Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico

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Capítulo I – O Socialismo
Utópico

Capítulo I – O Socialismo Utópico

O socialismo moderno é, em primeiro lugar, por seu conteúdo,
fruto do reflexo na inteligência, de um lado dos antagonismos de classe
que imperam na moderna sociedade entre possuidores e despossuidos, capitalistas
e operários assalariados, e, de outro lado, da anarquia que reina na
produção. Por sua forma teórica, porém, o socialismo
começa apresentando-se como uma continuação, mais desenvolvida
e mais conseqüente, dos princípios proclamados pelos grandes pensadores
franceses do século XVIII. Como toda nova teoria, o socialismo, embora
tivesse suas raízes nos fatos materiais econômicos, teve de ligar-se,
ao nascer, às Idéias existentes.

Os grandes homens que, na França, iluminaram os cérebros para
a revolução que se havia de desencadear, adotaram uma atitude
resolutamente revolucionária. Não reconheciam autoridade exterior
de nenhuma espécie. A religião, a concepção da
natureza, a sociedade, a ordem estatal: tudo eles submetiam à crítica
mais impiedosa; tudo quanto existia devia justificar os títulos de
sua existência ante o foro da razão, ou renunciar a continuar
existindo. A tudo se aplicava como rasoura única a razão pensante.
Era a época em que, segundo Hegel, "o mundo girava sobre a cabeça"
(1), primeiro no sentido de que a cabeça humana e os princípios
estabelecidos por sua especulação reclamavam o direito de ser
acatados como base de todos os atos humanos e toda relação social,
e logo também, no sentido mais amplo de que a realidade que não
se ajustava a essas conclusões se via subvertida, de fato, desde os
alicerces até à cumieira. Todas as formas anteriores de sociedade
e de Estado, todas as leis tradicionais, foram atiradas no monturo como irracionais;
até então o mundo se deixara governar por puros preconceitos;
todo o passado não merecia senão comiseração e
desprezo, Só agora despontava a aurora, o reino da razão; daqui
por diante a superstição, a injustiça, o privilégio
e a opressão seriam substituídos pela verdade eterna, pela eterna
justiça, pela igualdade baseada na natureza e pelos direitos Inalienáveis
do homem.

Já sabemos, hoje, que esse império da razão não
era mais que o império idealizado pela burguesia; que a justiça
eterna tomou corpo na justiça burguesa; que a igualdade se reduziu
à igualdade burguesa em face da lei; que como um dos direitos mais
essenciais do homem foi proclamada a propriedade burguesa; e que o Estado
da razão, o "contrato social" de Rousseau, pisou e somente
podia pisar o terreno da realidade, convertido na república democrática
burguesa. Os grandes pensadores do século XVIII, como todos os seus
Predecessores, não podiam romper as fronteiras que sua própria
época lhes impunha.

Mas, ao lado do antagonismo entre a nobreza feudal e a burguesia, que se
erigia em representante de todo o resto da sociedade, mantinha-se de pé
o antagonismo geral entre exploradores e explorados, entre ricos gozadores
e pobres que trabalhavam. E esse fato exatamente é que permitia aos
representantes da burguesia arrogar-se a representação, não
de uma classe determinada, mas de toda a humanidade sofredora. Mais ainda:
desde o momento mesmo em que nasceu, a burguesia conduzia em suas entranhas
sua própria antítese, pois os capitalistas não podem
existir sem os operários assalariados, e na mesma proporção
em que os mestres de ofícios das corporações medievais
se convertiam em burgueses modernos, os oficiais e os jornaleiros não
agremiados transformavam-se em proletários. E se, em termos gerais,
a burguesia podia arrogar-se o direito de representar, em suas lutas com a
nobreza, além dos seus Interesses, os das diferentes classes trabalhadoras
da época, ao lado de todo grande movimento burguês que se desatava,
eclodiam movimentos independentes daquela classe que era o precedente mais
ou menos desenvolvido do proletariado moderno. Tal foi na época da
Reforma e das guerras camponesas na Alemanha. a tendência dos anabatistas
e de Thomas Münzer; na grande Revolução Inglesa, os "levellers"
(2), e na Revolução Francesa, Babeuf. Essas sublevações
revolucionárias de uma classe incipiente são acompanhadas, por
sua vez, pelas correspondentes manifestações teóricas:
nos séculos XVI e XVII (3) aparecem as descrições utópicas
de um regime ideal da sociedade; no século XVIII, teorias já
abertamente comunistas, como as de Morelly e Mably. A reivindicação
da igualdade não se limitava aos direitos políticos, mas se
estendia às condições sociais de vida de cada indivíduo;
já não se tratava de abolir os privilégios de classe,
mas de destruir as próprias diferenças de classe. Um comunismo
ascético, ao modo espartano, que renunciava a todos os gozos da vida:
tal foi a primeira forma de manifestação da nova teoria. Mais
tarde vieram os três grandes utopistas: Saint-Simon, em que a tendência
continua ainda a se afirmar, até certo ponto, junto à tendência
proletária; Fourier e Owen, este último, num pais onde a produção
capitalista estava mais desenvolvida e sob a impressão engendrada por
ela, expondo em forma sistemática uma série de medidas orientadas
rio sentido de abolir as diferenças de classe, em relação
direta com o materialismo francês.

Traço comum aos três é que não atuavam como representantes
dos interesses do proletariado, que entretanto surgira como um produto histórico.
Da mesma maneira que os enciclopedistas, não se propõem emancipar
primeiramente uma classe determinada, mas, de chofre, toda a humanidade. E
assim como eles, pretendem instaurar o império da razão e da
justiça eterna. Mas entre o seu império e o dos enciclopedistas
medeia um abismo. Também o mundo burguês, instaurado segundo
os princípios dos enciclopedistas, é Injusto e irracional e
merece, portanto, ser jogado entre os trastes inservíveis, tanto quanto
o feudalismo e as formas sociais que o antecederam. Se até agora a
verdadeira razão e a verdadeira justiça não governaram
o mundo é simplesmente porque ninguém soube penetrar devidamente
nelas.

Faltava o homem genial, que agora se ergue ante a humanidade com a verdade,
por fim descoberta. O fato de que esse homem tenha aparecido agora, e não
antes, o fato de que a verdade tenha sido por fim descoberta agora, e não
antes, não é, segundo eles, um acontecimento inevitável,
imposto pela concatenação do desenvolvimento histórico,
e sim porque o simples acaso assim o quis. Poderia ter aparecido quinhentos
anos antes, poupando assim à humanidade quinhentos anos de erros, de
lutas e de sofrimentos.

Vimos como os filósofos franceses do século XVIII, que abriram
o caminho à revolução, apelavam para a razão como
o juiz único de tudo o que existe. Pretendia-se instaurar um Estado
racional, uma sociedade ajustada à razão, e tudo quanto contradissesse
a razão eterna deveria ser rechaçado sem nenhuma piedade.

Vimos também que, em realidade, essa razão não era
mais que o senso comum do homem idealizado da classe média que, precisamente
então, se convertia em burguês. Por isso, quando a Revolução
Francesa empreendeu a construção dessa sociedade e desse Estado
da razão, redundou que as novas instituições, por mais
racionais que fossem em comparação com as antigas, distavam
bastante da razão absoluta. O Estado da razão falira completamente.
O contrato social de Rousseau tomara corpo na época do terror, e a
burguesia, perdida a fé em sua própria habilidade política,
refugiou-se, primeiro na corrupção do Diretório e, por
último, sob a égide do despotismo napoleônico. A prometida
paz eterna convertera-se numa interminável interminável guerra
de conquistas. Tampouco teve melhor sorte a sociedade da razão. O antagonismo
entre pobres e ricos, longe de dissolver-se no bem-estar geral, aguçara-se
com o desaparecimento dos privilégios das corporações
e outros, que estendiam uma ponte sobre ele, e os estabelecimentos eclesiásticos
de beneficência, que o atenuavam. A «liberação da
propriedade" dos entraves feudais, que agora se convertia em realidade,
vinha a ser para o pequeno burguês e o pequeno camponês a liberdade
de vender a esses mesmos poderosos senhores sua pequena propriedade, esgotada
pela esmagadora concorrência do grande capital e da grande propriedade
latifundiária; com o que se transformava na "liberação"
do pequeno burguês e do pequeno camponês de toda propriedade.
O ascenso da indústria sobre bases capitalistas converteu a pobreza
e a miséria das massas trabalhadoras em condição de vida
da sociedade. O pagamento à vista transformava-se, cada vez mais, segundo
a expressão de Carlyle, no único elo que unia a sociedade. A
estatística criminal crescia de ano para ano. Os vícios feudais,
que até então eram exibidos impudicamente, à luz do dia,
não desapareceram, mas se recolheram, por um momento, um pouco ao fundo
do cenário; em troca, floresciam exuberantemente os vícios burgueses,
até então superficialmente ocultos. O comércio foi degenerando,
cada vez mais, em trapaça. A «fraternidade" do lema revolucionário
tomou corpo nas deslealdades e na inveja da luta de concorrência. A
opressão violenta cedeu lugar à corrupção, e a
espada, como principal alavanca do poder social, foi substituída pelo
dinheiro. O direito de pernada (4) passou do senhor feudal ao fabricante burguês.
A prostituição desenvolveu-se em proporções até
então desconhecidas. O próprio casamento continuou sendo o que
já era: a forma reconhecida pela lei, o manto com que se cobria a prostituição,
completado ademais com uma abundância de adultérios. Numa palavra,
comparadas com as brilhantes promessas dos pensadores, as Instituições
sociais e políticas instauradas pelo «triunfo da razão"
redundaram em tristes e decepcionantes caricaturas. Faltavam apenas os homens
que pusessem em relevo o desengano, e esses homens surgiram nos primeiros
anos do século XIX. Em 1802, vieram à luz as Cartas de Genebra
de Saint-Simon; em 1808, Fourier publicou a sua primeira obra, embora as bases
de sua teoria datassem já de 1799; a 1.0 de janeiro de 1800, Robert
Owen assumiu a direção da empresa de New Lanark.

No entanto, naquela época, o modo capitalista de produção,
e com ele o antagonismo entre a burguesia e o proletariado, achava-se ainda
muito pouco desenvolvido. A grande indústria, que acabava de nascer
na Inglaterra, era ainda desconhecida na França. E só a grande
indústria desenvolve, de uma parte, os conflitos que transformam numa
necessidade Imperiosa a subversão do modo de produção
e a eliminação de seu caráter capitalista – conflitos
que eclodem não só entre as classes engendradas por essa grande
indústria, mas também entre as forças produtivas e as
formas de distribuição por ela criadas – e, de outra parte,
desenvolve também nessas gigantescas forças produtivas os meios
para solucionar esses conflitos.

Às vésperas do século XIX, os conflitos que brotavam
da nova ordem social mal começavam a desenvolver-se, e menos ainda,
naturalmente, os meios que levam à sua solução. Se as
massas despossuídas de Paris conseguiram dominar por um momento o poder
durante o regime de terror, e assim levar ao triunfo a revolução
burguesa, Inclusive contra a burguesia, foi só para demonstrar até
que ponto era impossível manter por muito tempo esse poder nas condições
da época. O proletariado, que apenas começava a destacar-se
no seio das massas que nada possuem, como tronco de uma nova classe, totalmente
incapaz ainda para desenvolver uma ação política própria,
não representava mais que um estrato social oprimido, castigado, incapaz
de valer-se por si mesmo. A ajuda, no melhor dos casos, tinha que vir de fora,
do alto.

