer!

Tristeza Ignota

Triste não sendo, mas vibrante e moço,
entrelaço em meu ser glórias e crenças,
ilusões que me enlevam, sãs e imensas
visões que me põem a alma em alvoroço.

Sobrevindo, entretanto, desavenças,
entre o tédio e a alegria, em vão, o esboço
tento de um riso: e quando na alma eu ouço
a agitação do espetro das descrenças.

Creio que todos são assim! Embora
no auge radioso da sadia idade,
vêm-lhes um dia uma tristeza: a aurora

dalma se esvai; e, em tétrico momento,
numa visão nostálgica, a saudade
canta e soluça pela voz do vento.

Vale Quem Tem

Vale quem tem, na vida; quem não tem,
nesta vida, por certo, nada vale…
Mas, como há de valer quem nada vale?
Mas, como há de valer quem nada tem?

Não vale o pobre, porque os bolsos tem
vazios do metal que tudo vale:
quem dinheiro não tem, certo, não vale,
porque vale somente quem o tem.

Trate, pois, quem não tem e que não vale
de valer, como o rico que já tem
e, por isso, feliz, na vida vale…

E é tão fácil valer quem nada tem:
basta querer valer,. . E nisso vale
a todos o feliz "Vale quem tem"!…

Viviana

Sonho-me o cavaleiro Lanzarote…
Sinto-te protetora e enamorada,
mais piedosa mulher que linda fada,
a defender-me do certeiro bote.

Tornaste irresistível minha espada,
tornaste invulnerável meu saiote.
De viseira calada e de barbote,
sigo confiado pela minha estrada!

Vou confiado no amor que me dá vida;
nessa dedicação, nessa constância,
nesse cuidado de mulher querida…

Do meu corpo és a sombra, és a minha ânsia,
doce fada piedosa e comovida,
entre nós dois jamais houve distância!

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