Afonso Arinos

Afonso Arinos de Melo Franco – Vida

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Filho de Afrânio de Melo Franco e de Sílvia Alvim de Melo Franco, nasceu em Belo Horizonte, no dia 27 de novembro de 1905.

De família com tradição intelectual, política e diplomática, destacou-se como escritor, jurista e professor, como deputado e senador, tendo sido ministro das Relações Exteriores do governo Jânio Quadros (1961) e no regime parlamentarista (1962).

Fez curso de formação no Colégio Pedro II, e diplomou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, em 1927.

De volta a Belo Horizonte, foi promotor de Justiça, e colaborou para o Diário de Minas, escrevendo sobre política internacional. Publicou seu primeiro livro, Responsabilidade Criminal das Pessoas Jurídicas, em 1930.

Em 1932, serviu na Delegação do Brasil à Conferência do Desarmamento, em Genebra. Em Belo Horizonte, dirigiu O Estado de Minas e o Diário da Tarde em 1933. No ano seguinte, fundou, com o irmão Virgílio, e dirigiu a Folha de Minas.

Em 1935, de retorno ao Rio de Janeiro, tornou-se assistente da Consultoria Jurídica do Banco do Brasil. Ocupou a cadeira de História do Brasil na Universidade do Distrito Federal em 1936.

Foi nomeado, em 1937, membro do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). Lecionou História do Brasil na Universidade de Montevidéu em 1938, Cultura Brasileira na Universidade de Paris (Sorbonne) em 1939, Literatura Brasileira na Universidade de Buenos Aires em 1944. Ensinara no Instituto Histórico e Geográfi co Brasileiro (IHGB) e no SPHAN, em 1938.

Em 1942, recebeu o Prêmio Biblioteca do Exército, pela obra Um soldado do Reino e do Império. A vida do Marechal Calado. Idealizador e signatário, em 1943, do manifesto Ao Povo Mineiro, que denunciava a contradição do Estado Novo em defender a democracia no plano internacional sem praticá-la no plano interno, foi demitido, por esse fato, do Banco do Brasil e de A Manhã, jornal do governo em que colaborava. Começou, então, a escrever para O Jornal, o Diário da Noite e o Diário de Notícias.

Em 1946, seria, também, professor de História do Brasil no Instituto Rio Branco. A Academia

Brasileira de Letras lhe outorgara o Prêmio José Veríssimo em 1943, pelo trabalho de introdução e notas às Cartas Chilenas, cuja autoria atribuiu a Tomás Antônio Gonzaga; em 1949, o faria outra vez, por seu livro História do Banco do Brasil.

Afonso Arinos assumiu, por concurso, a cadeira de Direito Constitucional na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, e, no ano seguinte, a mesma cátedra na Faculdade de Direito da Universidade do Brasil. Ainda em 1949, passara a integrar o Instituto Histórico e Geográfi co Brasileiro, e, em 1967, o Conselho Federal de Cultura.

Em 1958, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, e, em 1977, para a Academia Mineira de Letras, na vaga de Juscelino Kubitschek. Em 1962, havia assumido a direção da “Coleção Documentos Brasileiros”, da Livraria José Olympio.

Recebeu, em 1969, o Prêmio Jabuti, pelo livro de memórias Planalto. A publicação da biografi a de Rodrigues Alves ocasionou-lhe a eleição como Intelectual do Ano (Prêmio Juca Pato) em 1974.

Em 1978, foi agraciado com o Prêmio Golfi nho de Ouro, concedido pelo Estado da Guanabara, por seus trabalhos na área das Ciências Políticas. Professor emérito na Universidade Federal do Rio de Janeiro, teve sua atividade intelectual como jurista, historiador e literato amplamente reconhecida.

DEPUTADO E SENADOR

Na política, Afonso Arinos passou, do apoio inicial, à oposição a Getúlio Vargas, quando este começou a demonstrar sua vocação autocrática. Arinos defendeu a entrada do Brasil na segunda guerra mundial.

Com a derrubada do Estado Novo em outubro de 1945, concorreu a uma cadeira de deputado, por Minas Gerais, pela legenda da UDN (partido fundado para combater a ditadura do Estado Novo, por ele denominado União Democrática Nacional, e cujo manifesto inaugural redigiu com João Mangabeira) nas eleições para a Assembléia Constituinte.

Mas só a assumiu em 1947, sendo reconduzido por mais dois mandatos, até sua eleição para senador pelo Distrito Federal em 1958. Distinguiu-se como um dos parlamentares mais destacados, grande orador e membro atuante de várias comissões.