Essa situação histórica Informa também as doutrinas
dos fundadores do socialismo. Suas teorias incipientes não fazem mais
do que refletir o estado Incipiente da produção capitalista,
a incipiente condição de classe. Pretendia-se tirar da cabeça
a solução dos problemas sociais, latentes ainda nas condições
econômicas pouco desenvolvidas da época. A sociedade não
encerrava senão males, que a razão pensante era chamada a remediar.

Tratava-se, por isso, de descobrir um sistema novo e mais perfeito de ordem
social, para implantá-lo na sociedade vindo de fora, por meio da propaganda
e, sendo possível, com o exemplo, mediante experiências que servissem
de modelo. Esses novos sistemas sociais nasciam condenados a mover-se no reino
da utopia; quanto mais detalhados e minuciosos fossem, mais tinham que degenerar
em puras fantasias.

Assentado isso, não há por que nos determos nem um momento
mais nesse aspecto, já definitivamente incorporado ao passado. Deixemos
que os trapeiros literários revolvam solenemente nessas fantasias,
que parecem hoje provocar o riso, para ressaltar sobre o fundo desse «cúmulo
de disparates" a superioridade de seu raciocínio sereno. Quanto
a nós, admiramos os germes geniais de idéias e as idéias
geniais que brotam por toda parte sob essa envoltura de fantasia que os filisteus
são incapazes de ver.

Saint-Simon era filho da grande Revolução Francesa, que estalou
quando ele não contava ainda trinta anos. A. Revolução
foi o triunfo do terceiro estado, isto é, da grande massa ativa da
nação, a cujo cargo corriam a produção e o comércio,
sobre os estados até então ociosos e privilegiados da sociedade:
a nobreza e o clero. Mas logo se viu que o triunfo do terceiro estado não
era mais que o triunfo de uma parte multo pequena dele, a conquista do poder
político pelo setor socialmente privilegiado dessa classe: a burguesia
possuidora. Essa burguesia desenvolvia-se rapidamente já no processo
da revolução, especulando com as terras confiscadas e logo vendidas
da aristocracia e da Igreja, e lesando a nação por meio das
verbas destinadas ao exército. Foi precisamente o governo desses negocistas
que, sob o Diretório, levou à França e a Revolução
à beira da ruína, dando com isso a Napoleão o pretexto
para o golpe de Estado. Por isso, na idéia de Saint-Simon, o antagonismo
entre o terceiro estado e os estados privilegiados da sociedade tomou a forma
de um antagonismo entre "trabalhadores" e "ociosos". Os
«ociosos" eram não só os antigos privilegiados, mas
todos aqueles que viviam de suas rendas, cem intervir na produção
nem no comércio. No conceito de "trabalhadores" não
entravam somente os operários assalariados, mas também os fabricantes,
os comerciantes e os banqueiros. Que os ociosos haviam perdido a capacidade
para dirigir espiritualmente e governar politicamente era um fato Indisfarçável,
selado em definitivo pela Revolução. E, para Saint-Simon, as
experiências da época do terror haviam demonstrado, por sua vez,
que os descamisados não possuíam tampouco essa capacidade. Então,
quem haveria de dirigir e governar? Segundo Saint-Simon, a ciência e
a indústria, unidas por um novo laço religioso, um "novo
cristianismo", forçosamente místico e rigorosamente hierárquico,
chamado a restaurar a unidade das idéias religiosas, destruída
desde a Reforma. Mas a ciência eram os sábios acadêmicos;
e a indústria eram, em primeiro lugar, os burgueses ativos, os fabricantes,
os comerciantes, os banqueiros. E embora esses burgueses tivessem de transformar-se
numa espécie de funcionários públicos, de homens da confiança
de toda a sociedade, sempre conservariam frente aos operários uma posição
autoritária e economicamente privilegiada. Os banqueiros seriam os
chamados em primeiro lugar para regular toda a produção social
por meio de uma regulamentação do crédito. Esse modo
de conceber correspondia perfeitamente a uma época em que a grande
indústria, e com ela o antagonismo entre a burguesia e o proletariado,
mal começava a despontar na França. Mas Saint-Simon insiste
muito especialmente neste ponto: o que o preocupa, sempre e em primeiro lugar,
é a sorte da "classe mais numerosa e mais pobre" ela sociedade
("la classe la plus nombreuse et la plus paurre").

Em suas Cartas de Genebra, Saint-Simon formula a tese de que "todos
os homens devem trabalhar". Na mesma obra já se expressa a Idéia
de que o reinado do terror era o governo das massas despossuídas.

"Vede – grita-lhes – o que se passou na França quando vossos
camaradas subiram ao poder: provocaram a fome". Mas conceber a Revolução
Francesa como urna luta de classes, e não só entre a nobreza
e a burguesia, mas entre a nobreza, a burguesia e os despossuídos,
era, em 1802, uma descoberta verdadeiramente genial.

Em 1816, Saint-Simon declara que a política é a ciência
da produção e prediz já a total absorção
da política pela economia. E se aqui não faz senão aparecer
em germe a idéia de que a situação econômica é
a base das instituições políticas, proclama já
claramente a transformação do governo político sobre
os homens numa administração das coisas e na direção
dos processos da produção, que não é senão
a idéia da "abolição do Estado", que tanto
alarde levanta ultimamente. E, elevando-se ao mesmo plano de superioridade
sobre os seus contemporâneos, declara, em 1814, imediatamente, depois
da entrada das tropas coligadas em Paris, e reitera em 1815, durante a Guerra
dos Cem Dias, que a aliança da França com a Inglaterra e, em
segundo lugar, a destes países com a Alemanha é a única
garantia do desenvolvimento próspero e da paz na Europa. A fim de aconselhar
aos franceses de 1815 uma aliança com os vencedores de Waterloo era
necessário possuir tanto valentia quanto capacidade para ver longe
na história.

O que em Saint-Simon é amplitude genial de visão, que lhe
permite conter já, em germe, quase todas as Idéias não
estritamente econômicas dos socialistas posteriores, em Fourier é
a critica engenhosa autenticamente francesa, mas nem por isso menos profunda,
das condições sociais existentes. Fourier pega a burguesia pela
palavra, por seus inflamados profetas de antes e seus Interesseiros aduladores
de depois da revolução. Põe a nu, impiedosamente, a miséria
material e moral do mundo burguês, e a compara com as fascinantes promessas
dos velhos enciclopedistas, com a imagem que eles faziam da sociedade em que
a razão reinaria sozinha, de urna civilização que faria
felizes todos os homens e de uma ilimitada capacidade humana de perfeição.
Desmascara as brilhantes frases dos ideólogos burgueses da época,
demonstra como a essas frases grandiloqüentes corresponde, por toda parte,
a mais cruel das realidades e derrama sua sátira mordaz sobre esse
ruidoso fracasso da fraseologia. Fourier não é apenas um crítico;
seu espírito sempre jovial faz dele um satírico, um dos maiores
satíricos de todos os tempos. A especulação criminosa
desencadeada com o refluxo da onda revolucionária e o espírito
mesquinho do comércio francês naqueles anos aparecem pintados
em suas obras com traços magistrais e encantadores.

Mas é ainda mais magistral nele a crítica das relações
entre os sexos e da posição da mulher na sociedade burguesa.
É ele o primeiro a proclamar que o grau de emancipação
da mulher numa sociedade é o barômetro natural pelo qual se mede
a emancipação geral. Contudo, onde mais sobressai Fourier é
na maneira como concebe a história da sociedade. Fourier divide toda
a história anterior em quatro fases ou etapas de desenvolvimento:o
selvagismo, a barbárie, o patriarcado e a civilização,
esta última fase coincidindo com o que chamamos hoje sociedade burguesa,
isto é, com o regime social implantado desde o século XVI, e
demonstra que a "ordem civilizada eleva a uma forma complexa, ambígua,
equívoca e hipócrita todos aqueles vícios que a barbárie
praticava em meio à maior simplicidade". Para ele a civilização
move-se num "círculo vicioso", num ciclo de contradições,
que reproduz constantemente sem poder superá-las, conseguindo sempre
precisamente o contrário do que deseja ou alega querer conseguir.

E assim nos encontramos, por exemplo, com o fato de que "na civilização,
a pobreza brota da própria abundância". Como se vê,
Fourier maneja a dialética com a mesma mestria de seu contemporâneo
Hegel.

Diante dos que enchem a boca falando da ilimitada capacidade humana de perfeição,
põe em relevo, com Igual dialética, que toda fase histórica
tem sua vertente ascensional, mas também sua ladeira descendente, e
projeta essa concepção sobre o futuro de toda a humanidade.
E assim como Kant Introduziu na ciência da natureza o desaparecimento
futuro da Terra, Fourier introduz em seu estudo da história a idéia
do futuro desaparecimento da humanidade.

Enquanto o vendaval da revolução varria o solo da França,
desenvolvia-se na Inglaterra um processo revolucionário, mas tranqüilo,
porém nem por isso menos poderoso. O vapor e as máquinas-ferramenta
converteram a manufatura na grande indústria moderna, revolucionando
com Isso todos os fundamentos da sociedade burguesa. O ritmo vagaroso do desenvolvimento
do período da manufatura converteu-se num verdadeiro período
de luta e embate da produção. Com uma velocidade cada vez mais
acelerada, iase dando a divisão da sociedade em grandes capitalistas
e proletários que nada possuem e, entre eles, em lugar da antiga classe
média tranqüila e estável, uma massa Instável de
artesãos e pequenos comerciantes, a parte mais flutuante da população,
levava unia existência sem nenhuma segurança. O novo modo de
produção apenas começava a galgar a vertente ascensional;
era ainda o modo de produção normal, regular, o único
possível, naquelas circunstâncias. E no entanto deu origem a
toda uma série de graves calamidades sociais: amontoamento, nos bairros
mais sórdidos das grandes cidades, de uma população arrancada
do seu solo; dissolução de todos os laços tradicionais
dos costumes, da submissão patriarcal e da família; prolongação
abusiva do trabalho, que sobretudo entre as mulheres e as crianças
assumia proporções aterradoras; desmoralização
em massa da classe trabalhadora, lançada de súbito a condições
de vida totalmente novas – do campo para a cidade, da agricultura para a indústria,
de uma situação estável para outra contentemente variável
e insegura. Em tais circunstâncias, ergue-se como reformador um fabricante
de 29 anos, um homem cuja pureza quase infantil tocava às raias do
sublime e que era, ao lado disso, um condutor de homens como poucos. Roberto
Owen assimilara os ensinamentos dos filósofos materialistas do século
XVIII, segundo os quais o caráter do homem é, de um lado, produto
de sua organização Inata e, de outro, fruto das circunstâncias
que envolvem o homem durante. sua vida, sobretudo durante o período
de seu desenvolvimento. A maioria dos homens de sua classe não via
na revolução industrial senão caos e confusão,
uma ocasião propícia para pescar no rio revolto e enriquecer
depressa. Owen, porém, viu nela o terreno adequado para pôr em
prática a sua tese favorita, Introduzindo ordem no caos. Já
em Manchester, dirigindo uma fábrica de mais de 500 operários,
tentara, não sem êxito, aplicar praticamente a sua teoria. De
1800 a 1829 orientou no mesmo sentido, embora com maior liberdade de iniciativa
e com um êxito que lhe valeu fama na Europa, a grande fábrica
de fios de algodão de New Lanark, na Escócia, da qual era sócio
e gerente. Uma população operária que foi crescendo paulatinamente
até 2 500 almas, recrutada a principio entre os elementos mais heterogêneos,
a maioria dos quais muito desmoralizados, converteu-se em suas mãos
numa colônia-modelo, na qual não se conheciam a embriaguez, a
policia, os juizes de paz, os processos, os asilos para pobres nem a beneficência
pública Para Isso bastou, tão somente, colocar seus operários
em condições mais humanas de vida, consagrando um cuidado especial
à educação da prole. Owen foi o criador dos jardins-de-infância,
que funcionaram pela primeira vez em New Lanark. As crianças eram enviadas
às escolas desde os dois anos, e nelas se sentiam tão bem que
só com dificuldade eram levadas para casa. Enquanto nas fábricas
de seus concorrentes os operários trabalhavam treze e quatorze horas
diárias, em New Lanark a jornada de trabalho era de dez horas e meia.
Quando uma crise algodoeira obrigou o fechamento da fábrica por quatro
meses, os operários de New Lanark, que ficaram sem trabalho, continuaram
recebendo suas diárias Integrais. E contudo a empresa incrementara
ao dobro o seu valor e rendeu a seus proprietários, até o último
dia, enormes lucros.

