Cancioneiro Guasca

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João Simão Lopes Neto

Pró-memória

Como uma velha jóia, pesada e tosca, que a moda repulsa e entende
arcaica, assim a antiga estirpe camponesa que libertou o território
e fundou o trabalho social no Rio Grande do Sul, assim, essa – velha jóia
pesada e tosca – acadinhada pelo progresso, transmutou-se.

Usos e costumes, asperezas, impulsos, e logo, aspirações, tão
outras que as primevas e incompassíveis formam, agora, diferente maneira
de ser dos descendentes dos continentistas.

Nada impede, porém, que carinhosa, a filial piedade procure construir
um escrínio onde fulgir possa o metal – duro e puro – que é
herança sua.

Seja este livrinho o escrínio pobre; mas, que dentro dele resplandeça
a ingênua alma forte dos guerrilheiros, campesinos, amantes, lavradores;
dos mortos e, para sempre, abençoados Guascas!

Razão do título

"GUASCA, subs. f.: tira ou corda de couro: – subs. m.: o rio-grandense
e mais especificamente o camopônes do Rio Grande. Baseado no fato dos
filhos do Rio Grande, em geral, dedicarem-se à indústria pastoril,
em cujos variados trabalhos usam sempre de cordas de couro (guascas), dão-lhe
os filhos do Norte aquela denominação, que os próprios
rio-grandenses habitantes das cidades mais importantes dão aos da campanha,
que são os que se entregam à vida pastoril. Assim, pois, se
é termo genuinamente rio-grandense, na primeira acepção
acima, não o é de todo na segunda; pois os nortistas, especialmente,
foram os que começaram a empregá-lo para designar os rio-grandenses,
que não pejam de aceitar essa denominação, aliás
também por eles aplicadas aos seus coestaduanos"…

I – Antigas danças

"Os antigos habitantes deste território usavam de danças
próprias ou, para melhor dizer, sui generis, que pelos seus traços
parecem haver resultado de uma combinação das danças
dos primitivos paulistas, mineiros e lagunenses, com as danças dos
açoritas e dos indígenas, mais a meia-canha e o pericon, danças
que se usavam nas repúblicas do Prata, especialmente em Corrientes,
Entre-Rios e Estado Oriental.

A razão que nos leva a assim supor é que nessas danças
se nota não só os sapateados dos antigos povoadores da província,
de origem pportuguesa, como também certos meneios e passados de mão
entre a dama e o cavalheiro na meia-canha e no pericon, acontecendo que muitas
delas têm nomes indígenas. Eram estas danças variadas
e tomando as denominações de – tirana, anu, tatu, cará,
feliz-amor, balaio, xará, chimarrita, chico, ribada, cerra-baile, galinha
morta, quero-mana, serrana, dandão, sabão, bambaquerê,
pinheiro, pagará, pega-fogo, recortada, retorcida e outras.

Estas danças, apesar de serem um tanto toscas, apresentavam certos
meneios delicados, revestidos de muita graça e estavam longe de assemelhar-se
às danças grosseiras e de umbigadas dos sertanejos do norte
do Brasil.

Os bailes em que eram elas dançadas denominavam-se fandangos, os quais,
nos primeiros tempos, devido talvez à falta de música na província,
ou mesmo pelas suas belezas em harmonia com aquelas épocas, construíam
os divertimentos dos salões das altas classes (antigos estancieiros);
descendo até as senzalas dos peões, que mais tarde com suas
chinas eram os únicos apologistas dessas danças, cujos vestígios
ainda se encontram na região serrana e na Serra Geral.

Entre as altas classes o fandango, que até pelos anos de 1839 e 1840
ainda era muito usado, foi sendo substituído pelas danças vindas
da Europa.

As danças do fandango, apesar de serem bastante limitadas, não
deixavam, no entanto, de manifestar muitos traços da estética
e uma tendência inicial para a civilização de um povo
que lutava com os seus próprios esforços, achando-se, por assim
dizer, isolado do mundo polido.

Cada uma dança do fandango tinha duas músicas correspondentes,
que eram tocadas na viola: uma servia para dançar-se e outra para cantar-se
nos pequenos intervalos que havia no decurso da dança.

Com a viola também se faziam os cantos do desafio.

Nas sapateadas do fandango havia certos puxados de pé, cuja execução
dependia de uma ginástica bem difícil, pois que cerravam todos
a um tempo a sapateada, batiam com o salto do botim ou com a roseta da espora
sem interromper a dança e no mesmo tempo faziam o puxado. Quando algum
dos dançantes erravam, o que era motivo de risos, o cantador atirava-lhe
logo esta quadrinha:

– Meu senhor que está dançando,
me queira, pois, dispensar,
se o pelego for de venda,
me traga quero comprar.
e, reincindindo, esta outra ou semelhante:
– Já tenho a ramada cheia
de pelegos enrolados:
nunca vi tanto pelego
assim e tão mal tirados.

Para dançar, formavam os cavalheiros com seus pares uma grande roda;
as senhoras não sapateavam, se limitando a imprimir ao corpo certos
meneios assistidos de castanholas, como nas fieiras atuais, fazendo a tudo
isto frente aos seus pares ou aos cavalheiros que na roda lhes ficavam ao
lado. Eram então as danças em ordem e debaixo de marcas como
nas quadrilhas atuais e começavam assim: depois da roda feita no anu,
por exemplo, dizia o marcante – roda grande – a esta voz todos se davam as
mãos; o marcante: – tudo cerra! – e, a um tempo, de mãos dadas,
cerravam a sapateada; à voz de – cadena! – faziam os dançantes
mão direita de dama, como na quadrilha. Então cantava o tocador
de viola (duas, três quadras):

O anu é pássaro preto,
passarinho de verão;
quando cant’à meia-noite
dá uma dor no coração…

Folga, folga, minha gente,
que uma noite não é nada.
Se não dormires agora,
dormirás de madrugada!

Durante o canto cada cavalheiro tomava a mão de sua dama e passava-lhe
o braço por cima da cabeça como na meia-canha e no pericon,
e assim dispostos cumprimentavam-se com a cabeça, mutuamente. Começando
em seguida de tudo isto, a roda grande cessava logo, e dizia o par marcante:
– olha o dois! – o que todos executavam batendo palmas e dando uma sapateada
harmônica para um lado e em seguida para outro; e a estas seguiam-se
muitas outras marcas, como: três, seguido, olha o bicho, um bichinho,
cerra a trava, cerra e manca, tudo cerra, furta par, tira espinho, sobre cincha;
– e todas estas marcas eram repetidas à voz de – outra vez que ainda
não vi. – A seguir ai verso do cantador alguns faziam o estribilho
seguinte:

– Anda a roda,
o tatu é teu;
voltinha no meio,
o tatu é meu!

Tais eram as danças singelas que serviam de divertimento às
almas nobres dos nossos antepassados, que ainda no berço embalavam
esta província tão rica de glórias e tradições
honrosas.

O tatu

Eu vim p’ra contar a história
Dum – tatu – que já morreu,
Passando muitos trabalhos
Por este mundo de Deus.

O tatu foi muito ativo
P’ra sua vida buscar;
Batia casco na estrada,
Mas nunca pôde ajuntar!

Ora pois, todos escutem
Do tatu a narração,
E se houver quem saiba mais,
Entre também na função.

Ande a roda,
o tatu é teu;
voltinha no meio,
o tatu é meu! –

O tatu foi homem pobre,
Que apenas teve de seu
Um balandrau muito velho
Que o defunto pai lhe deu!

O tatu é bicho manso,
Nunca mordeu a ninguém
Só deu uma dentadinha
Na perninha do meu bem.

O tatu é bicho manso
Não pode morder ninguém;
Inda que queira morder.
O tatu dentes não tem.

O tatu saiu do mato
Vestidinho, preparado;
Parecia um capitão.
De camisa de babado!…

O tatu saiu do mato
Procurando mantimento!…
Caiu numa cachorrada
Que o levou cortando vento!…

O tatu me foi à roça
Toda a roça me comeu…
Plante roça quem quiser,
Que o tatu quero ser eu!

A chimarrita

Vou cantar a Chimarrita
Que hoje ainda não cantei;
Deus lhes dê as boas noites,
Que hoje ainda não lhes dei.

Vou cantar a Chimarrita
Que uma moça me pediu;
Não quero que a moça diga:
Ingrato! Não me serviu.

A Chimarrita que eu canto,
Veio de cima da Serra,
Rolando de galho em galho
Até chegar nesta terra!

Chimarrita quando nova,
Uma noite me atentou…
Quando foi de madrugada
Deu de rédea e me deixou!

A Chimarrita é uma velha
Que mora no faxinal
Comendo a triste canjica
E grão de feijão sem sal.

Chimarrita é mulher pobre,
Já não tem nada de seu;
Só tem uma saia velha
Que a sogra lhe deu.

Chimarrita no seu tempo
Já muito potro domou:
Agora quer uma sotreta,
Nem um rodilhudo achou!

Chimarrita é altaneira,
Não quebra nunca o corincho:
Diz que tem trinta cavalos,
E não tem nem um capincho.

Chimarrita diz que tem
Dois cavalinhos lazões:
Mentira da Chimarrita,
Não tem nada, nem xergões!

Chimarrita diz que tem
Quatro cavalos oveiros:
Mentira da Chimarrita,
Só se são quatro fueiros!

Chimarrita diz que tem
Sete cavalos tostados:
Mentira da Chimarrita,
Nem perdidos, nem achados!

Chimarrita diz que tem
Dois zainos e um tordilho:
Mentira da Chimarrita,
Nem um cupim p’ro lombilho!

Chimarrita diz que tem
Três cavalos tobianos:
Mentira, tudo mentira
Nem garras, pingos, nem panos!
Tironeada da sorte
A Chimarrita rodou;
Logo veio a crua morte
E as garras lhe botou.

Chimarrita morreu ontem,
Ontem mesmo s’enterrou:
Quem chorar a Chimarrita
Leva o fim que ela levou.

Coitada da Chimarrita,
Vou rezar por ser cristão:
A pobre da Chimarrita
Viveu como um chimarrão!

Chimarrita morreu ontem,
Ontem mesmo s’enterrou:
Na cova da Chimarrita
Fui eu quem terra botou!

Chimarrita morreu ontem,
E ainda hoje tenho pena;
Do corpo da Chimarrita
Vai nascer um’açucena!

Chimarrita morreu ontem,
Mas p’ra sempre há de durar;
As penas da Chimarrita
Fazem a gente pensar…

Aragana e caborteira
A Chimarrita mentiu;
Não censure a dor alheia
Quem nunca dores sentiu!…

Quem sabe se a Chimarrita
Na alma criou cabelos…
Quem vê uma bagualada,
Vê mais vultos do que pêlos…

Quanta maldade se disse
Da Chimarrita, coitada!
A pedar grande faz sombra…
E a sombra não pesa nada!

Chimarrita generosa,
Oh! Chimarrita, perdoa!
Quem te chamava má,
Não era melhor pessoa!…

Aqui paro, na saída,
Do fim dessa narração,
A moça, se está contente,
Me dê o seu galardão!

Eu disse o que a bisavó
Da minha avó ensinou;
Se alguém sabe mais que eu,
Já não ‘stá’qui quem falou!

Chimarrita morreu ontem,
Inda hoje tenho dó;
Na cova da Chimarrita,
Nasceu um pé de cidró.

Chimarrita, mulher velha,
Quem te trouxe lá do Rio?
– Foi um velho marinheiro
Na proa de seu navio!

A Chimarrita no campo
Co’os bichos todos falou;
Na morte da Chimarrita
O bicharedo chorou.
O trevo de quatro folhas
Da Chimarrita é feitura:
Com ele se quebra a sina
Que o mal sobre nós apura.

– E outros muitos. –

A tirana

Eu amei uma tirana,
E ela não me quis bem! (ai)
Agora vou desprezá-la,
Vou ser tirano também! (ai)

Todos gostam da tirana
Mas é só para dançar;
Porque, de uma tirania
Ninguém deve de gostar.

Tirana, feliz tirana,
Tirana, de tirania
Já não morre por amores
Quem de amores não morria.

Tirana, feliz tirana,
Tirana, vamos andando;
A minha licença é pouca,
O tempo ‘stá se acabando.

Tirana, feliz tirana,
Tirana, que bom fandango!
De tudo vou me esquecendo,
Só de ti vou me lembrando.

Tirana, feliz tirana,
Tirana, o sol ‘stá nascendo!
E quando o sol se apagar
Nas estrelas ‘stou te vendo!

Tirana, feliz tirana,
Tirana, vamos embora
Juntinhos de braço dado,
Antes de romper a aurora…

Tirana, tira, tirana,
Tirana de fagagoza,
Assim como ela é bonita,
Também há de ser gostosa.

Tirana, tira, tirana,
Tirana, que eu vi, bem vi:
Meu amor em braços doutro!…
Não sei como não morri!

Tirana, tira, tirana,
Tirana, vou te deixar:
Tirana, juraste falso,
Tirana – p’ra me enganar!

Tirana, bela tirana,
Tirana do arvoredo:
Se teu pai te degradar
Comigo seja o degredo!

Tirana, bela tirana,
Tirana do pé pequeno,
Eu te levo nos meus braços
E não te molha, o sereno!

Tirana, bela tirana,
Tirana, não chores, não;
Não dormirás ao relento,
Teu leito é meu coração!

A Tirana é mulher velha,
Já não é mais rapariga,
Por isso ela já não quer
Que lhe metam em cantiga.

A Tirana é mulher brava,
E mora num faxinal,
Socando sua canjica,
Comendo feijão sem sal.

A Tirana quando olha
P’ra gente, de atravessado,
É sempre muito melhor,
Não s’esperar o recado!…

A Tirana quando puxa
As pelancas da papada,
Adeus! minhas encomendas!
Vai roncar a trovoada!…

A Tirana é capivara
Velha, de má condição:
Quando ela fica zangada,
Bate co’a bunda no chão!

Tirana, velha Tirana,
Tirana do ariru:
A mulher matou o marido
Co’a pá de mexer angu!

A galinha morta

Vou cantar a galinha morta:
Por cima deste telhado.
Viva branco, viva negro,
Viva tudo misturado!

Eu vi a galinha morta,
Agora, no fogo fervendo…
A galinha foi p’ra outro,
Eu fiquei chorando e vendo!

Minha galinha pintada…
Ai! meu galo carijó…
Morreu a minha galinha,
Ficou o meu galo só.

Minha galinha pintada…
Ai! meu galo garnisé!…
Morreu a minha galinha,
Fica o galo sem mulher…

Minha galinha pintada,
Com tão bonito sinal!
Meu compadre me roubou
Pelo fundo do quintal.

Minha galinha morta
Bicho do mato comeu:
Fui ao mato ver as penas,
Dobradas penas me deu.

A galinha e a mulher
Não se deixam passear:
A galinha o bicho come…
A mulher dá que falar!

Eu vi a galinha morta,
A mesa já estava posta;
Chega, chega, minha gente,
A galinha é p’ra quem gosta!

Minha galinha pintada,
Pontas d’asas amarelas:
Também serve de remédio
P’ra quem tem dor de canelas…

A polca mancada

A mancada ‘stá doente,
Muito mal, para morrer;
Não há frango nem galinha
Para a mancada comer.

A dita polca mancada
Tem mau modo de falar:
De dia corre co’a gente,
À noite manda chamar.

A mancada está doente,
Muito mal, para morrer;
Na botica tem remédio
P’ra mancada beber.

Quero-mana

Tão bela flor digo agora,
Tão bela flor quero-mana.

Que passarinho é aquele
Que está na flor da banana,
Co’o biquinho dá-lhe, dá-lhe,
Co’as asinhas, quero-mana!

Tão bela flor digo agora,
Tão bela flor quero-mana.
Quando eu ando neste fado,
A própria sombra m’engana.

Tão bela flor quero-mana,
As barras do dia aí vêm.
Os galos já estão cantando,
Os passarinhos também.

O pinheiro

Quem tem pinheiros tem pinhas
Quem tem pinheiros tem pinhões,
Quem tem amores tem zelos
Quem tem zelos tem paixões.

Quem tem pinheiro tem pinha
Quem tem pinheiro tem pinhão,
Do homem nasce a firmeza,
Da mulher a ingratidão.

Oh! que pinheiro tão alto,
Com tamanha galharada;
Nunca vi moça solteira
Com tamanha filharada…

Oh! que pinheiro tão alto,
Que por alto se envergou,
Que menina tão ingrata,
Que d’ingrata me deixou!

O boi barroso

Meu boi barroso,
Que eu já contava perdido,
Deixando o rastro na areia
Foi logo reconhecido.

Montei no cavalo escuro
E trabalhei logo de espora
E gritei – aperta, gente,
Que o meu boi se vai embora!

No cruzar uma picada,
Meu cavalo relinchou,
Dei de rédea p’ra esquerda,
E o meu boi me atropelou!

Nos tentos levava um laço
Com vinte e cinco rodilhas,
P’ra laçar o boi barroso
Lá no alto das coxilhas!

Mas no mato carrasquento
Onde o boi ‘stava embretado,
Não quis usar o meu laço,
P’ra não vê-lo retalhado.

E mandei fazer um laço
Da casca do jacaré,
P’ra laçar meu boi barroso
No redomão pangaré.

Eu mandei fazer um laço
Do couro da jacutinga,
P’ra laçar meu boi barroso
Lá no paço da restinga.

E mandei fazer um laço
Do couro da capivara,
P’ra laçar meu boi barroso:
E lacei de meia cara.

Pois era um laço de sorte,
Que quebrou do boi a balda
Quando fui cerrar o laço,
Só peguei de meia espalda!

O balaio

Mandei fazer um balaio
P’ra guardar meu algodão;
Balaio saiu opequeno;
Não quero balaio, não.

