Cantos do Ermo da Cidade

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Visões da Noite

O Canto dos Sabiás

Fagundes Varela

Eu Amo a Noite

Eu amo a noite quando deixa os montes,
Bela, mas bela de um horror sublime,
E sobre a face dos desertos quedos
Seu régio selo de mistério imprime.

Amo o sinistro ramalhar dos cedros
Ao rijo sopro da tormenta infrene,
Quando antevendo a inevitável queda
Mandam aos ermos um adeus solene.

Amo os penedos escarpados onde
Desprende o abutre o prolongado pio,
E a voz medonha do caimã disforme
Por entre os juncos de lodoso rio.

Amo os lampejos verde-azuis, funéreos,
Que às horas mortas erguem-se da terra
E enchem de susto o viajante incauto
No cemitério de sombria serra.

Amo o silêncio, os areais extensos,
Os vastos brejos e os sertões sem dia,
Porque meu seio como a sombra é triste,
Porque minh’alma é de ilusões vazia.
Amo o furor do vendaval que ruge,
Das asas densas sacudindo o estrago,
Silvos de balas, turbilhões de fumo,
Tribos de corvos em sangrento lago.

Amo as torrentes que da chuva túmidas
Lançam aos ares um rumor profundo,
Depois raivosas, carcomendo as margens,
Vão dos abismos pernoitar no fundo.

Amo o pavor das soledades, quando
Rolam as rochas da montanha erguida,
E o fulvo raio que flameja e tomba
Lascando a cruz da solitária ermida.

Amo as perpétuas que os sepulcros ornam,
As rosas brancas desbrochando à lua,
Porque na vida não terei mais sonhos,
Porque minh’alma é de esperanças nua.

Tenho um desejo de descanso, infindo,
Negam-me os homens; onde irei achá-lo?
A única fibra que ao prazer ligava-me
Senti partir-se ao derradeiro abalo!…

Como a criança, do viver nas veigas,
Gastei meus dias namorando as flores,
Finos espinhos os meus pés rasgaram,
Pisei-os ébrio de ilusões e amores.

Cendal espesso me vendava os olhos,
Doce veneno lhe molhava o nó…
Ai! minha estrela de passadas eras,
Por que tão cedo me deixaste só?

Sem ti, procuro a solidão e as sombras
De um céu toldado de feral caligem,
E gasto as horas traduzindo as queixas
Que à noite partem da floresta virgem.

Amo a tristeza dos profundos mares,
As águas torvas de ignotos rios,
E as negras rochas que nos plainos zombam
Da insana fúria dos tufões bravios.

Tenho um deserto de amarguras nalma,
Mas nunca a fronte curvarei por terra!…
Ah! tremo às vezes ao tocar nas chagas,
Nas vivas chagas que meu peito encerra!

A Volta

A casa era pequenina…
Não era? Mas tão bonita
Que teu seio inda palpita
Lembrando dela, não é?

Queres voltar? Eu te sigo;
Eu amo o ermo profundo…
A paz que foge do mundo
Preza os tetos de sapê.

Bem vejo que tens saudades…
Não tens? Pobre passarinho!
De teu venturoso ninho
Passaste à dura prisão!

Vamos, as matas e os campos
Estão cobertos de flores,
Tecem mimosos cantores
Hinos à bela estação.

E tu mais bela que as flores…
Não cores… aos almos cantos
Ajuntarás os encantos
De teu gorjeio infantil.

Escuta, filha, a estas horas,
Que a sombra deixa as alturas,
Lá cantam as saracuras
Junto aos lagos cor de anil…

Os vaga-lumes em bando
Correm sobre a relva fria,
Enquanto o vento cicia
Na sombra dos taquarais…

E os gênios que ali vagueiam,
Mirando a casa deserta,
Repetem de boca aberta:
Acaso não virão mais?

Mas, nós iremos, tu queres,
Não é assim? Nós iremos;
Mais belos reviveremos
Os belos sonhos de então.
E, à noite, fechada a porta,
Tecendo planos de glórias,
Contaremos mil histórias,
Sentados junto ao fogão.

A Despedida

I

Filha dos cerros onde o sol se esconde,
Onde brame o jaguar e a pomba chora,
São horas de partir, desponta a aurora,
Deixa-me que te abrace e que te beije.

Deixa-me que te abrace e que te beije,
Que sobre o teu meu coração palpite,
E dentro dalma sinta que se agite
Quanto tenho de teu impresso nela.

Quanto tenho de teu impresso nela,
Risos ingênuos, prantos de criança,
E esses tão lindos planos de esperança
Que a sós na solidão traçamos juntos.

Que a sós na solidão traçamos juntos,
Sedentos de emoções, ébrios de amores,
Idólatras da luz e dos fulgores
De nossa mãe sublime, a natureza!

De nossa mãe sublime, a natureza,
Que nossas almas numa só fundira,
E a inspiração soprara-me na lira
Muda, arruinada nos mundanos cantos.
Muda, arruinada nos mundanos cantos,
Mas hoje bela e rica de harmonias,
Banhada ao sol de teus formosos dias,
Santificada à luz de teus encantos!

