Ulisses

História

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Ulisses
Cavalo de Tróia de Ulisses

O lendário herói grego, Odisseu era o rei de Ítaca, uma pequena ilha no mar Jónico, onde viveu com sua esposa Penélope.

Ele era conhecido por Romanos como Ulisses. Depois de lutar a guerra contra a cidade de Tróia com os gregos, ele começou sua jornada para casa. Sua viagem à vela foi obstruída pelo deus do mar Poseidon.

Durante sua jornada, ele teve muitas aventuras incríveis, mas sua inteligência renomada o ajudou a sobreviver às inúmeras dificuldades, embora sua equipe não teve tanta sorte. Depois de dez anos de peregrinação, ele finalmente chegou a sua casa.

Durante sua longa ausência, muitos de seus inimigos tentaram convencer sua esposa Penélope se casar novamente. Quando Ulisses chegou, ele disfarçou-se de mendigo. Apenas o seu velho cão reconheceu. Até aquele momento, Penelope se manteve fiel.

Ela não tinha visto seu marido desde o início da guerra de Tróia, vinte anos antes. Depois de tantos anos, ela se presumia ser uma viúva.

Pressionado por seus pretendentes, ela declarou que ela iria se casar apenas com o homem que pudesse dobrar um arco extremamente difícil que pertencia a Odisseu.

Todos os pretendentes tentado isso, mas só Ulisses conseguiu.

Ulisses
Cavalo de Tróia de Ulisses

A imagem acima representa uma réplica do cavalo de madeira feita pelos gregos durante a guerra contra Tróia. Foi idéia de Ulisses para esconder soldados dentro do cavalo. O cavalo foi oferecido para os troianos como um presente religioso para que os cidadãos de Tróia não poderia recusá-lo. Com a cavalo, os soldados gregos poderiam entrar na cidade e vencer a guerra. A réplica descrito acima é conservada na Turquia.

A Volta de Ulisses

Após vinte anos longe de casa, Ulisses emociona-se ao pisar novamente o solo de Ítaca. Um jovem pastor acolhe-o. Na verdade, sob esse disfarce oculta-se a deusa Atena, sua amiga, que lhe explica estar reinando muita desordem em toda a ilha.

Os habitantes acreditam que Ulisses morreu, e um grupo de jovens pôs na cabeça que é precisosantuPalasAtena.gif (203327 bytes) substituí-lo no trono.

Instalados no palácio de Ulisses como se estivessem em casa, acham que a rainha Penélope deve casar-se com um deles. Querem que Penélope escolha, mas, já há alguns anos, ela inventou um estratagema para evistar esse matrimônio. Prometeu tomar sua decisão quando completasse a tapeçaria que estava tecendo. Mas a cada noite, escondida, a rainha desmancha o que teceu durante o dia.

A deusa também conta a Ulisses que Telêmaco, o filho do herói, partiu à procura do pai.

Depois, ela transforma Ulisses num velho mendigo, irreconhecível, e leva-o à casa de Eu meu, o guardador de porcos.

Ulisses hospeda-se lá durante alguns dias, enquanto Atena procura Telêmaco e o traz para junto do pai. É um momento de muita emoção para Ulisses, que deixou um bebê e reencontra um homem. Pai e filho abraçam-se e traçam um plano. Telêmaco então volta ao palácio.

Na manhã seguinte, Ulisses, disfarçado em seus trajes de mendigo, apresenta-se no palácio. Um velho cachorro que está deitado no pátio levanta-se e fareja Ulisses quando ele se aproxima. O cheiro lhe é familiar, embora pouco distinto.

De repente, o cão Argos reconhece Ulisses, o bondoso dono que não vê há tanto tempo.

É alegria demais para o pobre animal: ele cai morto ali mesmo.

Ulisses enxuga uma lágrima e entra no palácio. Lá, os pretendentes bebem e banquteiam-se. Acolhem o mendigo com zombarias e injúrias. Mesmo depois de receber uma pancada, Ulisses refreia sua cólera. Sofre em silêncio os insultos que lhe são dirigidos em sua própria casa. Euricléia, uma criada que foi sua ama-de-leite, aproxima-se dele para lavar-lhe os pés, como mandam as leis de hospitalidade. Graças a uma cicatriz, logo reconhece seu rei, mas ele faz um sinal para que a criada se cale.

Ao amanhecer, Ulisses é despertado por barulhos estranhos: um choro no quarto de Penélope e gritos na sala em que os pretendentes, embriagados, planejam assassinar Telêmaco. Descobrirram a artimanha de Penélope e resolveram obrigá-la a escolher um marido.

Fazem uma grande reunião na sala do trono. Altivamente, Penélope declara que só poderia casar-se com um homem tão valoroso quanto Ulisses.

Ela propõe uma prova: ficará com aquele que for capaz de retesar o arco do herói e de fazer pontaria com tanta extidão que a flecha atravesse os orifícios de doze lâminas de machado alinhadas. Os pretendentes precipitam-se, mas a prova é muito difícil. Nenhum deles consegue sequer retesar o arco.

Então, o repugnante mendigo pede que o deixem participar do concurso… é uma gargalhada só! Todo mundo ri das pretensões do pobre vagabundo.

Impertubábel, Ulisses pega o arco, ajusta a flecha, retesa a arma sem esforço e atira. A flecha atravessa os doze círculos de ferro.

Ninguém mais acha graça.

Na mesma hora, Ulisses joga longe o disfarce e recupera a aparência normal. Telêmaco e Eumeu aproximam-se, armados com dardos. Uma imensa tempestade abate-se sobre Ítaca bem no momento em que Ulisses, ajudado pelo filho , abate a flechadas todos os pretendentes.

Penélope ainda hesita. Não consegue reconhecer seu marido, que ela não vê há vinte anos. Então, pede às criadas que preparem no salão de banquetes o leito de Ulisses, para ali dormir aquele que, a seus olhos, não passa de um mendigo.

Ulisses fica furioso. Construiu aquela cama com suas próprias mãos, e ninguém pode desmontá-la.

— Aliás – diz ele – , não há como tirá-la do lugar, pois uma de suas colunas é uma oliveira viva…

Por causa desse detalhe, do qual só ela e o marido sabiam, Penélope finalmente reconhece Ulisses. O herói está constentíssimo com a fidelidade da mulher e a valentia do filho. Depois de saborear alguns mmomentos de repouso ao lado deles, retoma seus encargos de soberano. Devolve a calma e a prosperidade a Ítaca.

Dali em diante, se os deuses quiserem, Ulisses, Penélope e Telêmaco viverão felizes e tranquilos.

Ulisses – Mitologia Grega

A figura de Ulisses transcendeu o âmbito da mitologia grega e se converteu em símbolo da capacidade do homem para superar as adversidades.

Segundo a versão tradicional, Ulisses (em grego, Odisseu) nasceu na ilha de Ítaca, filho do rei Laerte, que lhe legou o reino, e Anticléia. O jovem foi educado, como outros nobres, pelo Centauro Quirão e passou pelas provas iniciáticas para tornar-se rei.

A vida de Ulisses é relatada nas duas epopéias homéricas, a Ilíada, em cuja estrutura coral ocupa lugar importante, e a Odisséia, da qual é o protagonista, bem como no vasto ciclo de lendas originadoras dessas obras.

Depois de pretender sem sucesso a mão de Helena, cujo posterior rapto pelo tebano Páris desencadeou a guerra de Tróia, Ulisses casou-se com Penélope. A princípio resistiu a participar da expedição dos aqueus contra Tróia, mas acabou por empreender a viagem e se distinguiu no desenrolar da contenda pela valentia e prudência.

A ele deveu-se, segundo relatos posteriores à Ilíada, o ardil do cavalo de madeira que permitiu aos gregos penetrar em Tróia e obter a vitória.

Terminado o conflito, Ulisses iniciou o regresso a Ítaca, mas um temporal afastou-o com suas naves da frota. Começaram assim os vinte anos de aventuras pelo Mediterrâneo que constitui o argumento da Odisséia.

Durante esse tempo, protegido por Atena e perseguido por Posêidon, cujo filho, o Ciclope Polifemo, o herói havia cegado, conheceu incontáveis lugares e personagens: a terra dos lotófagos, na África setentrional, e a dos lestrigões, no sul da Itália; as ilhas de Éolo; a feiticeira Circe; e o próprio Hades ou reino dos mortos.

Ulisses perdeu todos os companheiros e sobreviveu graças a sua sagacidade. Retido vários anos pela ninfa Calipso, o herói pôde enfim retornar a Ítaca disfarçado de mendigo. Revelou sua identidade ao filho Telêmaco e, depois de matar os pretendentes à mão de Penélope, recuperou o reino, momento em que conclui a Odisséia.