Corta, meu bem, recorta,
Recorta o teu bordadinho;
Depois de bem recortado,
Guarda no teu balainho.

O guaraxaim

Lá vem o guaraxaim
Com cara de disfarçado;
Ele vem comer galinha
E soltar cavalo atado!

O anu

O anu é pássaro preto,
Passarinho de verão;
Quando canta à meia-noite
Oh! que dor no coração!…

E se tu, anu, soubesses,
Quanto custa um bem querer,
Oh! pássaro, não cantarias
Às horas do amanhecer.

O anu é pássaro preto,
Páss’ro do bico rombudo:
Foi praga que Deus deixou
Todo negro ser beiçudo!…

Sr. Zorrilho

Onde vai, Sr. Zorrilho,
Em tamanha galopada?
– Vou m’embora p’ra cidade,
Dançar a polca mancada.

Não vá lá, Sr. Zorrilho,
Para não ser caçoado!
– Não me importa, lá se avenham,
Que eu sou mui relacionado.

Tenência, Sr. Zorrilho,
Quem não sabe não se meta,
– Menos sabe quem se apura
P’r’agarrar-me sem gambeta!

Veja lá, Sr. Zorrilho,
Na cidade há seus perigos!
– Não vive ninguém no mundo
Sem ter os seus inimigos…

Trovas dos foliões

Aqui chegou o Divino
que a todos vem visitar;
vem pedir-vos uma esmola
p’ra o seu império enfeitar.

O Divino Esp’rito Santo
não pede por carestia,
pede somente uma esmola
p’ra festejar o seu dia.

O Divino Esp’rito Santo
agradece a sua oferta,
que lhe deram seus devotos,
para fazer sua festa.

O Divino agradece
aos senhores e senhoras,
e também aos inocentes
que lhe deram sua esmola.

A pombinha do Divino
de voar já vem cansada,
vem pedir aos seus devotos
que lhes dêem uma pousada.

O Divino Esp’rito Santo
vai seguir sua jornada;
agradece aos seus devotos
que lhe deram esta pousada.

Se despeçam, nobre gente,
que a pombinha do Divino
vai seguir sua jornada,
visitar outros vizinhos.

Quadras – Descantes e desafios

Eu já sei que tens no peito
Assunto pr’argumentar,
Mas para apanhar um coxo,
O melhor é vê-lo andar;
Por isso vais já dizer-me
Qual a flor pretendida
Que se dá de amor em graça,
Porém que nunca é vendida?

– Mais devagar pelas pedras,
Não se apure que é lançante:
Quem anda fora dos pagos
Não deve ser arrogante.
Mas, mesmo assim, eu te afirmo,
Cá na minha opinião,
Todas as flores se vendem:
Só os suspiros se dão!

– Ah! velho, se és tão ladino
e te julgas bom cantor,
respondendo a esta pergunta,
te declaro vencedor:
quero que digas, de pronto,
ligeiro, sem titubear,
se sabes quantas estrelas
estão no céu a brilhar?…

– Ninguém abuse dos outros
por mais que seja pimpão,
pois suceder ver-se um cuera
a pé, de freio na mão.
E pois, te digo, as estrelas,
no céu imenso espalhadas,
são a – metade e outro tanto
das mesmas por Deus criadas;
e, se imaginas que minto
na quantidade que dei,
te desafio a contá-las…
para ver que não errei!

III – Poemetos

Hino da República Rio-Grandense

(Cantado pela primeira vez em 30 de abril de 1839)
Nobre povo Rio-grandense,
Povo de Heróis, Povo Bravo,
Conquistaste a independência!
Nunca mais serás escravo!

Avante oh! Povo Brioso!
Nunca mais retrogradar,
Porque atrás fica o Inferno
Que vos há de sepultar!

O Majestoso Progresso
É Preceito Divinal,
Não tem melhor garantia
Nossa ordem social.

O Mundo que nos contempla,
Que pesa nossas ações
Bendirá nossos esforços,
Cantará nossos Brasões!

Da gostosa Liberdade
Brilha entre nós o clarão:
Da constância e da coragem
Eis aqui o galardão!

Variante

(Também foi muito cantada.)
Avante oh! Povo Brioso!
Nunca mais retrogradar,
Porque atrás fica o abismo
Que ameaça nos tragar…

Salve oh! vinte de setembro,
Dia grato e soberano
Aos livres continentistas,
Ao Povo Republicano.

Salve oh! dia venturoso
Risonho trinta de abril,
Que aos corações patriotas
Encheste de gostos mil!

CORO

Da gostosa Liberdade
etc.

Outra variante

Como a aurora precursora
Do farol da divindade,
Foi o Vinte de Setembro
O precursor da Liberdade.

Entre nós reviva Atenas
Para assombro dos tiranos,
Sejamos Gregos na glória
E na virtude, Romanos.

Mas não basta p’ra ser livre
Ser forte, aguerrido e bravo;
Povo que não tem virtude
Acaba por ser escravo.

CORO

Mostremos valor, constância,
Nesta ímpia e injusta guerra,
Sirvam as nossas façanhas
De modelo a toda terra.
(Francisco Pinto da Fontoura)

Iriema

(O Vaqueano – Revista do "Parthenon Literário" – 1892)

MOTE

Pode o céu produzir flores,
A terra estrelas criar:
Não pode o meu coração
Ser vivente sem te amar.

GLOSA

Pode do mundo a grandeza
Reduzir-se, em tudo, a nada
E ver-se também mudada
A ordem da natureza,
Esta vasta redondeza
Matizada de mil cores,
Pode o autor dos autores
Tornar em caos de repente
E deste modo igualmente
Pode o céu produzir flores.

Pode esse sol que alumia
Parar-se na grande altura,
Deixar de haver noite escura,
Sendo sempre claro o dia,
Pode também água fria
Ferver sem fogo e queimar,
Podem os montes falar,
Tornar-se planície a serra,
O peixe viver sem terra
A terra estrelas criar.

Podem as águas correr
Às avessas do costume,
Subindo ao mais alto cume
E não poderem descer,
Podem as brenhas gemer
Amar e sentir paixão
Quando trago à coleção
Tudo pode acontecer,
Mas deixar de te querer
Não pode o meu coração.

Pode esse Deus das alturas
Secar as águas do mar,
O pau no forro contar,
A neve no fogo arder,
Também pode acontecer
O vento nunca reinar
E enquanto o mundo durar
Seja parado e não rode
Mas meu coração não pode
Ser vivente sem te amar.

Rio Grande do Sul

Nascido desse amor ardente e puro
Que tem cada um de nós à sua terra,
Ó Província do Sul! aqui procuro
Sagrar-te o que por ti minh’alma encerra.

Oh! quem pudera recontar a glória
Que em tuas tradições fulge incessante!
Lançar nela o fulgor de um diamante!
Cinzelar co’a palavra a tua história.

Sentinela avançada do Sul do Império,
Jamais ante o perigo hás descorado:
Os teus filhos aqui neste hemisfério
Assz o seu valor já têm provado.

Nas lutas pela pátria ameaçada
Onde é que se encontrou maior civismo?
De santo e pátrio amor aureolada,
Quem acaso venceu-te no heroísmo

Quando ousado agressor te ofende os brios,
A voz da dignidade é quem te impele:
Contra a demência de baldões sombrios
Não há quem mais altiva a honra zele.

És a terra fecunda em que nasceram
_ Bento Gonçalves, Canabarro e Neto –
As águias a quem sempre alvoreceram
Belas auroras de porvir dileto!…

Oh! já muito mais longe esteve a esp’rança
De remir-nos da velha monarquia!
Aqui, de trinta e cinco a idéia avança
E de hora em hora engendra o grande dia.
——————————————————————————–
Mas não é só no meio dos combates
Que sabes perlustrar entre fulgores;
Se ao rugir da metralha não te abates,
Também sabes da paz colher as flores.

Também aqui no crânio de teus filhos
Cintila a doce luz que eleva a mente;
Por ela és impelida a novos trilhos
E adoras do progresso a flor virente.
Por ela não te alias à indolência,
Conheces quanto pode a atividade,
O trabalho – esse símb’lo da paciência
Que eleva e nobilita a humanidade!

Por ela vais prestando um nobre culto
Às belezas que a arte dissemina;
Mil preitos tributando ao grande vulto
Da ciência, a espancar atra neblina…

Por ele, enfim, prossegues no caminho
Em que da vida – além! – a flor viceja…
Jamais o teu porvir será mesquinho,
Porque nunca é pigmeu quem livre almeja.

Ó Pérola do Sul! berço d’encantos!
Esplêndido jardim de flores lindas!
Os primores que encerras aí! são tantos,
Quais nos céus as estrelas são infindas!

Aqui a rio-grandenses é sedutora,
Atrai, cativa com suave enleio;
Em seus olhos a chama é tentadora,
Tem pér’las divinas no belo seio.

Ó ProvÍncia do Sul! se a natureza
Mulheres tão formosas concedeu-te,
Para as lutas da vida a fortaleza,
A bravura e o valor dos homens deu-te!

O gaúcho forte

Sou gaúcho forte, campeando vivo
Livre das iras da ambição funesta;
Tenho por teto do meu rancho a palha
Por leito o pala, ao dormir a sesta.

Monto a cavalo, na garupa a mala,
Facão na cinta, lá vou eu mui concho;
E nas carreiras, quem me faz mau jogo?
Quem, atrevido, me pisou no poncho?

Por Deus, eu digo! que já fiz, um dia,
Uma gauchada de fazer pasma:
De – ginetaço – ela deu-me o nome;
Tinha razão; eu lhes vou contar:

Foi que num dia numa bagualada,
Passei o laço num quebra, um puava;
Montei; ferrei-lhe na paleta a espora;
Ele ia às nuvens, porém eu brincava!

Mas, de repente, o animal se atira:
E sai correndo, pela várzea fora;
E eu, que, folheiro, lhe pisei a orelha,
Maneei as bolas, e o bagual estoura.

Gauchadas detas, tenho feito muitas,
Por isso ela me chamou um dia,
Rei dos monarcas, gauchão em regra!
Por Deus! te digo: que ela não mentia!

E, se duvidam, eu já marco a raia,
E que se enfrene parelheiro ousado;
Tiro ou parada; não reservo guasca;
E sou o juiz… de facãozinho ao lado!…

Lá no fandango, de botas e esporas,
Danço a tirana, o folgazão balaio;
E ainda mesmo que me dêempechadas,
Saio rolando, porém; qual! não caio!

Lá na cidade, qualquer um baiano,
Pode, sem susto, me passar buçal;
Mas, tenho consolo, que cornetas desses,
Cá nos meus pagos têm passado mal!…

Se lá me perco nas encruzilhadas;
Eles sorriem por me ver assim;
Aqui eu monto num cuerudo desses,
E rio, mesmo sem lhe dar mau fim.

Isto é que é vida; o demais é história;
E nem invejo do monarca a sorte;
Se a fronte cinge-lhe uma c’roa de ouro
Eu cinjo a c’roa de um gaúcho forte…

Se ele adormece em florido leito,
Sobre os arreios, é meu sono igual;
Se ele se nutre de iguarias mil,
Eu de churrasco, muita vez sem sal!

Não tenho trono onde vá sentar-me,
Nem falsa corte de adulação servil:
Mas sou a glória, perenal e eterna,
Da minha terra, do feliz Brasil!

Amigo Juca

Cá cheguei,
Da marcha um pouco delgado,
Mas os pastos da cidade
Já me têm embarrigado.

Achei encosto e abrigo,
E mui regular aguada;
Para um homem da coxilha
Não é má esta invernada.

Mas assim um pouco arisco,
Sempre as orelhas trocando,
Vejo coisas mui estranhas
Que vão me ressabiando.

Como avestruz na macega,
Nas ruas vivo enredado,
Sem querer, gambeteando,
Para um e outro lado.

Usam aqui as muchachas
Uma tal saia e balão;
Coisa feia, amigo Juca,
Por Deus e um patacão!

São tão duras as tais saias.
Como a casca do tatu;
Tem mais voltas que a mangueira
Lá do cerro do Baú.

Quando passeia uma moça
Vai rodando como a lua…
Se ela fica embarrancada…
Adeus, caminho; adeus, rua!

Corcoveando mui feio
Anda sempre o tal balão;
Prega às vezes cada tranco
Que nem bagual quebralhão!…

Por vida! que toma campo
Capaz de dar um potreiro;
Em caso de temporal
Pode servir de telheiro!

Essa madama tem feito
Muito mal, meu bom amigo;
E já de golpe vou dar-te
A razão do que te digo.

Tu não ignoras, amigo,
Que mesmo eu sendo um gaúcho,
Lá nessas coisas de amor
às vezes dou o meu puxo.

A tua prima Nicota
Desses pagos era a luz,
E sempre entre guapas moças
Fazia primeira ou flux.

Por Deus, que nesse rincão
Não encontrava parelha;
Em prendas e formosura
Ninguém lhe sacava orelha!

Quando ao rufo da viola
A tirana aí dançava,
Era um gosto, amigo, ver
Como ela se maneava!…

Com saudade inda me lembro
De um dia em que lá cantei,
E de amores abombado,
Este verso lhe botei:

– És branca como jasmim,
Colorada como a rosa
Por treu amor eu daria
Um terneira barrosa! –

Que o pealo era p’ra ela,
Logo a menina entendeu:
E sem cortar-me a partida,
Ligeiro, me respondeu:

– Não sou jasmim nem sou rosa,
Eu sou no mais um botão;
Guarda lá tua terneira,
Só quero teu coração! –

Como um changueiro na cancha
Alegre fiquei, amigo,
E fresco retouçaria
Inda que visse o perigo!

Qual aspa de boi brasino
Nessa hora me senti…
Só lhe disse – Deus lhe pague!
Pois quase a fala perdi!…

Louco e cheio de amor,
Andava como um demônio,
E já queria meter-me
No curral do matrimônio…

Qual um mancarrão cansado
Que mal apenas tranqueia
Fico hoje abichornado,
Quando me vem tal idéia…

Parece que a minha bela
Por lá sentiu a mutuca,
Deixou a querência velha,
Ficou perdida, meu Juca.

Encontrei-a um dia destes;
– Caramba, que bicho feio! –
Era uma saia que andava…
E ela, fincada no meio!

Andei-lhe por de redor,
Como boi lá na atafona,
E gritei-lhe bem de rijo:
– Deus lhe dê saúde, Dona!…

A mão lhe quis apertar
Espichando bem o braço;
Cuê-pucha! se estava longe!
A um comprimento de laço!…

Mais triste que um reiúno,
Nessa hora me senti…
Tinha a menina mais bojo
Que o cerro do Botovi!

– Entonces, fica de largo?…
(Me diz ela, meio arisca)
Seu Manduca, não me acha
Um tanto ou quanto faísca?… –

Cuê-pucha!… (lhe retruquei)
Como hei de arrimar,
Se só tiro de bolas
Daqui lhe posso chegar?…

Nisto chega um cajetilha
Mui alegre e rufião
Acolherou-se com ela…
E já me ganhou de mão!

Fiquei boqueando, amigo,
Enquanto a minha adorada,
Levava tudo por diante,
Como tropa em disparada!

De certo o tal roseteiro
Daquele lado, tem rasca…
Hei de escorá-lo… e talvez
Lhe faça engolir a masca…

Escarvando como um touro
Ali havia ficado;
De repente me senti
P’ra diante repontado:

Era uma ponta de moças.
Cada qual com a tal saia…
Podia uma só cobrir
O cerro de Sapucaia!…

E de golpe se elevando
Uma forte ventania,
Por esses ares, amigo,
Eu pensei que tudo ia.

Quis fugir a toda rédea,
Porém mui feio rodei,
E, como sorro manhoso,
Aí, deitado, fiquei.

Os tais balões das muchachas
Redemoinhavam à toa,
E vi, meu Juca, perninhas,
Como junco de lagoa!…

Os tais balões, meu amigo,
Trazem smpre grande mal,
Às vezes, de couro fresco,
Nos fazem levar buçal…

Com eles as vivarachas
Ganhando vão a parada…
E depois o que encontramos?…
Casca, só casca, mais nada?…

Pois vou esbarrar o pingo
Que já vai meio aplastado;
Por outra vez te direi
Um mais comprido recado.

Memórias à tia Rosa
E à comadre Maruca;
E no mais, manda a quem é,
O teu compadre, Manduca.

Amigo Manduca

Recebi
A carta que me mandaste
E – por Deus! – te digo, amigo,
Que me ri do que contaste.

Tive lástima de ti
Quando soube que rodaste,
Varando os balões por cima…
Que vergonha não passaste!…

Mas não me espantou, amigo,
O que aí te sucedeu,
Porque um caso igual a esse
Também ja me aconteceu.

Andava lá na cidade
Num matungo caborteiro.
Ia ao tranquito no mas…
Monarqueando folheiro,

Quando, ao varar uma rua
Ia o pingo escarceando
Me saem de um boqueirão
Dois balões corcoveando!

Ah! pingo! amigo Manduca!
Sentou de golpe e bufou;
E eu encostei-lhe as chilenas
E aí, no mais, velhaqueou!

Por esses ares berrando
Se atirou o mancarrão,
mas perdeu-se num corcovo
E veio de lombo no chão!

De rédea na mão, saí
Mas pechei-me co’o balão,
Que vinha erguido na frente
À maneira de alçapão…

Planchei-me nessa pechada
E o balão enveredou
Fiquei em debaixo dele
E o pingo também ficou.

Quando se ergueu, o bagual
Alçou a cola e disparou,
Mas entao a sorte foi
Que o balão o encurralou.

Correu como quatro quadras
Em volta da tal mangueira
Mas a menina foi viva
Que lhe trancou a porteira.

Saquei da cintura as bolas
E na volta escorreguei
Mas sacudi meio a rumo,
E nos garrões lhe cruzei.