Apresentou, como deputado, o projeto de leicontra a discriminação racial (Lei Afonso Arinos, de 1951). Com a volta de Getúlio Vargas ao poder, Afonso tornou-se líder da oposição na Câmara dos Deputados.

No Senado, teve papel importante na adoção do regime parlamentar de governo, para dirimir a grave crise político-militar de 1961, ocasionada pela renúncia de Jânio Quadros à Presidência da República. Apoiou o movimento armado contra João Goulart em 1964, mas defendia o retorno à normalidade democrática.

Em 1966, fi ndo seu mandato como senador, por divergir dos rumos políticos do regime militar, Afonso Arinos retomou a atividade docente e literária até à década de oitenta. Passou a dirigir o Instituto de Direito Público e Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas em 1980.

Em 1985, a convite do presidente-eleito Tancredo Neves, confi rmado pelo presidente José Sarney, presidiu a Comissão de Estudos Constitucionais (Comissão Afonso Arinos), destinada a preparar o anteprojeto de Constituição democrática a ser oferecido à Assembléia que seria convocada para reconstitucionalizar o Brasil. Eleito senador, em 1986, para a Assembléia Nacional Constituinte, nela presidiu a Comissão de Sistematização.

MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES

Ministro das Relações Exteriores do governo Jânio Quadros em 1961, e também do gabinete Brochado da Rocha em 1962, Afonso Arinos foi o primeiro formulador da chamada política externa independente. Ele já havia representado o Brasil na X Conferência Interamericana (Caracas, 1954). Chefi ou a Delegação brasileira às XVI e XVII sessões da Assembléia Geral da ONU (Nova Yorque, 1961 e 1962), e à Conferência do Desarmamento (Genebra, 1962 e 1963). Foi embaixador extraordinário à abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II, em 1962. Com a orientação de superar o subdesenvolvimento, rejeitou a política de alinhamento automático com as grandes potências norte-americana e européias. Amparado no princípio da não-intervenção, manteve posição contrária à frustrada invasão de Cuba. O colonialismo foi condenado, e houve um esforço brasileiro inicial de aproximação com a África subsaariana. Em 1961, Afonso Arinos esteve no Senegal,que havia conquistado a independência no ano anterior, tendo sido o primeiro chanceler brasileiro a visitar um país africano. Em sua gestão, foram abertas as embaixadas do Brasil no Senegal, Costa do Marfi m, Nigéria e Etiópia. A política externa independente deu início à universalização das relações internacionais do Brasil.

AFONSO ARINOS NAS NAÇÕES UNIDAS

AfonsoArinos defendeu o papel das Nações Unidas na garantia da paz. Reconheceu a atualidade da Carta da ONU, assinalando, porém, a necessidade da sua revisão, no sentido de dar representatividade aos países do grupo afro-asiático, como forma de garantir o caráter verdadeiramente universal da Organização.

Endossou o princípio da autodeterminação dos povos, apoiando a descolonização. Prestou solidariedade aos povos africanos, e conclamou Portugal e França a assegurarem condições para a independência de Angola e da Argélia, respectivamente.

Afirmou que a democracia no plano interno corresponde à autodeterminação no plano internacional. Defendeu a reunifi cação da Alemanha, e uma solução pacífi ca para o problema de Berlim. Condenou o racismo na África do Sul.

Afirmou que a divisão ideológica entre Ocidente e Oriente não impediriam o Brasil de manter relações independentes com outros estados, nem de votar, nos organismos internacionais, na conformidade dos seus interesses nacionais.

Reafirmou solidariedade com a comunidade americana, e ressaltou os laços históricos e culturais com as nações da América Latina. Sustentou o princípio da autodeterminação com referência a Cuba.

No auge da guerra fria, apontou a corrida armamentista como ameaça à paz internacional e defendeu o desarmamento mundial, particularmente a interrupção de experiências nucleares. Afi rmou que o debate sobre o controle das armas atômicas era de interesse, não só das potências delas detentoras, mas da comunidade internacional como um todo, uma vez que constituíam ameaça para toda a humanidade.

Defendeu a posição brasileira a favor do desarmamento nuclear e ao estabelecimento de zonas desnuclearizadas no mundo, sugerindo a desnuclearização da América Latina, que se concretizaria, mais tarde, com o Tratado de Tlatelolco.