Owen, entretanto, não estava satisfeito com o que conseguira. A existência
que se propusera dar a seus operários distava muito ainda de ser, a
seus olhos, uma existência digna de um ser humano. "Aqueles homens
eram meus escravos". As circunstâncias relativamente favoráveis
em que os colocara estavam ainda muito longe de permitir-lhes desenvolver
racionalmente e em todos os aspectos o caráter e a inteligência,
e muito menos desenvolver livremente suas energias. "E, contudo, a parte
produtora daquela população de 2500 almas dava à sociedade
uma soma de riqueza real que, apenas meio século antes, teria exigido
o trabalho de 600 000 homens juntos. Eu me perguntava: onde vai parar a diferença
entre a riqueza consumida por essas 2 500 pessoas e a que precisaria ser consumida
pelas 600 000?" A resposta era clara: essa diferença era invertida
em abonar os proprietários da empresa com 5 por cento de juros sobre
o capital de instalação, ao qual vinham somar-se mais de 300
000 libras esterlinas de lucros. E o caso de New Lanark era, só que
em proporções maiores, o de todas as fábricas da Inglaterra.
"Sem essa nova fonte de riqueza criada pelas máquinas, teria sido
impossível levar adiante as guerras travadas para derrubar Napoleão
e manter de pé os princípios da sociedade aristocrática.
E, no entanto, esse novo poder era obra da classe operária." (5)
A ela deviam pertencer também, portanto, os seus frutos. As novas e
gigantescas forças produtivas, que até ali só haviam
servido para que alguns enriquecessem e as massas fossem escravizadas, lançavam,
segundo Owen, as bases para uma reconstrução social e estavam
fadadas a trabalhar somente para o bem-estar coletivo, como propriedade coletiva
de todos os membros da sociedade.

Foi assim, por esse caminho puramente prático – resultado, por dizê-lo,
dos cálculos de um homem de negócios que surgiu o comunismo
oweniano, conservando sempre esse caráter prático Assim, em
1823, Owen propõe um sistema de colônias comunistas para combater
a miséria reinante na Irlanda e apresenta, em apoio de sua proposta,
um orçamento completo de despesas de instalação, desembolsos
anuais e rendas prováveis. E assim também em seus planos definitivos
da sociedade do futuro, os detalhes técnicos são calculados
com um domínio tal da matéria, Incluindo até projetos,
desenhos de frente, de perfil e do alto que, uma vez aceito o método
oweniano de reforma da sociedade, pouco se poderia objetar, mesmo um técnico
experimentado, contra os pormenores de sua organização.

O avanço para o comunismo constitui um momento crucial na vida de
Owen. Enquanto se limitara a atuar só como filantropo, não colhera
senão riquezas, aplausos, honra e fama. Era o homem mais popular da
Europa Não só os homens de sua classe e posição
social, mas também os governantes e os príncipes o escutavam
e o aprovavam. No momento, porém, em que formulou suas teorias comunistas,
virou-se a página. Eram precisamente três grandes obstáculos
os que, segundo ele, se erguiam em seu caminho da reforma social: a propriedade
privada, a religião e a forma atual do casamento. E não ignorava
ao que se expunha atacando-os: à execração de toda a
sociedade oficial e à perda de sua posição social. Mas
isso não o deteve em seus ataques implacáveis contra aquelas
instituições, e ocorreu o que ele previa.

Desterrado pela sociedade oficial, ignorado completamente pela imprensa,
arruinado por suas fracassadas experiências comunistas na América,
às quais sacrificou toda a sua fortuna, dirigiu-se à classe
operária, no seio da qual atuou ainda durante trinta anos. Todos os
movimentos sociais, todos os progressos reais registrados na Inglaterra em
interesse da classe trabalhadora, estão ligados ao nome de Owen. Assim,
em 1819, depois de cinco anos de grandes esforços, conseguiu que fosse
votada a primeira lei limitando o trabalho da mulher e da criança nas
fábricas. Foi ele quem presidiu o primeiro congresso em que as tradeunions
de toda a Inglaterra fundiram-se numa grande organização sindical
única. E foi também ele quem criou, como medidas de transição,
para que a sociedade pudesse organizar-se de maneira integralmente comunista,
de um lado, as cooperativas de consumo e de produção – que serviram,
pelo menos, para demonstrar na prática que o comerciante e o fabricante
não são Indispensáveis -, e de outro lado, os mercados
operários, estabelecimentos de troca dos produtos do trabalho por meio
de bonus de trabalho e cuja unidade é a hora de trabalho produzido;
esses estabelecimentos tinham necessariamente que fracassar, mas se antecipam
multo aos bancos proudhonianos de troca, diferenciando-se deles somente em
que não pretendem ser a panacéia universal para todos os males
sociais, mas pura e simplesmente um primeiro passo para uma transformação
multo mais radical da sociedade.

As concepções dos utopistas dominaram durante muito tempo
as idéias socialistas do século XIX, e em parte ainda hoje as
dominam. Rendiam-lhes homenagens, até há muito pouco tempo,
todos os socialistas franceses e Ingleses e a eles se deve também o
incipiente comunismo alemão, incluindo Weitling. Para todos eles, o
socialismo é a expressão da verdade absoluta, da razão
e da justiça, e é bastante revelá-lo para, graças
à sua virtude, conquistar o mundo. E, como a verdade absoluta não
está sujeita a condições de espaço e de tempo
nem ao desenvolvimento histórico da humanidade, só o acaso pode
decidir quando e onde essa descoberta se revelará. Acrescente-se a
isso que a verdade absoluta, a razão e a justiça variam com
os fundadores de cada escola; e como o caráter específico da
verdade absoluta, da razão e da justiça está condicionado,
por sua vez, em cada um deles, pela Inteligência pessoal, condições
de vida, estado de cultura e disciplina mental, resulta que nesse conflito
de verdades absolutas a única solução é que elas
vão acomodando-se umas às outras. E, assim, era inevitável
que surgisse uma espécie de socialismo eclético e medíocre,
como o que, com efeito, continua imperando ainda nas cabeças da maior
parte dos operários socialistas da França e da Inglaterra: uma
mistura extraordinariamente variegada e cheia de matizes, compostas de desabafes
críticos, princípios econômicos e as imagens sociais do
futuro menos discutíveis dos diversos fundadores de seitas, mistura
tanto mais fácil de compor quanto mais os ingredientes individuais
iam perdendo, na torrente da discussão, os seus contornos sutis e agudos,
como as pedras limadas pela corrente de um rio. Para converter o socialismo
em ciência era necessário, antes de tudo, situá-lo no
terreno da realidade.

Notas: Capítulo I

(1) É a seguinte a passagem de Hegel referente à Revolução
Francesa: "A Idéia, o conceito de direito, fezse valer de chofre,
sem que lhe pudesse opor qualquer resistência a velha armação
da Injustiça. Sobre a idéia do direito baseou-se agora, portanto,
uma Constituição, e sobre esse fundamento deve basear-se tudo
mais no futuro. Desde que o Sol ilumina o firmamento e os planetas giram em
torno daquele ninguém havia percebido que o homem se ergue sobre a
cabeça, isto é, sobre a idéia, construindo de acordo
com ela a realidade. Anaxágoras foi o primeiro a dizer que o nus, a
razão, governa o mundo: mas só agora o homem acabou de compreender
que o pensamento deve governar a realidade espiritual. Era, pois, uma esplêndida
aurora Todos os seres pensantes celebraram a nova época. Uma sublime
emoção reinava naquela época a um entusiasmo do espirito)
abalava o mundo, como se pela primeira vez se conseguisse a reconciliação
do mundo com a divindade". Hegel Philosophie der Geschichte. 1840, pág.
535) [Hegel, Filosofia da História, 1840 pág. 535]. Não
terá chegado o momento de aplicar a essas doutrinas subversivas e atentatórias
à sociedade, do finado professor Hegel, a lei contra os socialistas?
(Nota de Engels) (retornar ao texto) (2) Leveller (niveladores): nome que
se dava aos elementos plebeus da cidade e do campo que durante a revolução
de 1648 apresentavam na Inglaterra as reivindicações democráticas
mais radicais. (N. da E.) (retornar ao texto) (3) Engels refere-se aqui às
obras dos representantes do comunismo utópico Tomas Morus (século
XVI) e Campanella (Século XVII). (N. da R.) (retornar ao texto) (4)
«Direito de pernadas: direito que tinha o senhor feudal à primeira
noite com as nubentes do seu feudo.

(N. da Ed. Bras.) (retornar ao texto) 5. De The Revolution In Mind and Practice
[A Revolução no Espírito e na Prática, um memorial
dirigido a todos os republicanos vermelhos. comunistas e socialistas da Europa»,
e enviado ao governo provisório francês de 1848. mas também
«à rainha Vitória e seus conselheiros responsáveis».
(Nota de Engels) (retornar ao texto)

Capítulo II – Dialética

Entretanto, junto à filosofia francesa do século XVIII, e por
trás dela, surgira a moderna filosofia alemã, cujo ponto culminante
foi Hegel. O principal mérito dessa filosofia é a restauração
da dialética, como forma suprema do pensamento. Os antigos filósofos
gregos eram todos dialéticos inatos, espontâneos, e a cabeça
mais universal de todos eles – Aristóteles – chegara já a estudar
as formas mais substanciais do pensamento dialético. Em troca, a nova
filosofia, embora tendo um ou outro brilhante defensor da dialética
(como por exemplo, Descartes e Spinoza) caía cada vez mais, sob a influência
principalmente dos ingleses, na chamada maneira metafísica de pensar,
que também dominou quase totalmente entre os franceses do século
XVIII, ao menos em suas obras especificamente filosóficas. Fora do
campo estritamente filosófico, eles criaram também obras-primas
de dialética; como prova, basta citar O Sobrinho de Rameau, de Diderot,
e o estudo de Rousseau sôbre a origem da desigualdade entre os homens.
Resumiremos aqui, sucintamente, os traços mais essenciais de ambos
os métodos discursivos.