Deste sucesso, esquentado
E mascando a polvadeira
Lá do fundo já gritei:
– Oh! sia dona, abra a porteira! –

E desde esse dia, amigo,
Nunca mais voltei ao povo,
Pois desta feita fiquei
Com cara de laço novo.

Por isso creio o que dizes
A respeito dos balões,
São muito feios nas mulheres
Porém são bons curralões.

Saudades manda a Maruca
Que está linda e mui morruda,
Alentada e sã de lombo
E cada vez mais cogotuda.

memórias da tia Rosa,
Que a respeito de picanha
Andará batendo orelha
Se a Maruca não lhe ganha.

E te convidam, Manduca,
P’ra de volta te apeares,
Tomarás um chimarrão
Enquanto aqui panteares.

Com o teu amigo velho
E verdadeiro rapaz
Que se assina por costume
Juca Torena, no mas!

Lá…

Na minha terra,lá… quando
O luar banha o potreiro,
Passa cantando o tropeiro,
Cantando… sempre cantando…
Depois, descobre-se o bando
Do gado que muge adiante
E um cão ladra bem distante…
Lá… bem distante, na serra!
– Nunca foste à minha terra?

Enfrena, pois, teu cavalo,
Ferra espora, alça o chicote,
E caminha a trote… a trote
Se não quiseres cansá-lo.
Ainda não canta o galo:
É tempo de viajares;
Deixarás estes lugares,
Irás vendo novas cenas,
Sempre amenas… muito amenas!

O laranjal enrubesce
Ao disco argênteo da lua,
E a estrada deserta e nua
Logo aos olhos te aparece;
Uma restinga ali cresce
Beijando a fralda ao regato:
E lá… no fundo do mato
Arde o roçado e fumega
O nenúfar – macega.

Se um grito de fero açoite
Estruge no ar austero,
Não tremas, é o quero-quero
Que vem dar-te a boa-noite!
Um conselho porém dou-te:
Um pouso tens a teu lado,
Mas não lhe batas… cuidado!
Antes procura outros meios
Dormindo sobre os arreios.

Não que se negue a tal hora
Agasalho ao forasteiro,
Mas porque foras primeiro
Assustado sem demora:
– Ó Juca! põe-te p’ra fora…
Solta o cão… traz o trabuco!
Matemos este maluco!…
Para depois do rebate,
Ir contigo tomar mate!

Logo ao romper da alvorada
Põe à soga o teu cavalo:
Podes passar-lhe um pealo,
Uma maneia trançada;
Depois vai pedir pousada;
De dia nada receias:
Verás meninas sem meias…
Eh pucha! que lindas moças!
De pernas grossas… bem grossas!

Hão de fazer-te mil festas,
Dar-te atenção e carícias,
Por quanto as minhas patrícias
São modestas, bem modestas!
Mil vezes os mimos destas,
Porque são filhos da estima;
Aceita-os, pois, e por cima
Come um churrasco insosso,
Que elas dirão que és bom moço.

À noite escuso avisar-te,
Dança-se a parca tirana
Tira a primeira serrana
Que não há de recusar-te…
Ali a um canto, de parte,
O velho fuma um cigarro,
De quando em quando um escarro,
Ao passo que um mariola
Arranha numa viola.

Não te espantem os cavalheiros:
Muitos verás de tamancos.
Outros de sapatos brancos,
Ou de botas de terneiros;
Esses serão os primeiros
Na competência dos pares…
Nem te importes se escutares:
– Eu danço co’a sia Maruca,
A Chica dança co’Juca!

Ouvirás após cantinga
De versos de pés quebrados,
Coisas de tempos passados,
Que talvez a rir te obriga,
Se queres porém que o diga,
Acho mais graça e beleza,
Naquela simples rudeza,
Que nos folguedos sem lei
De certa gente que eu sei!

Ali verás como incita
O viver da solidão.
Tomando o teu chimarrão
Feito por moça bonita.
Verás vestido de chita…
Muita vida em cada rosto…
Mas se duvidas do exposto,
É fácil; vai até ali,
E diras se te menti!

A roceira

Minha mãe nasceu na roça,
E eu criei-me na palhoça,
Eu sou filha do sertão;
Sou delgada e sou faceira,
Como o leque da palmeira,
Como o ramo do chorão.

Minha irmã é mais morena…
Tem os seios de açucena,
Tem os lábios de carmim…
Minha irmã é tão mimosa!
Minha irmã chama-se Rosa…
Porém gostam mais de mim!

Eu vagueio pelos campos,
Semelhante aos pirilampos,
As mariposas azuis…
Sei cantar… e canto e choro…
Sei bordar com fios d’ouro
Sei rezar na minha cruz.

Eu sei tudo quanto quero!
Sou esbelta, sou faceira,
Como a rama do chorão…
Minha mãe nasceu na roça,
Eu criei-me na palhoça,
Eu sou filha do sertão!

A quem amo? Não o digo;
Fique o segredo comigo,
Guardado no coração!
Amo os valos… amo a roça…
Eu criei-me na palhoça
Eu sou filha do sertão!…

"Flores do pampa"

CANTO DO MONARCA

Eu sou o moço gaúcho,
Valente como os mais guapos;
Filho e neto de farrapos,
Republicano no mais!

Com o meu poncho de pala,
E laço e bolas nos tentos,
Vou mais ligeiro que os ventos
Por sangas e bamburrais…

O rei, montado no trono,
Tendo os ministros consigo,
Não se compara comigo,
No dorso do meu bagual;
Se ele é rei, eu sou monarca!
Se ele tem cetro dourado,
Tenho relho prateado
E a cancha do meu punhal!

Por Deus e por minha vida!
Tenho uma vontade ardente
Que ainda outra vez rebente
Aqui – a revolução!…
Mostraria à baianada
Que treme, a morder cartucho,
P’ra quanto presta o gaúcho,
Num pingo de opinião!…
De vez em quando – aparece
Um orador que se arrisca:
E n’assembléia se prisca
Para a banda popular…
Mas sempre encontra quem logo
Comece a pelegueá-lo,
Arme-lhe certo o pealo
E faça o bagual sentar!…

Eh puxa, mano! Parece
Que os sentimentos rodaram!…
As crenças s’encurralaram…
E o povo – marcha o garrão!

Estropeado e maceta,
Empaca o patriostismo
E anda no passo o cinismo
Por toda a povoação.

Eu que sou moço largado,
Valente como os mais guapos,
Filho e neto de farrapos,
Republicano no mais!
Hei de correr a rebenque
Os reiúnos sem valia,
Que, para mais picardia,
São filhos dos nossos pais!…

Vem chegando Gumercindo

No querido céu da Pátria
Doce aurora vem surgindo,
Às campinas rio-grandenses
– Vem chegadno Gumercindo –

O anjo louro da Vitória
Para nós já vem sorrindo,
Nas campinas rio-grandenses
– Vem chegando Gumercindo –

Doces gozos da igualdade
Minha terra vai fluindo,
Na terra dos gaúchos livres
– Vem chegando Gumercindo –

Doces frutos da Vitória
Os federais vão sentindo,
às coxilhas rio-grandenses
– Vem chegando Gumercindo –

Os heróis de trinta e cinco,
Que da tumba vão surgindo,
Vão repetindo orgulhosos
– Vem chegando Gumercindo –

Da tirania o castelo
Pelo chão já vai caindo,
Nas campinas rio-grandenses
– Vem chegando Gumercindo –

Décima

MOTE

Não há gosto sem desgosto,
Nem há perfeição no mundo,
A ausência de uma querida
É um golpe bem profundo.

GLOSA

Preparou-se contra mim
A sorte, a fortuna, o fado…
Eu posso dizer assim
Do que hei presenciado
Depois de haver empregado
Meu amor tão a meu gosto,
A cor me foge do rosto,
Fico quase desmaiado
Enfim, está declarado
– Não há gosto sem desgosto. –

Adeus, querida saudade,
Deste teu querido amante,
Nem vás para distante
Se acaba minha amizade…
Oh! tem de mim a caridade
Do meu silêncio profundo
Que nem sequer um segundo
Se passa sem me lembrar
– Com a minha lealdade –
– Não há perfeição no mundo –

E quanto custa a sofrer
Uma tal separação
Nem há com que comparar,
Nem assim posso dizer
Talvez a dor de morrer
Fora antes prometida,
Porque a uma ausência movida
Ninguém pode resistir.
Toda a vida hei de sentir
– A ausência de uma querida –

Vão, minhas letras, enfim,
Visitar a quem estimo
A minha amada querida
Que saiba que persisti
Que a mesquinha ingratidão
– É um golpe bem profundo. –

Musa gaúcha

Bonitaça no mais a Maricota.
Guapetona chinoca requeimada,
Braba como potranca malmarcada
Quando, de cola alçada, se alvorota.

Um defeito qualquer ninguém lhe nota:
Mãos pequenas, a face colorada,
E uma graça dengosa, malcriada,
Se requebra o fandango, a perdigota.

Não quer casar; e quando algum pealo
De sobre-lombo atiram-lhe, no calo
Ofendida se sente e faz negaça,

Pega o freio nos dentes, e adeusito!…
Que então, como bagual que sai no jeito,
Nem à bola se pega a matreiraça!…

O meu bagual

Fiz ontem repontar o meu bagual,
O meu bagual sebruno rabicano,
E fui ver, no rincão do Faxinal,
A china, que não via há mais de um ano.

Sestroso sempre, o puava do bichano,
Mal sente pelas ventas o buçal,
Bufa, como um feroz republicano
Se lhe falam no trono imperial.

Atiro-lhe lombilho. A barrigueira
Fá-lo gemer. O pingo o solo cheira
E faz partes de guapo redomão.

Monto. Debalde o bruto corcoveia,
E quando a todo o lombo se plancheia,
Saio folheiro – a rédea pela mão.

Gauchadas

Fui tomar ares fora, há quatro ou cinco meses,
Na estância de um amigo; e repetidas vezes
Toquei-me campo fora e fui parar rodeio,
Montado em pingos tais que nunca viram freio!

Eu ia, a toda a brida, à toa, pelos Pampas,
Os touros apanhando a laço pelas guampas,
Repontar os baguais, as éguas, os potrancos,
Rodando nos cupins, saltando nos barrancos.

Era um guasca largado! Às minhas gauchadas
Diziam os peões: – Não é de caçoadas
Aquele doutorzito, a meio abaianado;
Por Deus que é ginetaço e moço abarbarado! –

Quer fosse na atafona ou fosse na senzala,
Por sobre os ombros meus caía em regra o pala,
Prendia o meu cigarro à fita do sombreiro;
E arrastava por gosto a espora no terreiro!

Nos fandangos, à noite, a china mais bonita
Olhava para mim – cantando a Chimarrita…
E se eu ia p’ra… roda então… barbaridade!
Por Deus e um patacão! não era da cidade!…

Duma feita, eu já tinha atravessado o passo,
E estava retouvando as bolas junto ao laço,
Quando vi, a banhar-se, uma chinoca airosa,
Lindaça como o sol, fresca como uma rosa.

Não sei o que senti; parece-me somente
Que eu quis abrir de raia e me tocar p’ra frente…
Mas – se os olhos gentis daquela tentação
Manearam-me logo o triste coração!…

Prisquei-me para trás e refuguei p’ra um lado,
Mas, como trotear se eu ‘tava pealado?…
A china apresilhou-me uma olhadura terna…
Assim como quem diz – já te passei a perna! –

Embuçalou-me, a rir, e em tom de voz tirano
Perguntou-me depois: – Perdeu-se, o vaqueano?… –
Caramba! eu via bem que aquilo era um desfrute…
Mas a gente, patrício, às vezes não discute!…

O canto do gaúcho

Eu não nasci para o mundo,
Para este mundo cruel.
Só quero cortar os Pampas,
No dorso do meu corcel,
Este meu pingo galhardo,
Este meu pingo fiel.

Eu sou como a tempestade,
Sou como o rijo tufão,
Que esmaga os vermes na terra,
E sobe para a amplidão.
Eu sou o senhor dos desertos,
Monarca da solidão!

Quando eu, de lança enristada,
Esbarro no meu bagual,
Não temo a fúria sanhuda
Dessa canalha real,
Os reis são nuve’ de poeira,
Eu quero ser vendaval.

Eu sei que os reis, sobre os tronos,
Zombam de mim, eu bem sei;
Mas eu não troco o meu pingo,
Pela cabeça de um rei,
Esses palhaços c’roados
Que toda a vida eu odiei.

Qu’importa pois, que eles zombam,
Que ele riam-se de mim?
Eu nunca fui um lacaio,
Eu nunca serei mastim,
Quero viver sempre livre Quem me quiser – é assim!

Oh! como é belo – essa vida
Assim tãolivre levar!
Beber a luz d’alvorada
Quando ela vai rebentar!
Correr o Pampa deserto,
Correr… correr… não parar!

Eu tenho a crença no peito,
Guardada no corção;
Quero surgir na batalha,
À voz da revolução;
Amortalhar-me nas dobras
Do tricolor pavilhão.

O canto do farrapo

I

Ando só nestas verdes coxilhas,
Nestes pagos eu piso atrevido.
Sou gaúcho, sou guasca largado,
Sou, por quebra, de todos temido!

Cá não temo, no rancho de palha,
Galeguinhos que vêm da cidade
Sei valente suster nas batalhas
O fulgor da feliz liberdade.

Quero ver essa tal Majestade;
Que apareça esse rei tão falado;
Quero ver se me pisa no poncho,
Sem sair ele mesmo pisado.

Que apareça esse testa c’roada,
Esse bicho escondido no trono:
Que se chegue, sequer para sempre
Nos infernos dormir tredo sono.

II

P’ra que quero mais glórias na vida,
Se de glórias transborda meu carro?
Já peleei junto ao Neto valente,
Militei com David Canabarro.

Fui soldado de Bento Gonçalves,
João Antônio me viu a seu lado;
Na peleia fui sempre valente,
Sempre guapo no pingo montado.

Esse grande imortal Garibaldi,
Que da Itália veio por guapo,
Teve em mim um fiel companheiro,
Destemido, valente Farrapo.

Andei junto na guerra a Portinho,
Das façanhas eternas, virentes;
Combati com Frutuoso, com Guedes,
Trabuzanas famosos, valentes.

III

De Rio Pardo me achei na batalha;
Que vertesse meu sangue, Deus quis,
No recontro imortal, legendário,
Que – porongos – na história se diz.

Ponche Verde foi outra peleia
Onde a vida arrisquei pelos meus,
E se lá não tombei retalhado,
É que a vida é guardada por Deus.

Nas peleias mais rijas, cruentas,
Sempre firme na frente me achei;
Que na frente é o lugar dos Farrapos
Que combatem com crença na lei.

Carta

Amigo Alano

Aqui atado ao palanque, não me é possível retouçar
um pouco por essas coxilhas; e assim me vejo apartado dos companheiros, crioulos
lá dos meus pagos; vou portanto arrolhar estas letras na canhada desta
folha de papel, e depois as farei repontar para esse acampamento, estimando
que elas o vão achar alentado e de saúde.

O tempo corre mais que nem um bagual com um couro cru na cola, e nem a tiros
de bolas se pode apanhar o que já passou; e nós, desgarrados
por estes campos, vamos gastando carnes e ficando rosilhos-mouros, longe da
querência, passando sempre uma vida de cachorro chimarrão; ainda
hoje me lembrei do tempo em que era meio rufião; que via uma moça
linda, já me endireitava todo e trocando a orelha, logo, sem me parar
na estaca, lhe ia discorrendo pelo teor seguinte:

Os olhos de minha amada
Ardem mais do que um tição
E as faíscas que lançam
Salpicam meu coração.
E se ela se parava um tanto mesquinha, já lhe largava este outro:

Não sejas arisca, bela;
Basta para o meu castigo,
Que seguro já me tenhas
Com maneia e pé-de-amigo.
João Alano da Silva, Tte. de Guardas-Nacionais – 1851.

Não quero, porém, me recordar destas coisas que me fazem ficar
aguando, e de golpe; mudando de rumo, trataremos de outro assunto.

O que diz, amigo Alano,
Do que toca ao nosso pleito?
Viver assim deste jeito,
Não me agrada.

Decerto é vida arrastada
A nossa, por este lado,
Dormindo como veado
Na coxilha…

Rosas, com sua quadrilha
De blancoss em Buenos Aires,
Dizem que já armou os frailes
Contra nós.

Há de, esse monstro feroz,
Exp’rimentar desta feita,
Aquilo que o diabo enjeita
No inferno.

Deus queira que neste inverno
O caudilho, degolado,
Não vá, de presente, enviado
A Satanás!

E como joga sem ás
E sem manilha de espada,
Há de arriscar na parada
O ás de copas…

E depois, mandará as tropas
A generala Manoelita*
Essa guapa señorita.
Mui afamada.

Carga seca e denodada,
Por Deus! que lhe hei de fazer!
E se o pai aparecer…
Passo de largo!

O seu trato é bem amargo;
E somente p’ra brincar,
Gosta de fazer tocar
A Resvalosa**

Dessa fera tão danosa
Deus nos livre, amigo Alano!
Eu quero gozar este ano
Da nossa terra.

Este país sempre em guerra,
Tudo traz em calções pardos.
Os campos só criam cardos
E gafanhoto.

Ao feijão chamam poroto,
À batata, cacaraxa;
E o que chamamos cachaça,
Eles dizem – caña.

E por aqui tudo é manha
Tudo é burla e tudo é peta;
Todo cavalo é maceta
E rodilhudo.

Todo gaúcho é peludo,
Todo o matungo é matreiro;
Em cima disso, o pampeiro
Nos assola!