Em discurso nas Nações Unidas, foi o primeiro a apontar para uma dupla divisão mundial, ideológica (lesteoeste) e econômico-social (norte-sul), conceito que se tornaria lugar comum. Afi rmou que seria mais proveitoso para a paz mundial investir no desenvolvimento do que em armas nucleares.

Defendeu a transferência de conhecimento tecnológico às nações menos desenvolvidas, e relações mais justas no comércio internacional. Contra a dicotomia entre direitos civis e políticos de um lado, econômicos e sociais do outro, preconizou a interdependência entre direitos humanos e progresso social.

OBRA

Além de parlamentar e diplomata, foi igualmente, com brilho, professor, cientista político, jurista, biógrafo, historiador, memorialista, orador, conferencista, crítico literário, poeta, ensaísta.

Cidadão comprometido visceralmente com a sinceridade, a honestidade e a coerência, merece, acima de qualquer favor ou exagero, um só título: humanista.

Da sua obra, muito vasta, cumpre ressaltar: Introdução à Realidade Brasileira, 1933; Preparação ao nacionalismo. Carta aos que têm vinte anos, 1934; Conceito de Civilização Brasileira, 1936; O Índio Brasileiro e a Revolução Francesa.

As origens brasileiras da teoria da bondade natural, 1937; Espelho de Três Faces, 1937; Síntese da História Econômica do Brasil, 1938; Idéia e Tempo, 1939; Terra do Brasil, 1939; Um Soldado do Reino e do Império.

A vida do Marechal Calado, 1942; Dirceu e Marília, drama lírico, 1942; Homens e Temas do Brasil, 1944; Mar de Sargaços, crítica, 1944; Desenvolvimento da Civilização Material no Brasil, 1944; Portulano, crítica, 1945; História do Banco do Brasil. Primeira fase:1808-1835, 1947; História e Teoria do Partido Político no Direito Constitucional Brasileiro, 1948; Um Estadista da República, 1955; Episódios de História Contemporânea, 1956; Estudos de Direito Constitucional, 1957; Parlamentarismo ou Presidencialismo, com Raul Pilla, 1958; Curso de Direito Constitucional. I. Teoria geral, 1958 e II. Formação constitucional do Brasil, 1960; Estudos e Discursos, 1961; A Alma do Tempo, 1961, A Escalada, 1965, Planalto, 1968, Alto-Mar Maralto, 1976, Diário de Bolso, 1979 (memórias); Evolução da Crise Brasileira, 1965; História do Povo Brasileiro, com Jânio Quadros e outros,

1968; As Idéias Políticas do Brasil, 1970; Rodrigues Alves. Apogeu e declínio do presidencialismo, 1973; A Câmara dos Deputados. Síntese histórica, 1976; Direito Constitucional. Teoria da Constituição, 1976; Problemas políticos brasileiros, 1975; O Som do Outro Sino, 1978; Política e Direito, 1981; Amor a Roma, 1982.

ANTOLOGIA

BERÇO

“Aquele Belo Horizonte do início do século era um centro interessante, por vários motivos. Com o seu aspeto meio rural e meio de acampamento, distinguia-se, contudo, do comum das cidades do interior, porque, pequena materialmente, era a nova sede do maior poder político da República: o Estado de Minas Gerais. (…) A minha gente materna e paterna subira, naturalmente, dos municípios da mata e do sertão para a nova capital.

De ouvidores e capitães-mores na Colônia, de deputados provinciais e gerais do Império, presidente de Estado, deputados e senadores, estaduais e federais na República, chegavam a Belo Horizonte contando gerações a serviço do povo mineiro. Eram, por isso mesmo, naturais na sua independência sem sobranceria.

Nunca – mas realmente nunca, nem um só dia, nem uma só vez – senti na minha casa a triste necessidade da subserviência, da adulação ou da abdicação da personalidade, para defesa de uma melhor situação na vida. Era, autenticamente, uma família senhoril; de senhores mineiros, bem entendido, modestos, sem luxos nem riquezas, mas senhores. Isto é, gente simples mas altiva, incapaz de sofrer qualquer humilhação para subir na vida.

O que os diferençava, talvez, de outros grupos familiares no mesmo gênero, existentes no Estado, era a ininterrupta tradição intelectual que fazia da literatura, na nossa casa, uma coisa comum, uma conversa de todo dia. A literatura nos acompanhava desde a Colônia.” (A Alma do Tempo, Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1961, pg. 22)

A LEI AFONSO ARINOS

“A suposta inferioridade da raça negra, segundo nos revela a moderna antropologia cultural, é uma falsidade, e as suas aparências são devidas somente à inferioridade de status social e econômico em que se encontram os negros em todos os países da América. (…) Mas, por outro lado, esta inferioridade social e econômica em que são mantidos os negros no Novo Mundo é devida a causas culturais e pedagógicas, é devida ao esquecimento em que jaz a grande importância do fator negro na nossa civilização, esquecimento proveniente do fato da colaboração negra ter sido prestada nos humilhantes grilhões da escravidão.

