Poesias – Alda Lara

 

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Poemas que eu escrevi na areia

Prelúdio

Presença Africana

Quadras da Minha Solidão

 

Regresso

Ronda

Rumo

São Tomé e Príncipe

Testamento

 

Anúncio

Trago os olhos naufragados
em poentes cor de sangue…

Trago os braços embrulhados
numa palma bela e dura
e nos lábios a secura
dos anseios retalhados…

Enrolada nos quadris
cobras mansas que não mordem
tecem serenos abraços…
E nas mãos, presas com fitas
azagaias de brinquedo
vão-se fazendo em pedaços…

Só nos olhos naufragados
estes poentes de sangue…

Só na carne rija e quente,
este desejo de vida!…

Donde venho, ninguém sabe
e nem eu sei…

Para onde vou
diz a lei
tatuada no meu corpo…

E quando os pés abram sendas
e os braços se risquem cruzes,
quando nos olhos parados
que trazem naufragados
se entornarem novas luzes…

Ah! Quem souber,
há-de ver
que eu trago a lei
no meu corpo…

As Belas Meninas Pardas

As belas meninas pardas
são belas como as demais.
Iguais por serem meninas,
pardas por serem iguais.

Olham com olhos no chão.
Falam com falas macias.
Não são alegres nem tristes.
São apenas como são
todos dos dias.

E as belas meninas pardas,
estudam muito, muitos anos.
Só estudam muito. Mais nada.
Que o resto, trás desenganos>>>

Sabem muito escolarmente.
Sabem pouco humanamente.

Nos passeios de domingo,
andam sempre bem trabajadas.
Direitinhas. Aprumdas.
Não conhecem o sabor que tem uma gargalhada
(Parece mal rir na rua!…)

E nunca viram a lua,
debruçada sobre o rio,
às duas da madrugada.

Sabem muito escolarmente.
Sabem pouco humanamente.

E desejam, sobretudo, um casamento decente…

O mais, são histórias perdidas…
Pois que importam outras vidas?…
outras raças?… , outros mundo?…
que importam outras meninas,
felizes, ou desgraçadas?!…

As belas meninas pardas,
dão boas mães de família,
e merecem ser estimadas…

De Longe

Não chores Mãe… Faz como eu, sorri!
Transforma as elegias de um momento
em cânticos de esperanca e incitamento.
Tem fé nos dias que te prometi.

E podes crer, estou sempre ao pe de ti,
quando por noites de luar, o vento,
segreda aos coqueirais o seu lamento,
compondo versos que eu nunce escrevi…

Estou junto a ti nos dias de braseiro,
no mar…na velha ponte,… no Sombreiro,
em tudo quanto amei e quis p’ra mim…

Não chores, mãe!… A hora é de avancadas!…
Nós caminhamos certos, de mãos dadas,
e havemos de atingir um dia, o fim…

Noite

Noites africanas langorosas,
esbatidas em luares…,
perdidas em mistérios…
Há cantos de tungurúluas pelos ares!…
………………………………………………………………..

Noites africanas endoidadas,
onde o barulhento frenesi das batucadas,
põe tremores nas folhas dos cajueiros…
………………………………………………………………..

Noites africanas tenebrosas…,
povoadas de fantasmas e de medos,
povoadas das histórias de feiticeiros
que as amas-secas pretas,
contavam aos meninos brancos…

E os meninos brancos cresceram,
e esqueceram
as histórias…

Por isso as noites são tristes…
Endoidadas, tenebrosas, langorosas,
mas tristes… como o rosto gretado,
e sulcado de rugas, das velhas pretas…
como o olhar cansado dos colonos,
como a solidão das terras enormes
mas desabitadas…

É que os meninos brancos…,
esqueceram as histórias,
com que as amas-secas pretas
os adormeciam,
nas longas noites africanas…

Os meninos-brancos… esqueceram!…

Poemas que eu escrevi na areia

I

Meu bergantim, onde vens,
que te não posso avistar?
Bergantim! Meu bergantim!
Quero partir, Poemas que eu escrevi na areia ao mar…

Tenho pressa! Tenho pressa!
Já vejo abutres voando
além, por cima de mim…
Tenho medo… Tenho medo
de não me chegar ao fim.

Meus braços estão torcidos.
Minha boca foi rasgada.
Mas os olhos, estão bem vivos,
e esperam, presos ao Céu…

Que haverá p’ra além da noite?
p’ra além da noite de breu?