Narrações posteriores fazem de Ulisses fundador de diversas cidades e relatam notícias contraditórias acerca de sua morte.

No contexto da mitologia helênica, Ulisses corresponde ao modelo de marujo e comerciante do século VII a.C. Esse homem devia adaptar-se, pela astúcia e o bom senso, a um mundo cada vez mais complexo e em contínua mutação.

A literatura ocidental perpetuou, como símbolo universal da honradez feminina, a fidelidade de Penélope ao marido, assim como achou em Ulisses e suas viagens inesgotável fonte de inspiração.

Fonte: www.windows2universe.org/mitologia.tripod.com/www.nomismatike.hpg.ig.com.br

Ulisses

História

Nascimento

Como todo herói, o rei de Ítaca teve um nascimento meio complicado.

Desde a Odisséia a genealogia de Odisseu é mais ou menos constante: é filho de Laerte e de Anticléia, mas as variantes alteraram-lhe sobremodo os antepassados mais distantes. É assim que, do lado paterno, seu avô, desde a Odisséia, chamava-se Arcísio, que era filho de Zeus e de Euriodio.

Do lado materno o herói tinha por avô Autólico, onde seu bisavô era nada mais nada menos que Hermes, embora o mesmo se apresnte com algumas variantes, o que é comum no mito. Se bem que desconhecida dos poemas homéricos, existe uma tradição segundo a qual Anticléia já estava grávida de Sísifo, quando se casou com Laerte.

Ulisses nasceu na ilha de Ítaca, sobre o monte Nérito, um dia em que sua mãe fora ali surpreendida por um grande temporal.

Semelhante anedota deu ensejo a um trocadilho sobre o nome (odysseús), suja interpretação estaria contida na frase grega (Katà tèn hodòn hýsen ho Dzeús), ou seja, “Zeus chovia sobre o caminho”, o que impediu Anticléia de descer o monte Nérito.

A Odisséia, XIX, 406-409, no entanto, cria outra etimologia par ao pai de Telêmaco: o próprio Autólico, que fora a Ítaca visitar a filha e o genro e lá encontrara o neto recém-nascido, “por ter-se irritado” com muitos homens e mulheres que encontrara pela terra fecunda”, aconselhou aos pais que dessem ao menino o nome de (Odysseús), uma vez que o epíteto lembra de fato o verbo (odýssomai) “eu me irrito, eu me zango).

Na realidade, ainda não se conhece com precisão a etimologia de Odysséus, apesar dos esforços de Albert Carnoy, que isolando a final -eus, frequentemente o sacrifício das vacas do deus Hélio (Sol), bem como o cegamento do ciclope Polifemo com um tronco de oliveira incandescido, como fez o Lug céltico com Balor.

Desse modo, conclui o filólogo belga, seria possível identificar (lykjo) com o deus germânico Loki, cuja vinculação com o fogo é evidente: a base etimológica seria então o indo-europeu lug-io a par de luk-io.

Filho de Sísifo, o mais astuto e atrevido dos mortais, neto de Autólico, o maior e mais sabido dos ladrões e ainda bisneto de Hermes, o deus também dos ardis e trapaças, o trickster por excelência, Ulisses só poderia ser mesmo, ao lado da inteligência exuberante, da coragem e da determinação, um herói (polýmétis), cheio de malícia e de habilidade e um (polytropos), um solerte e manhoso em grau superlativo.

Educado, como tantos outros nobres, pelo centauro Quirão, ainda muito jovem o herói de Ítaca deu início às suas aventuras.

Durante uma curta permanência na corte de seu avô Autólico participou de uma caçada no monte Parnaso e foi ferido no joelho por um javali.

A cicatriz, pouco acima do joelho, produzida pela mordidela da fera, se tornou indelével e servirá como sinal de reconhecimento, quando o egrégio neto de Autólico regressar a Ítaca. Pausânias relata com precisão que a luta entre o herói e o javali, com o conseqüente ferimento daquele, se passara exatamente no local em que se construiu o Ginásio de Delfos, igualmente no monte Parnaso.

A mando de Laerte, Ulisses dirigiu-se a Messena, para reclamar uma parte do rebanho de seu pai, que lhe havia sido furtada. Na corte do rei Orsíloco, tendo-se encontrado com Ífito, filho de Êurito e herdeiro do famoso arco paterno, o dois heróis resolveram, com penhor de amizade, trocar de armas.

O futuro rei de Ítaca presenteou Ífito com sua espada e lança e deste deu a Ulisses o arco divino com que o esposo de Penélope matará mais tarde os soberbos pretendentes.

Completada a (dokimasía), as primeiras provas iniciáticas, traduzidas na morte do javali, símbolo da aquisição do poder espiritual e da obtenção do arco, imagem do poder real e da iniciação dos cavaleiros, Ulisses recebeu de seu pai Laerte – que se recolheu, certamente por inaptidão ao poder – o reino de Ítaca, com todas as suas riquezas, consistentes sobretudo em rebanhos.

O rei, obrigatoriamente, no entanto, se completa ao casamento. Cortejou, por isso mesmo, em primeiro lugar, Helena, filha de Tíndaro, mas, percebendo que o número de pretendentes era excessivo, voltou-se para a prima da futura esposa de Menelau, Penélope, filha de Ícaro.

Esta união lhe traria tantas vantagens (Ulisses sempre foi um homem prático) quantas lhe proporcionaria a união com Helena. A mão de Penélope foi conseguida ou por gratidão de Tíndaro, ou como é mais provável, por uma vitória obtida pelo herói numa corrida de carros instituída por seu futuro sogro entre os pretendentes da filha. De qualquer forma, o pai de Helena sempre foi muito grato a Ulisses por um conselho que este lhe dera.

Como o número de pretendentes à mão de Helena fosse muito grande, o rei de Ítaca sugeriu a Tíndaro que os ligasse por dois juramentos, respeitar a decisão de Helena, quanto à escolha do noivo, ajudando-o a conservá-la; e se o eleito fosse, de alguma forma, atacado ou gravemente ofendido, os demais deveriam socorrê-lo.

Pressionada pelo pai a permanecer em Esparta com o marido, Penélope, dando provas de seu amor conjugal, preferiu, como era desejo de Ulisses, seguir com ele para Ítaca.

Diga-se, aliás, de passagem, que, apesar de Esparta ter sido considerada sobretudo à época clássica como a cidade das mulheres virtuosas e corretas e de Penélope, através da Odisséia, ser apontada como símbolo da fidelidade conjugal, existem outras versões, como veremos, que a acusam formalmente de haver traído o marido tanto antes quanto após o retorno do mesmo.

Seja como for, do casamento com o rei de Ítaca, Penélope foi mãe de Telêmaco.

Este ainda estava muito novinho, quando chegou ao mundo grego a triste notícia de que Páris raptara Helena e de que Menelau, valendo-se do juramento dos antigos pretendentes à mão de sua esposa, exigia de todos o comprimento da solene promessa, para que pudesse vingar-se do príncipe troiano.

O Papel de Ulisses na Guerra de Tróia

Preparativos para a guerra

Embora autor intelectual do famoso juramento, o rei de Ítaca, não por falta de coragem, mas por amor à esposa e ao filho, procurou de todas as maneiras fugir ao compromisso assumido. Quando lhe faltaram argumentos, fingiu-se de louco. Em companhia de seu primo, o astuto e inventivo Palamedes, Menelau dirigiu-se à Ítaca. Lá encontraram Ulisses, que havia atrelado um burro e um boi a uma charrua e abria sulcos nos quais semeava sal. Outros dizem que tentava arar as areias do mar.

Palamedes, todavia, não se deixou enganar com o embuste e colocou o pequenino Telêmaco diante das rodas do arado. Ulisses deteve os animais a tempo de salvar o menino. Desmascarado, o herói dedicou-se inteiro à causa dos atridas, mas nunca perdoou Palamedes e no decurso da Guerra de Tróia vingou-se cruel e covardemente do mais inteligente dos heróis da Hélade.