Ora sebo! isso me amola,
E me faz desesperar;
Tomara já me pilhar
Nos meus pagos!
Mas, caramba! amigo João!… Agora mesmo ouvi dizer que você
ia cortar, que nem tento, e que desta feita se atirava a nossos pagos, e eu
aqui fico relinchando, como potro corrido da manada. Ah! saudade!… que não
possa eu fazer o mesmo, e sair-lhe grudado, como carrapato na costela de animal
peludo! Enfim, Deus o leve a salvamento, e quando lá chegar diga aos
nossos patrícios que

Eu cá fico penando,
Mais triste qu’a saracura,
Que, quando adivinha chuva,
Seu canto mais apura.
Mas que estou fazendo, amigo Alano? O meu engenho, bastante estropeado, não
se pode agüentar no pedregal da poesia, o sentimento que me causa a sua
partida me põe de uma vez bichoco, de forma que lacerado pela saudade,

Vou dar-lhe a despedida,
Como deu o gaturama,
Que se despediu, dizendo,
– Muito padece quem ama. –
* – A filha do ditador Rosas.
** – Mazurca, ao som da qual o ditador fazia degolar os prisioneiros.

O gaúcho

Eu sou um quebra largado,
– Por Deus e um patacão! –
E se duvidam, perguntem
À moçada do rincão!

Sou valente como as armas,
Sou guapo como um leão!
Índio velho sem governo,
Minha lei é o coração!

Quando ato a cola do pingo,
E ponho o chapéu do lado,
E boto o laço nos tentos!…
Por Deus, que sou respeitado!

Ser monarca da coxilha,
Foi sempre o meu galardão
E quando alguém me duvida,
Descasco logo o facão!

Não tenho mancha nem medo,
Não temo inverno ou verão;
Meu culto é o das raparigas
E do mate-chimarrão.

Quando me ausento dos pagos,
– Isto por curto intervalo –
Reconhecem minha volta
Pelo tranco do cavalo.

Ninguém me pise no poncho!…
Pardo velho abarbarado,
Tenho chilenas de prata
E pala branco, bordado.

Gosto da vida do campo,
Governo com honra e brio;
Co’um par de bolas no cinto
Não tenho medo nem frio.

Sou livre como a seriema,
E nem reconheço tirano:
Criei-me nas esc’ramuças,
Ao sopro do minuano!

Sou valente como as armas,
Sou guapo como um leão!
E se duvidam, perguntem
À moçada do rincão!…

Saudades da província

Que saudades eu não tenho
Daqueles tempos passados,
Em qu’eu montava o tordilho
Com arreios prateados,
E riscava campo fora,
Entre os monarcas largados!…

Eu namorava uma dama,
Eh puxa!… moça bonita!
Me trazia pelo freio,
Como ninguém acredita!…
Mas, por Deus, qu’ela era linda,
Com seu vestido de chita!

E tinha uns olhos tão guapos…
Para dizer a verdade:
S’eles olhavam p’ra mim,
Não me sentia à vontade;
Perdia logo os estribos!…
Que moça! barbaridade!…

Ah! se eu fora tão ditoso
Que ela me desse um abraço,
Por Deus, que até deixaria
Cupido passar-me o laço:
Em troco, a ela daria
O meu cavalo picaço!

A cruel deixou-me à soga…
– Bem mostrou alma pequena! –
Mas, se ainda me recordo
Dos olhos dessa morena,
Qualquer prazer me diverte,
Qualquer gosto me dá pena!…

Quando me lembro dos pagos
Fico triste e aperreado;
Lá deixei o mano Juca,
Monarca quebra e largado;
Ninguém lhe pisou no poncho
Que não ficasse pisado!

A sorte atirou-me o laço,
E me cinchou para aqui;
Maneou-me nestes campos
Que chamam de – Tuiuti –
Por Deus! que tenho saudade
Dos pagos onde nasci!…

Tenho saudades dos campos,
Saudades do meu rincão,
Onde eu era conhecido
Por homem de opinião;
Saudades do bom churrasco
E do mate-chimarrão…

Mas vocês ainda não sabem
Quanto me vale esta espada:
Pode lá vir quem vier,
Hei de dar-lhe uma pechada!
Caramba! se viesse o Lopez,
Estava a guerra acabada!…

Mandei plantar os desgostos
No tronco do tarumã,
E da raiz na romã
Vou mil palitos fazer,
Para todos oferecer
À ingrata de Camaquã!…

Os vizinhos

– Ó! de casa! se ouviu lá no terreiro
E a voz se conheceu do Zacarias,
E um negrinho foi presto recebê-lo
Por mandado do vcelho Malaquias.

Malaquias puxou do fumo em rama
E mui destro picou com o facão
E na boca cruzando imensa palha
Ao negrinho gritou por um tição.

E saindo da varanda para a sala
Veio vindo, chupando um chimarrão,
Depois, tirando a bomba dentre os dentes
Ao Zacarias deu a forte mão.

– Boa tarde, compadre Zacarias!
Caramba! há tempo que não o vejo!
A comadre Anacleta como vai?
Disseram-me que anda com desejo?…

– Qual desejo!… A mulher anda doente…
Inda mais, acontece-me esta espiga:
Pois botando os terneiros no chiqueiro,
Levou uma cabeçada na barriga!

– Deve dar-lhe os sucos de urtiga,
É remédio mui bom, e logo sara.
Ou senão um chá de erva-de-bicho.
É o mesmo que água fria na fervura.

Ou ainda o compadre dê seguido
Raiz de vassourinha feito mate;
É receita que deu-me um gringo velho,
Um pouco meio ladrão, meio mascate.

Me dizia esse gringo que te falo
Em linguagem virada, p’ra explicar:
Piliate due o tre raice vassurin,
I botate a lo mate, p’ra tumar! –

– Vou mandar a Chinoca fazer isso
Para ver se lhe tira mais as dores.
E então, Malaquias: e as carreiras?
Quem ganhou? O velho Chico Flores?

– Não Sr., foi o Lopes do Cerrito,
O dono do cavalo marchador,
Pois o zaino do Flores sempre foi,
Na minha opinião, um estupor. –

– Compadre, não diga tal asneira!
Não é por eu nele ter jogado…
Agradeçam mais bem ao corredor
Por correr o cavalo em mau estado!…

– O que sei dizer – é que perdeu!
De paleta… fiador… eu nem sei bem…
E perdi na carreira cem mil réis
Mas noutra não me pega mais ninguém.

——————————————————————————–

– Conversando um bocado em cada coisa:
Então, que tal vais de plantação?
Aqui me disseram que a lagarta
Te fez um grande estrago no feijão?…

– Qual lagarta, compadre, ou lagartixa!
Eu já tinha o feijão todo empilhado:
Apodreceu-me a metade quase toda
Co’a chuvarada, sim, do mês passado.

– Ah! compadre! antes que m’esqueça:
Se vires minha égua douradilha
Manda o negrinho levá-la lá p’ra casa
Pois vou acolherá-la co’a tordilha.

E também se topares aí no campo
Aquele meu torito jaguané
Me avisa, que quero segurá-lo
Pois vendi-o p’ra viúva do André.

Não sei se conheces este touro?
Já tem uns dois repasses na carreta
Foi marcado no verão passado
Tem um J e um S na paleta.

E com esta me vou. Adeus, amigo!
Vou dar o remédio p’ra mulher.
Manda sempre neste amigo velho,
Sempre o mesmo Zacarias Xavier.

Um noivado no Rincão do Buraco

(Camaquã)

Faz tempos que recebi
Um bilhetinho do Bento
Pelo qual me convidava
Para ir a um casamento.

No bilhete me dizia:
"Quem se casa é o Vicente
Co’uma moça bonita
E filha de boa gente."

E inda mais ele escrevia:
"Se tua égua está sã,
Vem cedo, qu’inda hoje mesmo,
Bandeamos o Camaquã."

Chegando o dia marcado
Partimos, sem mais demora.
À tarde lá estivemos:
Chegamos pela uma hora.

De chegada vi a noiva
E conversamos um naco…
Era a mais bela flor
Lá do Rincão do Buraco!

Fomos p’ra mesa, jantar;
Depois, um moço a meu lado,
Pediu-me fizesse um brinde
Oferecido ao noivado.

Peguei no copo, acanhado
– Confesso de coração –
E disse: – Viva o noivado
E a bela reunião!

Em seguida, para a noiva,
Dirigiu-se o meu vizinho
E disse: – Mana Mercedes,
Faz também o teu versinho!

Coradinha ela ficou
E sorrindo p’r’o namorado
Com jeito e com voz bonita,
Agradeceu p’r’o meu lado:

"Viva o Vicente, meu noivo,
Viva o meu noivo Vicente!
Viva a gente do Buraco,
Viva o Buraco da gente."

Numa garrafa arrolhada
Pega um velho desastrado
E pondo-a na boca gritou:
"Este buraco é tapado!"

Este brinde fez um outro
(Por apelido Papaco)
"Quem quiser boa mulher
Procure só no Buraco!"

Ainda outro, mui sério
Comendo cocadas, diz:
"Quem se casa no Buraco
Faz o Buraco feliz."

Diz uma velha risonha
Ao noivo e noiva brindando:
"Não se esqueçam do Buraco
Vão no Buraco ficando!…"

Ao noivo tocou a vez
Tirou a viola do saco
Dizendo: – "Mulher, te juro,
Não saio mais do Buraco!"

"Hei de dormir no Buraco,
No Buraco, trabalhar;
Já que te achei no Buraco,
No Buraco te hei de amar"!

——————————————————————————–

Depois de sair da mesa
Os convivas, conversando,
Os bens que a noiva possuía,
Estiveram me contando:

"Esta moça que casou-se,
– Diz um, pitador de naco –
Tem boa data de matos
Aqui no Rincão do Buraco."

Informa outro: "a menina
Tem suas prendas, seu gado,
Quem vê de fora o Buraco
Calcula de um modo errado."

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Gostei das simplicidades
E nunca dei o cavaco
Nessa festa que assisti
Lá no Rincão do Buraco.

O noivo pronto

Boa tarde, seu vizinho!
Bati como três vezes na cancela,
Como ninguém mandou entrar,
Vai… e foi… eu abri e entrei por ela.

Pelo jeito… passa bem?
E também a obrigação?
Se lhe pergunto estas coisas!
É só por estimação.

Ora pois, aqui me tem
Assim um tanto avexado
Por ter o que lhe dizer
Sem saber dar o recado.

Vindo aqui na sua casa
Não lhe venho visitar,
Mas somente lhe dar parte
Que breve me vou casar.

Estou de um tudo preparado,
Nada me falta p’ra festa
Apenas uma camisa
Mais engomada que esta.

Também lhe venho pedir
Seu lencinho de pescoço
P’ra ver se naquele dia
Fico o mais bonito moço.

Se não lhe faz desarranjo,
Suas calças e colete
P’ra não fazer má figura
Junto de meu ramalhete.

Também lhe peço emprestado
Seu casaco e seu chapéu
Pois quem vai p’ra se casar
Vai p’r’o caminho do céu.

E p’r’acompanhar a fatiota
Suas botas e as esporas;
Minha mãe fica contente
Por causa das outras noras.

Ora, depois de vestido
O pó da estrada me suja
E não quero que por isso
A minha noiva me fuja.

Por isso também lhe peço
O seu cavalo tostado
Com este ginete em cima
Verá como ele é gabado.

E peço que ele vá pronto,
Com seus aperos de prata,
O casar não custa nada
Quando o noivo se precata.

E para encerrar a festa
Tendo a gente algo que morda
Também lhe peço emprestada
Uma terneira bem gorda.

Só faltou dizer agora
Quem minha noiva vai ser,
Se o meu vizinho consente
É o que me resta saber.

Tenho cavalo e arreios,
Traje, terneira e vontade;
Agora lhe peço a mão
Da Rosinha, essa beldade.

Se consente em ser meu sogro
Pouco mais tenho a pedir
Cama e mesa e sociedade
No lucro feito e por vir.

Nos tempos que vão correndo
Ninguém se deve amarrar
E eu esqueço tudo, tudo
P’ra co’a Rosinha casar.

E diga, no soflagrante,
Se devo me retirar
Se a Rosinha não me pega,
É capaz de se matar.

E apenas por dever
De não provocar tristezas
Lhe peço esse ajutório
Apenas de miudezas.

E como consente e cala
É que vou por bom caminho
P’ra completar o serviço
Seja também meu padrinho?…

Carta de um moço tropeiro

Cá te escrevo, destes pagos
Onde a sorte me há boleado,
Rebenqueado de saudade
Como um matungo cansado.

Um só dia não se passa
Que me não tire a paciência;
De quando em quando relincho
Com saudades da querência.

Desde que as patas do baio
Pisaram neste rincão
A modo que já nem como,
Já não tomo um chimarrão.

Dize à Rosa do Manduca,
Sobrinha do Tiririca
Que o nosso casamento
Desta feita em nada fica.

Vim levantar nestes pagos
Certa gauchita matreira
Que tem plata como terra
E é lindaça e faceira.

Estes dias se encontramos
Bem no atalho da picada
E num repente a pequena
Cabresteou, pela olhada.

Assim chegamos à fala,
Confiou-me os seus pesares
Andando tão só no mundo
Inveja todos os lares.

E sonha fazer seu ninho
Encostada a um braço forte
E andar a estrada da vida
Com ele junto, até a morte.

Mas o tutor, pássaro bisnau,
Sentiu catinga de tigre
E tem me armado parrandas
Esperando que eu emigre.

Cuê-pucha! sotreta maula
Já quis se fazer de fino
Aias mostrei-lhe quanto vale
A aspa de boi brasino.

Fiz-lhe um arranco macota:
Botei-lhe a traíra ao peito!…
Foi só numa relancina:
E acoquinei o sujeito!

Por isso não te admires
Do pouco que tenho escrito,
Agora cumpro a promessa
Conforme tinha te dito.

Chegando, dei água à tropa
E foi pastando, d’espacito
Algum mais delgado, encheu,
E tudo ficou bonito.

Quando cheguei na Tablada
Vieram charqueadores
E fizeram suas contas
Como bons entendedores.

Com pouco mais arreglamos
Negócio, dinheiro à vista
No outro dia a guaiaca
Já ‘stava cheia de alpista.

No "Paraíso das Damas"
Eh puxa! que me entestei
Pois enchi os pessuelos
De tudo quanto gostei.

Num gringo mais adiante
Chamado Mussiú Levy
Não estrompei dinheiro
Só naquilo que não vi.

Comprei memórias mui lindas
Com pedras vindas de Europa,
De forma que aí deixei
Quase o dinheiro da tropa.

Mais umas araganadas
E outras coisas merquei;
Onça por onça escorria
A minha tropa de lei…

Um certo dia, contente
No meu cavalo lazão
Num jogo de argolinhas
De todos fui o pimpão.

Atropelei o meu flete
E como não tinha medo
Logo tirei uma argola
Bem enfiada no dedo.

Aí é que tive o golpe
Da gauchita que te digo
Tremi todo só de olhá-la
Que olhos! que face, amigo!

A prenda fui ofertar
A essa moça bonita,
Que no braço me amarrou
Uma maneia de fita.

Foi como coisa mandada,
Acolherados ficamos;
Seguiu-se o que já te disse
E assim é que nos casamos.

De lá saí mui gamenho
E meti o meu bagual
Numa praça que tem pasto
Como a estância do Seival.

E dali fui resvalar
Bem na porta do mercado
E saiu-me um índio velho
De chapéu baio encerado.

Entrei por um portão largo
E me apeei, de repente,
O cujo pinchou-me multa,
Deixou-me de marca quente.

Agora é com a Marucas,
Já te contei anedotas,
Vou contar como se vestem
As muchachas de Pelotas.

Usam cabelo na testa
Tosadito a cogotilho
Mais alinhado e parelho
Que o do teu bagual rosilho.

Usam fitas na cabeça
Qu’esvoaçam com os ventos
E do lado de laçar
O leque preso nos tentos.

Usam coletes cinchados
E ancas esparramadas
Parece, quando caminham,
Avestruzes boleadas.

Usam botinas mui lindas
E de tacões muito altos
De forma que sem esporas
Andam elas sempre aos saltos.

Usam preso no granito
Um peitoral de ouro puro,
Ao qual prendem o retrato
Do cujo que está seguro.

E outras muito trapalhadas
Que eu vi e não sei dizer;
Quando vender a outra tropa
Com vagar hei de aprender.

Ah! me diz à Marucas,
Que recomendo a ximbé,
(A filha da vaca osca,
Neta do boi jaguané)

Dá lembranças à tia Rosa
E mais ao compadre Juca
E tu, já sabes, ocupa,
O estimado irmão

Resposta ao voluntário

Cá por estes velhos pagos,
Amigo! teu versos li;
Quis cantá-los à viola
Mas a toada perdi;
E de amor meio abombado,
Dessa tenção desisti.

Do teu tordilho tu choras
A dura separação,
E as saudades que tens
Dos pagos do teu rincão,
Saudades do bom churrasco
E do mate-chimarrão!…

Ah!… por Deus! que é vida triste
Essa vida que aí passas!…
Sem poder furtar a volta
Por mais quebrasdas que faças
à fome, sede, e fadigas,
Desaforos e pirraças…

Essa vida desastrada,
Como tu, eu já passei;
O vigor da mocidade
Nesse lidar eu gastei:
E por velho e estropeado,
Agora à soga, fiquei.

De fome andava delgado
Como por lá andarás
Sem um peludo no bolso
Que também tu não terás.
Com porteiras pelas botas,
Calças rotas por detrás.

E além de tal miséria
Ralhos, gritos, cara feia
Às vezes por quem não vale
Nem sequer pataca e meia…
Por quem sente o garrão frouxo
Na mais pequena peleia.

Se as rações nos adelgaçam,
O soldo, inda mais chorado,
Vem sempre muito de espaço
Como um matungo cansado…
E deixa a cola escondida
Pois lá fica o – atrasado – !…

Quando os ossos estendemos
Depois do rude lidar,
As cornetas e tambores
Do sono vêm nos tirar,
E da cama improvisada
Pronto nos fazem saltar.