Disto resulta que os hábitos e atitudes mentais das elites brancas dirigentes são poderosa e inconscientemente influenciados por essa tradição da desigualdade social entre senhores e escravos, tradição inconsciente que se vem manifestar, na tona da consciência, pela desmentida doutrina da inelutável inferioridade racial dos negros. (…) É no campo pedagógico-cultural, entretanto, que a ação democrática do Estado melhormente se faz sentir.

E isto porque só através da política educacional serão destruídos os preconceitos intelectuais, os costumes sociais e as tradições sentimentais que fazem com que tão numerosos representantes da classe dirigente da vida política, econômica e administrativa do país aceitem com tanta dificuldade, quando não repelem abertamente, a integração efetiva da massa negra no complexo social brasileiro.

É através exclusivamente da política educacional que o Estado pode dissolver os resíduos culturais vindos da escravidão, possibilitando, verdadeiramente, a existência de iguais oportunidades econômicas, sociais e intelectuais para negros e brancos, sendo que somente sobre esta base de iguais oportunidades é que a justiça distributiva do Estado consegue se desenvolver, favorecendo, igualmente, a todo o povo na solução das suas necessidades concretas.

O projeto por mim oferecido à Câmara dos Deputados, incluindo, entre as contravenções penais, a prática de atos decorrentes de preconceito de raça ou de cor, visa a contribuir para a política educacional do Estado na solução do problema do negro brasileiro.” (Discurso na instalação do 2º Congresso Brasileiro do Negro, em 26 de agosto de 1950)

DIREITOS HUMANOS

As liberdades individuais são as limitações impostas ao poder dos governantes, em salvaguarda daqueles atributos genéricos do homem. A expressão, tornada corrente, de direitos do homem, traduz exatamente esta idéia. (…) O problema das liberdades individuais, considerado juridicamente, situa-se no centro de uma questão fundamental, a saber, se os princípios gerais de direito se impõem ao Estado, ou se eles consistem apenas em uma expressão da vontade do Estado através dos seus representantes. (…) Não podemos deixar de observar, no entanto, que a teoria da autolimitação do Estado, exatamente por não reconhecer a procedência, sobre o seu poder, de algumas condições específi cas da personalidade humana, oferece menos segurança de estabilidade das liberdades individuais do que as teorias jurídicas ou metajurídicas que afi rmam a limitação do Estado pelo direito.” (Direito Constitucional. Teoria da Constituição. As Constituições do Brasil, Forense, Rio de Janeiro, 1976, pgs. 38-41)

DESENVOLVIMENTO

(…) Há necessidade de dinamizar, de dilatar, de transformar o espírito do pan-americanismo, reconhecendo, no mesmo passo, o risco que todos corremos em permitir que forças que mal se levantam das barbárie, que países que mal se integram no convívio das nações livres, que países que não têm demonstrado a possibilidade sequer de manterem regime de governo digno desse nome, venham resolver, pela mesma maneira que nós, problemas que aparentemente são os mesmos, mas que só são os mesmos quando considerados nos planos da economia e da técnica, pois não são os mesmos se levados aos planos do direito e das soluções políticas.

Esta é a grande questão, a grande incógnita, que se coloca em face da nossa geração. É aí que temos que optar, é aí que temos de ter a coragem de resolver os problemas com a imaginação, a audácia, o empenho e o descortino que indicam que as soluções novas devem ser encaradas, preconizadas e praticadas, mas sem demagogia, com franqueza, com serenidade, com ponderação, com o equilíbrio necessário, para dizermos que temos de resolver este problema dentro do concerto americano, dentro da união dos estados americanos, dentro das tradições democráticas, sem risco para a liberdade (…).” (Discurso no Senado Federal em 29 de julho de 1960, in Afonso Arinos no Congresso, Senado Federal, Brasília, 1999)

POLÍTICA EXTERNA

“Hoje se reconhece que a interdependência é o propósito fi nal, tanto político quanto jurídico, da comunidade internacional. Não se pode, com efeito, conceber um mundo livre e pacífi co, na era nuclear, sem ser composto de estados que, embora soberanos, reconheçam a inevitabilidade da coexistência.