Acompanhado de Misico, que Laerte lhe dera como conselheiro, e com a missão de velar sobre o filho em Tróia, Ulisses se engajou na armada aquéia. De saída, acompanhou Menelau a Delfos para consultar o oráculo e, logo depois, em companhia do mesmo Menelau e de Palamedes, participou da primeira embaixada a Tróia com o fito de resolver pacificamente o incidente do rapto de Helena. Reclamaram Helena e os tesouros carregados pelo casal. Páris se recusou a devolver tanto Helena quanto os tesouros e ainda tentou convencer os troianos a matarem o rei de Esparta, que foi salvo por Antenor, companheiro e prudente conselheiro do velho Príamo. Com a recusa de Páris e sua traição a Menelau, a guerra se tornou inevitável. Em seguida foi em busca de Aquiles, que sua Mãe Tétis havia escondido, mas cuja presença e participação, segundo o adivinho Calcas, eram indispensáveis para a tomada de Ílion. Tétis sabedora do triste destino que aguardava seu filho, levou-o secretamente para a corte de Licomedes, na ilha de Ciros, onde o herói passou a viver como linda donzela “ruiva” no meio das filhas do rei, como nome falso de Pirra, já que o herói tinha os cabelos louro-avermelhados. Disfarçado em mercador, o astuto Ulisses conseguiu penetrar no gineceu do palácio de Licomedes. As moças logo se interessaram pelos tecidos e adornos, mas Pirra, a “ruiva”, tendo voltado sua atenção exclusivamente para as armas, Ulisses pôde com facilidade identificá-lo e conduzi-lo para a armada aquéia. Conta uma outra versão que o filho de Tétis se deu a conhecer porque se emocionou, ouvindo os sons bélicos de uma trombeta.

Ainda como embaixador, o rei de Ítaca foi enviado juntamente com Taltíbio, arauto de Agamêmnon, à corte de Chipre, onde reinava Cíniras, que, após o incesto involuntário com sua filha Mirra, fora exilado de Biblos e se tornara o primeiro rei da grande ilha grega do mar Egeu, onde introduziu, aliás, o culto de Afrodite. Cíniras prometeu enviar cinquenta naus equipadas contra os Troianos, mas, usando de um estratagema, mandou apenas uma.

Reunidos finalmente os reis helenos, a armada velejou rumo a Tróada, mas, não conhecendo bem a rota, a grande frota, sob o comando de Agamêmnon, abordou em Mísia, na Ásia Menor e, dispersados por uma grande tempestade, os chefes aqueus regressaram a seus respectivos reinos. Somente oito anos mais tarde congregaram-se novamente em Áulis, porto da Beócia. O mar, no entanto, permanecia inacessível aos audazes navegantes, por causa de prolongada calmaria.

Consultado, o adivinho Calcas explicou que o fenômeno se devia à cólera de Artemis, porque Agamêmnon, matando uma corça, afirmara que nem a deusa o faria melhor que ele. A ultrapassagem do métron por parte do rei de Micenas era grave e, para suspender a calmaria, Artemis exigia, na palavra do adivinho, o sacrifício da filha primogênita do rei, Ifigênia.

Foi nesse triste episódio, maravilhosamente repensado por Eurípedes em sua tragédia Ifigênia em Áulis, que Ulisses continuou a mostrar sua inigualável astúcia e capacidade de liderança.

Agamêmnon, a conselho de seu irmão Menelau e de Ulisses, enviara à esposa Clitemnestra, em Micenas, uma mensagem mentirosa, solicitando-lhe que conduzisse Ifigênia a Áulis, a fim de casá-la com o herói Aquiles. Mas, logo depois, horrorizado com a idéia de sacrificar a própria filha, tentou mandar uma segunda missiva, cancelando a primeira. Menelau, todavia, interceptou-a e Clitemnestra, acompanhada por Ifigênia e o pequenino Orestes, chega ao acampamento aqueu.

O solerte rei de Ítaca, percebendo as vacilações de Agamêmnon e os escrúpulos de Menelau no tocante ao cumprimento do oráculo, excitou os chefes e a soldadesca aquéia contra os atridas, que se viram compelidos a sacrificar a jovem inocente. Não fora a pronta intervenção de Artemis, que substituindo Ifigênia por uma corça, fato comum no mito do sacrifício do primogênito, Agamêmnon, Menelau e Ulisses teriam agravado ainda mais sua hýbris, já bastante intumescida.

Ainda bem que, no mundo antigo, se levavam em conta os atos e não as intenções.

Uma derradeira intervenção da argúcia e bom-senso de Ulisses, antes da carnificina de Tróia, pode ser detectada na correta interpretação do oráculo relativo à cura de Télefo por Aquiles. O esposo de Penélope demonstrou uma precisão absoluta que o restabelecimento da saúde do rei de Mísia teria que ser operado “pela lança de sua arma predileta sobre o ferimento de Télefo, que imediatamente o teve cicatrizado.

A Viagem de Ida

Consoante o Catálogo das Naus Ulisses levou a Tróia doze navios lotados com heróis, soldados e marujos provenientes das ilhas de Cefalênia, os magnânimos cefalênios; de Ítaca, de Nérito, de Egílipe, de Zacinto e de Same.

Considerado por todos como um dos grandes heróis, sempre participou do conselho dos chefes que sitiariam Ílion. Na rota para Tróia aceitou o desafio do rei de Lesbos, filomelides, e o matou na luta. Esse episódio, recordado pela Odisséia, IV, 343sq., foi reinterpretado posteriormente como um verdadeiro assassinato cometido por Ulisses e seu parceiro inseparável em tais casos, o violento Diomedes.

Em Lemnos, durante um banquete dos chefes aqueus, ainda segundo a Odisséia, Ulisses e Aquiles discutiram asperamente: o primeiro elogiava a prudência e o segundo exaltava a bravura. Agamêmnon, a quem Apolo havia predito que os aqueus se apossariam de Tróia, quando reinasse a discórdia entre os chefes helenos, viu no episódio o presságio de uma rápida vitória. Os mitógrafos posteriores deturparam o fato e atribuíram a querela a Agamêmnon e Aquiles, primeiro sintoma da grave contenda entre estes dois heróis, o que se constituirá no assunto da Ilíada. Foi ainda em Lemnos ou numa ilhota vizinha, chamada Crises, que, a conselho de Ulisses, os chefes aqueus resolveram abandonar Filoctetes.

Um outro acontecimento desconhecido pelos poemas homéricos é a denominada segunda missão de paz a Tróia: tendo a frota grega chegado à ilha de Tênedos, bem em frente à fortaleza de Príamo, Menelau e Ulisses dirigiram-se novamente a Ílion na tentativa de resolver o grave problema do rapto de Helena de maneira pacífica e honrosa. Dessa feita, porém, foram muito mal recebidos, porque Páris e seus partidários não só recusaram quaisquer propostas de paz, mas ainda, por intermédio de seu amigo Antímaco, o raptor de Helena tentou amotinar o povo para que matasse Menelau e certamente também Ulisses. Salvou-os o prudente Antenor, conselheiro de Príamo e amigo de alguns chefes aqueus.

Com isso a guerra se tornou inevitável. Foi ainda por sugestão pacífica de Antenor que se tentou obter a decisão acerca da permanência em Tróia de Helena e dos tesouros roubados à corte de Menelau ou de seu retorno à Esparta por meio de um combate singular entre Páris e Menelau.

Mas, como nos mostra a Ilíada, III 347sqq., no momento em que o atrida estava para liquidar o inimigo, Afrodite o envolveu numa nuvem e o levou de volta para o tálamo perfumado de Helena. Pândaro, aliado dos Troianos, rompe sacrilegamente as tréguas e lança uma seta contra Menelau. Recomeçou a sangrenta seara de Ares, que haveria de se prolongar por dez anos.

Estratagemas durante a Guerra

Pois bem, por todo esse tempo o heroísmo e a astúcia de Ulisses brilharam intensamente. Durante todo o certo a Ìlion o rei de Ítaca mostrou extraordinário bom-senso, destemor, audácia, inteligência prática e criatividade.

Convocavam-no para toda e qualquer missão que demandasse, além de coragem, sagacidade, prudência e habilidade oratória. (Polymékhanos), “industrioso, fértil em recursos”, é o epíteto honroso, que lhe outorga Atena logo no canto Segundo.

É assim que sua solércia e atividade diplomáticas se desdobram desde os primeiros cantos do poema. Foi o comandante da nau que conduzia uma hecatombe a Apolo e levava a bela Criseida de volta a seu pai Crises; organizou o combate singular entre Páris e Menelau; na assembléia dos soldados reduziu Tersites ao silêncio e, com um discurso inflamado, revelando um grande presságio, persuadiu os aqueus a permanecerem em Tróada, quando o desânimo já se apossara de quase todos eles.

Participou igualmente, acompanhado de Fênix e Ájax, da embaixada junto a Aquiles, para que este, uma vez desagravado por Agamêmnon, voltasse ao combate, o que, ainda dessa feita, não aconteceu, apesar do belo e convincente discurso do rei da Ítaca.