Assim sempre aperreado
Um alentado gaúcho
Tendo leve a algibeira
E ainda mais leve o bucho
Passa a vida de reiúno
Até dar o último pucho.

Se na frente do inimigo
É guapo, forte, atrevido,
Mesmo assim pode ficar
Na promoção esquecido
Se por cá… tiver votado
A favor dum só partido.

Mas enfim, servir a pátria
Seus contrários combater
Do brasileiro soldado
É nobre e santo dever…
Que apesar de mil trabalhos,
Ele não deve esquecer!

——————————————————————————–

Também, como tu, amigo,
De amor eu fui pealado,
E mesmo sendo um bagual
Um tanto ressabiado…
Mais de uma guapa moça
Me trouxe palanqueado…

Se, por muito esporeado,
Coicear eu pretendia,
Um mancarrão me tornava,
Quando a bela me sorria…
E buçal de couro zarro
Levava… se ela queria!…

Houve um tempo que, diziam,
Amor firme se encontrava,
Que assim como laço novo
Duros tirões agüentava!…
Minha avó assim dizia
Que sua avó lhe contava…

Porém hoje… que’esperança?
Falar nisso é pura asneira,
Que é rara a moça bonita
Que trinta amantes não queira,
E custa encontrar alguma
Que não seja volvedeira!…

Hoje as modas, meu amigo,
Baralhando tudo vão;
É moda as meninas terem
Moeda e não – coração… –
A ternura e lealdade
Trocam por qualquer botão.

A ausência de tua bela
Não chores, portanto, amigo;
Pois que talvez te julgando
Muito perto do perigo
Um outro amor procurasse
Do que o teu, menos antigo.

Podes crer que a tal menina
Já por cá embuçalou
Algum arisco matreiro
Que do rodeio escapou
E sem se parar estaca
Ao faxinal se atirou.

Esse, sim, andou na regra,
Pois perto da namorada,
Escapando como sorro,
De cair na volteada:
Tem sempre livre o pelego,
De bolaço ou estocada.

Uns maulas tais envergonham
Esta nossa heróica terra:
No Campo são… avestruzes,
E… quatis lá pela serra…
Assim que de longe sentem
Coisa que pareça guerra!…

——————————————————————————–

Mas, Deus! Eu vou findar,
Com este largo sermão:
Memórias a esses bravos
Que contigo aí estão;
E se topares co’o Lopez
Prega-lhe um bom encontrão.

Para que, outra vez,
A quebralhão não se meta;
Com tuas fortes chilenas
Rasga-lhe bem a paleta,
E larga-o, depopis qu’esteja
Torto dum olho e maceta!

Uma festa

Senhores, se querem ver
Um sucesso assaz galante
Dai-me atenção um instante
E ouvirão.

Eu vos faço narração,
E começo a divulgar
Coisa que é de se ficar
Pasmado!

Porque, no tempo passado,
Nunca se chegou a ver
O que veio a acontecer
Agora.

Desposou-se uma senhora
Na capela do Boquete;
E deu o melhor banquete
Do mundo!

Eu que atendi em segundo,
E que sempre observava
Vi que o banquete contava
Bons manjares.

Mas vim ver nestes lugares,
– Não sei se é do uso aqui –
Pratinhos que nunca vi
Em funções:

Laçaços e bofetões!…
É o nome que eu lhes dei;
Mas eu deles não provei,
Nem por nada!

São comidas carregadas,
E eu nunca gostei delas,
Nem tampouco posso vê-las
Perto de mim…

Como foi: Manoel Joaquim,
Que do noivo era um irmão,
Foi quem tomou o fartão
Do tal bocado.

O pai com ele zangado,
Por ele entrar-lhe com contos,
Fez chegar o caso a pontos
Do laço andar…

ELe, então a fim de honrar
A sua querida mãe…
Diz: – Voce não é meu pai!…
E assim,

Poder nenhum tem em mim;
E a dizer-lhe agora, venho:
De obedecer não tenho
Obrigação! –

E para que a função
Fosse inda mais arrojada,
Da noiva uma irmã casada,
E outra solteira,

Também lá por certa asneira,
De um vidro que se quebrou,
A solteira, sem mais, começou
A improvisar:

Quis uma outra acomodar,
Mais armaram tal travada.
Que o marido da casada
Acudiu!

A solteira que isto viu,
Querendo a coisa espremer:
– Que vem cá você fazer,
Seu ladrão?… –

A casada, disto então
Fortemente estimulada,
Sentou-lhe uma bofetada;
Foi um gosto!

Ela rebateu com o rosto
– Que assim manda a boa ordem –
E eu, vendo uma tal desordem,
Quebrei beco…

Francisco José Pacheco
Que do noivo era padrinho,
Vendo que o tal pratinho
Não lhe tocava,

– Pois suponho que gostava,
Segundo o que praticou.
Que para o mostrar tratou
Servir-se a si;

– Bem asno em estar aqui,
(Dizia) nesta função!… –
E, a si mesmo, muito bofetão
Foi dando!

Eu estive observando
Aquele belo entremez,
Que, sem dúvida, se fez
Com aplauso.

Da noiva findo o caso,
Resta-me dizer agora,
Aquela dita senhora
Como se chama,

Para que conte a fama
Duma função esquisita,
Que se fez no casamento
De Antônia Rosa Brabita!

IV – Trovas

Cantadas ao som do Hino Farrapo

Bento Gonçalves da Silva
Da Liberdade é o guia
É herói porque detesta
A infame tirania.

Contra a infame galegada
Ufanos trabalharemos,
Triunfando as nossas armas
Republicanos seremos.

Os galegos já contavam
Que a vitória fosse sua,
Quando entraram farroupilhas
De lanças e espadas nuas.

Aborrecemos o jugo,
Fazemos guerra aos tiranos
Juramos por nossas armas:
Seremos republicanos.

Guerra, guerra, fome e peste
Contra o malvado tirano!
E a todo o mais que não for
Liberal republicano.

Tenho o meu cavalo oveiro
Tosadinho a cogotilho,
Para correr os galegos
Como tropa de novilho.

Nos ângulos do continente
Pavilhão tricolor
Se divisa sustentado
Por liberdade e valor!

Amarrei o sol e a lua
Com a fita da Liberdade;
Aquartelando as estrelas
Só respeito a Divindade!

Liberal, republicano,
Rio-grandense – até a morte,
Hei de levantar bandeira,
Té onde for minha sorte!

Bento Gonçalves, primeiro,
General Neto, segundo,
Não se lhes há de atacar
Em qualquer parte do mundo.

Grande Neto, abençoado,
Teu nome é o que mais rebrilha;
Por isso é que serás sempre
O mimo dos farroupilhas.

Foi eleito presidente
Na vila Piratinim
O ilustre José Gomes
De Vasconcelos Jardim.

Há muito lombilho novo,
Caronas de couro cru,
Pois já vai chegando o tempo
De encilhar caramuru.

No dia vinte e quatro,
No passo do Canapé,
Bento Manoel escapou-se
Só co’uma bota no pé.

O Lima subiu ao valo
Como um grande valentão;
Uma bala levou-lhe o queixo
Desmaiou, caiu no chão.

Os bravos filhos de Marte
Juravam pela existência,
Sustentar a todo o custo
Da Nação a independência.

Amante, firme, independente,
É dever de um filho honrado,
Pela Pátria dar a vida,
É justo, é dever sagrado.

Unidos, amantes briosos
Da feliz fraternidade;
Seremos republicanos,
Justa lei da liberdade.

Quem saudoso inda suspira
Pelo amado cativeiro,
Vá servir a seu senhor:
Deixe o solo brasileiro!

Quando a voz da Pátria chama,
Devemos obedecer;
Na frente cantando o hino:
– Ou liberdade ou morrer!

Mimosas rio-grandenses,
Criai bem vossos filhinhos,
Que a Pátria muito precisa
Do vigor dos seus bracinhos.

Porto Alegre e Rio Pardo
Seguem a mesma opinião;
Por não poder suportar
Esta vil escravidão.

Bento Gonçalves da Silva
Foi preso, foi desterrado;
Mas deixou o bravo Neto
P’ra cumprir os seus tratados.

O Neto gritou na frente.
O David na retaguarda:
– Esta corja de cativos,
Para os livres não são de nada!

Valente David, guerreiro,
Que na mão sustenta a espada!
Atropela, prende e mata,
A nojenta galegada.

Graças imensas são dadas
A Gonçalves Lima e Neto;
Viva o Coronel Crescêncio!
E seus camaradas libertos!

Onofre rendeu as armas
Com dores no coração;
Não foi falta de coragem,
Foi falta de munição.

Qual seria o farroupilha
De tão duro coração.
Que foi dizer aos galegos
– Que não tinham munição!

Se eu não sou republicano,
O Deus do Céu não me escute,
A luz do dia me falte,
A terra não me sepulte!

Senhor Neto vá-se embora,
Não se meta a capadócio;
Vá cuidar dos parelheiros,
Que fará melhor negócio.

Senhor Neto não precisa
De cuidar de parelheiros;
Já lá tem Silva Tavares,
Só’stá faltando o Medeiros.

Mais vale um farroupilha
Que tenha uma saia só
Do que duas mil camelas*
Cobertas de ouro em pó.

Ó galego, pé de chumbo,
Calcanhar de frigideira,
Quem te deu a confiança
De casar com brasileira?

Ó galego, talão grosso,
Cara dura, unha de gancho,
Hei de correr-te a rebenque,
Se pisares no meu rancho.

Hei de mandar escrever
Por montanhas e desertos,
Em letras d’ouro este nome:
– Antônio de Sousa Neto. –

O dia oito de outubro
Foi um dia soberano,
Em que no Seival soou
O grito republicano.

As pedras vertiam sangue,
As árvores davam gemidos,
Por verem os patriotas
Da sua pátria corridos.

Bento Gonçalves farroupilha;
Bento Manoel caramuru;
Juntaram-se estes bentinhos,
Fizearm da província angu.

Tenho uns arreios velhos,
Carona de couro cru,
Com que pretendo encilhar
O partido C’ramuru.

Noo campo de honra andamos
Fevereiro, março, abril,
Defendendo a nossa causa,
Commo filhos do Brasil.

Minha mãe eu lhe dou parte;
Não me chame de tirano,
Vou seguir as minhas armas.
Porque sou republicano.

O herói Bento Gonçalves
Que de nada se temeu,
No dia 20 de setembro
Bateu palmas e venceu.

A vinte e cinco de maio
No passo de Inhanduí,
Camelo virou capincho;
Ninguém me contou, eu vi.

Deixei mãe, deixei mulher,
Deixei o rancho e cabedais,
P’ra seguir meus companheiros
Republicanos liberais.

Não dês guarida aos tiranos
Oh! altas serras do norte!
Oh! brandos campos do sul
A tirania traz morte!

No outro lado da linha
Lá p’ra Banda Oriental,
Vou arriscar minha vida
No partido liberal.

De setembro o grande vinte
Torna de novo a raiar;
Empresa tão gloriosa
É tempo de terminar.

Graças mil te sejam dadas,
Grande Bento abençoado;
No Brasil, em toda a parte,
É teu nome respeitado.

Para fazer num instante
Tremer o Brasil inteiro,
Á frente de mil heróis,
Temos um Lima guerreiro!

Viva a coluna dos livres
Viva o povo rio-grandense,
Que aos olhos de todo o mundo
Vencerá o fluminense!

Um João Antônio famoso
Qual raio do deus Mavorte,
Arremessa entre os cativos
O terror, o susto, a morte!

Setenta e tantos algozes,
Sectários da escravidão,
O braço de um Agostinho
Enviou a Deus Plutão.

Ainda na terra floresce
O sangue de um Amaral!
Há de ser como este sangue
A liberdade imortal.

Se heróis valentes como estes
Em prol da pátria morreram,
Da terra, contra os tiranos,
Veremos outros nascerem!

Já vem o Silva Tavares
Com a sua gente armada,
Perguntando pelo Neto
Mais a sua farrapada!

No passo da Cachoeira
Rio de sangue se formou
Das cabeças dos tiranos
Que a espada livre cortou.

No dia 7 de Setembro
No campo da Boa Vista,
Foram presos João Lourenço
E outros mais legalistas!

* Outra denominação da "legalidade".

V – Poesias históricas

A batalha do Rosário

A desgraça do governo
Nos levou a tal estado,
Que deu valor ao inimigo,
Fez o exército desgraçado.

Bravos heróis se perderam
Faz pasmar a triste cena…
Devido à rude vileza
Do General Barbacena.

Como condutor de negros,
Que trouxesse do Valongo,
Conduziu a nossa gente
Muito pior que um rei Congo.

Deu princípio ao ataque.
Sem junção duma brigada…
Nem mandou juntar bagagens,
Carretas, bois, cavalhada.

E assim aconteceu
Sem nada determinar;
E só entrou nessa luta,
Aquele que quis entrar.

Fazendo carga no centro,
Sem dar proteção aos flancos
Lá deixou bastantes mortos,
Muitos feridos e mancos.

Ganha força o inimigo
À cavalaria do Rio,
Que por ser pequena força
Logo rompida se viu.

Um grande Abreu em socorro
A cavalaria entrevela
E aí um batalhão nosso
O matou junto com ela!

Já então a vil canalha,
Que ficou fora de forma,
Vai a correr pelos altos
Sem disciplina e sem norma.

Lá se foram os covardes
Que na luta não entraram;
Creio alguns três mil homens
A ela desampararam.

Muitas chinas percorriam
Pelas margens dos banhados,
Levando cada uma delas
Aos dez e doze soldados!

Neste número de covardes
Iam muitos oficiais,
Que se esqueciam das honras
E vozes dos generais.

Ó Augusto Imperador!
Dai-lhes, senhor, castigo!
Pois que devem ser julgados
Ainda mais do que o inimigo.

Por esse motivo enorme
Nossa ação foi malfadada,
Por haver nas vossas tropas
Oficiais feitos do nada.

Quando devem ser exemplo,
Exercitam a fugida:
Por isso, Augusto senhor,
Foi vossa gente perdida.

Rege a ordem militar
Dar o soldo, mas também
Castigar o delinqüente,
Premiar o que serve bem.

Se quereis ser triunfante
Mudai desde logo a cena,
Não dês heróis combatentes
Ao cargo de um Barbacena.

Tendo-nos sido visível
Quase inteira a perdição,
O herói Bento Gonçalves
Foi a nossa salvação!

Vou apostar se quiserdes
Uma soma não pequena,
Que ignoram as praças
Como atacou Barbacena.

Zelou muito a retirada!
Deixou aos centos cansados!
Assim perde um general
A vida dos seus soldados.

E como fraco, decerto,
De cada rio, fez muro:
Muito além de São Lourenço
Não se julga estar seguro.

O ataque do Rosário

Agora vou contar
O ataque dos guerreiros
Lá no passo do Rosário
Dia vinte de fevereiro.

Os bombeiros confirmavam
De quatro a cinco mil homens;
Ai Jesus! Meu Deus do Céu!
Isto é o que nos consome.

O inimigo aproximou-se
Pouco mais, menos altura
Onde se deu o ataque
Campos do Boaventura.

Os Pátrias* nos perseguiam
Com guerrilhas pelos flancos;
Para mais nos consumirem,
Botaram fogo nos campos.

Os fogos nos começaram
Na esquerda muito primeiro.
Na direita nos faltou
Quem comandasse os guerreiros.

E o nosso Barbacena,
Depois que fez a borrada,
Foi matar a gente toda,
E se pôs em retirada.

Marchamos p’ra Cacequi,
Todos p’ra morrer, de sono,
Quando foi no outro dia…
Tanto cavalo sem dono!…

Saímos de Cacequi,
Todos nós em boa-fé,
Nos currais fomos saber
Que íamos para Bagé.

* Os castelhanos.

Dedicado aos serritanos de Canguçu

– 1820 –

Amigos, irmãos de fado,
Nossos pagos estão perdidos;
Já não são admitidos
Os honrados

Ilustríssimos senhores
Lá dos pagos do Cerrito:
De arrenegado e aflito,
Vou falar.

Já não posso suportar
Esse infame proceder;
Por isso vou dizer
O que são:

Tolos sem comparação,
São todos lá desses pagos
Que não merecem afagos
De ninguém.

Vergonha nenhuma têm,
São de lares namoradores,
Que por causa dos amores
Vivem brigando.

De contínuo rezingando
Uns com os outros só se vê;
Vejam a causa por que
Fazem isto.

Várias vezes tenho visto
O motivo dos enfados;
Querem todos ser amados
De por força!

Um diz: – Veja aquela moça
– Sendo bela e delicada,
– Foi-se fazer desgraçada
– Por seu gosto;

– Pois é de importuno rosto
– O moço a quem ela quer;
– Bem dizes: sempre é mulher,
– Amigo!

– Sendo eu tão belo figo,
– Mil vezes melhor qu’ele,
– Foi-se agradar daquele
– Traste!…

Diz outro: – Tarde andaste,
– Devias ter-te adiantado
– Com mais sinais de agrado
– À tal.

Responde: – Guerra fatal
– Tenho feito àquela ingrata;
– Mas ela de resto trata
– O meu amor.

– Tome um conselho, senhor,
Que lhe dou, sou amigo.
Não queira ser inimigo
Da paz.

Deixe lá o pobre rapaz
Gozar da sorte o prazer,
Para que você há de ser
Assim?

– Adoto o conselho enfim,
– Que o meu amigo me dá;
– Ela se arrependerá
– De desprezar-me.

– Hei de ver outra e casar-me;
– Mostrar-lhe quanto mereço
– Pois tenho quem faça apreço
Em minha pessoa.

É uma razão mui boa
E melhor você não pensa.
A seca vai sendo extensa;
Adeus!