Assim, eu colocaria a questão com o seguinte desenvolvimento: na base, a política de independência, que decorre da soberania do Estado; em seguida, a prática da solidariedade coletiva, que deriva da interdependência de interesses e objetivos; e, enfi m, a paz e a segurança internacionais, garantidas pela coexistência de todos. (…) Portanto, o Brasil deve praticar a política independente como meio de assegurar a sua liberdade de movimentos no quadro móvel da política mundial, e também tornar possível a sua contribuição positiva na manutenção da paz e da segurança internacionais.

Não devemos esquecer os princípios da solidariedade coletiva, que nos leva a defender certas posições ideológicas que consideramos afinadas à nossa maneira de ser; nem certas posições geográficas ou econômicas que se identificam com a nossa formação. Mas só nos moveremos com autenticidade dentro do quadro da solidariedade coletiva na medida em que o fizermos com independência, sem subserviências nem aceitação de imposições, porque o fato de um estado ser o mais forte não significa, nem que os seus interesses se coadunem inevitavelmente com os nossos, nem que a sua maneira de conceber a solução de certos problemas gerais não seja errada. A política independente é, exatamente, aquela que, dentro da solidariedade, assegura o direito de defender interesses básicos nacionais, e opinar com franqueza sobre soluções internacionais.” (Evolução da crise brasileira, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1965, pgs. 252-253)

COLONIALISMO

(…) O mundo é, também, norte e sul, divididos pelas fronteiras do desenvolvimento, da técnica e dos recursos fi nanceiros; do adiantamento e da plenitude no hemisfério norte, e do abandono, da miséria, do atraso, do subdesenvolvimento no hemisfério sul. É esta divisão norte e sul que faz compreender imediatamente a questão do subdesenvolvimento econômico e a questão do colonialismo. (…) Então, o imperialismo e o colonialismo, que estão jungidos e vinculados, se colocam nessa antinomia norte e sul. E, neste particular, nós assistimos, Senhor Presidente, neste século, a qualquer coisa parecida com o que assistiram os nossos antepassados no século XIX; vivemos uma fase de emancipação de antigas colônias. Na África e na Ásia, ocorre, hoje, uma espécie de réplica, no tempo, daquilo que ocorreu na América. (…) Estou inteiramente convencido de que a posição do anticolonialismo, isto é, a posição de acompanhar e de estimular juridicamente a emancipação e autodeterminação das antigas colônias africanas e asiáticas não é, somente, uma questão de justiça no sentido ético; é questão de interesse no sentido econômico, e, mais do que isto, interesse no sentido democrático.” (Discurso no Senado Federal, a 15 de fevereiro de 1962, sobre sua atuação como chefe da Delegação do Brasil à XVI Assembléia Geral das Nações Unidas, in Afonso Arinos no Congresso, organizado por Afonso Arinos, fi lho, Senado Federal, Brasília, 1999, pgs. 776-777)

POLÍTICA

“Pensemos seriamente neste movimento, talvez não intencional, mas seguramente orquestrado, que visa a desmoralizar a classe política. (…) O desprezo à política não é a sua supressão, pois ela se confunde com o governo. Que haverá por detrás de tudo isso? Será que estamos ameaçados de outro tipo de ‘política’, ou seja, as ditaduras civis e militares que têm sido a agonia secular da nossa República? (…) Nosso dever é fazer política, isto é, defender e praticar a Constituição brasileira em vigor, acreditar nela, convocar a nação para defendê-la se estiver em risco, reagir contra esses riscos disfarçados. Em suma, praticar e defender a liberdade. Fazer política é honrar nosso mandato, sustentar nosso trabalho, enobrecer a memória do nosso tempo.” (Discurso na Assembléia Nacional Constituinte em 4 de outubro de 1988, em nome de todos os constituintes, quando da promulgação da Constituição da República)

A AFONSO ARINOS, SETENTÃO

Carlos Drummond de Andrade

Afonso, que brincadeira!
Ontem, no Colégio Arnaldo,
garotinho irresponsável;
hoje, em teus setenta anos,
verbete de enciclopédia…

E que bonito verbete,
que página além da página,
esse teu sulco profundo
na história silenciosa
de nossa gente (a outra história,
feita de noites-vigília
no escritório-oficina
de soluções e de rumos
para o instante desvairado).