Em parte através da Odisséia e sobretudo de poetas posteriores ficamos sabendo de outras missões importantes do mais astuto dos Helenos. Como a guerra se prolongasse além do esperado, Ulisses, em companhia de Menelau, dirigiu-se à corte de Ânio, rei e sacerdote de Delos, como atesta Vergílio na Eneida, 3,80.

Esse Ânio, filho de Apolo e de Reá, a “Romã”, era pai de três filhas: Elaís, Espermo e Eno, cujos nomes lembram, respectivamente, óleo, trigo e vinho.

Como houvessem recebido de seu ancestral Dionisio o poder de fazer surgir do solo esses três produtos indispensáveis, os chefes aqueus, dado o prolongamento da guerra, mandaram buscá-las. De bom grado as filhas do rei de Delos acompanharam os embaixadores gregos, mas, já cansadas de uma tarefa incessante, fugiram. Perseguidas pelos Helenos, pediram proteção a Dionisio, que as metamorfoseou em pombas. Por isso mesmo, na ilha de Delos, era proibido matar pombas.

Além da já citada incumbência de trazer Filoctetes de volta às fileiras aquéias, Ulisses, juntamente com Fênix ou Diomedes, foi encarregado de trazer da ilha de Ciros Neoptólemo, filho de Aquiles e de Deidamia, e cuja presença, após a morte de Aquiles, era também imprescindível para a queda de ìlion, segundo vaticinaria Heleno.

Os feitos do rei de Ítaca durante a Guerra de Tróia não se reduzem, todavia, a embaixadas. Audacioso, destemido e sobretudo caviloso, o herói arriscou muitas vezes a vida em defesa da honra ofendida da família grega.

Numa sortida noturna e perigosa, ele e Diomedes, no chamado episódio de Dolonia, obtêm dupla vitória. Dólon, espião troiano, é aprisionado pelos dois heróis aqueus. Após revelar tudo quanto os dois desejavam saber, Diomedes, impiedosamente, apesar das súplicas de Dólon, cortou-lhe a cabeça. Guiados pelas informações do troiano, penetram no acampamento inimigo e surpreenderam dormindo o herói trácio Reso, que viera em auxílio dos Troianos no décimo ano da guerra. Mataram-no e levaram-lhe os brancos corcéis, rápidos como o vento. Conta-se que a audaciosa expedição dos dois bravos aqueus contra Reso fora inspirada pelas deusas Hera e Atena, pois um oráculo predissera que, se Reso e seus cavalos bebessem da água do rio Escamandro, o herói trácio seria invencível.

O tema da morte desse herói foi retomado no Séc. IV a.e.c. na tragédia Reso, que durante longo tempo foi erradamente incluída entre as peças de Eurípedes.

Desejando penetrar como espião em Ílion, para não ser reconhecido, fez-se chicotear até o sangue por Toas, filho de Andrêmon e chefe de um contingente etólio, consoante o Catálogo das Naus. Ensangüentado e coberto de andrajos, apresentou-se em Tróia como trânsfuga. Conseguiu furtivamente chegar até Helena, que, após a morte de Páris, estava casada com Deífobo e a teria convencido a trair os Troianos. Relata-se igualmente que Helena teria denunciado Hécuba, rainha de Tróia, a presença de Ulisses, mas este, com suas lágrimas, suas manhas e palavras artificiosas, teria convencido a esposa de Príamo a prometer que guardaria segredo a seu respeito. Desse modo foi-lhe possível retirar-se ileso, matando antes as sentinelas que vigiavam a entrada da fortaleza.

Quando da morte de Aquiles e da outorga de suas armas ao mais valente dos aqueus, Ájax Télamon, o grande Ájax, o mais forte e destemido dos gregos, depois do filho de Tétis, disputou-as com Ulisses nos jogos fúnebres em memória do pelida. Face ao embaraço de Agamêmnon, que não sabia a qual dos dois premiar, Nestor, certamente por instigação de Ulisses, aconselhou que fossem interrogados os prisioneiros troianos; e estes, por unanimidade, afirmaram que o rei de Ítaca fora o que mais danos causara a Tróia. Inconformado com a derrota, aliás injusta, e ferido em sua timé, Ájax, num acesso de loucura massacrou um pacífico rebanho de carneiros, pois acreditava estar matando os gregos, que lhe negaram as armas do pelida. Voltando a si, compreendeu ter praticado atos de demência e, envergonhado, mergulhou a própria espada na garganta.

Outra versão, talvez antiga, atesta que, após a queda de Ílion, Ájax pediu a morte de Helena como pena de seu adultério. Tal proposta provocou a ira dos atridas. Ulisses, com sua solércia, salvou a princesa e conseguiu que a mesma fosse devolvida a Menelau. Logo após este acontecimento, o destemido Ájax solicitou, como parte dos despojos, que lhe fosse entregue o Paládio, a pequena estátua de Atena, dotada de propriedades mágicas. Por instigação, mais uma vez, de Ulisses, os atridas não lhe atenderam o pedido.

O filho de Télamon fez-lhes, então graves ameaças. Assustados, Agamêmnon e Menelau cercaram-se de guardas, mas, no dia seguinte, pela manhã, Ájax foi encontrado morto, varado com a própria espada.

Sófocles, em sua tragédia Ajax, sem inocentar Ulisses, procura desviar o infortúnio da personagem para sua hýbris, seu descomedimento intolerável, sobretudo em relação a Atena, que pune o filho de Télamon com a loucura. Dessa maneira, a grande deusa estaria prestando homenagem a seu protegido Ulisses.

Este, porém, porta-se com mais dignidade que a deusa da inteligência.

Quando esta, para mostrar extensão da desgraça de Ájax e o poder dos deuses, pergunta a Ulisses se, porventura, conhece um herói mais judicioso e valente, a resposta do filho de Sísifo não se faz esperar:

Não, não conheço nenhuma, embora seja meu inimigo, lamento seu infortúnio. Esmaga-o terrível fatalidade. Em seu destino entrevejo me próprio destino. Todos quantos vivemos, nada mais somos que farrapos de ilusão e sombras vãs.

O maior cometimento de Ulisses na Guerra de Tróia foi, sem dúvida, o já referido e genial estratagema do Cavalo de Tróia, objeto das descrições de Homero e Públio Vergílio Marão.

Não se esgotam aqui, todavia, as gestas e crueldade do sagaz Ulisses. Foi o primeiro a sair da machina fatalis, a fim de acompanhar Menelau, que apressadamente se dirigiu à casa de Deífogo, para se apossar de Helena; e segundo uma versão, o rei de Ítaca impediu o atrida de assassinar ali mesmo sua linda esposa.

Conforme outra variante, Ulisses salvou-a da morte certa: escondeu-a e esperou que a cólera dos helenos se mitigasse, evitando que a rainha de Esparta fosse lapidada, como desejavam alguns chefes e a soldadesca. Foi um dos responsáveis diretos pela morte do filho de Heitor e Andrômaca, o pequenino Astíanax, que, no sangue de Tróia, foi lançado de uma torre. Por instigação de Ulisses, a filha caçula de Príamo e Hécuba, Políxena, foi sacrificada sobre o túmulo de Aquiles por seu filho Neoptólemo ou pelos comandantes gregos. Tal sacrifício, complementar do de Ifigênia, teria por finalidade proporcionar ventos favoráveis para o retorno das naus aquéias a seus respectivos reinos.

Consoante outra versão, Aquiles, que amara Políxena em vida, apareceu em sonhos ao filho e exigiu o sacrifício da filha de Príamo. Na tragédia de Eurípedes, Hécuba, Políxena arrancada dos braços da rainha por Ulisses, aliás com anuência da própria vítima, que preferia a morte à escravidão, é degolada por Neoptólemo sobre o túmulo paterno.

Odisséia: a volta para casa

A Caminho de Ítaca

Ainda fumegavam as cinzas de Tróia, quando os reis aqueus, que haviam sobrevivido aos fios da Moîra, aprestaram-se para o (nóstos) o longo “retorno” ao lar.

Uns eram aguardados com sofreguidão, com lágrimas de júbilo e com muito saudade; outros, pela instigação vingativa de Náuplio ou pelos próprios acontecimentos que precederam ou se seguiram à guerra, eram esperados com ódio e com as lâminas afiadas de machadinhas homicidas. Penélope e sua prima Clitemnestra são o termômetro da polaridade desse imenso (póthos), desse insofrido “desejo da presença de uma ausência”.