Vá cuidar dos passos seus
Que eu dos meus vou tratar,
Para não dar que falar
Ao mundo… –

É de juízo profundo
Um dos tais namoradinhos,
Que ficou fazendo pratinhos
De conselheiro.

Faz-me falta o dinheiro
P’ra minha desdita seguir;
Mas, com quem discutir
Eu sempre acho.

Logo sem mais demora,
Vejo um que era dos tais,
Tolo inda talvez mais
Que o primeiro.

– Deus guarde, cavalheiro!
– Estimo de o encontrar,
– Para poder conversar
– A gosto.

Veja como trago este rosto,
– De mil raivas incendiado!…
Que comigo tem se passado
– Casos tristes.

Tu, que no mundo existes
– Alguns anos mais do que eu,
– Repara o que sucedeu
– No distrito.

– Eu, de agoniado e aflito,
– Até falei na hora de casar.
– ……………………………….
…………………..

– Agora vou nomear
Os que seguem esta carreira;
José Barbosa Siqueira
É o primeiro.

E também seu companheiro,
Que é de nome Constantino,
Que às vezes fica interino
Em seu lugar…

Os Caetanos vão gastar
Os seus reais por ter estrada;
E o Borges é camarada
Da súcia.

Não são de menos astúcia
O Ermilindro e o Pantaleão;
Também anda no cambão
Hilário.

E outros de juízo mais vário
Como três, que me iam ficando:
O Maximiano, o Hildebrando
E o Inácio da venda.

Fica acabada a contenda;
Em que isto dá, quero ver,
E também seu proceder
Tolo.

Meus senhores, me desculpem
A minha pouca extensão:
Que, se eu fosse falador,
Muito mais diria então.

Persignação

– 1835 –

Tristes tempos malfadados,
Nunca vistas maravilhas,
Distinguem-se os Farroupilas
– Pelo sinal –

De pistola, de punhal,
A vaga raivosa gente,
Assola o Continente
– Da Santa Cruz –

Chamam-nos Caramurus,
Nos ameaçam de saque;
Mas, de semelhante ataque,
– Livre-nos Deus, –

As leis andam a boléus,
O povo tremendo foge;
– Bento Gonçalves – é hoje
– Nosso Senhor. –

Os que furtam sem pudor,
Espancam os seus patrícios,
Chamam-se, sem artifícios,
– Dos nossos, –

Os que, tremendo alvoroços,
Querem viver retirados,
Logo são apelidados
– Inimigos. –

Dizem inda tais amigos,
Que há de Caldas* governar,
Que a lei se há de ditar
– Em nome do Padre –

No entanto anda o compadre
Do compadre dividido
Foge a esposa do marido
– E do Filho. –

Grande Deus! Eu me humilho
Ante vossa divindade!
Mandai-nos a caridade
– Do Espírito Santo. –

Enxugai o nosso pranto,
Acalmai a nossa discórdia;
Por vossa misericórdia!
– Amém, Jesus! –

* O Padre Caldas.

Outra, da mesma época

O partido que pretende
Nossa moral corromper,
Vou fazê-lo conhecer
– Pelo Sinal.

Da palavra liberal
Tem ele tanto temor,
Como o diabo tem horror
– Da Santa Cruz.

Em seus escritos transluz
A indecência em grau subido;
De tão funesto partido,
– Livre-nos Deus.

Perseguir patrícios seus,
P’ra de estranhos ser bem-visto,
Só faz quem não crê em Cristo,
– Nosso Senhor.

Mas de Deus não tem temor
O partido saquarema;
Longe vá o seu sistema
– Dos nossos.

Rebater os erros grossos
Dos saquaremos, devemos
Porque são das leis que temos,
– Inimigos.

Do povo se fazem amigos,
Quando tem necessidade,
Porém é – sua amizade,
– Em nome.

Lição tal o povo teme,
Desta gente que deseja
Que o filho contrário seja
– Do Pai.

Vede qual é, reparai,
De Pernambuco hoje a sorte:
Chora o pai a triste morte
– Do Filho.

Da desordem o caudilho
Quer ver se o mal nos conduz,
Porque odeia a clara luz
– Do Espírito Santo.

Mas há de ver com espanto,
Que, amando o povo a verdade,
Só quer paz e liberdade.
– Amém!

Pelo sinal

O herói Bento Gonçalves,
Por ter de nós piedade,
Quer mostrar a liberdade
– Pelo Sinal.

O Neto, que é seu igual,
Não teme grandes perigos;
Livrai-nos dos inimigos
– Da Santa Cruz.

Que são os Caramurus,
De João da Silva Tavares
E de todos os seus sequazes,
– Livre-nos Deus!

Perdoa os pecados meus,
E tem de nós piedade;
Livra-nos da crueldade,
– Nosso Senhor.

Destes que com furor
Tudo levam a peito,
Para tirar direito
– Dos nossos.

Sofrer eu já não posso
Esta malvada gente:
Porque são do continente
– Inimigos!

Olhem os grandes perigos!
Está-se criando outro Pedro!…
Deus nos livre deste enredo,
– Em nome do Padre.

Deste-nos a liberdade;
Já nos livraste do pai:
Vê se também nos livras
– Do Filho.

E, então, eu me humilho
Com todo meu coração;
Venha-nos a proteção
– Do Espírito Santo.

E ressoará suave canto
E recompassada melodia,
Dizendo a Virgem Maria:
– Amém, Jesus!

Outro – Pelo sinal

Na coxilha do Seival,
Eu o vi muito depressa
Fazer logo às avessas
– Pelo Sinal.

Maldito monstro infernal!
Não há quem dele dê cabo?…
Só não entende o diabo
– Da Santa Cruz.

Santo nome de Jesus!
Nós todos somos humanos;
De semelhantes tiranos
– Livre-nos Deus.

Tanto mal queres aos teus
Que o sangue desejas ver,
P’ra depois, vires a ser…
– Nosso Senhor.

Tendo já visto o rigor,
Inimigo da nação,
Que produz a boa união
– Dos nossos.

Nós todos somos sócios
Da ordem e patriotismo,
E, somos, do despotismo,
– Inimigos.

E tu, com os teus amigos,
Caramurus diabólicos,
Não obram como católicos,
– Em nome do Padre,

Não acham lei que lhes agrade,
Senão com a lei dos seus,
Todos abusam de Deus
– e do Filho.

Malditos! Em um tornilho
Ver-se-á cada qual,
Com tormento corporal
– do Espírito Santo.

Assim queira Deus, portanto,
Que o diabo, por esses ares
Carregue o Silva Tavares!
– Amém, Jesus!

(Versos da Revoluçção de 1835.)

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Quem adora a liberdade
Mais do que Bruto e Catão?
– João –

Quem, por justo, a estima goza
Do mais perverso demônio?
– Antônio –

Quem, do Sul entre os heróis
Está na plana primeira?
– Silveira –

Respeitado inda há de ser
Pela nação brasileira
O herói republicano
João Antônio da Silveira.

Serafim Joaquim de Alencastro
(São Gabriel, 30 de dezembro de 1841.)

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Quem da pátria a liberdade
Defende como um leão?
– João –

Quem sempre um soldado encontra
No destemido campônio?
– Antônio –

Quem na guerra faz brilhar
Da república, a bandeira?
– Silveira –

Vencer a força que oprime
Toda a nação brasileira
É o que aqui faz com glória
João Antônio da Silveira.

Um soldado republicano
(Alegrete, 20 de dezembro 1842.)

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Quem virtuoso se mostra,
Sem o vício d’ambição?
– João –

Quem é que sem descanso
Persegue o caramuru – demônio?
– Antônio –

Qual a melhor espada
Da nossa melhor fileira?
– Silveira –

Erija-se um templo agora
A essa espada primeira,
Imite, quem quer ser grande,
João Antônio da Silveira.

Contra Bento Manoel Ribeiro

(Versos feitos pelos seus adversários, na Revolução
de 1835)
Pode um altivo humilhar-se,
Pode um teimoso ceder,
Pode um pobre enriquecer,
Pode um pagão batizar-se;
Pode um avaro prestar-se,
Um lascivo confessar-se,
Pode um mouro ser cristão,
Um arrependido salvar-se,
Tudo pode ter perdão:
Só o – Bento Manoel – NÃO!

Oh! do inferno instrumento.
– Bento,

Modelo dos tiranos, da traição painel
– Manoel,

No inferno te aguardam, qual primeiro
– Ribeiro.

Como um montão de chamas num braseiro,
– Bento Manoel Ribeiro!

Soneto

Treme, vacila, tomba e cai por terra,
Fatal, nefanda, horrível Tirania;
Um Deus, um Deus potente, num só dia
Confundiu o opressor, deu fimà guerra.

Brame o monstro feroz, ulula e berra,
Aos céus imprecações, ódios envia;
Em prantos se faz sua alegria:
Treme, vacila, tomba e cai por terra!

Exulta oh! Pátria minha generosa;
Não mais escravidão, não mais Tiranos!
És livre, serás livre e venturosa.

Opressores cruéis e desumanos,
O Ramo da Oliveira dadivosa
Pronto aceitai, ou morrerreis insanos!

Ao chefe dos rebeldes, Bento Gonçalves da Silva

Pudeste, ó monstro, quase num momento,
Ferir a pátria, de tartárea guerra;
Fazer pudeste o campo, o vale, a serra
Covis de feras, de ladrões assento.

D’estrago e luto lágrimas sedento
Entregue à fúria, que teu peito aferra,
Pudeste converte formosa terra
D’eterno horror em vasto monumento!

Mas não conseguirás, monstro nefando,
De sangue fraternal embriagado,
Sobre o trono exercer horrível mando;

Dos tiranos te espera a sorte, o fado;
Ou nas mãos do verdugo terminando
Ou de Marte nos campos, fulminado!

Dois sonetos

À memória de Bento Gonçalves
Nas memórias do bravo de Caprera,
De grande capitão ele figura,
Que por ser desamado da ventura
Não teve os louros de que digno era.

Se das regiões da superior esfera
Baixar porém o fez a sorte dura,
De seus feitos a fama inda perdura,
E o povo o nome seu inda venera.
O civismo, a nobreza, a humanidade,
O valor e a palavra, que convence,
Seus predicados eram, sem vaidade.
Verdadeiro centauro rio-grandense,
De arvorar o pendão da Liberdade,
A imorredoura glória lhe pertence!

A um retrato de Canabarro

Eis da guerra o leão famigerado,
Como a sua carranca bem denota,
Que nas batalhas, só bramindo irado,
Às inimigas regiões punha em derrota.

Na paz colosso foi nunca abalado
E modelo de vero patriota;
Da liberdade o mais leal soldado
E somente do bem seguindo a rota.

Quando da guerra a tuba aterradora
De novo ouviu soar, ei-lo que assoma,
Tremer fazendo audaz a horda invasora.

Do feroz inimigo a fúria doma,
E aos pátrios lares salva como outrora
O grande Fábio a desolada Roma.

Ao general D. Manoel de Rosas

Eras bagual matreiro e quebralhão
Que coices e manotaços meneavas:
Forte touro que o laço rebentavas,
Furioso, atrevido e chimarrão.

Eras tigre sanhudo, eras leão
Que tudo quanto vias devoravas;
Eras sorro manhoso que zombavas
Do mais farejador, ligeiro cão.

Hoje és lerdo matungo, vil sendeiro,
Novilho, boi de carro, estropiado,
Em vez de leão, manso cordeiro.

Jogaste mal e foste cedilhado.
Mas enfim tu desceste do poleiro;
Já um cigarro não vales, mal fechado.

Recordação histórica

A seguinte poesia foi oferecida em 1842 pelo seu autor, o tenente-coronel
Sebastião Xavier do Amaral Sarmento Mena, falecido na cidade de Rio
Pardo em junho de 1893, ao general David Canabarro e coronéis João
Antônio da Silveira e Manoel Lucas de Oliveira:

Quem, qual Argos vigilante
Da pátria em defesa vi?
– David.

Quem faz o Dario Imperial
Estalar qual fraco barro?
– Canabarro.

Quem entre os bons generais
Será general bizarro,
Quem a tropa quer por chefe?
– É só David Canabarro!

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Quem virtude adorando,
É mais forte que Catão?
– João.

Quem só com vista aterra
O despotismo demônio?
– Antônio.

Quem na guerra louros colhe
E na paz, pura oliveira?
-Silveira.

Manda o fado que respeite
Toda a Nação Brasileira
Ao Lafayette do Sul,
João Antônio da Silveira!

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Quem braço a braço guerreia
O despotismo cruel?
– Manoel.

Quem de escravos do poder
Não come petas nem cucas?
– Lucas.

Quem, entre o povo e as tropas
Goza confiança inteira?
– Oliveira.

É liberal por princípios,
Preza a honra verdadeira,
É na guerra um novo Marte
– Manoell Lucas de Oliveira!

VI – Desafios (Dois modelos)

Desafio

(Entre Malaquias e Agache em uma festa de casamento)

Malaquias:

Aceite a Sra. Lúcia
O meu alegre cantar!
Só peço a Deus mil venturas,
Que decerto lhe há de dar!

Ao noivo também desejo,
Por ser moço apessoado,
Que seja um marido em regra,
Por todos sempre estimado.

A sô Capitão Manduca
Que também sente alegria,
Desejo que tenha netos
Que lhe dê muita honraria.

A este casal de noivos,
Por ser gente mui honrada
Desejo que se arrodeie
De bonita filharada!

Agache

Ao lindo casal de pombos
Desejo toda a grandeza,
Saúde e categorias
E bastante amareleza!

Que a noiva viva contente
Cheia de brilho e beleza,
Com seu noivinho fachudo,
De gravata sempre tesa!

Que o sô Manduca desfrute
A vida com gentileza,
Nesta casa abençoada
Só cheia de boniteza!

Que tenha netos, visnetos,
Como manda a natureza,
Moçada toda faísca,
De muita politiqueza!

M:

A minha china é trigueira,
Mais trigueira que um pinhão,
Barriga d’égua-madrinha,
Olho de gato ladrão!

A:

A minha china é perversa,
Deu-me um triste desengano;
Fui encontrá-la nos braços
Dum mascate italiano…

M:

Me trata como cachorro,
Só me chama de animal!
Não há china mais maleva
Que a Zefa do Faxinal!

A:

A mulher com quem casei
É toda a minha arrelia:
Quando está com seus azeites,
Me dá três sovas por dia!

M:

A mulher é como o gato;
Que mia quando namora:
Porém assim que se casa
Põe logo as unhas de fora!

A:

Saibam todos, meus senhores,
Saiba todo o vizindário:
Que p’ra semana me caso
Co’a filha do seu vigário!…

M:

Vendo tudo quanto tenho
Só p’ra me chegar a ti;
E só não vendo as ceroulas,
Porque nunca as possuí!

A:

Fui fazer uma viagem,
Andei uns meses por fora;
Na volta, encontro a mulher,
Já pronta… p’ra cada hora!

M:

Eu antes de dar princípio
A esta luita travada,
Cumprimento o sô Manduca
E a sua família honrada.

A:

Dirijo os meus cumprimentos
Ao cantador Malaquias,
Que vem mostrar nesta casa
Suas grandes valentias!

M:

Eu sou muito conhecido
Na Cruz Alta e S. Sepé,
Na Cachoeira, em Pelotas,
No Rio Grande, em Bagé!

A:

Pois eu também tenho fama
Nos pagos da Encruzilhada;
Rio Pardo, Porto Alegre,
Eu tenho feito agachada!…

M:

Eu já fui peão d’estância,
Fui capataz e tropeiro;
Agora lavrando terras,
Vou ganhando o meu dinheiro.

A:

Enganaste-te, amiguito,
Não sou amigo da pândega;
Empreguei-me em Porto Alegre
Como servente da alfândega!

M:

Se queres ver minha força,
Tomar nota do que eu sei,
Me faz algumas perguntas,
Que eu tudo responderei.

A:

Aceito a tua proposta:
Diz-me agora por favor,
Que bicho é esse daninho,
Que todos tratam de amor?

M: Amor é bicho de concha,
Que se intromete no peito,
Quanto mais se enxota o bicho,
Mais ele nos tem sujeito!

A:

Se o amor é bicho feio,
Tu não deves explicar,
Por que é que amor de mãe
Se faz tanto respeitar?…

M:

Amor de mãe é sagrado,
É sentimento divino;
É como o sol que alumia
Nossa estrada do destino.

A:

Foi bonita esta resposta,
Porém ela não me basta:
Quero que agora me digas
O que é amor de madrasta.

M:

Amor de madrasta é sarna
Que esfola o corpo da gente;
Madrasta não é mulher,
Mas venenosa serpente!

A:

Pergunta-me alguma coisa
Que te corra no besunto,
E verás como respondo
Direito no mesmo assunto!

M:

Como desejas que eu faça
A pergunta que quiser,
Me diz em quatro palavras,
Quem vem a ser – a mulher?…

A:

Toda a mulher desde Eva,
Tomou partes do diabo;
Quando s’enfeita, parece,
Uma macaca sem rabo!…

M:

Quero ainda exp’rimentar-te;
Se és cantador de talento,
Num rasgado da viola
Me diz o que é – casamento?

A:

O casamento, amiguito,
Sempre é coisa mui amarga,
Pois transforma um cidadão
Num triste burro de carga!

M:

Se me puxas pela língua
Mostrarei que não sou peco,
Mas muito capaz de levar-te
De arrasto num couro seco!

A:

De arrasto num couro seco
Levarei a tua vó,
Toda a tua parentada,
Com cabresto de cipó!

M:

Com cabresto de cipó
Eu vi a tua madrinha
Á frente de uma manada,
Repicando a campainha!

A:

Repicando a campainha,
Vi teu pai – um boi tambeiro –
Levando muito guascaço
Por ser bicho mui coceiro!

M:

Por ser bicho mui coceiro,
Desbocado e sempre mau,
Levaste do Chico Porto
Muita camada de pau!