II

Adeus! Adeus! A estrela matutina
Pelos clarões da aurora deslumbrada
Apaga-se no espaço,
A névoa desce sobre os campos úmidos,
Erguem-se as flores trêmulas de orvalho
Dos vales no regaço.

Adeus! Adeus! Sorvendo a aragem fresca,
Meu ginete relincha impaciente
E parece chamar-me…
Transpondo em breve o cimo deste monte,
Um gesto ainda, e tudo é findo! O mundo
Depois pode esmagar-me.

Não te queixes de mim, não me crimines,
Eu depus a teus pés meus sonhos todos,
Tudo o que era sentir!
Os algozes da crença e dos afetos
Em torno de um cadáver de ora em diante
Hão de embalde rugir.

Tu não mais ouvirás os doces versos
Que nas várzeas viçosas eu compunha,
Ou junto das torrentes;
Nem teus cabelos mais verás ornados,
Como a pagã formosa, de grinaldas
De flores rescendentes.

Verás tão cedo ainda esvaecida,
A mais linda visão de teus desejos,
Aos látegos da sorte!
Mas eu terei de Tântalo o suplício!
Eu pedirei repouso de mãos postas,
E será surda a morte!

Adeus! Adeus! Não chores, que essas lágrimas
Coam-me ao coração incandescentes,
Qual fundido metal!
Duas vezes na vida não se as vertem!
Enxuga-as, pois; se a dor é necessária,
Cumpra-se a lei fatal!

Conforto

Deixo aos mais homens a tarefa ingrata
De maldizer teu nome desditoso;
Por mim nunca o farei:
Como a estrela no céu vejo tu’alma,
E como a estrela que o vulcão não tolda,
Pura sempre a encontrei.

Dos juízos mortais toda a miséria
Nos curtos passos de uma curta vida
Também, também sofri,
Mas contente no mundo de mim mesmo,
Menos grande que tu, porém mais forte,
Das calúnias me ri.

A turba vil de escândalos faminta,
Que das dores alheias se alimenta
E folga sobre o pó,
Há de soltar um grito de triunfo,
Se vir de leve te brilhar nos olhos
Uma lágrima só.
Oh! Não chores jamais! A sede imunda,
Prantos divinos, prantos de martírio,
Não devem saciar…
O orgulho é nobre quando a dor o ampara,
E se lágrima verte é funda e vasta,
Tão vasta como o mar.

É duro de sofrer, eu sei, o escárnio
Dos seres mais nojentos que se arrastam
Ganindo sobre o chão,
Mas a dor majestosa que incendeia
Dos eleitos a fronte os vis deslumbra
Com seu vivo clarão.

Curve-se o ente imbele que, despido
De crenças e firmeza, implora humilde
O arrimo de um senhor,
O espírito que há visto a claridade
Rejeita todo o auxílio, rasga as sombras,
Sublime em seu valor.

Deixa passar a doida caravana,
Fica no teu retiro, dorme sem medo,
Da consciência à luz;
Livres do mundo um dia nos veremos,
Tem confiança em mim, conheço a senda
Que ao repouso conduz.

Visões da Noite

Passai, tristes fantasmas! O que é feito
Das mulheres que amei, gentis e puras?
Umas devoram negras amarguras,
Repousam outras em marmóreo leito!

Outras no encalço de fatal proveito
Buscam à noite as saturnais escuras,
Onde, empenhando as murchas formosuras,
Ao demônio do ouro rendem preito!

Todas sem mais amor! sem mais paixões!
Mais uma fibra trêmula e sentida!
Mais um leve calor nos corações!

Pálidas sombras de ilusão perdida,
Minh’alma está deserta de emoções,
Passai, passai, não me poupeis a vida!

O Canto dos Sabiás

Serão de mortos anjinhos
O cantar de errantes almas,
Dos coqueirais florescentes
A brincar nas verdes palmas,
Estas notas maviosas
Que me fazem suspirar?

São os sabiás que cantam
Nas mangueiras do pomar.

Serão os gênios da tarde
Que passam sobre as campinas,
Cingido o colo de opalas
E a cabeça de neblinas,
E fogem, nas harpas de ouro
Mansamente a dedilhar?

São os sabiás que cantam…
Não vês o sol declinar?

Ou serão talvez as preces
De algum sonhador proscrito,
Que vagueia nos desertos,
Alma cheia do infinito,
Pedindo a Deus um consolo
Que o mundo não pode dar?

São os sabiás que cantam…
Como está sereno o mar!

Ou, quem sabe? As tristes sombras
De quanto amei neste mundo,
Que se elevam lacrimosas
De seu túmulo profundo,
E vêm os salmos da morte
No meu desterro entoar?

São os sabiás que cantam…
Não gostas de os escutar?

Serás tu, minha saudade?
Tu, meu tesouro de amor?
Tu que às tormentas murchaste
Da mocidade na flor?
Serás tu? Vem, sê bem-vinda
Quero-te ainda escutar!

São os sabiás que cantam
Antes da noite baixar.

Mas ah! delírio insensato!
Não és tu, sombra adorada!
Não são cânticos de anjinhos,
Nem de falange encantada,
Passando sobre as campinas
Nas harpas a dedilhar!

São os sabiás que cantam
Nas mangueiras do pomar!

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