Renitente praticante
de ofícios entrelaçados:
o de servidor de idéias
e o de servidor do povo,
o povo que, desconfio,
mal pode saber ainda
o que por ele tu fazer
armado só de palavra,
entre leis estraçalhadas,
esperanças malogradas
e sinais de mundo novo
rogando decifração

Afonso, o da claridade
de pensamento, o de espírito
preocupado em riscar
passarelas de convívio
por entre irmãos divididos
e malquerenças rochosas
no território confuso:
Afonso, que bela vida
a vida nem sempre aberta
às sonatas da vitória!

Ser derrotado, quem sabe
se é raiz amargosa
de triunfo intemporal?
O tempo, esse boiadeiro
de botas lentas e longas,
vai pisando na estrumeira
do curral, vai caminhando,
vai dando voltas na estrada,
alheio a cupins e onças,
pulando cercas de farpa,
vadeando rios espessos
até chegar ao planalto,
ao maralto, ao alto-lá
onde tudo se ilumina
ao julgamento da História.
Afonso, meu combatente
do direito e da justiça,
nosso exato professor
do direito mais precário
(o tal constitucional),
Afonso, galantuomo
que tens duas namoradas:
Anah, de sempre, e essa outra
exigentíssima dama
que chamamos Liberdade,
Afonso, que vi xingado
de fascista e de outros nomes
que só a burrice inventa,
quando por sinal voltavas
de torva delegacia
aonde foste interceder
em momentos noturnais
pelos que iam xingar-te…

Mas o pico de viver
está justamente nisto
que bem soubeste ensinar-nos
combinar ternura e humour,
amenidade, puerícia
nos intervalos de luta.
E não disseste que doido
no fundo é todo mineiro
sob a neutra vestimenta
da mais sensata aparência?
Não disse Ribeiro Couto,
em breve arrufo amical,
que ouviu do Dr. Afrânio:
“Esse menino é maluco”?

Maluco, salve, o maluco,
o poeta mariliano,
o mirone de Ouro Preto,
cantor da barra do dia,
revelador do passado
em sua íntima verdade,
renovador de caminhos
de nossas letras e artes,
derrubador de odiosas
linhas de cor e prejuízo
(irmãos de pele diversa
já podem sentar-se à mesa
nacional, a teu chamado),
criador de nova atitude
do País perante os grandes,
humano e humanista Afonso,
salve, maluco! te amamos.

Um pouco de Afonso Arinos

Heráclio Salles

“Somos tentados a recair em antigo cacoete para indagar quem seria em nosso tempo, até o desaparecimento do senador mineiro, ‘o maior brasileiro vivo’; não o maior poeta, que seria João Cabral, ou o maior arquiteto, que seria Oscar Niemeyer; porém o mais representativamente alteado na paisagem geral do Brasil, como José Bonifácio no primeiro Império, Joaquim Nabuco no segundo, e Rui Barbosa na primeira República. Tal título cabe a homens raros, como Afonso Arinos, que o levou consigo sem deixar sucessor; homens que, além de dotados de faculdades intelectuais superiores, se transformam, pela destinação misteriosa da vida e das circunstâncias, na consciência cívica e moral de um povo, sem a preocupação suspeita de se apresentarem como seus guias.” (in Jornal do Brasil, 30 de agosto de 1990) salve, maluco! te amamos.

José Santiago Naud – escritor gaúcho, formado em Letras Clássicas pela UFRGS, em Porto Alegre (1957). Concursado pelo MEC, foi pioneiro em Brasília do Ensino Público (1960), e em 1962 integrou o grupo docente fundador da UnB. Professor visitante e conferencista em universidades dos EUA, da Europa e da América Latina. Diretor do CEB (Itamaraty), entre 1973 e 1985. Poeta e ensaísta com dezenas de livros publicados e textos dispersos em antologias, jornais e revistas especializadas.

Afonso Arinos

Afonso Arinos

Segundo ocupante da Cadeira 40, eleito em 31 de dezembro de 1901, na sucessão de Eduardo Prado e recebido em 18 de setembro de 1903 pelo Acadêmico Olavo Bilac. Recebeu o Acadêmico Artur Jaceguai.

Afonso Arinos de Melo Franco nasceu em Paracatu (Minas Gerais), a 1º de maio de 1868.

Era filho de Virgílio de Melo Franco e de Ana Leopoldina de Melo Franco. Faleceu em Barcelona, a 19 de fevereiro de 1916.

Afrânio Peixoto assim resumiu a atuação literária de Afonso Arinos: “jornalista monarquista, depois contista de coisas do sertão”.