A:

Muita camada de pau
Precisa o negro atrevido,
Que se meta em vida alheia,
Por ser muito intrometido!

M:

Por ser muito intrometido,
Vou-me saindo folheiro,
Montado no João Agache,
Orelhudo e caborteiro!

A:

Orelhudo e caborteiro
Sempre foi o teu avô.
Deu mais de trinta corcovos
No dia em que se ferrou.

M:

No dia em que se ferrou
A tua mulher – tordilha –
Deu quatro coices nas trombas
Na porca da tua filha!

M:

Vou mostrar um peito nobre
Que sente aquilo que diz:
Desculpa, meu bom Agache,
As injúrias que te fiz!

A:

Com tua delicadeza
Tu me mostras qu’és dos nossos!
Esquece os meus estrupícios…
Amigo, aperta estes ossos!

FESTA DO CAMPESTRE

Santo Antão. Capela do Monge
Santa Maria da Boca do Monte

Descante à viola

(Desafio entre o Juquinha da Tapera e o Chico Cigarra.)

Chico:

– Seu Juquinha da Tapera,
Morador deste rincão,
Vamos discorrer, trovando
Em louvor de Santo Antão? –

Juca:

– Em louvor de Santo Antão,
Eu lhe topo amigo Chico:
Pois sou t’ronguenga no pinho;
No trovar, atrás não fico. –

C:

No trovar atrás não fico,
Que nisso sou forte e cuera;
Não costumo pagar mal,
Seu Juquinha da Tapera!

J:

Seu Juquinha da Tapera!
Nada lhe fica devendo;
Portanto, amigo Cigarra,
Se quiser – vá discorrendo!…

C:

Se quiser – vá discorrendo!…
Eu já discorrendo estou:
Você fez como o matungo,
Que na cancha se empacou…

J:

Que na cancha se empacou,
Fez você, que é sem capricho:
Fez como o burro manhoso,
Quando se aperta o rabicho…

C:

Quando se aperta o rabicho
Fiz em você, que é um bagual,
No dia emque lhe botei
Maneia, rédea e buçal!

J:

Maneia, rédea e buçal
Faz muito que já deixei;
Desd’aquela sexta-feira,
Quando a cola eu lhe quebrei!

C:

Quando a cola eu lhe quebrei
Foi no dia de marcação
E depois cravei-lhe os garfos,
E risquei p’ra Santo Antão.

J:

E risquei p’ra Santo Antão,
No fandango me achei;
E você se foi ao pasto
Como matungo de lei.

C:

Como matungo de lei,
Posso ser, porém no pinho;
Pois num rasgado sou mestre
E na trova ando sozinho!

J:

E na trova ando sozinho,
Dizem todos deste pago;
Não bebo cana fiada,
Nem ando chorando trago.

C:

Nem ando chorando trago,
A você, nem a ninguém;
Me fio nesta guaiaca,
Que ela, plata, sempre tem.

J:

Que ela, plata, sempre tem,
Tenho por opinião;
Não deixo mal um polpeiro
Na festa de Santo Antão.

C:

Na festa de Santo Antão
Vou dar um viva primeiro
Ao seu Maneco do Carmo,
O nosso guapo festeiro!

J:

O nosso guapo festeiro
É homem de estimação;
E por isso eu a Deus peço,
Que lhe ajude e à obrigação.

C:

Que lhe ajude e à obrigação,
Vou pedir, cá de bem longe:
À gente cá do Campestre,
E ao meu santo padre monge.

J:

E ao meu santo padre monge
Que esta capelinha ergueu;
Que, se vive, anda vivendo,
Se não vive – já morreu…

C:

Se não vive – já morreu,
Nos deixando sem conforto;
Pois até curava a gente
De sezões depois de morto!

J:

De sezões depois de morto,
Eu curo por simpatia:
Basta trazer o defunto
Para ver esta folia…

C:

Para ver esta folia,
Muita gente vem, seu Juca;
Uns trazem seu revirado,
Outros comem de… pussuca…

J:

Outros comem… de pussuca,
Por andarem recalcados
Como matungos da porta,
Todo o dialombilhados.

C:

Todo o dia lombilhados
Por terem manhas e baldas.
Para o ano, Deus permita,
Que o festeiro seja o Caldas.

J:

Que o festeiro seja o Caldas
Eu peço de coração;
O Caldas tem vaca gorda,
E é homem de opinião.

C:

E é homem de opinião,
Gaúcho e franco no mais;
Viva – o capitão do mastro
O Sr. Régio de Morais.

J:

O Sr. Régio de Morais
De quem nunca tive queixas;
E o alferes da bandeira,
Nosso bom amigo Seixas.

C:

Nosso bom amigo Seixas,
E a nossa bela festeira,
E o nosso doutor dos queixos*
Seu tenente da fogueira.

J:

Seu tenente da fogueira,
Comigo não dê cavaco;
Quando Deus me dá o trigo;
O demo me leva o saco.

C:

O demo me leva o saco.
E nele apincha o seu Juca,
Que na trova se mostrou
Carunchado e pururuca.

J:

Carunchado e pururuca
Não sou eu que por engano
Fui marcado na paleta;
Pois no ferro sou tirano!

C:

Pois no ferro sou tirano,
Oigalê! que sou ventana!
Nunca agüentei carona,
Quanto mais ”stando na cana!

J:

Quanto mais ‘stando na cana!
Não arreio cartucheira;
Peleio lindo no mais…
Pois sou índio polvadeira!

C:

Pois sou índio polvadeira,
Como potro de palanque;
Quando entro num salseiro,
Ninguém há que me desbanque!

J:

Ninguém há que me desbanque,
Aqui, nem noutro lugar;
Quem desejar qu’experimente,
Que procurando, há de achar.

C:

Que procurando há de achar,
Caramba qu’isto é verdade!
Nem bem fiz a despedida,
Já me’stá dando a saudade.

J:

Já me’stá dando a saudade,
Já lhe sinto os seus rigores…
Daquela guampa de apojo;
Que me deu seu Chico Flores…

C:

Que me deu seu Chico Flores
Nesta festa do Campestre,
Onde sempre foi t’ronguenga
Onde sempre será – mestre.

J:

Onde sempre será – mestre,
Porque sempre foi assim;
Se se lembrar do Juquinha
Mande um ramo de alecrim.

C:

Mande um ramo de alecrim,
Que chegue para nós dois,
Que, senão, não cantarei
Na outra festa e depois!

J:

Na outra festa e depois,
Com você cantarei junto.
Mas, se um de nós morrer,
– Que você seja o defunto!…

C: – Que você seja o defunto,
– Essa agachada, aceito;
Se quiser, morra primeiro –
E eu lhe enterrarei com jeito.

J:

E eu lhe enterrarei com jeito,
Como enterro esta função:
Viva a festa do Campestre!
Viva o nosso Santo Antão!

* Era um cirurgião-dentista.

Trecho de outro desafio entre dois repentistas

1.°:

– João Bilro, eu sou casado;
Minha mulher é Chiquinha:
Por que não trouxeste a tua,
Para dela ser vizinha?
Para a minha ver a tua
E a tua ver a minha?

2.°:

– Desta vez eu vim com pressa,
Não pude trazer ninguém;
Quando vier, outra vez,
Junto comigo ela vem:
Eu vejo a tua mulher,
Tu vês a minha também…

Outro

A:

– Bonito lenço encarnado
Esse, que tens no pescoço!
Com certeza que o ganhaste
Nalguma cancha de osso?…

B:

Nalguma cancha de osso
Nunca andei em estrupícios;
Pois eu não sou como tu,
Sortido armazém de vícios!

Outro, entre uma mulher atrevida e um rapaz que nem sequer a conhecia

ELA:

– Ó! moço de chifre grande,*
Donde vem, para onde vai?
Isso é bem que Deus lhe deu,
Ou herançado seu pai?…

O RAPAZ:

– Não é bem que Deus me deu
Nem herança de meu pai;
É um chifre do teu marido,
Que, de maduro, já cai!…

Outro, entre um velho e uma velha pitadeira

ELA:

– Véio guapo e chibante,
De carçado de sarto arto,
Dizei-me se tens um cigarro
De paia di mio vermeio?…

ELE:

– Senhora, minha senhora,
Dona deste coração:
Chupe lá quatro fumaças,
Deste seu venerador!…

MOTE

Vou embora; adeus, Sampaio,
Não te incomodes comigo.
De ti não levo saudades
Mas sempre sou teu amigo.

GLOSA

É custosa a despedida
Mas pior é a ficada
E não sinto, camarada,
Deixar-te aqui nesta vida.
Sei que gostas desta lida
Porque dela tens ensaio
Eu é que noutra não caio,
Não entro nestes pagodes
Por isso, não te incomodes
– Vou embora; adeus, Sampaio. – *

Sei que ficarás bravo
Com a minha retirada
Mas isso não vale nada
Porque não sou teu escravo,
Não sou peão de conchavo
Por isso pr’os pagos sigo
A plantar feijão ou trigo
Que sempre ganharei mais,
Até breve, fica em paz
– Não te incomodes comigo. –

Se ficas aborrecido
Por não ter dado parte,
Passa a mão num bacamarte
E faz o que for devido;
Senão, me põe excluído,
Diz mal das minhas maldades,
Procura-me nas cidades
Ou manda-me perseguir,
Que eu sempre direi a rir:
– De ti não levo saudades. –

Não faz o mesmo que eu:
Persegue esses maragatos,
Entre nas sangas e matos,
Põe-te pior que os judeus;
Encomenda-te com Deus
P’ra escapares do perigo,
Conduz um breve contigo
Que sirva de salvaguarda,
Que eu, vou com alma enraivada,
– Mas sempre sou teu amigo. –

VII – Dizeres

Dizeres

Oh! da ronda pelotão!
Vá! responda ao chimarrão!
Toca a encerra; vá, barroso!
Aqui mesmo neste pouso!

Não agüentar carona dura.
(- não aturar desaforos).

Está de tirar lexiguana!
( – está fazendo muito frio).

Aquentar água para outro tomar mate.
(- preparar um negócio para outro tirar o proveito e, mais propriamente,
aprontar a moça para o outro gozá-la).

Levar buçal de couro fresco.
(- ser enganado, com desagradável conseqüência).

Estar como carancho em tronqueira.
(- andar tristonho).

Pagar a chapetonada. (- sair-se de modo contrário ao esperado, mormente
por inexperiência).

Quando o urubu anda sem sorte, não há galho de pau que o agüente.

(- quando se anda mal não se encontra apoio).

Os teus olhos são como retovo de bola!
(- tens os olhos – as pálpebras – enrugados).

Estar de dar laçaços!
(- estar a -comida – saborosíssima).

A estrela que faz a cola bater mutuca.
(- o sol, ao meio-dia, quando o gado se junta nos paradouros).

Chá de casca de vaca.
(- rebenque, corretivo).

Bater a alcatra na terra ingrata!…
(- morrer).

Andar como bola sem manícula.
(- andar às tontas, sem préstimo).

Estar como aspa.
(- estar lesto, feliz, furioso).

Ter caracu.
(- ser enérgico, forte).

Andar pelas caronas.
(- correr perigo e estar em apuros).

Estar como chaira!
(- estar preparado, senhor do assunto).

Quebrar o corincho (a alguém).
(- desmascarar, abaixar o topete a alguém).

Andar galgo (ou galguinço) por fazer alguma coisa.
(- estar desejoso, faminto).

Afrouxar o garrão.
(- perder a coragem, cansar-se).

Fincar as aspas.
(- cair, levar uma queda violenta).

Passar os maneadores.
(- amarrar – a um homem -, ligar).

Estar ou ficar a mano.
(- quitar-se; pagar com igual).

Ficar de marca quente.
(- zangar-se).

Ser, parecer, um paleta.
(- pessoa intrusa, importuna).

Dar ou receber uma pechada.
(- fazer ou receber um pedido de dinheiro).

Sacudir o poncho.
(- desafiar).

Forrar o poncho.
(- ganhar muito).

Pisar no poncho.
(- provocar).

Poncho dos pobres.
(- o sol).

Ir (mandar) à ramada dos Guedes.
(- ao diabo que o carregue! foi-se).

Estar (ou ficar) de rédeas no chão.
(- ficar manso, subjugado, convencido).

Sujeito de armada grande e bastante rodilho.
(- tipo exagerado, espalhafatoso, mentiroso).

Cair na volteada.
(- comparecer, ser detido).

Ter, dar, uma coraçonada.
(- ter um palpite feliz, boa sorte rápida).

——————————————————————————–

Tostado, antes morto que cansado.
Tordilho, n’água, é melhor que canoa.
Aspa mole, boi gordo.
Casco rachado, cavalo gordo.
Se encontrares um viajante com arreio às costas, pergunta-lhe:
– Onde ficou o baio?

A moçada de São Lourenço

Viviam muito contentes
Tinham prazer imenso
Antes de vir p’ra campanha
Os filhos de S. Lourenço.
Agora vivem contritos
Como a rola no deserto,
Arrependidos de virem
Para a brigada do Neto.
Já dizem quase chorando
– Já nem se toma café;
Nunca pensamos passar
Da cidade de Bagé. –

Eu não me queixo da fome
Nem da falta de café,
Mas montar em burro magro
É pior que andar a pé,
Dizia um para o outro:
– Ah! meu amigo! o que quer?

Eu só tenho de queixar-me
Do Aurélio Xavier
Se perdermos um combate
Como vamos retirar
Neste matungos cansados
Qu’stão bons p’ra courear.

Isso é a pura verdade
A tua queixa é tocante.
Mas pior é esses pobres
Que vêm marchando d’infante
Antes entrar no inferno
Que morar no purgatório
Por andar a pé cansaram
Três do 9.° Provisório…
– Às vezes creio que alguém
Contra mim já rogou pragas…
– Deixa-te disso, não creias:
Lamúrias não curam chagas. –

– Adeus, adeus; até logo;
Manda ferver o soquete;
Que o ajudante mandou-me
Dar um giro com o piquete –
– Cuidado! não vás meter-te
Nalguma casa de telha…
Mas traz, se por lá arranjares,
Uma paleta de ovelha…
Mas toma tento, que agora,
O Sampaio nesta lida
Vai pôr em cada rebanho
Uma sentinela perdida!…

VIII – Diversas

Encomenda

Como aí no Boqueirão
Um ferreiro há de patente,
Que faz, de gosto excelente,
Folhas de faca e facão,
Assim, por esta razão,
Uma encomenda te faço:
É de uma traíra de aço,
Palmo ou mais, de comprimento,
E quero seja reforçada
Pois não gosto dela fraca
Em tudo bem fabricada.
Largura proporcionada
Ao comprimento que tenha;
E com brevidade venha
Por seguro portado
Do importe que convenha.
Do cabo não necessito,
Preciso somente a folha.
Mas que faças boa escolha,
Eu de novo te repito,
Pois que sou muito esquisito:
Gosto de faca boa,
Caxerenquengue à-toa
Para mim não tem valor –
Quero-a de gasto e primor,
Conforme a minha pessoa,
Porque, faca que não corta
É amigo que não serve,
E pena que não escreve,
Que se perca, pouco importa!

Conselhos

Olha, ilustre Mingote:
Sei que vais para a fronteira;
Cuidado com a brincadeira
Com gente de certo lote;
Ali há muito aruá
Que café nunca tomou
E nem por calças trocou
O antigo xiripá;
Se vires algum clinudo
Barbacena, cor tostada,
Que troteie pela estrada
Com feições de botocudo
E franjas no xiripá,
Deixa andar o cabeçudo
Sobre o peito cabeludo
Carregando o patuá;
Não lhe digas uma asneira
– Esse tourito é rabão
E atropela a porteira
Bosteando no garrão!…

O pica-pau

Pica-pau que fura pau,
Do pau fez hoje um tambor,
Para tocar a alvorada
Na porta do nosso amor.

Pica-pau do mato virgem
Tem catinga no sovaco;
De dia, pica no pau,
De noite, no seu buraco.

Pica-pau do campo raso
Tem catinga de urubu;
De dia, pica no pau,
De noite, como tatu.

Pica-pau da beira d’água,
Quando choca, faz rãe-rãe;
Pica em si, pica na gente,
Pica até na sua mãe.

Pica-pau, de noite escura
P’ra picar não tem certeza;
Ele só pica de dia,
De noite, cai na fraqueza.

O pica-pau, na alvorada,
Abre as asas p’ra voar;
De noite tomou descanso
De dia só quer furar.

Carta amorosa

Menina, vou-te dizer:
No – Domingo – em que te vi,
Fiquei todo embelezado
Das prendas que vi em ti.
Na – Segunda – me aprontei
Para te ir visitar;
Encantou-me esse teu rosto,
Fiquei louco por te amar.
Na – Terça – continuei
Com essa mesma amizade;
Assim fora do teu rosto,
Como é da minha vontade!
– Quarta – por todo o dia,
Tudo p’ra mim foi flor;
Sabendo que ia lucrar
Delícias do teu amor.
– Quinta – falei ao teu pai,
Ele disse – que cedia,
Porém faltava saber-lhe
Se tu, meu bem, me querias.
Foi no dia – Sexta-feira –
Tive novas da tua mãe;
Disse que fazia gosto,
Que não te criou p’ra freira.
– Sábado – não te arrependas
Dos filhinhos que há de ter;
Ou com eles ou sem eles,
Tu, comigo hás de viver.
– Domingo – se vires moços,
Repara para a feição,
Para não te arrependeres
Depois da nossa união.

Teimosos

1.° TEIMOSO:

A teimar ninguém me iguala;
Eu, ao mais teimoso, topo!
– Há de ser de pau, o copo,
Enquanto Deus me der fala! –

É coisa que me regala;
Ser nas teimas infinito…
– É de pau, e bem bonito!…
– É de pau, e bem perfeito!…
– É de pau o copo feito!
– É da pau! tenho dito!…

2.° TEIMOSO:

A teima é coisa gostosa!…
Já teimo por devoção;
Mesmo não tendo razão,
Armo teima calorosa.