Quando nos detemos a pensar sobre a natureza, ou sobre a história
humana, ou sobre nossa própria atividade espiritual,. deparamo-nos,
em primeiro plano, com a imagem de uma trama infinita de concatenações
e Influências recíprocas, em que nada permanece o que era, nem
como e onde era, mas tudo se move e se transforma, nasce e morre. Vemos, pois,
antes de tudo, a imagem de conjunto, na qual os detalhes passam ainda mais
ou menos para o segundo plano; fixamo-nos mais no movimento, nas transições,
na concatenação, do que no que se move, se transforma e se concatena
Essa concepção do mundo, primitiva, ingênua, mas essencialmente
exata, é a dos filósofos gregos antigos, e aparece claramente
expressa pela primeira vez em Heráclito: tudo é e não
é, pois tudo flui, tudo se acha sujeito a um processo constante de
transformação, de Incessante nascimento e caducidade. Mas essa
concepção, por mais exatamente que reflita o caráter
geral do quadro que nos é oferecido pelos fenômenos, não
basta para explicar os elementos isolados que formam esse quadro total; sem
conhecê-los a Imagem geral não adquirirá tampouco um sentido
claro. Para penetrar nesses detalhes temos de despregá-los do seu tronco
histórico ou natural e Investigá-los separadamente, cada qual
por si, em seu caráter, causas e efeitos especiais, etc. Tal é
a missão primordial das ciências naturais e da história,
ramos de investigação que os gregos clássicos situavam,
por motivos muito justificados, num plano puramente secundário, pois
primariamente deviam dedicar-se a acumular os materiais científicos
necessários. Enquanto não se reúne uma certa quantidade
de materiais naturais e históricos não se pode proceder ao exame
crítico, à comparação e, consequentemente, a divisão
em classes, ordens e espécies. Por isso, os rudimentos das ciências
naturais exatas não foram desenvolvidos senão a partir dos gregos
do período alexandrino (6) e, mais tarde, na Idade Média, pelos
árabes; a ciência autêntica da natureza data semente da
segunda metade do século XV e, desde então, não fez senão
progredir a ritmo acelerado. A análise da natureza em suas diversas
partes, a classificação dos diversos processos e objetos naturais
em determinadas categorias, a pesquisa interna dos corpos orgânicos
segundo sua diversa estrutura anatômica, foram outras tantas condições
fundamentais a que obedeceram os gigantescos progressos realizados, durante
os últimos quatrocentos anos, no conhecimento científico da
natureza. Esses métodos de Investigação, porém,
nos transmitiu, ao lado disso, o hábito de enfocar as coisas e os processos
da natureza isoladamente, subtraídos à concatenação
do grande todo; portanto, não em sua dinâmica, mas estaticamente;
não como substancialmente variáveis, mas como consistências
fixas; não em sua vida, mas em sua morte. Por Isso, esse método
de observação, ao transplantar-se, com Bacon e Locke, das ciências
naturais para a filosofia, determinou a estreiteza específica característica
dos últimos séculos: o método metafísico de especulação.

Para o metafísico, as coisas e suas Imagens no pensamento, os conceitos,
são objetos de Investigação Isolados, fixos, rígidos,
focalizados um após o outro, de per si, como algo dado e perene. Pensa
só em antíteses, sem meio-termo possível; para ele, das
duas uma: sim, sim; não, não; o que for além disso, sobra.
Para ele, uma coisa existe ou não existe; um objeto não pode
ser ao mesmo tempo o que é e outro diferente. O positivo e o negativo
se excluem em absoluto. A causa e o efeito revestem também, a seus
olhos, a forma de uma rígida antítese. À primeira vista,
esse método discursivo parece-nos extremamente razoável, porque
é o do chamado senão comum. Mas o próprio senso comum
– personagem multo respeitável dentro de casa, entre quatro paredes
– vive peripécias verdadeiramente maravilhosas quando se aventura pelos
caminhos amplos da investigação; e o método metafísico
de pensar, pois muito justificado e até necessário que seja
em muitas zonas do pensamento, mais ou menos extensas segundo a natureza do
objeto de que se trate, tropeça sempre, cedo ou tarde, com uma barreira,
ultrapassada a qual converte-se num método unilateral, limitado, abstrato,
e se perde em Insolúveis contradições, pois, absorvido
pelos objetos concretos, não consegue perceber sua concatenação;
preocupado com sua existência, não atenta em sua origem nem em
sua caducidade; obcecado pelas árvores, não consegue ver o bosque.
Na realidade de cada dia, sabemos, por exemplo, e podemos dizer com toda certeza
se um animal existe ou não; porém, pesquisando mais detidamente,
verificamos que às vezes o problema se complica consideravelmente,
como sabem muito bem os juristas, que tanto e tão inutilmente têm-se
atormentado por descobrir um limite racional a partir do qual deva a morte
do filho no ventre materno ser considerada um assassinato; nem é fácil
tampouco determinar rigidamente o momento da morte, uma vez que a fisiologia
demonstrou que a morte não é um fenômeno repentino, instantâneo,
mas um processo muito longo. Do mesmo modo, todo ser orgânico é,
a qualquer instante, ele mesmo e outro; a todo Instante, assimila matérias
absorvidas do exterior e elimina outras do seu interior; a todo instante,
morrem certas células e nascem outras em seu organismo; e no transcurso
de um período mais ou menos demorado a matéria de que é
formado renovase totalmente, e novos átomos de matérias vêm
ocupar o lugar dos antigos, por onde todo o seu ser orgânico é,
ao mesmo tempo, o que é e outro diferente. Da mesma maneira, observando
as coisas detidamente, verificamos que os dois polos de uma antítese,
o positivo e o negativo, são tão inseparáveis quanto
antitéticos um do outro e que, apesar de todo o seu antagonismo, se
penetram reciprocamente; e vemos que a causa e o efeito são representações
que somente regem, como tais, em sua aplicação ao caso concreto,
mas que, examinando o caso concreto em sua concatenação com
a imagem total do universo, se juntam e se diluem na idéia de uma trama
universal de ações e reações, em que as causas
e os efeitos mudam constantemente de lugar e em que o que agora ou aqui é
efeito adquire em seguida ou ali o caráter de causa, e vice-versa.

Nenhum desses fenômenos e métodos discursivos se encaixa no
quadro das especulações metafísicas. Ao contrário,
para a dialética, que focaliza as coisas e suas Imagens conceituais
substancialmente em suas conexões, em sua concatenação,
em sua dinâmica, em seu processo de nascimento e caducidade, fenômenos
como os expostos não são mais que outras tantas confirmações
de seu modo genuíno de proceder. A natureza é a pedra de toque
da dialética, e as modernas ciências naturais nos oferecem para
essa prova um acervo de dados extraordinariamente copiosos e enriquecido cada
dia que passa, demonstrando com Isso que a natureza se move, em última
instância, pelos caminhos dialéticos e não pelas veredas
metafísicas, que não se move na eterna monotonia de um ciclo
constantemente repetido, mas percorre uma verdadeira história. Aqui
é necessário citar Darwin, em primeiro lugar, quem, com sua
prova de que toda a natureza orgânica existente, plantas e animais,
e entre eles, como é lógico, o homem, é o produto de
um processo de desenvolvimento de milhões de anos, assestou na concepção
metafísica da natureza o mais rude golpe. Até hoje, porém,
os naturalistas que souberam pensar dialeticamente podem ser contados com
os dedos, e esse conflito entre os resultados descobertos e o método
discursivo tradicional põe a nu a Ilimitada confusão que reina
presentemente na teoria das ciências naturais e que constitui o desespero
de mestres e discípulos, de autores e leitores.

Somente seguindo o caminho da dialética, não perdendo jamais
de vista as inumeráveis ações e reações
gerais do devenir e do perecer, das mudanças de avanço e retrocesso,
chegamos a uma concepção exata do universo, do seu desenvolvimento
e do desenvolvimento da humanidade, assim como da imagem projetada por esse
desenvolvimento nas cabeças dos homens. E foi esse, com efeito, o sentido
em que começou a trabalhar, desde o primeiro momento, a moderna filosofia
alemã. Kant iniciou sua carreira de filósofo dissolvendo o sistema
solar estável de Newton e sua duração eterna – depois
de recebido o primeiro impulso – num processo histórico: no nascimento
do Sol e de todos os planetas a partir de uma massa nebulosa em rotação.
Dai, deduziu que essa origem implicava também, necessariamente, a morte
futura do sistema solar. Meio século depois sua teoria foi confirmada
matematicamente por Laplace e, ao fim de outro meio século, o espectroscópio
veio demonstrar a existência no espaço daquelas massas igneas
de gás, em diferente grau de condensação.

A filosofia alemã moderna encontrou sua culminância no sistema
de Hegel, em que pela primeira vez – e aí está seu grande mérito
– se concebe todo o mundo da natureza, da história e do espírito
como um processo, isto é, em constante movimento, mudança, transformação
e desenvolvimento, tentando além disso ressaltar a intima conexão
que preside esse processo de movimento e desenvolvimento.

Contemplada desse ponto de vista, a história da humanidade já.
não aparecia como um caos inóspito de violências absurdas,
todas igualmente condenáveis diante do foro da razão filosófica
hoje já madura, e boas para serem esquecidas quanto antes, mas como
o processo de desenvolvimento da própria humanidade, que cabia agora
ao pensamento acompanhar em suas etapas graduais e através de todos
os desvios, e demonstrar a existência de leis internas que orientam
tudo aquilo que à primeira vista poderia parecer obra do acaso cego.

Não importava que o sistema de Hegel não resolvesse o problema
que se propunha. Seu mérito, que marca época. consistiu em tê-lo
proposto. Não em vão, trata-se de um problema que nenhum homem
sozinho pôde resolver. E embora fosse Hegel, como Saint-Simon, a cabeça
mais universal. de seu tempo, seu horizonte achava-se circunscrito, em primeiro
lugar, pela limitação inevitável de seus próprios
conhecimentos e, em segundo lugar, pelos conhecimentos e concepções
de sua época, limitados também em extensão e profundidade.
Deve-se acrescentar a isso uma terceira circunstância. Hegel era idealista;
isto é, para ele as Idéias de sua cabeça não eram
imagens mais ou menos abstratas dos objetos ou fenômenos da realidade,
mas essas coisas e seu desenvolvimento se lhe afiguravam, ao contrário,
como projeções realizadas da "Idéia", que já
existia, não se sabe como, antes de existir o mundo. Assim, foi tudo
posto de cabeça para baixo, e a concatenação real do
universal apresentava-se completamente às avessas. E por mais exatas
e mesmo geniais que fossem várias das conexões concretas concebidas
por Hegel, era inevitável, pelos motivos que acabamos de apontar, que
muitos dos seus detalhes tivessem um caráter amaneirado, artificial,
construído; em uma palavra, falso. O sistema de Hegel foi um aborto
gigantesco, mas o último de seu gênero. De fato, continuava sofrendo
de uma contradição interna incurável; pois, enquanto
de um lado partia como pressuposto inicial da concepção histórica,
segundo a qual a história humana é um processo de desenvolvimento
que não pode, por sua natureza, encontrar o arremate intelectual na
descoberta disso que chamam verdade absoluta, de outro lado nos é apresentado
exatamente como a soma e a síntese dessa verdade absoluta. Um sistema
universal e definitivamente plasmado do conhecimento da natureza e da história
é incompatível com as leis fundamentais do pensamento dialético
– que não exclui, mas longe disso implica que o conhecimento sistemático
do mundo exterior em sua totalidade possa progredir gigantescamente de geração
em geração.

A consciência da total inversão em que incorria o Idealismo
alemão levou necessariamente ao materialismo; mas não, veja-se
bem, àquele materialismo puramente metafísico e exclusivamente
mecânico do século XVIII. Em oposição à
simples repulsa, ingenuamente revolucionária, de toda a história
anterior, o materialismo moderno vê na história o processo de
desenvolvimento da humanidade, cujas leis dinâmicas é missão
sua descobrir. Contrariamente à idéia da natureza que imperava
entre os franceses do século XVIII, assim como em Hegel, em que esta
era concebida como um todo permanente e invariável, que se movia dentro
de ciclos estreitos, com corpos celestes eternos, tal como Newton os representava,
e com espécies invariáveis de seres orgânicos, como ensinara
Linneu, o materialismo moderno resume e compendia os novos progressos das
ciências naturais, segundo os quais a natureza tem também sua
história no tempo, e os mundos, assim como as espécies orgânicas
que em condições propícias os habitam, nascem e morrem,
e os ciclos, no grau em que são admissíveis, revestem dimensões
infinitamente mais grandiosas. Tanto em um como em outro caso, o materialismo
moderno é substancialmente dialético e já não
precisa de uma filosofia superior às demais ciências. Desde o
momento em que cada ciência tem que prestar contas da posição
que ocupa no quadro universal das coisas e do conhecimento dessas coisas,
já não há margem para uma ciência especialmente
consagrada ao estudo das concatenações universais. Da filosofia
anterior, com existência própria, só permanece de pé
a teoria do pensar e de suas leis: a lógica formal e a dialética.
O demais se dissolve na ciência positiva da natureza e da história.