Ah! Bergantim, como tardas…
Não vês meu corpo jazendo
na praia, do mar esquecido?…
Esse mar que eu quis viver,
e sacudir e beijar,
sem ondas mansas, cobrindo-o…

Quem dera viesses já…
que vai ficando bem tarde!
E eu não me quero acabar,
sem ver o que há para além
deste grande, imenso céu
e desta noite de breu…

Não quero morrer serena
em cada hora que passa
sem conseguir avistar-te…
Com meu olhar enxergando
apenas a noite escura,
e as aves negras, voando…

II

Meu bergantim foi-se ao mar…
Foi-se ao mar e não voltou,
que numa praia distante,
meu bergantim se afundou…

Meu bergantim foi-se ao mar!
levava beijos nas velas,
e nas arcas, ilusões,
que só a mim me ofereci…

Levava à popa, esculpido,
o perfil, leve e discreto,
daqueles que um dia perdi.

Levava mastros pintados,
bandeiras de todo o mundo,
e soldadinhos de chumbo
na coberta, perfilados.

Foi-se ao mar meu bergantim,
Foi-se ao mar… nunca voltou!

E por sete luas cheias
No areal se chorou…

Prelúdio

Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra, desce com ela…

Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guizos,
nas suas mãos apertadas.

Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.

Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro…
Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada…

Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?…
Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?…
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?…

Mãe-Negra não sabe nada…
Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo
Mãe-Negra!…

É que os meninos cresceram,
e esqueceram
as histórias
que costumavas contar…
Muitos partiram pra longe,
quem sabe se hão-de voltar!…

Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.

É a tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada…

Presença Africana

E apesar de tudo,
ainda sou a mesma!
Livre e esguia,
filha eterna de quanta rebeldia
me sagrou.
Mãe-África!
Mãe forte da floresta e do deserto,
ainda sou,
a irmã-mulher
de tudo o que em ti vibra
puro e incerto!…

– A dos coqueiros,
de cabeleiras verdes
e corpos arrojados
sobre o azul…
A do dendém
nascendo dos abraços
das palmeiras…
A do sol bom,
mordendo
o chão das Ingombotas…
A das acácias rubras,
salpicando de sangue as avenidas,
longas e floridas…

Sim!, ainda sou a mesma.
– A do amor transbordando
pelos carregadores do cais
suados e confusos,
pelos bairros imundos e dormentes
(Rua 11…Rua 11…)
pelos negros meninos
de barriga inchada
e olhos fundos…

Sem dores nem alegrias,
de tronco nu e musculoso,
a raça escreve a pPresença Africana,
a força destes dias…

E eu revendo ainda
e sempre, nela,
aquela
longa historia inconseqüente…

Terra!
Minha, eternamente…
Terra das acácias,
dos dongos,
dos cólios baloiçando,
mansamente… mansamente!…
Terra!
Ainda sou a mesma!
Ainda sou
a que num canto novo,
pura e livre,
me levanto,
ao aceno do teu Povo!…

Quadras da Minha Solidão

Fica longe o sol que vi,
aquecer meu corpo outrora…
Como é breve o sol daqui!
E como é longa esta hora…

Donde estou vejo partir
quem parte certo e feliz.
Só eu fico. E sonho ir,
rumo ao sol do meu país…

Por isso as asas dormentes,
suspiram por outro céu.
Mas ai delas! tão doentes,
não podem voar mais eu…

que comigo, preso a mim,
tudo quanto sei de cor…
Chamem-lhe nomes sem fim,
por todos responde a dor.

Mas dor de quê? dor de quem,
se nada tenho a sofrer?…
Saudade?…Amor?…Sei lá bem!
É qualquer coisa a morrer…

E assim, no pulso dos dias,
sinto chegar outro Outono…
passam as horas esguias,
levando o meu abandono…

Regresso

Quando eu voltar,
que se alongue sobre o mar,
o meu canto ao Creador!
Porque me deu, vida e amor,
para voltar…

Voltar…
Ver de novo baloiçar
a fronde magestosa das palmeiras
que as derradeiras horas do dia,
circundam de magia…
Regressar…
Poder de novo respirar,
(oh!…minha terra!…)
aquele odor escaldante
que o humus vivificante
do teu solo encerra!
Embriagar
uma vez mais o olhar,
numa alegria selvagem,
com o tom da tua paisagem,
que o sol,
a dardejar calor,
transforma num inferno de cor…