Teimo com fleuma espantosa;
– Que pode o gelo queimar;
– Pode o fogo congelar;
– Ser o sol globo de neve;
– O chumbo ser muito leve;
– Que os peixes vivem no ar!…

"Monarca"

Nos meus pagos sou moço conhecido
Por monarca de grande opinião;
Tenho fama em todo este rincão,
E, por Deus! que sou quebra destemido!

E se houver algum mais presumido,
Que apareça, esse grande quebralhão,
Que pisotear-lhe-ei de, no garrão,
E a rebenque levar esse atrevido!

Sou toruna e meio abarbarado;
Se me pisam no poncho, já m’esquento
E puxo do facão sem mais cuidado.

Por vida! daqui eu não me ausento,
Sem deixar algum diabo codilhado!
Depois, então me corto que nem tento!

"A vila do Rio Grande"

Tetos de erva, paredes de pântano,
Nome de vila e construção d’aldeia;
Quase coberta de volante areia
Dos combros que aqui crescem todo ano;
Brisas do vento leste e minuano,
De moscas, pulgas, bichos, é bem cheia;
Não sei quem tanto inseto aqui semeia
Para causar às gentes nojo e dano?
De pé em diminuto batalhão,
De cavalo os dragões mais esforçados,
De voluntário, uma legião.
Dizem que há nos campos muitos gados;
Esta é do Rio Grande a habitação
Onde purgando estou os meus pecados.

Requerimento

Ao Presidente Eliziário, ao tempo da Revolução de 1835.

Diz:

Teotônio José Lopes, do Brasil, que preso sem denúncia
e sem causa vil, sofre na presiganga cruel violência; estreito fecho
lhe rouba a existência.

Com luz de vela escreve, sem ponto, nem til, porque de outra luz o priva
o alguazil, carcereiro indômito e sem clemência.

Todos na presiganga têm luz meridiana; o suplicante sofre a luz tirana
da lei que, no presente, rege o Brasil. O suplicante é constitucional
e não republicano, entretanto lhe dão luz por um cano. Ar e
luz pede, Exmo. Sr., pela lei e pela missa, esperançado haja por bem
fazer-lhe justiça.

Despacho

"Da prisão o comandante,
"Despido de prevenção,
"Informe se o suplicante
"É poeta ou é tratante;
"Se no que alega há razão,
"Se merece consideração,
"Se o que diz – é por graça
"Ou por força de cachaça."

Já no meio da quadrilha
Encontrei a sia Maria,
E falei-lhe em casamento;
Ela me disse – não sei…

Depois, passado um momento:
É o papai qu’há de saber…
Vejam pois meus senhores
De que jeito não fiquei!

DEFINIÇÃO

Um homem teimoso é como um quadrado de infantaria; teimoso e genioso,
é o mesmo quadrado… mas com artilharia no centro!…

Sara-cura

Uma ervazinha chamada sara-cura
Que somente não cura como sara,
Está em propaganda pelo Cura
E por sua comadre D. Sara.

E no ponto onde habita o bom do Cura
Que os males todos só por gosto sara,
Já não existe o mal que traz secura
Pois este mal, há muito que cessara.

Lá, tanto a Sara cura como sara
O interessante e desvelado Cura,
Que diz que todo o mal pronto sara;

Mas com efeito, tudo ali se cura
Ou na falta de Sara o Cura sara
Ou na falta do Cura a Sara cura!

Infantis

Pelo sinal!
Do bico real!
Comi toicinho,
Não me fez mal!…
Se mais houvesse,
Mais comeria,
Adeus, compadre,
Até outro dia!

Amanhã é domingo,
Pé de cachimbo!
Cachimbo quebrou-se,
Tudo acabou-se!
Galo monteiro
Pisou na areia;
Areia era fina
Tocou no sino;
O sino era de ouro
Tocou no touro;
O touro era valente,
Matou muita gente,
Deixou só o Vicente
P’ra lavar a "bunda"
Com água quente!

Dois epitáfios

– No túmulo de uma moça –

Dorme aqui, na sombria soledade
Quem viveu sem viver!…
A flor mais bela,
Oh! vós que passais, deixai uma saudade!
Auras de noite, suspirai por ela!

(Lôbo da Costa)

– No túmulo de um avô –

Há vivos que já não vivem;
Dores que não têm conforto
Nós as sentimos por ti,
Que vives estando morto!

(?)

IX – Modernas

Dedicado

Quem, desde a constituinte,
Vem sendo herói vigilante
Sem descansar um instante?
Júlio.

Quem, com esforço hercúleo
Mantém a lei que s’expande
Pelo amado Rio Grande?
Prates.

E quem em duros embates
De invejas, ódios, traições,
Sabe honrar as tradições?
Castilhos.

Pois demos a nossos filhos,
Como exemplo de valor,
O grande organizador
– Júlio Prates de Castilho

?

Um coronel muito brabo,
Lá do cerco de Bagé,
Resolveu fazer sapatos
Com couros dos maragatos;
Porém um Juca diabo
Ligeiro e bem bom de pé,
Com cargas de lança seca
Escavacou-lhe a maleta;
E para encurtar razões
Destes casos tão falados:
Só se viram – estacões –
No duro chão espetados…
Que nem o chefe da praça
Se atreveu a lonquear,
Nem a gente de a cavalo
Se atreveu a lancear…

Sina

Pelos nomes dos festeiros,
Predizem os agoureiros:
– General Joca Tavares,
azares. –

– Júlio Prates de Castilhos,
caudilhos, –

– Gaspar Silveira Martins,
ruins fins –

– João de Barros Cassal,
tal e qual. –

Como as coisas se farão
Nossos filhos saberão…
Pois nós nos presentes dias
Vivemos só de arrelias…

O major (+) Floriano

Quando a gringada se mete
Nada tem que ver,
Se lhe deve de sacar
– Pataleando!

Se não servem, vão andando,
Que o sol vem e a lua vai,
E cada filho tem seu pai,
Do mesmo jeito.

Eu por fim, este preceito,
De um velho já muito andado
Por este mundo de Cristo,
– Aprendi:

Não falo do que não vi;
Não tomo camorra alheia;
Também de matungo magro,
– Não caio.

Não vê! Quando vem um raio,
Não traz rumo nem ponteiro,
Vem viajando d’escoteiro
– E corta;

Caminha por qualquer porta,
Atalha qualquer janela,
E sobre quem se lhe olha pára
– Estoura!

Eu já estou de barba moura,
Mas quase me achei muchacho,
Quando o major, sem empacho,
– Respondeu,

uando pisar pretendeu
A ministrada estrangeira,
Esta terra brasileira,
Como reúna!

E o caboclo… ai! juna!
Passou a mão no bigode,
Como quem quer e não pode
Saltar…

Amigo! Se a coisa estala,
Porongo sempre dá cuia…
Mas logo tudo se cala,
Perante a força tapuia.

Por isso que o major
Perguntado de mau jeito
Se estrangeiro se metia
Na nossa íntima folia,
Deu logo a nota maior,

De quem se não avassala;
E abrindo o peito à fala,
Respondeu logo, a preceito;
– Que recebia o sujeito
A bala!

MOTE

Pela Pátria, em Pátria alheia.
Sofrendo a dor da saudade.

GLOSA

Se do Céu baixasse à terra
O nnosso grande Redentor
Tinha de ver, com horror,
Os males que a luta encerra,
Porque numa interna guerra
Como a que o Brasil pranteia
– Que irmão com irmão se odeia
É não ter dó nem piedade
Deixar-nos mirrar de saudade
Pela Pátria, em Pátria alheia;
Mil vezes dormir sem ceia,
Sem colchão, sem travesseiro
Do que ver um povo inteiro
Pela Pátria, em Pátria alheia!

Por isto me falta a idéia
Para com pura verdade
Descrever a crueldade
De Castilhos e Floriano,
Que traz povo soberano
Sofrendo a dor da saudade.
Mas, se não fora a idéia,
Que suaviza a crueldade,
Morta estava a felicidade
Do infeliz emigrado
Que se vê hoje exilado,
Sofrendo a dor da saudade!

Que fartura

O nosso general S…,
Eu vos direi sinceramente
Com suas doces palavras
Nos enganou friamente.

Nos enganou friamente,
Como passo a demonstrar;
Dizendo: – nestas paragens,
Fartura se ia encontrar –

Fartura se ia encontrar
De gado gordo e cavalo;
Mas tudo foi ao inverso,
Nos causando grande abalo.

Nos causando grande abalo,
Nesta região serrana,
Aonde p’ra alimentar-nos
Não se encontra nem banana.

Não se encontra nem banana
É um completo extravio…
Só se encontra porco e burro
E também – algum bugio.

E também – algum bugio
No galho de algum pinheiro;
Isto é a pura verdade
Porque eu não sou embusteiro.

Porque eu não sou embusteiro,
E falo com altivez,
E se houver quem me duvide,
Torno a falar outra vez.

Torno a falar outra vez,
Dizendo cobra e lagarto,
Soldado a pé e faminto
De falar nunc’está farto.

De falar nunca est’farto
E assim cumpre a sua sina:
– Pra onde foi o general?
– Foi p’ra Santa Catarina!

– Foi p’ra Santa Catarina.
Nos deixando em confusão;
Nós comendo carne magra,
E ele, peixe e camarão.

E ele, peixe e camarão,
Bom café com bolachinha;
E nós – churrasco sem sal,
E quase sempre sem farinha.

E quase sempre sem farinha,
E sem erva para mate;
Mas, soldado de Gumercindo
O seu valor não abate!

O seu valor não abate
Nem na hora dos perigos,
Pois do General Gumercindo,
Os soldados são amigos.

Os soldados são amigos
Do valente general,
Que defende com valor
O partido federal.

Eu sou um pobre gaúcho
Que nem sei expressar;
Desculpem, caros amigos:
– Quem não tem não pode dar. –

A morte de Gumercindo

Federalistas, chorai
A morte dum bravo teu!
Depois de mil sacrifícios
Em Carovi pereceu.

Em Carovi pereceu
Esse herói de tanto brio;
Em um reconhecimento
Bala infernal o feriu.

Bala infernal o feriu…
Maldita fatalidade!
Morreu esse grande homem
Esse herói da liberdade!

Esse herói da liberdade
Nesta guerra fratricida.
Lutou, sempre vencedor,
Até que perdeu a vida.

Ele os dias já tem findo,
Mas a fama existe cá;
A terra te seja leve,
Vencedor do Paraná!

Vencedor do Paraná,
Sempre humano no conflito,
Morreste, mas o teu nome
Ficará na história escrito!

Jamais será olvidada…
Sua morte é pranteada
Da família e dos amigos,
E também da gauchada.

E também da gauchada
Com quem na luta se via;
Do Rio Grande em geral,
De quem tinha a simpatia.

Oh! cruel fatalidade!…
Ante vós me vou curvar;
E cedendo à lei do destino,
Devo sofrer e lutar!…

Combate do rio Negro

A fuga de Antero Pedroso

De dentro do baluarte
Branco pano já subiu
As forças se admiraram.
Muitos bravos protestaram
Da pressa de quem pediu.

Pelos longes, nas coxilhas
O inimigo pasmou,
Esperava resistência
E não aquela paciência
E logo se aproveitou.

Isidoro estava inerte,
Já nem sabia ordenar
Galonados se meteram
E tudo comprometeram,
Podendo tudo salvar.

Pica-paus e maragatos
Custaram todos a crer
No que os seus olhos viam
– Panos brancos que subiam! –
Sinal de armas render.

Nesta hora Antero Pedroso
Mantinha ainda um piquete
Nas dobras duma canhada
E vendo aquela empreitada
De quem não tinha topete.

Dispersou a sua gente
E convidou quem topasse
O amargo cerco romper
E não se deixar prender
Quando a roda se fechasse.

O terror já dominava
Tantos gaúchos valentes
Que peleavam sem susto,
Nesta hora a muito custo.

Então Pedroso e um negro
– Negro macota e puava! –
Largaram logo os arreios
E de em pêlo, sem receios
Fingindo que nada se dava.

Foram encontrar a força
Inimiga, que orgulhosa
Vinha apertando os vencidos
E os dois – que dois destemidos! –
Bramindo em boca jocosa.

Iam passando e dizendo:
"Apenas gente! O Joca, general
Por mim vos manda dizer
Que acabam de se render
As forças do marechal".

"Agora vou adiante
Eu e este camarada
Avisar que venha vindo
E mudando, no caminho
As forças da cavalhada!"…

Mais um grupo, outro piquete
Infantes, cavalaria,
Reservas e sentinelas
A todos, com mil cautelas
A mesma ordem repetia.

Alfim, já fora das garras
Do inimigo embuçalado,
Os cavalos, de mansito,
Puseram a galopito,
P’ra evitar um alarmado.

Mas, lá de dentro do cerco,
Os maragatos estranhando
Que, só dum lado a sua gente
Viesse tão de repente
Sem ordem, sinal ou mando.

Mandaram logo indagar:
– "P’ra que chegavam-se assim? –
– Que ninguém havia dado
– Tão absurdo mandado
– E que parassem por fim"!

Então um, mais vivaracho,
Viu logo o buçal passado
Ao ver que nos prisioneiros
Carrancudos e altaneiros,
Antero não foi achado.

"Ah! gavião! sorro ladino!
De todos nós tu mangaste?!…
Saía gente a todo o rumo,
E vivo ou morto, presumido
Que o encontre e isso baste!"

Mas logo compreenderam
Que o caboclo destorcido
Se lhes havia saído
Dentre as mãos, ‘stando seguro,
E como a noite fez um muro
Entre a má perseguição
E a heróica salvação
De vergonha emudeceram.

E Antero o pescoço salvou,
Que Manoel sacrificou!…

Gumercindo morreu

Na entrada da primavera
Nem uma só flor nasceu,
A brisa se foi, passando…
– O Gumercindo morreu… –

O sol cobriu-se de luto,
Toda a terra estremeceu
E o figurão das estrelas…
– O Gumercindo morreu… –

Curvai a fronte, guerreiros,
Tirai da fronte, o chapéu
Cobri de crepe as divisas
– O Gumercindo morreu… –

O mar, medonho, rugia
Com furioso escarcéu
E as ondas bramindo dizem:
– O Gumercindo morreu… –

Findou-se o vulto eminente,
O tarumã já perdeu,
Os federais vestem luto
– O Gumercindo morreu… –

Ele aí vem, todo assustado, borrado, o nosso

Pinheiro Machado
Vem tocado lá da Serra
Pelo – grão gênio da guerra –
Vem se vendo atrapalhado
Meio sério, meio rindo
Vem seguindo o Gumercindo
– Vem assustado, borrado,
Nosso Pinheiro Machado. –

Pobre coitado!
Vem maltratado
À retaguarda,
Por ser doutor:
Vem disparando
Desapontado…
Todo estropeado
Pobre estupor!…

Levaram o Gumercindo
Meio sério, meio rindo,
Meio mal, meio embrulhado…
Voltam agora apanhando
Cheios de horror e gritando:
– Vem assustado, borrado,
Nosso Pinheiro Machado. –

Há de ser lindo
Ver-se o Machado
Todo rodeado
De maragatos
Chico mentira
Fala gritando:
– Não somos patos!…

O Hipólito e Sampaio
Que nem deles é paio
Pois pouco têm apanhado;
Hão de estar preparando
Para fugir exclamando:
– Vem assustado, borrado,
Nosso Pinheiro Machado.

O negro Adão

Saiu do fogo do inferno
Esbraseado, um tição
O Diabo cuspiu em cima
Ficou feito o negro Adão.

Primeiro chiou três vezes
Antes de tomar feição,
Pouco a pouco foi-se vendo
A cara do negro Adão.

A fumaça deu os olhos
P’ra clarear a feição,
E a ponta de pau de fogo
O queixo do negro Adão

A boca saiu da racha
Que mostra todo o carvão,
A cinza deu os ouvidos
P’ra cara do negro Adão.

O nariz saiu dum nó
Que tinha o pau do tição
(………………………….)
A cara do negro Adão.

O negro Adão (Resposta)

Saiu do fogo do inferno
Esbraseado, um tição.

GLOSA

Se negra a pele do homem,
É branco seu proceder:
E nunca o há de perder,
Com temor que outros o tomem;
Pois muitos há, que se somem,
Quando é hora do perigo…
Do negro Adão o castigo,
– Pior que o gelo do inverno –
Seria se o tal amigo,
Saiu do fogo do inferno.

Para morder pelas costas,
O camoatim eu conheço,
Que até vira pelo avesso
O barro duro e as botas…
Se és – Claro – p’ra que t’encostas
Na tisna do negro Adão?…
Não te vá doer a mão
Ao pegar sem precaução,
Este, de que tanto gostas,
Esbraseado, um tição.

Biguá em terra firme

Sr. Saldanha da Gama
Lá do Rio de Janeiro,
Nos seus barcos a vapor
Não anda muito folheiro…

E desejando botar
Ilhapa nova no laço,
Quer vir cá p’ro Rio Grande
Nos fazer trocar o passo.

Se ele vier para cá,
Virá agüentar repuxo,
Visto que laçar navio
Não é novo p’ra gaúcho.

Não venha, seu almirante,
General de água salgada:
Não venha, porque bem pode
Pagar a mula roubada.

O biguá na terra firme
Não corre: tropica e cai;
E mesmo num banhadal
Também a trompaços vai.

Ora pois – cada macaco
Vá ficando no seu pau:
Quem é campeiro, é no campo;
Mas marinheiro… babau!…

Se for p’ra socar canjica,
Isso sim, poderá vir
Mas, p’ro mais, passe de largo,
Caro lhe pode sair!…

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