No entanto, enquanto que essa revolução na concepção
da natureza só se pôde impor na medida em que a pesquisa fornecia
à ciência os materiais positivos correspondentes, já há
muito tempo se haviam revelado certos fatos históricos que imprimiram
uma reviravolta decisiva no modo de focalizar a história. Em 1831,
estala em Lyon a primeira insurreição operária, e de
1838 a 1842 atinge o auge o primeiro movimento operário nacional: o
dos cartistas ingleses. A luta de classes entre o proletariado e a burguesia
passou a ocupar o primeiro plano da história dos países europeus
mais avançados, ao mesmo ritmo em que se desenvolvia neles, de uni
lado, a grande indústria, e de outro lado, a dominação
política recémconquistada da burguesia. Os fatos refutavam cada
vez mais rotundamente as doutrinas burguesas da identidade de interesses entre
o capital e o trabalho e da harmonia universal e o bem-estar geral das nações,
como fruto da livre concorrência. Não havia como passar por alto
esses fatos, nem era tampouco possível ignorar o socialismo francês
e inglês, expressão teórica sua, por mais imperfeita que
fosse. Mas a velha concepção idealista da história, que
ainda não havia sido removida, não conhecia lutas de classes
baseadas em interesses materiais, nem conhecia interesses materiais de qualquer
espécie; para ela a produção, bem como todas as relações
econômicas, só existiam acessoriamente, como um elemento produção,
bem como todas as relações econômicas, só existiam
acessoriamente, como um elemento secundário dentro da "história
cultural". Os novos fatos obrigaram à revisão de toda a
história anterior, e então se viu que, com exceção
do Estado primitivo, toda a história anterior era a história
das lutas de classes, e que essas classes sociais em luta entre si eram em
todas as épocas fruto das relações de produção
e de troca, isto é, das relações econômicas de
sua época; que a estrutura econômica da sociedade em cada época
da história constitui, portanto, a base real cujas propriedades explicam,
em última análise, toda a superestrutura Integrada pelas instituições
jurídicas e políticas, assim como pela ideologia religiosa,
filosófica, etc., de cada período histórico. Hegel libertara
da metafísica a concepção da história, tornandoa
dialética; mas sua interpretação da história era
essencialmente idealista. Agora, o idealismo fora despejado do seu último
reduto: a concepção da história -, substituída
por uma concepção materialista da história, com o que
se abria o caminho para explicar a consciência do homem por sua existência,
e não esta por sua consciência, que era até então
o tradicional.

Desse modo o socialismo já não aparecia como a descoberta
casual de tal ou qual intelecto genial, mas como o produto necessário
da luta entre as duas classes formadas historicamente: o proletariado e a
burguesia. Sua missão já não era elaborar um sistema
o mais perfeito possível da sociedade, mas investigar o processo histórico
econômico de que, forçosamente, tinham que brotar essas classes
e seu conflito, descobrindo os meios para a solução desse conflito
na situação econômica assim criada. Mas o socialismo tradicional
era incompatível com essa nova concepção materialista
da história, tanto quanto a concepção da natureza do
materialismo francês não podia ajustar-se à dialética
e às novas ciências naturais. Com efeito, o socialismo anterior
criticava o modo de produção capitalista existente e suas conseqüências,
mas não conseguia explicá-lo nem podia, portanto, destrui-lo
ideologicamente; nada mais lhe restava senão repudiá-lo, pura
o simplesmente, como mau. Quanto mais violentamente clamava contra a exploração
da classe operária, inseparável desse modo de produção,
menos estava em condições de indicar claramente em que consistia
e como nascia essa exploração. Mas do que se tratava era, por
um lado, de expor esse modo capitalista de produção em suas
conexões históricas e como necessário para uma determinada
época da história, demonstrando com isso também a necessidade
de sua queda e, por outro lado, pôr a nu o seu caráter interno,
ainda oculto. Isso se tornou evidente com a descoberta da maisvalia.

Descoberta que veio revelar que o regime capitalista de produção
e a exploração do operário, que dele se deriva, tinham
por forma fundamental a apropriação de trabalho não pago;
que o capitalista, mesmo quando compra a força de trabalho de seu operário
por todo o seu valor, por todo o valor que representa como mercadoria no mercado,
dela retira sempre mais valor do que lhe custa e que essa maisvalia é,
em última análise, a soma de valor de onde provém a massa
cada vez maior do capital acumulado em mãos das classes possuidoras.
O processo da produção capitalista e o da produção
de capital estavam assim explicados.

Essas duas grandes descobertas – a concepção materialista
da história e a revelação do segredo da produção
capitalista através da mais-valia – nós as devemos a Karl Marx.
Graças a elas o materialismo converte-se em uma ciência, que
só nos resta desenvolver em todos os seus detalhes e concatenações.

Notas: Capítulo II

(6) O período alexandrino de desenvolvimento da ciência abrange
desde o século III antes de nossa era até o século VII
de nossa era, recebendo o seu nome da cidade de Alexandria, no Egito, um dos
mais importantes centros das relações econôm1ca internacionais
daquela época. No período alexandrino adquiriram grande desenvolvimento
várias ciências: as matemáticas (com Euclides e Arquimedes),
a geografia, a astronomia, a anatomia, a fisiologia, etc. (N. da R.) (retornar
ao texto)

Capítulo III – O Materialismo Histórico

O socialismo moderno é, em primeiro lugar, por seu conteúdo,
fruto do reflexo na inteligência, de um lado dos antagonismos de classe
que imperam na moderna sociedade entre possuidores e despossuidos, capitalistas
e operários assalariados, e, de outro lado, da anarquia que reina na
produção. Por sua forma teórica, porém, o socialismo
começa apresentando-se como uma continuação, mais desenvolvida
e mais conseqüente, dos princípios proclamados pelos grandes pensadores
franceses do século XVIII. Como toda nova teoria, o socialismo, embora
tivesse suas raízes nos fatos materiais econômicos, teve de ligar-se,
ao nascer, às Idéias existentes.

A concepção materialista da história parte da tese
de que a produção, e com ela a troca dos produtos, é
a base de toda a ordem social; de que em todas as sociedades que desfilam
pela história, a distribuição dos produtos, e juntamente
com ela a divisão social dos homens em classes ou camadas, é
determinada pelo que a sociedade produz e como produz o pelo modo de trocar
os seus produtos. De conformidade com isso, as causas profundas de todas as
transformações sociais e de todas as revoluções
políticas não devem ser procuradas nas cabeças dos homens
nem na idéia que eles façam da verdade eterna ou da eterna justiça,
mas nas transformações operadas no modo de produção
e de troca; devem ser procuradas não na filosofia, mas na economia
da época de que se trata. Quando nasce nos homens a consciência
de que as instituições sociais vigentes são irracionais
e injustas, de que a razão se converteu em insensatez e a bênção
em praga (7), isso não é mais que um indício de que nos
métodos de produção e nas formas de distribuição
produziram-se silenciosamente transformações com as quais já
não concorda a ordem social, talhada segundo o padrão de condições
econômicas anteriores. E assim já está dito que nas novas
relações de produção têm forçosamente
que conter-se – mais ou menos desenvolvidos – os meios necessários
para pôr termo aos males descobertos. E esses meios não devem
ser tirados da cabeça de ninguém, mas a cabeça é
que tem de descobrí-los nos fatos materiais da produção,
tal e qual a realidade os oferece.

Qual é, nesse aspecto, a posição do socialismo moderno?
A ordem social vigente – verdade reconhecida hoje por quase todo o mundo –
é obra das classes dominantes dos tempos modernos, da burguesia. O
modo de produção característico da burguesia, ao qual
desde Marx se dá o nome de modo capitalista de produção,
era incompatível com os privilégios locais e dos estados, como
o era com os vínculos interpessoais da ordem feudal. A burguesia lançou
por terra a ordem feudal e levantou sobre suas ruínas o regime da sociedade
burguesa, o império da livre concorrência, da liberdade de domicílio,
da igualdade de direitos dos possuidores de mercadorias, e tantas outras maravilhas
burguesas. Agora já podia desenvolver-se livremente o modo capitalista
de produção. E ao chegarem o vapor e a nova maquinaria ferramental,
transformando a antiga manufatura na grande indústria, as forças
produtivas criadas e postas em movimento sob o comando da burguesia desenvolveram-se
com uma velocidade Inaudita e em proporções até então
desconhecidas. Mas, do mesmo modo que em seu tempo a manufatura e o artesanato,
que continuava desenvolvendo-se sob sua influência, se chocavam com
os entraves feudais das corporações, a grande indústria,
ao chegar a um uivei de desenvolvimento mais alto, já não cabe
no estreito marco em que é contida pelo modo de produção
capitalista. As novas forças produtivas transbordam já da forma
burguesa em que são exploradas, e esse conflito entre as forças
produtivas e o modo de produção não é precisamente
nascido na cabeça do homem – algo assim como o conflito entre o pecado
original do homem e a Justiça divina – mas tem suas raízes nos
fatos, na realidade objetiva, fora de nós, independentemente da vontade
ou da atividade dos próprios homens que o provocaram. O socialismo
moderno não é mais que o reflexo desse conflito material na
consciência, sua projeção Ideal nas cabeças, a
começar pelas da classe que sofre diretamente suas conseqüências:
a classe operária.

Em que consiste esse conflito? Antes de sobrevir a produção
capitalista, isto é, na Idade Média, dominava, com caráter
geral, a pequena Indústria, baseada na propriedade privada do trabalhador
sobre seus meios de produção: no campo, a agricultura corria
a cargo de pequenos lavradores, livres ou vassalos; nas cidades, a indústria
achava-se em mãos dos artesãos. Os meios de trabalho – a terra,
os instrumentos agrícolas, a oficina, as ferramentas – eram meios de
trabalho individual, destinados unicamente ao uso individual e, portanto,
forçosamente, mesquinhos, diminutos, limitados. – Mas isso mesmo levava
a que pertencessem, em geral, ao próprio produtor. O papel histórico
do modo capitalista de produção e seu portador – a burguesia
– consistiu precisamente em concentrar e desenvolver esses dispersos e mesquinhos
meios de produção, transformando-os nas poderosas alavancas
produtoras dos tempos atuais. Esse processo, que a burguesia vem desenvolvendo
desde o século XV e que passa historicamente pelas três etapas
da cooperação simples, a manufatura e a grande indústria,
é minuciosamente exposto por Marx na seção quarta de
O Capital. Mas a burguesia, como fica também demonstrado nessa obra,
não podia converter aqueles primitivos meios de produção
em poderosas forças produtivas sem transformá-los de meios individuais
de produção em meios sociais, -só manejáveis por
uma coletividade de homens. A roca, O tear manual e o martelo do ferreiro
foram substituídos pela máquina de fiar, pelo tear mecânico,
pelo martelo movido a vapor; a oficina individual deu o lugar à fábrica,
que impõe a cooperação de centenas e milhares de operários.
E, com os meios de produção, transformou-se a própria
produção, deixando de ser uma cadeia de atos Individuais para
converter-se numa cadeia de atos sociais, e os produtos transformaram-se de
produtos individuais em produtos sociais.

O fio, as telas, os artigos de metal que agora safam da fábrica eram
produto do trabalho coletivo de um grande número de operários,
por cujas mãos tinha que passar sucessivamente para sua elaboração.
Já ninguém podia dizer: isso foi feito por mim, esse produto
é meu.