Dada a controvérsia entre os dois atridas a respeito do momento propício para o regresso, Menelau, apressado e desejoso de afastar Ílion de sua memória, partiu primeiro com sua Helena e com o velho e sábio Nestor. As naus de Ulisses singraram na esteira branca e salgada dos navios dos dois heróis aqueus. Na ilha de Tênedos, porém, como se malquistasse com ambos, retornou a Tróada e se reuniu a Agamêmnon, que lá permanecera por mais uns dias, a fim de conciliar com presentes as boas graças da sensível deusa Atena. Quando Agamêmnon desfraldou suas velas, o prudente Ulisses o seguiu, mas uma grande borrasca os separou e o filho de Sísifo abordou na Trácia, na região dos Cícones. Penetrando em uma de suas cidades, Ísmaro, o herói e seus marujos, numa incursão digna de piratas, a pilharam e passaram-lhe os habitantes a fio da espada. Somente pouparam a um sacerdote de Apolo, Marão, que, além de muitos presentes, deu ao rei de Ítaca doze ânforas de um vinho delicioso, doce e forte. Com este precioso licor de Baco será embriagado o monstruoso ciclope Polifemo. Num contra-ataque rápido os Cícones investiram-se contra os gregos, que perderam vários companheiros.

Novamente no bojo macio de Posídon, os aqueus singraram para o sul e dois dias depois avistaram o cabo Maléia, mas um vento extremamente violento, vindo do norte, lançou-os ao largo da ilha de Cítera e durante nove dias erraram no mar piscoso, até que, no décimo, chegaram ao país dos Lotófagos, que se alimentavam de flores. Três marujos aqueus provaram do loto, “o fruto saboroso, mágico e amnéstico”, porque lhes tirou qualquer desejo de regressar à pátria.

E aquele que saboreava o doce fruto do loto, não mais queria trazer notícias nem voltar, mas preferia permanecer ali entre os Lotófagos, comendo loto, esquecido do regresso.

A custo o herói conseguiu trazê-los de volta e prendê-los no navio.

Dali partiram de coração triste, e chegaram à terra dos ciclopes, tradicionalmente identificada com a Sicília: Dali continuamos viagem, de coração triste, e chegamos à terra dos soberbos ciclopes, infensos às leis, que, confiados nos deuses imortais, não plantam, nem lavram, mas tudo lhes nasce sem semear nem lavrar.

Deixando a maioria de seus companheiros numa ilhota, o experimentado rei de Ítaca, com apenas alguns deles, embicou sua nau para uma terra vizinha. Escolheu doze entre os melhores e resolveu explorar a região desconhecida, levando um odre cheio de vinho de Marão. Penetrou numa “elevada gruta, à sombra de loureiros”, redil de gordos rebanhos, e lá aguardou, para receber de quem quer que habite a caverna os dons da hospitalidade.

Só à tardinha chegou o ciclope Polifemo: Era um monstro horrendo, em nada semelhante a um homem que come pão, mas antes a um pico alcandorado de altos montes, que aparece isolado dos outros.

Polifemo já havia devorado seis de seus marujos, quando Ulisses, usando de sua costumeira solércia, embebedou-o com o vinho forte de Marão e vazou-lhe o olho único que possuía no meio da fronte. Sem poder contar com o auxílio de seus irmãos, que o consideraram louco, por gritar que Ninguém o havia cegado (foi este realmente o nome com que o astuto esposo de Penélope se apresentou ao gigante), o monstro, louco de dor e de ódio, postou-se à saída da gruta, para que nenhum dos aqueus pudesse fugir. O sagaz Ulisses, todavia engendrou novo estratagema e, sob o ventre dos Ianosos carneiros, conseguiu escapar com seus companheiros restantes do antropófago filho de Posídon.

Salvos do bronco Polifemo, os helenos navegaram em direção ao reino do senhor dos ventos, a ilha Eólia, possivelmente Lípari, na costa oeste da Itália meridional: Chegamos à ilha Eólia. Ali habitava Éolo, filho de Hipotes, caro aos deuses imortais, numa ilha flutuante, cingida em toda a volta por infrangível muralha de bronze.

Éolo acolheu-os com toda a fidalguia e durante um mês os hospedou. Na partida, deu ao rei aqueu um odre que continha o curso dos ululantes ventos. Em liberdade ficara apenas o Zéfiro que, com seu hálito suave, fazia deslizar as naus no seio verde de Posídon, Durante nove dias as naus aquéias avançaram alimentadas pelas saudades de Ítaca. No décimo já se divisavam ao longe os lumes que faiscavam na terra natal. O herói, exausto, dormia. Julgando tratar-se de ouro, os nautas abriram o odre, o cárcere dos perigosos ventos. Imediatamente terrível lufada empurrou os frágeis batéis na direção contrária.

Ulisses, que despertara sobressaltado, ainda teve ânimo para uma reflexão profunda: Mas eu que despertara, refletia em meu irrepreensível espírito se devia morrer, lançando-me nas ondas ou se permaneceria em silêncio e continuaria entre os vivos. Resolvi sofrer e ir vivendo…

E voltou à ilha de Éolo. De lá expulso como amaldiçoado dos deuses, Ulisses retornou às ondas do mar e chegou no sétimo dia a Lamos, cidade da Lestrigônia, terra dos gigantes e antropófagos lestrigões, povos que habitavam a região de Fórmias, ao sul do Lácio, ou o porto siciliano de Leontinos… Tribos de canibais, sob a ordem de seu rei, o gigante e antropófago Antífates, precipitaram-se sobre os enviados do herói de Ítaca, devorando logo um deles.

Arremessando, em seguida, blocos de pedra sobre a frota ancorada em seu porto, destruíram todas as naus, menos a de Ulisses, que ficara mais distante: Depois, de cima dos rochedos, lançaram sobre nós pedras imensas. Levantou-se logo das naus o grito medonho dos que morriam e o estrépito das naus que se partiam. E os lestrigões, cortando os homens como se fossem peixes, levavam-nos para um triste banquete.

Agora, com um único navio e sua equipagem, o herói fugiu precipitadamente para o alto-mar e navegou em direção à ilha de Eéia, cuja localização é totalmente impossível: identificá-la com Malta ou com uma ilha situada na entrada do Mar Adriático é contribuir para enriquecer a fantástica geografia de Homero.

Relata-nos o poeta que, tendo chegado a esta ilha fabulosa, residência da feiticeira Circe, filha de Hélio e Perseida e irmã do valente Eetes, Ulisses enviou vinte e três de seus nautas para explorarem o lugar. Tendo eles chegado ao palácio deslumbrante da maga, esta os recebeu cordialmente; fê-los sentar-se e preparou-lhes uma poção. Depois, tocando-os com uma varinha mágica, transformou-os em animais “semelhantes a porcos”. Escapou do encantamento apenas Euríloco que, prudentemente, não penetrara no palácio da bruxa. Sabedor do triste acontecimento, o herói pôs-se imediatamente a caminho em busca de seus nautas.

Quando já se aproximava do palácio, apareceu-lhe Hermes, sob a forma de belo adolescente, e ensinou-lhe o segredo para escapar de Circe: deu-lhe a planta mágica móli que deveria ser colocada na beberagem venenosa que lhe seria apresentada. Penetrando no palácio, a bruxa ofereceu-lhe logo a bebida e tocou-o com a varinha.

Assim, quando a feiticeira lhe disse toda confiante: Vai agora deitar com os outros companheiros na pocilga.

Grande foi a surpresa, ao ver que a magia não surtira efeito. De espada em punho, como lhe aconselhara Hermes, o herói exigiu a devolução dos companheiros e acabou ainda usufruindo por um ano da hospitalidade e do amor da mágica. Diga-se logo que desses amores, conforme a tradição, nasceram Telégono e Nausítoo.

Afinal, após um ano de ociosidade, Ulisses partiu. Não em direção a Ítaca, mas à outra vida, ao mundo ctônio. Todo grande herói, não pode completar o Uróboro, sem uma (katábasis), sem uma descida “real” ou simbólica ao mundo das sombras.

Foi a conselho de Circe que Ulisses, para ter o restante de seu itinerário e o fecho de sua própria vida traçados pelo adivinho cego Tirésias, navegou para os confins do Oceano:

Ali está a terra e a cidade dos Cimérios, cobertas pela bruma e pelas nuvens: jamais recebem um único raio de sol brilhante.

A catábase do rei de Ítaca foi “simbólica”. Ele não desceu à outra vida, ao Hades. Deixando a nau junto aos bosques consagrados a Perséfone e, por tanto, à beira-mar, andou um pouco para abrir um fosso e vazar sobre ele as libações e os sacrifícios rituais ordenados pela maga.

Tão logo o sangue das vítimas negras penetrou no fosso, “os corpos astrais, os eídola abúlicos” recompostos temporariamente, vieram à tona:

…o sangue negro corria e logo as almas dos mortos, subindo do Hades, se ajuntaram

O herói pôde, assim, ver e dialogar com muitas “sombras”, particularmente com Tirésias, que lhe vaticinou um longo e penoso caminho de volta e uma morte tranqüila, longe do mar e em idade avançada.