Não mais o pregão das varinas,
nem o ar monotono, igual,
do casario plano…
Hei-de ver outra vez as casuarinas
a debruar o oceano…
Não mais o agitar fremente
de uma cidade em convulsão…
não mais esta visão,
nem o crepitar mordente
destes ruidos…
os meus sentidos
anseiam pela paz das noites tropicais
em que o ar parece mudo,
e o silêncio envolve tudo
Sede…Tenho sede dos crepusculos africanos,
todos os dias iguais, e sempre belos,
de tons quasi irreais…
Saudade…Tenho saudade
do horizonte sem barreiras…,
das calemas traiçõeiras,
das cheias alucinadas…
Saudade das batucadas
que eu nunca via
mas pressentia
em cada hora,
soando pelos longes, noites fora!…

Sim! Eu hei-de voltar,
tenho de voltar,
não há nada que mo impeça.
Com que prazer
hei-de esquecer
toda esta luta insana…
que em frente está a terra angolana,
a prometer o mundo
a quem regressa…

Ah! quando eu voltar…
Hão-de as acacias rubras,
a sangrar
numa verbena sem fim,
florir só para mim!…
E o sol esplendoroso e quente,
o sol ardente,
há-de gritar na apoteose do poente,
o meu prazer sem lei…
A minha alegria enorme de poder
enfim dizer:
Voltei!…

Ronda

Na dança dos dias
meus dedos bailaram…
Na dança dos dias
meus dedos contaram
contaram, bailando
cantigas sombrias…

Na dança dos dias
meus dedos cansaram…

Na dança dos meses
meus olhos choraram
Na dança dos meses
meus olhos secaram
secaram, chorando
por ti, quantas vezes!

Na dança dos meses
meus olhos cansaram…

Na dança do tempo,
quem não se cansou?!

Oh! dança dos dias
oh! dança dos meses
oh! dança do tempo
no tempo voando…

Dizei-me, dizei-me,
até quando? até quando?

Rumo

É tempo, companheiro!
Caminhemos …
Longe, a Terra chama por nós,
e ninguém resiste à voz
Da Terra …

Nela,
O mesmo sol ardente nos queimou
a mesma lua triste nos acariciou,
e se tu és negro e eu sou branco,
a mesma Terra nos gerou!

Vamos, companheiro …
É tempo!

Que o meu coração
se abra à mágoa das tuas mágoas
e ao prazer dos teus prazeres
Irmão
Que as minhas mãos brancas se estendam
para estreitar com amor
as tuas longas mãos negras …
E o meu suor
se junte ao teu suor,
quando rasgarmos os trilhos
de um mundo melhor!

Vamos!
que outro oceano nos inflama…
Ouves?
É a Terra que nos chama …
É tempo, companheiro!
Caminhemos …

São Tomé e Príncipe

Pela estrada desce a noite…
Mãe-Negra, desce com ela…
Nem buganvilias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guisos,
nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.
Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro…
Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada…
Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?…
Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?…
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?…
Mãe-Negra não sabe nada…
Mas aí de quem sabe tudo,
como eu sei tudo
Mãe-Negra!
Os teus meninos cresceram,
e esqueceram as histórias
que customavas contar…
Muitos partiram p’ra longe,
quem sabe se hão-de voltar!…Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta, bem calada.
É tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada…

Testamento

À prostituta mais nova
Do bairro mais velho e escuro,
Deixo os meus brincos, lavrados
Em cristal, límpido e puro…
E àquela virgem esquecida
Rapariga sem ternura,
Sonhando algures uma lenda,
Deixo o meu vestido branco,
O meu vestido de noiva,
Todo tecido de renda…
Este meu rosário antigo
Ofereço-o àquele amigo
Que não acredita em Deus…
E os livros, rosários meus
Das contas de outro sofrer,
São para os homens humildes,
Que nunca souberam ler.
Quanto aos meus poemas loucos,
Esses, que são de dor
Sincera e desordenada…
Esses, que são de esperança,
Desesperada mas firme,
Deixo-os a ti, meu amor…
Para que, na paz da hora,
Em que a minha alma venha
Beijar de longe os teus olhos,
Vás por essa noite fora…
Com passos feitos de lua,
Oferecê-los às crianças
Que encontrares em cada rua…

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