Mas onde a produção tem por forma principal um regime de-
divisão social do trabalho criado paulatinamente, por impulso elementar,
sem sujeição a plano algum, a produção imprime
aos produtos a forma de mercadoria, cuja troca, compra e venda permitem aos
diferentes produtores Individuais satisfazer suas diversas necessidades. E
Isso era o que acontecia na Idade Média. O camponês, por exemplo,
vendia ao artesão os produtos da terra, comprando-lhe em troca os artigos
elaborados em sua oficina. Nessa sociedade de produtores Isolados, de produtores
de mercadorias, veio a Introduzir-se mais tarde o novo modo de produção.
Em meio àquela divisão elementar do trabalho, sem plano nem
sistema, que imperava no seio de toda a sociedade, o novo modo de produção
implantou a divisão planificada do trabalho dentro de cada fábrica;
ao lado da produção individual surgiu a produção
social Os produtos de ambas eram vendidos no mesmo mercado e, portanto, a
preços aproximadamente iguais. Mas a organização planificada
podia mais que a divisão elementar do trabalho; as fábricas
em que o trabalho estava organizado socialmente elaboravam seus produtos mais
baratos que os pequenos produtores Isolados. A produção Individual
foi pouco a pouco sucumbindo em todos os campos e a produção
social revolucionou todo o antigo modo de produção. Contudo,
esse caráter revolucionário passava despercebido; tão
despercebido que, pelo contrário, se Implantava com a única
e exclusiva finalidade de aumentar e fomentar a produção de
mercadorias. Nasceu diretamente ligada a certos setores de produção
e troca de mercadorias que já vinham funcionando: o capital comercial,
a indústria artesanal e o trabalho assalariado. E já que surgia
como uma nova forma de produção de mercadorias, mantiveram-se
em pleno vigor sob ela as formas de apropriação da produção
de mercadorias.

Na produção de mercadorias, tal como se havia desenvolvido
na Idade Média, não podia surgir o problema de a quem pertencer
os produtos do trabalho. O produtor individual criava-os, geralmente, com
matérias-primas de sua propriedade, produzidas não poucas vezes
por ele mesmo, com seus próprios meios de trabalho e elaborados com
seu próprio trabalho manual ou de sua família. Não necessitava,
portanto, apropriar-se deles, pois já eram seus pelo simples fato de
produzi-los. A propriedade dos produtos baseava-se, pois, no trabalho pessoal.
E mesmo naqueles casos em que se empregava a ajuda alheia, esta era, em regra,
acessória, e recebia freqüentemente, além do salário,
outra compensação: o aprendiz e o oficial das corporações
não trabalhavam menos pelo salário e pela comida do que para
aprender a chegar a ser mestres algum dia. Sobrevêm a concentração
dos meios de produção em grandes oficinas e manufaturas, sua
transformação em meios de produção realmente sociais.
Entretanto, esses meios de produção e seus produtos sociais
foram considerados como se continuassem a ser o que eram antes: meios de produção
e produtos individuais. E se até aqui o proprietário dos meios
de trabalho se apropriara dos produtos, porque eram, geralmente, produtos
seus e a ajuda constituía uma exceção, agora o proprietário
dos meios de trabalho continuava apoderando-se do produto, embora já
não fosse um produto seu, mas fruto exclusivo do trabalho alheio. Desse
modo, os produtos, criados agora socialmente, não passavam a ser propriedade
daqueles que haviam posto realmente em marcha os meios de produção
e eram realmente seus criadores, mas do capitalista. Os meios de produção
e a produção foram convertidos essencialmente em fatores sociais.
E, no entanto, viam-se submetidos a uma forma do apropriação
que pressupõe a produção privada Individual, Isto é,
aquela em que cada qual é dono de seu próprio produto e, como
tal, comparece com ele ao mercado. O modo de produção se vê
sujeito a essa forma de apropriação apesar de destruir o pressuposto
sobre o qual repousa (8) Nessa contradição, que imprime ao novo
modo de produção o seu caráter capitalista, encerra-se
em germe, todo o conflito dos tempos atuais. E quanto mais o novo modo de
produção se impõe e impera em todos os campos fundamentais
da produção e em todos os países economicamente importantes,
afastando a produção individual, salvo vestígios insignificantes,
maior é a evidência com que se revela a incompatibilidade entre
a produção social e a apropriação capitalista.

Os primeiros capitalistas já se encontraram, como ficou dito, com
a forma do trabalho assalariado. Mas como exceção, como ocupação
secundária, como simples ajuda, como ponto de transição.
O lavrador que saía de quando em vez para ganhar uma diária,
tinha seus dois palmos de terra própria, graças às quais,
em caso extremo, podia viver. Os regulamentos das corporações
velavam para que os oficiais de hoje se convertessem amanhã em mestres.
Mas, logo que os meios de produção adquiriram um caráter
social e se concentraram em mãos dos capitalistas, as coisas mudaram.
Os meios de produção e os produtos do pequeno produtor individual
foram sendo cada vez mais depreciados, até que a esse pequeno produtor
não ficou outro recurso senão ganhar um salário pago
pelo capitalista. O trabalho assalariado, que era antes exceção
e mera ajuda, passou a ser regra e forma fundamental de toda a produção,
e o que era antes ocupação acessória se converte em ocupação
exclusiva do operário. O operário assalariado temporário
transformou-se em operário assalariado para toda a vida. Ademais, a
multidão desses para sempre assalariados vê-se engrossada em
proporções gigantescas pela derrocada simultânea da ordem
feudal, pela dissolução das mesnadas (9) dos senhores feudais,
a expulsão dos camponeses de suas terras, etc.

Realizara-se o completo divórcio entre os meios de produção
concentrados nas mãos dos capitalistas, de um lado, e, de outro lado,
os produtores que nada possuíam além de sua própria força
de trabalho. A contradição entre a produção social
e a apropriação capitalista reveste a forma de antagonismo entre
o proletariado e a burguesia.

Vimos que o modo de produção capitalista Introduziu-se numa
sociedade de produtores de mercadorias, de produtores Individuais, cujo vinculo
social era o intercâmbio de seus produtos. Mas toda sociedade baseada
na produção de mercadorias apresenta a particularidade de que
nela os produtores perdem o comando sobre suas próprias relações
sociais. Cada qual produz para si, com os meios de produção
de que consegue dispor, e para as necessidades de seu intercâmbio privado.
Ninguém sabe qual a quantidade de artigos do mesmo tipo que os demais
lançam no mercado, nem da quantidade que o mercado necessita; ninguém
sabe se seu produto Individual corresponde a uma demanda efetiva, nem se poderá
cobrir os gastos, nem sequer, em geral, se poderá vendê-lo. A
anarquia Impera na produção social. Mas a produção
de mercadorias tem, como toda forma de produção, suas leis características,
próprias e Inseparáveis dela; e essas leis abrem caminho apesar
da anarquia, na própria anarquia e através dela. Tomam corpo
na única forma de enlace social que subsiste: na troca, e se Impõem
aos produtores Individuais sob a forma das leis Imperativas da concorrência.
A principio, esses produtores as Ignoram, e é preciso que uma larga
experiência vá revelando-as, pouco a pouco. Impõem-se,
pois, sem os produtores, e mesmo contra eles, como leis naturais cegas que
presidem essa forma de produção. O produto Impera sobre o produtor.

Na sociedade medieval, e sobretudo em seus primeiros séculos, a produção
destinava-se principalmente ao consumo próprio, a satisfazer apenas
às necessidades do produtor e sua família. E onde, como acontecia
no campo, subsistiam relações pessoais de vassalagem, contribuía
também para satisfazer às necessidades do senhor feudal. Não
se produzia, pois, nenhuma troca, nem os produtos revestiam, portanto, o caráter
de mercadorias. A família do lavrador produzia quase todos os objetos
de que necessitava: utensílios, roupas e viveres. Só começou
a produzir mercadorias quando começou a criar um excedente de produtos,
depois de cobrir suas próprias necessidades e os tributos em espécie
que devia pagar ao senhor feudal; esse excedente, lançado no intercâmbio
social, no mercado, para sua venda, converteu-se em mercadoria. Os artesãos
das cidades, por certo, tiveram que produzir para o mercado desde o primeiro
momento. Mas também elaboravam eles próprios a maior parte dos
produtos de que necessitavam para seu consumo; tinham suas hortas e seus pequenos
campos, apascentavam seu gado nos campos comunais, que lhes forneciam também
madeira e lenha; suas mulheres fiavam o linho e a lã, etc.

A produção para a troca, a produção de mercadorias,
achava-se em seu inicio. Por Isso o intercâmbio era limitado, o mercado
era reduzido, o modo de produção era estável. Em face
do exterior imperava o exclusivismo local; no interior, a associação
local: a Marca no campo, as corporações nas cidades.

Mas ao estender-se a produção de mercadorias e, sobretudo,
ao aparecer o modo capitalista de produção, as leis da produção
de mercadorias, que até aqui haviam apenas dado sinais de vida, passam
a funcionar de maneira aberta e p0-dêrosa. As antigas associações
começam a perder força, as antigas fronteiras vão caindo
por terra, os produtores vão convertendo-se mais e mais em produtores
de mercadorias independentes e isolados. A anarquia da produção
social sai à luz e se aguça cada vez mais. Mas o instrumento
principal com que o modo de produção capitalista fomenta essa
anarquia na produção social é precisamente o Inverso
da anarquia: a crescente organização da produção
com caráter social, dentro de cada estabelecimento de produção.
Por esse meio, põe fim à velha estabilidade pacifica. Onde se
implanta num ramo industrial, não tolera a seu lado nenhum dos velhos
métodos. Onde se apodera da indústria artesanal, ela a destrói
e aniquila. O terreno de trabalho transforma-se num campo de batalha. As grandes
descobertas geográficas e as empresas de colonização
que as acompanham multiplicam os mercados e aceleram o processo de transformação
de oficina do artesão em manufatura. E a luta não eclode somente
entre os produtores locais isolados; as contendas locais não adquirem
envergadura nacional, e surgem as guerras comerciais dos séculos XVII
e XVIII (10). Até que, por fim, a grande indústria e a implantação
do mercado mundial dão caráter universal à luta, ao mesmo
tempo que lhe imprimem uma inaudita violência.

Tanto entre os capitalistas individuais como entre industriais e países
inteiros, a primazia das condições – natural ou artificialmente
criadas – da produção decide a luta pela existência. O
que sucumbe é esmagado sem piedade. É a luta darwinista da existência
individual transplantada, com redobrada fúria, da natureza para a sociedade.
As condições naturais de vida da besta convertem-se no ponto
culminante do desenvolvimento humano. A contradição entre a
produção social e a apropriação capitalista manifesta-se
agora como antagonismo entre a organização da produção
dentro de cada fábrica e a anarquia da produção no seio
de toda a sociedade.