De volta, ainda uma pequena permanência na ilha de Eéia e, após ouvir atento e aterrorizado as informações precisas de Circe acerca das serias, dos monstros Cila e Caribdes e da proibição de se comerem as vacas e ovelhas de Hélio na ilha Trinácria, o esposo de Penélope partiu para novas aventuras, que vão arrastá-lo na direção do oeste. Seu primeiro encontro seria com os perigosos rochedos das sereias, cuja localização é extremamente difícil. Existem realmente três rochedos ao longo das costas italianas, na baía de Salerno. Segundo se diz, encontraram-se ossadas humanas em grutas existentes no interior desses penhascos, mas é preciso não esquecer que exatamente o maior deles, Briganti, foi durante os séculos XIII e XIV d.e.c. uma sólida base de piratas. É preferível, por isso mesmo,localizá-los, miticamente no Mediterrâneo Ocidental, não muito distante de Sorrento.

Circe preveniu bem o herói de que as sereias antropófagas, tentariam encantá-lo com sua voz maviosa e irresistível: atirá-lo-iam nos recifes, despedaçando-lhe a nau e devorariam todo os seus ocupantes. Para evitar a tentação e a morte, ele e seus companheiros deveriam tapar os ouvidos com cera.

Se, todavia, o herói desejasse ouvir-lhes o canto perigoso, teria que ordenar a seus nautas que o amarrassem ao mastro do navio e, em hipótese alguma, o libertassem das cordas.

Quando a nau ligeira se aproximou do sítio fatídico, diz Homero, a ponto de se ouvir um grito, as sereias iniciaram seu cântico funesto e seu convite falaz: Aproxima-te daqui, preclaro Ulisses, Glória ilustre dos aqueus! Detém a nau para escutares nossa voz, Jamais alguém passou por aqui, em escura nave, sem que primeiro ouvisse melíflua que sai de nossas bocas. Somente partiu após se haver deitado com ela e de ficar sabendo muitas coisas. Em verdade sabemos tudo…

Vencida a sedução das sereias, os aqueus remaram a toda velocidade para escaparem de dois escolhos mortais, Cila e Caribdes. A localização dos temíveis penhascos em que se escondiam os dois monstros é tradicionalmente defendida como o estreito de Messina, situado entre a Itália e a Sicília. Outros, porém, como Estrabão, acham que é difícil passagem é o estreito de Gibraltar, por contar “com uma quantidade de turbilhões verdadeiramente perigosos”.

Seja como for, os formidáveis recifes, que ladeavam um dos dois estreitos, camuflavam as devoradoras Cila e Caribdes: quem escapasse de uma, fatalmente seria tragado pela outra. A conselho de Circe, para não perecer com todos os seus companheiros, o herói preferiu passar mais próximo de Cila.

Mesmo assim, perdeu seis de seus melhores nautas.

De coração triste, o herói navegou em direção à ilha de Hélio Hiperíon, identificada miticamente como Trinácria, isto é, com a Sicília onde por força dos ventos permaneceu um mês inteiro. Acabada a provisão, os insensatos marinheiros, apesar do juramento feito, sacrificaram as melhores vacas do deus. Quando novamente a nau aquéia voltar às ondas do mar, Zeus, a pedido de Hélio, levantou uma imensa procela e terríveis vagalhões, que, de mistura com os raios celestes, sepultaram a nave e toda a tripulação no seio de Posídon. Apenas Ulisses, que não participara dos sacrílegos banquetes, escapou à ira do pai dos deuses e dos homens.

Agarrando-se à quilha, que apressadamente amarrara ao mastro da nave, o rei de Ítaca deixou-se levar pelos ventos.

Partindo dali errei por nove dias; na décima noite os deuses conduziram-me para a ilha de Ogígia, onde mora Calipso, de linda cabeleira.

A ilha de Ogígia, como quase todas as paragens oníricas da Odisséia, tem sido imaginada quer na região de Ceuta, na costa marroquina, em frente a Gibraltar, quer na ilha de Madeira. Apaixonada pelo herói, a deusa o reteve por dez anos; por oito, segundo alguns autores; por cinco, consoante outros o apenas por um.

De seus amores teriam nascido dois filhos: Nausítoo e Nausínoo.

Por fim, penalizado com as saudades de Ulisses, Zeus atendeu às súplicas de Atena, a protetora inconteste e bússola do peregrino de Ítaca, e enviou Hermes à ninfa imortal, para que permitisse a partida do esposo de Penélope. Embora lamentasse sua imortalidade. Pois desejava morrer de saudades de seu amado, Calipso pôs-lhe à disposição o material necessário para o fabrico de pequena embarcação. No quinto dia, quando a Aurora de dedos cor-de-rosa começou a brincar de esconder no horizonte, Ulisses desfraldou as velas. Estamos novamente em pleno mar, guiados pela luz dos olhos garços de Atena. Posídon, no entanto, guardava no peito e na lembrança as injúrias feitas a seu filho, o ciclope Polifemo, e descarregou sua raiva e rancor sobre a frágil jangada do herói;

Assim dizendo, Posídon reuniu as nuvens, empunhou o tridente e sacudiu o mar. Transformou todos os ventos em procelas e, envolvendo em nuvens a terra e o mar, fez descer a noite do céu.

Sobre uma prancha da jangada, mas segurando contra o peito um talismã precioso, o véu, que, em meio à borrasca, lhe emprestara Ino Leucotéia, o náufrago vagou três dias sobre a crista das ondas. Lutou com todas as forças até que, nadando até a foz de um rio, conseguiu pisar terra firme. Derreado de fadiga, recolheu-se a um bosque e Atena derramou-lhe sobre os olhos o doce sono. Havia chegado à ilha dos Feaces, uma como que ilha de sonhos, uma espécie de Atlântida de Platão. Chamavam-na Esquéria, mais tarde identificada com Corfu.

Por inspiração de Atena, a princesa Nausícaa, filha dos reis de Esquéria, Alcínoo e Aret, dirige-se ao rio para lavar seu enxoval de casamento. Após o serviço, começou a jogar com suas companheiras. Despertado pela algazarra, o herói pede a Nausícaa que o ajude. Esta envia-lhe comida e roupa, pois o rei de Ítaca estava nu, e convida-o a visitar o palácio real. Os Feaces, que eram como os Ciclopes, aparentados com os deuses, levavam uma vida luxuosa e tranqüila e, por isso mesmo, Alcínoo ofereceu ao herói uma hospitalidade digna de um rei.

Durante um lauto banquete em honra do hóspede, o cego Demódoco, por solicitação do próprio rei de Ítaca, cantou ao som da lira, o mais audacioso estratagema da Guerra de Tróia, o ardil do cavalo de madeira, o que emocionou profundamente Ulisses. Vendo-lhe as lágrimas, Alcínoo pediu-lhe que narrasse suas aventuras e desditas. Com o famoso e convicto (Eím Odysseús), eu sou Ulisses, o herói desfilou para o rei e seus comensais o longo rosário de suas gestas gloriosas, andanças e sofrimentos na terra e no mar, desde Ílion até a ilha de Esquéria.

No dia seguinte, o magnânimo soberano de Esquéria fez com que seu ilustre hóspede, que recusou polidamente tornar-se seu genro, subisse, carregado de presentes, para uma das naus mágicas dos Feaces:

Ela corria com tanta segurança e firmeza, que, nem mesmo o falcão, a mais ligeira das aves, poderia segui-la.

Com a tal velocidade, os marujos de Alcínoo em uma noite alcançaram Ítaca, onde o saudoso Ulisses chegou dormindo. Colocaram-no na praia com todos os presentes, que habilmente esconderam junto ao tronco de uma oliveira.

Posídon, todavia, estava vigilante, e, tão logo a nau ligeira dos Feaces, em seu retorno, se aproximava de Esquéria, transformou-a num rochedo, para cumprir velha predição.

Ítaca, 20 anos sem Ulisses

Bem visível ao longe, onde se ergue o arborizado e esplêndido monte Nérito. Quanto Ulisses partiu para Tróia, seu pai Laerte, presumivelmente ainda forte e válido, já não mais reinava. Com o falecimento da esposa Anticléia, consumida pelas saudades do filho, agora já alquebrado e amargurado com os desmandos dos pretendentes à mão de Penélope, passou a viver no campo, entre os servos e, numa estranha espécie de autopunição, a cobrir-se com andrajos, a dormir na cinza junto ao fogo, no inverno, e sobre as folhas no verão. Telêmaco, em grego (Telémakhos), “o que combate, o que atinge à distância”, foi, na versão homérica, o único filho de Ulisses com Penélope. Ainda muito criança, quando o pai partiu para a guerra, ficou aos cuidados de Mentor, grande amigo do herói. Todos os episódios relativos à sua meninice e começos da adolescência se encontram nos quatro primeiros cantos da Odisséia e suas maquinações e luta ao lado do pai contra os soberbos candidatos à mão de Penélope se estendem do canto XV ao XXIV.