Os primeiros estudos de Afonso Arinos foram feitos em Goiás, para onde fora transferido seu pai juiz. Os preparatórios tiveram lugar em São João del-Rei no estabelecimento de ensino dirigido pelo cônego Antônio José da Costa Machado, e no Ateneu Fluminense, do Rio de Janeiro.

Em 1885, iniciou o curso de Direito em São Paulo, concluído quatro anos mais tarde. Desde o tempo de estudante manifestou Afonso Arinos forte inclinação para as letras escrevendo alguns contos.

Depois de formado foi com a família para Ouro Preto, então capital da Província de Minas Gerais. Concorreu a uma vaga de professor de História do Brasil, em cuja disputa por concurso obteve o 1º lugar.

Foi um dos fundadores da Faculdade de Direito de Minas Gerais onde lecionou Direito Criminal.

Durante a Revolta da Armada (1893/1894), abrigou em sua casa em Ouro Preto alguns escritores radicados no Rio de Janeiro que, suspeitos de participação naquele movimento, haviam buscado refúgio no interior de Minas, entre outros, Olavo Bilac e Carlos Laet.

Afonso Arinos teve vários trabalhos publicados, na década de 1890, na “Revista Brasileira” e na “Revista do Brasil”. Convidado por Eduardo Prado assumiu, em 1897, a direção do “Comércio de São Paulo”.

Em fevereiro de 1901 foi eleito sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras na vaga de Eduardo Prado e recebido por Olavo Bilac.

Em viagem a Europa, adoeceu no navio e veio a falecer em Barcelona em 19 de fevereiro de 1916.

Distinguiu-se Afonso Arinos em nossa literatura como um contista de feição regionalista, fato comprovado pelos seus livros “Pelo sertão” e “Os jagunços”.

Escreveu, também, o drama “O contratador de Diamantes” e “O mestre de campo”. Depois de sua morte foram publicados – “Lendas e Tradições Brasileiras”(1917) e “Histórias e paisagens”(1921). Em 2005 a ABL reeditou “Pelo Sertão”.

Da obra de Afonso Arinos e de seu estilo escreveu Lucia Miguel Pereira: “Possuía a qualidade mestra dos regionalistas: o dom de captar a um tempo, repercutindo nas outras, prolongando-se mutuamente, as figuras humanas e as forças da natureza”.

 

Afonso Arinos

Afonso Arinos

Afonso Arinos de Melo Franco nasceu em Belo Horizonte em 1905, filho de uma tradicional família de políticos, intelectuais e diplomatas.

Seu pai, Afrânio de Melo Franco, foi ministro da Viação no governo Delfim Moreira (1918-1919), embaixador do Brasil na Liga das Nações (1924-1926) e ministro das Relações Exteriores de Getúlio Vargas (1930-1933).

Seu tio homônimo foi renomado escritor da escola regionalista. Um de seus irmãos, Virgílio de Melo Franco, foi importante líder civil da Revolução de 1930.

Ainda aluno da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, Afonso Arinos iniciou-se na literatura e acompanhou o pai em missões diplomáticas no exterior. Bacharel em 1927, colaborou em jornais, exerceu a advocacia, e em 1929-1930 participou da campanha da Aliança Liberal.

Por problemas de saúde, não participou da Revolução de 1930, que levou Vargas ao poder. No ano seguinte seguiu para a Suíça em busca de tratamento e aí cumpriu missão diplomática em 1932.

De volta ao Brasil, assumiu em 1933 a direção dos jornais O Estado de Minas e Diário da Tarde, pertencentes à cadeia dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand.

Após o rompimento de sua família com Vargas, fundou em 1934, junto com o irmão Virgílio, a Folha de Minas, que seria vendida um ano depois.

Passou então a trabalhar na consultoria jurídica do Banco do Brasil e em 1936 tornou-se professor de história do Brasil da Universidade do Distrito Federal. Nos anos seguintes, enquanto o país vivia sob a ditadura do Estado Novo (1937-1945), dedicou-se à vida acadêmica, ministrando cursos no Brasil e no exterior.

Em 1943, vinculou-se à Sociedade Amigos da América, organização que defendia a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial ao lado dos Aliados, bem como a redemocratização interna. Nesse mesmo ano participou da elaboração e foi um dos signatários do Manifesto dos Mineiros, primeira manifestação política contra a ditadura de Vargas. Por conta disso, foi demitido do Banco do Brasil.

Em janeiro de 1945, participou em São Paulo do I Congresso Nacional de Escritores, evento que representou novo marco na luta contra o Estado Novo. A seguir foi um dos redatores do manifesto de lançamento da União Democrática Nacional (UDN), partido que reunia a oposição liberal a Vargas, fundado em abril daquele ano.