O modo capitalista de produção move-se nessas duas formas
da contradição a ele inerente por suas próprias origens,
descrevendo sem apelação aquele "círculo vicioso"
já revelado por Fourier. Mas o que Fourier não podia ver ainda
em sua época é que esse círculo se vai reduzindo gradualmente,
que o movimento se desenvolve em espiral e tem de chegar necessariamente ao
seu fira, como o movimento dos planetas. chocando-se com o centro. É
a força propulsora da anarquia social da produção que
converte a Imensa maioria dos homens, cada vez mais marcadamente, em proletários,
e essas massas proletárias serão, por sua vez, as que, afinal,
porão fim à anarquia da produção É a força
propulsora da anarquia social da produção que converte a capacidade
infinita de aperfeiçoamento das máquinas num preceito imperativo,
que obriga todo capitalista industrial a melhorar continuamente a sua maquinaria,
sob pena de perecer. Mas melhorar a maquinaria equivale a tornar supérflua
uma massa de trabalho humano. E assim como a implantação e o
aumento quantitativo da maquinaria trouxeram consigo a substituição
de milhões de operários manuais por um número reduzido
de operários mecânicos, seu aperfeiçoamento determina
a eliminação de um número cada vez maior de operários
das máquinas e, em última instância, a criação
de uma massa de operários disponíveis que ultrapassa a necessidade
média de ocupação do capital, de um verdadeiro exército
industrial de reserva, como eu já o chamara em 1845 (11), de um exército
de trabalhadores disponíveis para as épocas em que a indústria
trabalha a pleno vapor e que logo nas crises que sobrevêm necessariamente
depois desses períodos, é lançado às ruas, constituindo
a todo momento uma grilheta amarrada aos pés da classe trabalhadora
em sua luta pela existência contra o capital e um regulador para manter
os salários no nível baixo correspondente às necessidades
do capitalista. Assim, para dizê-lo com Marx, a maquinaria converteu-se
na mais poderosa arma do capital contra a classe operária, um meio
de trabalho que arranca constantemente os meios de vida das mãos do
operário, acontecendo que o produto do próprio operário
passa a ser o instrumento de sua escravização. Desse modo, a
economia nos meios de trabalho leva consigo, desde o primeiro momento, o mais
impiedoso desperdício da força de trabalho e a espoliação
das condições normais da função mesma do trabalho.
E a maquinaria, o recurso mais poderoso que se pôde criar para reduzir
a jornada de trabalho, converte-se no mais infalível recurso para converter
a vida inteira do operário e de sua família numa grande jornada
disponível para a valorização do capital; ocorre, assim,
que o excesso de trabalho de uns é a condição determinante
da carência de trabalho de outros, e que a grande indústria,
lançando-se pelo mundo inteiro, em desabalada carreira, à conquista
de novos consumidores, reduz em sua própria casa o consumo das massas
a um mínimo de fome e mina com isso o seu próprio mercado interno.
"A lei que mantém constantemente o excesso relativo de população
ou exército industrial de reserva em equilíbrio com o volume
e a intensidade da acumulação do capital amarra o operário
ao capital com ataduras mais fortes do que as cunhas com que Vulcano cravou
Prometeu no rochedo. Isso dá origem a que a acumulação
do capital corresponda a uma acumulação igual de miséria.
A acumulação de riqueza em um dos polos determina no polo oposto,
no polo da classe que produz o seu próprio produto como capital, uma
acumulação igual de miséria, de tormentos de trabalho,
de escravidão, de ignorância, de embrutecimento e de degradação
moral." (Marx, O Capital, t. 1, cap. XXIII) E esperar do modo capitalista
de produção uma distribuição diferente dos produtos
seria o mesmo que esperar que os dois eletrodos de uma bateria, enquanto conectados
com ela, não decomponham a água nem engendrem oxigênio
no polo positivo e hidrogênio no polo negativo.

Vimos que a capacidade de aperfeiçoamento da maquinaria moderna,
levada a seu limite máximo, converte-se, em virtude da anarquia da
produção dentro da sociedade num preceito imperativo que obriga
os capitalistas industriais, cada qual por si, a melhorar incessantemente
a sua maquinaria, a tornar sempre mais poderosa a sua força de produção.
Não menos imperativo é o preceito em que se converte para ele
a mera possibilidade efetiva de dilatar sua órbita de produção.
A enorme força de expansão da grande indústria, a cujo
lado a expansão dos gases é uma brincadeira de crianças,
revela-se hoje diante de nossos olhos como uma necessidade qualitativa e quantitativa
de expansão, que zomba de todos os obstáculos que se lhe deparam.
Esses obstáculos são os que lhe opõem o consumo, a saída,
os mercados de que os produtos da grande indústria necessitam. Mas
a capacidade extensiva e intensiva de expansão dos mercados obedece,
por sua vez, a leis muito diferentes e que atuam de uma maneira muito menos
enérgica. A expansão dos mercados não podo desenvolver-se
ao mesmo ritmo que a da produção. A colisão torna-se
inevitável, e como é impossível qualquer solução
senão fazendo-se saltar o próprio modo capitalista de produção,
essa colisão torna-se periódica. A produção capitalista
engendra um novo "círculo vicioso".

Com efeito, desde 1825, ano em que estalou a primeira crise geral, não
se passam dez anos seguidos sem que todo o mundo industrial e comercial, a
distribuição e a troca de todos os povos civilizados e de seu
séquito de países mais ou menos bárbaros, saia dos eixos.
O comércio é paralisado, os mercados são saturados de
mercadorias, os produtos apodrecem nos armazéns abarrotados, sem encontrar
saída; o dinheiro torna-se invisível; o crédito desaparece;
as fábricas param; as massas operárias carecem de meios de subsistência
precisamente por tê-los produzido em excesso, as bancarrotas e falências
se sucedem. O paradeiro dura anos inteiros, as forças produtivas e
os produtos são malbaratados e destruidos em massa até que,
por fim, os estoques de mercadorias acumuladas, mais ou menos depreciadas,
encontram saida, e a produção e a troca se vão reanimando
pouco a pouco. Paulatinamente, a marcha se acelera, a andadura converte-se
em trote, o trote industrial em galope e, finalmente, em carreira desenfreada,
num steeplechase (12) da indústria, do comércio, do crédito,
da especulação, para terminar, por fim, depois dos saltos mais
arriscados, na fossa de um crack. E assim, sucessivamente. Cinco vezes repete-se
a mesma história desde 1825, e presentemente (1877) estamos vivendo-a
pela sexta vez. E o caráter dessas crises é tão nítido
e tão marcante que Fourier as abrangia todas ao descrever a primeira,
dizendo que era uma crise plétorique, uma crise nascida da superabundância.

Nas crises estala em explosões violentas a contradição
entre a produção social e a apropriação capitalista.

A circulação de mercadoria fica, por um momento, paralisada.
O meio de circulação, o dinheiro, convertese num obstáculo
para a circulação; todas as leis da produção e
da circulação das mercadorias viram pelo avesso. O conflito
econômico atinge seu ponto culminante: o modo de produção
rebela-se contra o modo de distribuição.

O fato de que a organização social da produção
dentro das fábricas se tenha desenvolvido até chegar a um ponto
em que passou a ser inconciliável com a anarquia – coexistente com
ela e acima dela – da produção na sociedade é um rato
que se revela palpavelmente aos próprios capitalistas pela concentração
violenta dos capitais, produzida durante as crises à custa da ruína
de numerosos grandes e, sobretudo, pequenos capitalistas. Todo o mecanismo
do modo de produção falha, esgotado pelas forças produtivas
que ele mesmo engendrou. Já não consegue transformar em capital
essa massa de meios de produção, que permanecem inativos, e
por isso precisamente deve permanecer também inativo o exército
industrial de reserva. Meios de produção, meios de vida, operários
em disponibilidade: todos os elementos da produção e da riqueza
geral existem em excesso. Mas a "superabundância converte-se em
fonte de miséria e de penúria" (Fourier), já que
é ela, exatamente, que impede a transformação dos meios
de produção e de vida em capital, pois na sociedade capitalista
os meios de produção não podem pôr-se em movimento
senão transformando-se previamente em capital, em meio de exploração
da força humana de trabalho. Esse imprescindível caráter
de capital dos meios de produção ergue-se como um espectro entre
eles e a classe operária. É isso o que impede que se engrenem
a alavanca material e a alavanca pessoal da produção; é
o que não permite aos meios de produção funcionar nem
aos operários trabalhar e viver. De um lado, o modo capitalista de
produção revela, pois, sua própria incapacidade para
continuar dirigindo suas forças produtivas. De outro lado, essas forças
produtivas compelem com uma intensidade cada vez maior no sentido de que resolva
a contradição, de que sejam redimidas de sua condição
de capital, de que seja efetivamente reconhecido o seu caráter de forças
produtivas sociais.

É essa rebelião das forças de produção,
cada vez mais imponentes, contra a sua qualidade de capital, essa necessidade
cada vez mais imperiosa de que se reconheça o seu caráter social,
que obriga a própria classe capitalista a considerá-las cada
vez mais abertamente como forças produtivas sociais, na medida em que
é possível dentro das relações capitalistas. Tanto
os períodos de elevada pressão industrial, com sua desmedida
expansão do crédito, como o próprio crack, com o desmoronamento
de grandes empresas capitalistas, estimulam essa forma de socialização
de grandes massas de meios de produção que encontramos nas diferentes
categorias de sociedades anônimas. Alguns desses meios de produção
e de comunicação já são por si tão gigantescos
que excluem, como ocorre com as ferrovias, qualquer outra forma de exploração
capitalista. Ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento já
não basta tampouco essa forma; os grandes produtores nacionais de um
ramo Industrial unem-se para formar um truste, um consórcio destinado
a regular a produção; determinam a quantidade total que deve
ser produzida, dividem-na entre eles e impõem, desse modo, um preço
de venda de antemão fixado. Como, porém, esses trustes se desmoronam
ao sobrevirem os primeiros ventos maus nos negócios, conduzem com isso
a uma socialização ainda mais concentrada; todo o ramo industrial
converte-se numa única grande sociedade anônima, e a concorrência
interna dá lugar ao monopólio interno dessa sociedade única;
assim aconteceu já em 1890 com a produção inglesa de
álcalis, que na atualidade, depois da fusão de todas as quarenta
e oito grandes fábricas do país, é explorada por uma
só sociedade com direção única e um capital de
120 milhões de marcos.

Nos trustes, a livre concorrência transforma-se em monopólio
e a produção sem plano da sociedade capitalista capitula ante
a produção planificada e organizada da nascente sociedade socialista.
É claro que, no momento, em proveito e benefício dos capitalistas.
Mas aqui a exploração torna-se tão patente, que tem forçosamente
de ser derrubada. Nenhum povo toleraria uma produção dirigida
pelos trustes, uma exploração tão descarada da coletividade
por uma pequena quadrilha de cortadores de cupões.

De um modo ou de outro, com ou sem trustes, o representante oficial da sociedade
capitalista, o Estado, tem que acabar tomando a seu cargo o comando da produção
(13) A necessidade a que corresponde essa transformação de certas
empresas em propriedade do Estado começa a manifestar-se nas. grandes
empresas de transportes e comunicações, tais como o correio,
o telégrafo e as ferrovias.

Além da incapacidade da burguesia para continuar dirigindo as forças
produtivas modernas que as crises revelam, a transformação das
grandes empresas de produção e transporte em sociedades anônimas,
trustes e em propriedade do’ Estado demonstra que a burguesia já não
é indispensável para o desempenho dessas funções.
Hoje, as funções sociais do capitalista estão todas a
cargo de empregados assalariados, e toda a atividade social do capitalista
se reduz a cobrar suas rendas, cortar seus cupões e jogar na bolsa,
onde os capitalistas de toda espécie arrebatam, uns aos outro, os seus
capitais. E se antes o modo capitalista de produção deslocava
os operários, agora desloca também os capitalistas, lançando-os,
do mesmo modo que aos operários, entre a população excedente;
embora, por enquanto ainda não no exército industrial de reserva.