Aos dezessete anos, percebendo que os pretendentes assediavam cada vez mais sua mãe e sobretudo dilapidavam impiedosamente os bens do rei ausente, tentou afastá-los. Atena, no entanto, agiu rapidamente, porquanto os Pretendentes, por julgarem que o jovem príncipe era o grande obstáculo à decisão da rainha na escolha de um deles, tramavam eliminá-lo. Foi assim que, por conselho da deusa de olhos garços, Telêmaco partiu para a corte de Nestor, em Pilos, e depois para junto de Menelau e Helena, em busca de notícias do pai.

Deixemo-lo, por enquanto na corte do fulvo Menelau e retornemos a Ítaca. Após tantos anos de ausência, todos julgavam que o filho de Laerte não mais existia.

Cento e oito pretendentes, nobres não apenas de Ítaca, mas oriundos igualmente de ilhas vizinhas, Same, Dulíquio, Zacinto, todas possessões de Ulisses. A princípio, de simples cortejadores da esposa do herói passaram a senhores de seu palácio e de sua fazenda. Arrogantes, autoritários, violentos e pródigos com os bens alheios, banqueteavam-se diariamente na corte do rei de Ítaca, exigindo o que de melhor houvesse em seu rebanho e em sua adega. Os subordinados do palácio, fiéis a Ulisses, eram humilhados e quase todas as servas foram reduzidas a concubinas.

Penélope aparece, na realidade, bastante retocada na Odisséia. Tradições locais e posteriores nos fornecem da esposa de Ulisses um retrato diferente do que nos é apresentado no poema homérico. Neste ela desponta como símbolo perfeito da fidelidade conjugal. Fidelidade absoluta ao herói, ausente durante vinte anos.

Dentre quantas tiveram seus maridos empenhados na Guerra de Tróia foi das únicas que não sucumbiu “aos demônios da ausência”, como diz expressivamente Pierre Grimal. Forçada pelos pretendentes a escolher entre eles um novo marido, resistiu o quanto pôde, adiando sucessivamente a indesejada eleição.

Quando não lhe foi mais possível tergiversar, arquitetou um estratagema, que ficou famoso: prometeu que escolheria um deles para marido, tão logo acabasse de tecer a mortalha de seu sogro Laerte, mas todas as noites desfazia o que fizera durante o dia. O logro durou três anos, mas, denunciada por algumas de suas servas, começou a defender-se com outros ardis.

A Chacina dos pretendentes

Ulisses despertou de seu longo sono e Atena postou-se a seu lado. Disfarçado por ela em andrajoso e feio mendigo, o herói encaminhou-se para a choupana do mais fiel de seus servos, o porcariço Eumeu. Era preciso, por prudência, sem se dar a conhecer, ficar a par de quanto se passava em seu palácio. Telêmaco, guiado pela bússola da deusa de olhos garços, também está de volta. Pai e filho se encontram e se reconhecem na tapera do porcariço. Iniciam-se os planos para o extermínio dos pretendentes. Se a fidelidade de Eumeu agradou tanto ao herói, não menos havia de emocioná-lo uma outra, de feição bem diversa e inesperada.Trata-se do cão Argos.

Argos estava morto. Havia-o matado a saudade. A recepção dos humildes, Eumeu e Argos, contrastou profundamente com a grosseria com que o orgulhoso Antínoo, o mais violento dos pretendentes, recebeu no palácio de Ulisses ao mendigo Ulisses.

Insultado e obrigado a lutar com o mendigo Iro para diversão de todos, o herói teria sofrido novos vexames, não fora a intervenção segura de Telêmaco e a hospitalidade de Penélope, que o acolheu e com ele manteve um longo diálogo, temperado de fidelidade e de saudade de Ulisses.

O zelo da hospitalidade da rainha, todavia, quase pôs a perder o plano minuciosamente traçado por Ulisses e Telêmaco. A velha e fidelíssima ama do herói, Euricléia, ao lavar-lhe os pés, por ordem de Penélope, reconhece-o por uma cicatriz na perna. Imposto o silêncio à velha ama, Ulisses, depois de banhado e ungido, retomou o diálogo com a sensata Penélope.

Aproximava-se, porém, a hora da vingança. Atena, inspirou à rainha de Ítaca a idéia de apresentar aos pretendentes o arco de seu esposo para celebração do certame que daria início ao morticínio.

Escutai-me, ilustres pretendentes… Não podeis apresentar outro pretexto, a não ser o desejo de me tomar por esposa.

Ânimo, pois, pretendentes: o prêmio do combate esta à vista! Apresentado o grande arco do divino Ulisses e aquele que, tomando-o nas mãos, conseguir armá-lo mais facilmente, e fizer passar uma flecha pelo orifício dos doze machados a este eu seguirei…

A conquista da esposa por parte de um herói jamais é gratuita. O “pretendente” deve superar grandes obstáculos e arriscar a própria vida, até mesmo para reaver sua metade perdida. Admeto, Pélops, Jasão, Menelau, Héracles e tantos outros são exemplos vivos de “pretendentes” que empenharam a própria alma na conquista de um grande amor.

Chegou, pois o momento culminante da prova do arco, que testaria o mérito dos candidatos à mão de Penélope.

O orgulhoso Antínoo comanda o certame:

Levantai-vos em ordem, companheiros, da esquerda para a direita.

Todos tentaram em vão…

A insolência e a altivez dos soberbos pretendentes foram quebradas pelo arco de Ulisses: nenhum deles conseguiu, ao menos, retesá-lo. O arco obedeceria e se curvaria apenas à vontade de seu senhor.

Pela insistência de Penélope e a firmeza das palavras de Telêmaco, embora exasperados, os pretendentes se viram compelidos a permitir que o mendigo Ulisses experimentasse o inflexível arco. Ulisses, contudo, apenas tomou e inspecionou em todos os sentidos o grande arco, Armou-o sem dificuldade alguma. Dos pretendentes, porém se apossou uma grande mágoa e mudaram de cor.

O filho de Laerte disparou o dardo, que não errou nenhum dos machados, desde o orifício do primeiro. Despojando-se dos andrajos, despiu-se também o herói do homem do mar.

Tem-se agora novamente o homem na guerra: começou o extermínio dos pretendentes. Antínoo foi o primeiro, a flecha atravessou-lhe a garganta delicada e saiu pela nuca. Ferido de morte, ele tombou de costas e a taça caiu-lhe das mãos.

E a negra morte desceu sobre os olhos de um a um dos príncipes de Ítaca e das demais possessões de Ulisses. Dos servos foram poupados tão-somente quatro.

Doze escravas impudentes que, na longa ausência do senhor, envergonharam-lhe o palácio, foram enforcadas.

Não foi realmente para efeitos retóricos que Marco Túlio Cícero chamou de pintura a poesia de Homero.

Ao paciente Ulisses faltava ainda uma prova. Penélope ainda resistia. O velho marinheiro, agora remoçado graças a um toque mágico de Atena, conhecia, somente ele e a esposa, alguns sinais desconhecidos dos outros mortais. Era a prova do reconhecimento do leito conjugal

De fato era Ulisses. O rei de Ítaca descreveu minuciosamente leito conjugal, que ele próprio fizera e adornara. O grande sinal era o pé da cama, construído com um tronco de oliveira, na Grécia, “símbolo de força, da fecundidade, da recompensa, da paz”. Na tradição judaico-cristã a imagem da paz está configurada pela pomba que traz a Noé, no fim do dilúvio, um ramo de oliveira.

Ulisses e Penélope, no mesmo instante, desfaleceram os joelhos e o coração amante, reconhecendo os sinais que Ulisses dera sem hesitar. Correu direta para ele com as lágrimas nos olhos e lançou os braços em torno de seu pescoço.

Talvez fosse prudente acrescentar que não mais estamos em pleno mar, mas em plena madrugada, no palácio de Ulisses, em Ítaca… E como uma só madrugada é muito pouco para matar saudades de vinte anos de ausência, Atena, ante a ameaça da aproximação pouco discreta da Aurora, deteve-a em pleno oceano e simplesmente prolongou a noite.