Com a queda do Estado Novo em outubro, concorreu por seu estado, em dezembro, às eleições para a Assembléia Nacional Constituinte e obteve uma suplência.

Já após a promulgação da nova Constituição e a transformação da Constituinte em Congresso ordinário, ao se abrir uma vaga na bancada mineira em janeiro de 1947, assumiu uma cadeira na Câmara dos Deputados.

Sucessivamente reeleito, permaneceu na Câmara por muitos anos e exerceu enorme influência na vida parlamentar brasileira. No início dos anos 1950, por exemplo, teve aprovado no Congresso projeto de lei de sua autoria, que se transformaria na Lei Afonso Arinos, tornando a discriminação racial uma contravenção penal.

Também na virada dos anos 1940 para os anos 1950 conquistou, através de concurso, as cadeiras de direito constitucional das universidades do Rio de Janeiro e do Brasil.

Com a volta de Vargas ao poder, em janeiro de 1951, passou mover intensa oposição ao governo. Tornou-se então líder da UDN na Câmara e um dos integrantes da ala mais exaltada do partido, conhecida como Banda de Música. Na crise deflagrada em 1954, que culminaria no suicídio de Vargas, propôs a renúncia do presidente e a intervenção das Forças Armadas.

Em 1958, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras e para o Senado, agora representando o Distrito Federal, sempre na legenda da UDN. Em janeiro de 1961, com a posse de Jânio Quadros na presidência da República, foi nomeado ministro das Relações Exteriores.

Desenvolveu à frente do Itamarati uma política externa independente, marcada pelo não alinhamento automático aos Estados Unidos, a aproximação com os países do bloco socialista, o reconhecimento do governo de Fidel Castro em Cuba e a condenação explícita do colonialismo na África e na Ásia.

Com a renúncia de Jânio em agosto do mesmo ano, deixou o ministério, voltou ao Senado e aí cumpriu importante papel no encaminhamento da emenda parlamentarista, solução proposta para contornar as resistências de setores militares à posse do vice-presidente João Goulart. Iniciado o governo Goulart em setembro sob a vigência do sistema parlamentarista, voltou a chefiar o Itamarati no gabinete Brochado da Rocha (julho-setembro de 1962).

Partidário do golpe militar que depôs Goulart em 1964, foi um dos fundadores, em 1966, da Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido político de sustentação ao regime militar. Preferiu contudo não tentar nova reeleição nesse ano e deixar a atividade parlamentar ao fim de seu mandato no Senado, em janeiro de 1967. Crítico dos rumos do regime, retomou suas atividades docentes e literárias.

Em 1986, após o término da ditadura militar, voltou à vida política, elegendo-se senador pelo estado do Rio de Janeiro, na legenda do Partido da Frente Liberal (PFL), para participar da Assembléia Nacional Constituinte.

Presidente da Comissão de Sistematização da Assembléia, cumpriu importante papel na primeira fase dos trabalhos constituintes, abertos em fevereiro de 1987. Em 1988, transferiu-se para o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

Morreu no Rio de Janeiro em 1990, em pleno exercício do mandato de senador.

Afonso Arinos – Biografia

Jurista e político mineiro (27/11/1905-27/8/1990).

Afonso Arinos de Melo Franco é um dos autores do Manifesto dos Mineiros, de 1943, que apressa a derrubada da ditadura Vargas. Nascido em Belo Horizonte, forma-se pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro.

Elege-se deputado federal pela União Democrática Nacional (UDN), em 1947, e notabiliza-se pela chamada Lei Afonso Arinos, contra a discriminação racial.

Em 1954, líder da oposição na Câmara dos Deputados, é um dos dirigentes da campanha contra Getúlio Vargas.

Em 1958 elege-se senador. Ministro das Relações Exteriores em 1961, retorna ao cargo em 1962, durante o governo João Goulart, mas volta-se contra o presidente e apóia o golpe militar de 1964. Afasta-se dos militares por discordar da legislação autoritária. Apesar disso colabora com o governo durante a gestão de Ernesto Geisel, propondo reformas constitucionais.

É eleito senador constituinte em 1986, pelo estado do Rio de Janeiro, e preside a Comissão de Sistematização da Assembléia Nacional Constituinte.

Fonte: www.dominiopublico.gov.br/www.bibvirt.futuro.usp.br/www.cpdoc.fgv.br/geocities.yahoo.com.br

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