Mas as forças produtivas não perdem sua condição
de capital ao converter-se em propriedade das sociedades anônimas e
dos trustes ou em propriedade do Estado. No que se refere aos trustes e sociedades
anônimas, é palpàvelmente claro. Por sua parte, o Estado
moderno não é tampouco mais que uma organização
criada pela sociedade burguesa para defender as condições exteriores
gerais do modo capitalista de produção contra os atentados,
tanto dos operários como dos capitalistas isolados. O Estado moderno,
qualquer que seja a sua forma, é uma máquina essencialmente
capitalista, é o Estado dos capitalistas, o capitalista coletivo Ideal.
E quanto mais forças produtivas passe à sua propriedade tanto
mais se converterá em capitalista coletivo e tanto maior quantidade
de cidadãos explorará. Os operários continuam sendo operários
assalariados, proletários. A relação capitalista, longe
de ser abolida com essas medidas, se aguça. Mas, ao chegar ao cume,
esboroa-se. A propriedade do Estado sobre as forças produtivas não
é solução do conflito, mas abriga já em seu seio
o meio formal, o instrumento para chegar à solução.

Essa solução só pode residir em ser reconhecido de
um modo efetivo o caráter social das forças produtivas modernas
e, portanto, em harmonizar o modo de produção, de apropriação
e de troca com o caráter social dos meios de produção.
Para isso, não há senão um caminho: que a sociedade,
abertamente e sem rodeios, tome posse dessas forças produtivas, que
já não admitem outra direção a não ser
a sua.

Assim procedendo, o caráter social dos meios de produção
e dos produtos, que hoje se volta contra os próprios próprios
produtores, rompendo periodicamente as fronteiras do modo de produção
e de troca, e só pode impor-se com uma força e eficácia
tão destruidoras como o impulso cego das leis naturais, será
posto em vigor com plena consciência pelos produtores e se converterá,
de causa constante de perturbações e cataclismas periódicos,
na alavanca mais poderosa da própria produção.

As forças ativas da sociedade atuam, enquanto não as conhecemos
e contamos com elas, exatamente como as forças da natureza: de modo
cego violento e destruidor. Mas, uma vez conhecidas, logo que se saiba compreender
sua ação, suas tendências e seus efeitos, está
em nossas mãos o sujeitá-las cada vez mais à nossa vontade
e, por meio delas, alcançar os fins propostos. Tal é o que ocorre,
muito especialmente, com as gigantescas forças modernas da produção.
Enquanto resistirmos obstinadamente a compreender sua natureza e seu caráter
– e a essa compreensão se opõem o modo capitalista de produção
e seus defensores -, essas forças atuarão apesar de nós,
e nos dominarão, como bem ressaltamos. Em troca, assim que penetramos
em sua natureza, essas forças, postas em mãos dos produtores
associados, se converterão de tiranos demoníacos em servas submissas.
É a mesma diferença que há entre o poder maléfico
da eletricidade nos raios da tempestade e o poder benéfico da força
elétrica dominada no telégrafo e no arco voltaico; a diferença
que há entre o fogo destruidor e o fogo posto a serviço do homem.
O dia em que as forças produtivas da sociedade moderna se submeterem
ao regime congruente com a sua natureza por fim conhecida, a anarquia social
da produção deixará o seu posto à regulamentação
coletiva e organizada da produção, de acordo com as necessidades
da sociedade e do indivíduo. E o regime capitalista de apropriação,
em que o produto escraviza primeiro quem o cria e, em seguida, a quem dele
se apropria, será substituído pelo regime de apropriação
do produto que o caráter dos modernos meios de produção
está reclamando: de um lado, apropriação diretamente
social, como meio para manter e ampliar a produção; de outro
lado, apropriação diretamente individual, como meio de vida
e de proveito.

O modo capitalista de produção, ao converter mais e mais em
proletários a imensa maioria dos indivíduos de cada pais, cria
a força que, se não quiser perecer, está obrigada a fazer
essa revolução. E, ao forçar cada vez mais a conversão
dos grandes meios socializados de produção em propriedade do
Estado, já indica por si mesmo o caminho pelo qual deve produzir-se
essa revolução. O proletariado toma em suas mãos o Poder
do Estado e principia por converter os meios de produção em
propriedade do Estado. Mas, nesse mesmo ato, destrói-se a si próprio
como proletariado, destruindo toda diferença e todo antagonismo de
classes, e com isso o Estado como tal. A sociedade, que se movera até
então entre antagonismos de classe, precisou do Estado, ou seja, de
uma organização da classe exploradora correspondente para manter
as condições externas de produção e, portanto,
particularmente, para manter pela força a classe explorada nas condições
de opressão (a escravidão, a servidão ou a vassalagem
e o trabalho assalariado), determinadas pelo modo de produção
existente. O Estado era o representante oficial de toda a sociedade, sua síntese
num corpo social visível; mas o era só como Estado que, em sua
época, representava toda a sociedade: na antiguidade era o Estado dos
cidadãos escravistas, na Idade Média o da nobreza feudal; em
nossos tempos, da burguesia. Quando o Estado se converter, finalmente, em
representante efetivo de toda a sociedade, tornar-se-á por si mesmo
supérfluo. Quando já não existir nenhuma classe social
que precise ser submetida; quando desaparecerem, juntamente com a dominação
de classe, juntamente com a luta pela existência individual, engendrada
pela atual anarquia da produção, os choques e os excessos resultantes
dessa luta, nada mais haverá para reprimir, nem haverá necessidade,
portanto, dessa força especial de repressão que é o Estado.

O primeiro ato em que o Estado se manifesta efetivamente como representante
de toda a sociedade – a posse dos meios de produção em nome
da sociedade – é ao mesmo tempo o seu último ato independente
corno Estado. A intervenção da autoridade do Estado nas relações
sociais tornar-se-á supérflua num campo após outro da
vida social e cessará por si mesma. O governo sobre as pessoas é
substituído pela administração das coisas e pela direção
dos processos de produçâo. O Estado não será "abolido",
extingue-se. É partindo daí que se pode julgar o valor do falado
"Estado popular livre" no que diz respeito à sua justificação
provisória como palavra de ordem de agitação e no que
se refere à sua falta de fundamento científico. É também
partindo daí que deve ser considerada a exigência dos chamados
anarquistas de que o Estado seja abolido da noite para o dia.

Desde que existe historicamente o modo capitalista de produção,
houve indivíduos e seitas inteiras diante dos quais se projetou mais
ou menos vagamente, como ideal futuro, a apropriação de todos
os meios de produção pela sociedade. Mas, para que isso fosse
realizável, para que se convertesse numa necessidade histórica,
fazia-se preciso que se dessem antes as condições efetivas para
a sua realização. A fim de que esse progresso, como todos os
progressos sociais, seja viável, não basta ser compreendido
pela razão que a existência de classes é incompatível
com os ditames da justiça, da Igualdade, etc.; não basta a simples
vontade de abolir essas classes – mas são necessárias determinadas
condições econômicas novas. A divisão da sociedade
em uma classe exploradora e outra explorada, em uma classe dominante e outra
oprimida, era uma conseqüência necessária do anterior desenvolvimento
incipiente da produção.

Enquanto o trabalho global da sociedade der apenas o estritamente necessário
para cobrir as necessidades mais elementares de todos, e talvez um pouco mais;
enquanto, por isso, o trabalho absorver todo’ o tempo, ou quase todo o tempo,
da imensa maioria dos membros da sociedade, esta se divide, necessariamente,
em classes. Junto à grande maioria constrangida a não fazer
outra coisa senão suportar a carga do trabalho, forma-se uma classe
que se exime do trabalho diretamente produtivo e a cujo cargo’ correm os assuntos
gerais da sociedade: a direção dos trabalhos, os negócios
públicos, a justiça, as ciências, as artes, etc., É,
pois, a lei da divisão do trabalho que serve de base à divisão
da sociedade em classes. O que não impede que essa divisão da
sociedade em classes se realize por meio da violência e a espoliação,
a astúcia e o logro; nem quer dizer que a classe dominante, uma vez
entronizada, se abstenha de consolidar o seu poderio à custa da classe
trabalhadora, transformando seu papel social de direção numa
maior exploração das massas.

Vemos, pois, que a divisão da sociedade em classes tem sua razão
histórica de ser, mas só dentro de determinados limites de tempo,
sob determinadas condições sociais. Era condicionada pela insuficiência
da produção, e será varrida quando se desenvolverem plenamente
as modernas forças produtivas. Com efeito, a abolição
das classes sociais pressupõe um grau histórico de desenvolvimento
tal que a existência, já não dessa ou daquela classe dominante
concreta, mas de uma classe dominante qualquer que seja ela, e, portanto,
das próprias diferenças de classe representa um anacronismo.
Pressupõe, por conseguinte, um grau culminante no desen~o1vi-mento
da produção em que a apropriação dos meios de
produção e dos produtos e, portanto, do poder político,
do monopólio da cultura e da direção espiritual por uma
determinada classe da sociedade, não só se tornou de fato supérfluo,
mas constitui econômica, política e intelectualmente uma barreira
levantada ante o progresso. Pois bem, já se chegou a esse ponto. Hoje,
a bancarrota política e intelectual da burguesia não é
mais um segredo nem para ela mesma e sua bancarrota econômica é
um fenômeno que se repete periodicamente de dez em dez anos. Em cada
uma dessas crises a sociedade se asfixia, afogada pela massa de suas próprias
forças produtivas e de seus produtos, aos quais não pode aproveitar
e, impotente, vê-se diante da absurda contradição de que
os seus produtores não tenham o que consumir, por falta precisamente
de consumidores. A força expansiva dos meios de produção
rompe as ataduras com que são submetidos pelo modo capitalista de produção,
Só essa libertação dos meios de produção
é que pode permitir o desenvolvimento ininterrupto e cada vez mais
rápido das forças produtivas e, com isso, o crescimento praticamente
ilimitado da produção. Mas não- é apenas isso.
A apropriação social dos meios de produção não
só elimina os obstáculos artificiais hoje antepostos à
produção, mas põe termo também ao desperdício
e à devastação das forças produtivas e dos produtos,
uma das conseqüências inevitáveis da produção
atual e que alcança seu ponto culminante durante as crises. Ademais,
acabando-se com o parvo desperdício do luxo das classes dominantes
e seus representantes políticos, será posta em circulação
para a coletividade toda uma massa de meios de produção e de
produtos. Pela primeira vez, surge agora, e surge de um modo efetivo, a possibilidade
de assegurar a todos os membros da sociedade, através de um sistema
de produção social, uma existência que, além de
satisfazer plenamente e ceda dia mais abundantemente suas necessidades materiais,
lhes assegura o livre e completo desenvolvimento e exercício de suas
capacidades físicas e intelectuais (14).

Ao apossar-se a sociedade dos meios de produção cessa a produção
de mercadorias e, com ela, o domínio do produto sobre os produtores.
A anarquia reinante no seio da produção social cede o lugar
a uma organização planejada e consciente. Cessa a luta pela
existência individual e, assim, em certo sentido, o homem sal definitivamente
do reino animal e se sobrepõe às condições animais
de existência, para submeter-se a condições de vida verdadeiramente
humanas. As condições que cerca o homem e até agora o
dominam, colocam-se, a partir desse instante, sob seu domínio e seu
comando e o homem, ao tomar-se dono e senhor de suas próprias relações
sociais, converte-se pela primeira vez em senhor consciente e efetivo da natureza.
As leis de sua própria atividade social, que até agora se erguiam
frente ao homem como leis naturais, como poderes estranhos que o submetiam
a seu império, são agora aplicadas por ele com pleno conhecimento
de causa e, portanto, submetidas a seu poderio. A própria existência
social do homem, que até aqui era enfrentada como algo imposto pela
natureza e a história, é de agora em diante obra livre sua.
Os poderes objetivos e estranhos que até aqui vinham imperando na história
colocam-se sob o controle do próprio homem. Só a partir de então,
ele começa a traçar a sua história com plena consciência
do que faz. E só daí em diante as causas sociais postas em ação
por ele começam a produzir predominantemente, e cada vez em maior medida,
os efeitos desejados. É o salto da humanidade do reino da necessidade
para o reino da liberdade.

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