Grande maioria dos habitantes de Ítaca levantou-se em armas para vingar seus filhos e parentes, os pretendentes. O herói, seu filho Telêmaco, Lerte e mais uns poucos, capitaneados por Atena, enfrentaram os vingadores. A carnificina teria sido grande, não fora a intervenção da própria deusa.

Ulisses e Penélope como tudo neste vale de lágrimas, não foram felizes para sempre. É verdade que o adivinho Tirésias prognosticara um fim tranqüilo e bem distante do mar para rei de Ítaca; é igualmente exato que também na Odisséia tudo acaba na doce paz imposta por Atena, mas estes dois enfoques não são os únicos.

A épica, sobretudo, por uma própria estrutura,conduz o herói para um desfecho feliz. Homero, na Odisséia, fechou genialmente a longa nostalgia, peregrinações e lutas de seu protagonista com um hino ao amor, à fidelidade de Penélope e com uma eloqüente, tratado de paz, mas o mito continua em outras variantes e tradições para além da epopéia. Retrata outro estado de coisas e prossegue pelos misteriosos labirintos da vida.

Decadência e Morte

Últimos anos de Ulisses

Na realidade Ulisses e Penélope, não foram felizes para sempre. Desvinculando os reis de Ítaca da idealização épica, vamos retomar-lhes a trajetória mítica. Consoante uma velha tradição, para expiar o massacre dos pretendentes, Ulisses, após um sacrifício a Hades, Perséfone e Tirésias, partiu a pé e chegou ao país dos Tesprotos, no Epiro. Ali, como lhe recomendara Tirésias, sacrificou a Posídon, a fim de apaziguar-lhe a cólera pelo cegamento de Polifemo. Acontece que a rainha da Tesprótida, Calídice, apaixonada pelo herói, ofereceu-lhe metade de seu reino. Da união “temporária” do esposo de Penélope com a rainha do Epiro nasceu Polipetes. Algum tempo depois, com a morte de Calídice, deixou o reino Polipetes e retornou a Ítaca, para os braços de Penélope, que dele tivera um segundo filho, Poliportes. Existe uma variante, segundo a qual o herói, acusado veemente pelos pais dos pretendentes, submeteu o caso à decisão de Neoptólemo, que, cobiçando-lhe as possessões, condenou-o ao exílio. Refugiando-se na Etólia, na corte do rei Toas, desposou-lhe a filha e faleceu em idade avançada, o que confirmaria a predição de Tirésias. Esses banimentos que se seguem a um derramamento de sangue são fatos comuns e bem atestados no mito dos heróis. Visam, em última análise, a purificá-los de suas mazelas e de suas permanentes ultrapassagens do métron. A parte romanesca que, via de regra, se agrega ao mitologema, pertence ao mundo da fantasia, à criatividade dos mitógrafos antigos e, não raro, a tradições locais. Afinal, ter tido um herói do porte de Ulisses como rei, ancestral ou simplesmente como hóspede ou exilado, falava alto demais, para que se deixasse de formar um autêntico novelo de variantes e tradições locais. Uma delas, muito curiosa por sinal, nos conduz até a Itália em companhia do senhor de Ítaca.

Este, no curso de suas longas viagens, ter-se-ia encontrado com o troiano Enéias que, sob a proteção de Afrodite, sua mãe, buscava erguer a nova Tróia, a futura pátria dos Césares. Reconciliaram-se os dois e Ulisses penetrou também na Itália, estabelencendo-se na Tirrênia, nos domínios etruscos, onde fundou trinta cidades. Com o epíteto de Nanos, que significaria Errante em língua etrusca, lutou denodadamente contra os nativos para consolidar seu reino. Teria falecido em idade provecta na cidade etrusca de Gortina, identificada na Itália com Crotona. A morte do héroi, em sua terra natal, ter-se-ia devido a um engano fatal. É que, tendo sabido por Circe quem era seu pai, Telégono partiu à procura de Ulisses. Desembarcou em Ítaca e começou a devastar os rebanhos que encontrava. O velho e alquebrado herói saiu em socorro dos pastores, mas foi morto pelo filho.

Quase este tomou conhecimento da identidade de sua vítima, chorou amargamente e, acompanhado de Penélope e Telêmaco, transportou-lhe o corpo para a ilha de sua mãe Circe. Lá, certamente, com suas magias, a senhora da ilha de Eéia fez que Telégono desposasse Penélope e, ela própria, Circe, se casou com Telêmaco. Afora esses desdobramentos, aliás bem pouco românticos, o que se deseja acentuar é não apenas a substituição do velho rei, impotente e destituído de seus poderes mágicos, pelo jovem soberano, cheio de vida e de energia, mas ainda a morte violenta do herói. No tocante à permuta do velho rei pelo jovem, uma vez que, da fecundação da rainha depende a fertilidade de todas as mulheres, da terra e do rebanho. A respeito da morte violenta da maioria dos heróis, é conveniente enfatizar mais uma vez que, se o herói, por sua própria essência, tem um nascimento difícil e complicado; se sua existência neste mundo é um desfile de viagens perigosas, de lutas, de sofrimentos, de desajustes, de incontinência e de descomedimentos, o derradeiro ato de seu drama, a morte violenta, se constitui no ápice de sua prova final. Mas é exatamente esse desfecho trágico que lhe outorga o título de herói, transformando-o no verdadeiro “protetor” de sua cidade e de seus concidadãos.

É verdade que só se conhece oficialmente um santuário de Ulisses em Esparta, mas, se a mágica Circe, segundo uma tradição, colocou Penélope e Telégono na Ilha dos Bem-Aventurados, é bem possível que lá igualmente esteja Ulisses, certamente em companhia da maga de Eéia.

Penélope: Dois lados da mesma moeda

De acordo com as melhores referências, a rainha de Ítaca era filha de Icário e da náiade Peribéia. Seu casamento com o protagonista da Odisséia oscila entre duas tradições. A primeira delas se reporta à influência de Tíndaro, tio de Penélope, o qual, desejando recompensar Ulisses por seus hábeis conselhos por ocasião da disputa da mão de Helena, fê-lo desposar a filha de Icário, seu irmão. Outra versão é a de que Penélope fora o prêmio outorgado ao herói por ter sido ele o vencedor numa corrida de carros.

O amor da rainha de Ítaca pelo esposo, como já se viu, manifestou-se muito cedo: quando coagida a escolher entre residir junto ao pai em Esparta, uma vez que o casamento matrilocal era de praxe, e seguir o marido, preferiu partir para a longínqua ilha de Ítaca. Tão grande e decantada foi a fidelidade da princesa espartana ao esposo ausente por vinte anos, que, se ela mereceu a mais rica adjetivação feminina de Homero; e se de seus lábio saíram as mais duas palavras que os pretendentes poderiam ouvir de uma mulher, ele, em função dessa mesma lealdade, tornou-se digno de um santuário em Esparta, famosa pela honradez de suas mulheres.

A partir de Homero, a fidelidade de Penélope se converteu num símbolo universal, perpetuado pelo mito e sobretudo pela literatura. Publio Ovídio Nasão dedicou a primeira carta de amor de suas célebres Heróides à fidelidade da rainha de Ítaca.

Após manifestar a solidão, as saudades que a consumiam e uma pontinha de ciúmes, escreveu o que muito deve ter inflado a vaidade masculina de Ulisses: Seria dele para sempre.

Essa imagem de Penélope, contudo, está longe de corresponder a muitas tradições pós-homéricas. Na longa ausência do esposo, a rainha teria praticado adultério com todos os pretendentes e um deles seria pai do deus Pã. Outros mitógrafos julgam que Pã seria filho dos amores de Penélope com o deus Hermes.

Uma versão mais tardia insiste em que Ulisses, tendo sido posto a par da infidelidade da mulher, a teria banido. Exilada primeiramente em Esparta, seguiu depois para Mantinéia, onde morreu e onde se lhe ergueu um belo túmulo. Uma variante atesta que o herói a matara para puni-la do adultério com o pretendente Anfínomo, pelo qual, mesmo na Odisséia, Penélope mostra acentuada preferência.

Curioso no mito é que não se discute a fidelidade de Ulisses. O número de filhos adulterinos do herói era tão grande, que os genealogistas, à época de M. Pórcio Catão, confeccionaram em eles títulos de nobreza para toda as cidades latinas da Itália. Possivelmente, àquela época, illo tempore, adultério era do gênero feminino.

Odsson Ferreira

Referência Bibliográfica

BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega Vol. III. Petrópolis, Vozes, 2004
MÉNARD, Réne. Mitologia Greco-Romana Vol III. Opus, São Paulo, 1991.

Fonte: www.mitologiagrega.templodeapolo.net

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