Lira Chinesa

Machado de Assis

PUBLICIDADE

I

Coração triste falando ao sol.
( Imitado de Su-Tchon)

No arvoredo sussurra o vendaval do outono,
Deita as folhas à terra, onde não há florir
E eu contemplo sem pena esse triste abandono;
Só eu as vi nascer, vejo-as só eu cair.

Como a escura montanha, esguia e pavorosa
Faz, quando o sol descamba, o vale enoitecer,
A montanha da alma, a tristeza amorosa,
Também de ignota sombra enche todo o meu ser.

Transforma o frio inverno a água em pedra dura,
Mas torna a pedra em água um raio de verão;
Vem, ó sol, vem, assume o trono teu na altura,
Vê se podes fundir meu triste coração.

II

A folha do salgueiro
(Tchan-Tiú-Lin)

Amo aquela formosa e terna moça
Que, à janela encostada, arfa e suspira;
Não porque tem do largo rio à margem
Casa faustosa e bela.

Amo-a, porque deixou das mãos mimosas
Verde folha cair nas mansas águas.

Amo a brisa de leste que sussurra,
Não porque traz nas asas delicadas
O perfume dos verdes pessegueiros
Da oriental montanha.

Amo-a porque impeliu co’as tênues asas
Ao meu batel a abandonada folha.

Se amo a mimosa folha aqui trazida,
Não é porque me lembre à alma e aos olhos
A renascente, a amável primavera,
Pompa e vigor dos vales.

Amo a folha por ver-lhe um nome escrito,
Escrito, sim, por ela, e esse… meu nome.

III

O poeta a rir
(Han-Tiê)

Taça d’água parece o lago ameno;
Tem os bambus a formam de cabanas,
Que as árvores em flor, mais altas, cobrem
Com verdejantes tetos.

As pontiagudas rochas entre flores,
Dos pagodes o grave aspecto ostentam…
Faz-me rir ver-te assim, ó natureza,
Cópia servil dos homens.

IV

A uma mulher
(Tchê-Tsi)

Cantigas modulei ao som da flauta,
Da minha flauta d’ébano;
Nelas minha alma segredava à tua
Fundas, sentidas mágoas.

Cerraste-me os ouvidos. Namorados
Versos compus de júbilo,
Por celebrar teu nome, as graças tuas,
Levar teu nome aos séculos.

Olhaste ,e meneando a airosa frente,
Com tuas mãos puríssimas,
Folhas em que escrevi meus pobres versos
Lançaste às ondas trêmulas.

Busquei então por encantar tua alma
Uma safira esplêndida,
Fui depô-la a teus pés…tu descerraste
Da tua boca as pérolas.

V

O imperador
( Thu-Fu)

Olha. O Filho do Céu, em trono de ouro,
E adornado com ricas pedrarias,
Os mandarins escuta: — um sol parece
De estrelas rodeado.

Os mandarins discutem gravemente
Coisas muito mais graves. E ele? Foge-lhe
O pensamento inquieto e distraído
Pela janela aberta.

Além, no pavilhão de porcelana,
Entre donas gentis está sentada
A imperatriz, qual flor radiante e pura
Entre viçosas folhas.

Pensa no amado esposo, arde por vê-lo,
Prolonga-se-lhe a ausência, agita o leque…
Do imperador ao rosto um sopro chega
De rescendente brisa.

“Vem dela este perfume”, diz, e abrindo
Caminho ao pavilhão da amada esposa,
Deixa na sala olhando-se em silêncio
Os mandarins pasmados.

VI

O leque
(De-Tan-Jo-Lu)

Na perfumada alcova a esposa estava,
Noiva ainda na véspera. Fazia
Calor intenso; a pobre moça ardia
Com fino leque as faces refrescava.
Ora, no leque em boa letra feito
Havia este conceito:

“Quando, imóvel o vento e o ar pesado,
Arder o intenso estio,
Serei por mão amiga ambicionado;
Mas volte o tempo frio,
Ver-me-eis a um canto abandonado”.

Lê a esposa este aviso, e o pensamento
Volve ao jovem marido.
“Arde-lhe o coração neste momento
(Diz-ela) e vem buscar enternecido
Brandas auras de amor. Quando mais tarde
Tornar-se em cinza fria
O fogo que hoje lhe arde,
Talvez me esqueça e me desdenhe um dia.”

VII

As flores e os pinheiros
(Tin-Tun-Sing)

Vi os pinheiros no alto da montanha
Ouriçados e velhos;
E ao sopé da montanha, abrindo as flores
Os cálices vermelhos.

Contemplando os pinheiros da montanha,
As flores tresloucadas
Zombam deles enchendo o espaço em torno
De alegres gargalhadas.

Quando o outono voltou, vi na montanha
Os meus pinheiros vivos,
Brancos de neve, e meneando ao vento
Os galhos pensativos.

Volvi o olhar ao sítio onde escutara
Os risos mofadores;
Procurei-as em vão; tinham morrido
As zombeteiras flores.

VIII

Reflexos
(Thu-Fu)

Vou rio abaixo vogando
No meu batel e ao luar;
Nas claras águas fitando,
Fitando o olhar.

Das águas vejo no fundo,
Como por um branco véu,
Intenso, calmo, profundo,
O azul do céu.

Nuvem que no céu flutua,
Flutua n’água também;
Se a lua cobre, à outra lua
Cobri-la vem.

Da amante que me extasia,
Assim, na ardente paixão,
As raras graças copia
Meu coração.

Veja também

Os Reis Magos

PUBLICIDADE Diz a Sagrada Escritura Que, quando Jesus nasceu, No céu, fulgurante e pura, Uma …

O Lobo e o Cão

Fábula de Esopo por Olavo Bilac PUBLICIDADE Encontraram-se na estrada Um cão e um lobo. …

O Leão e o Camundongo

Fábula de Esopo por Olavo Bilac PUBLICIDADE Um camundongo humilde e pobre Foi um dia …

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

This site is protected by reCAPTCHA and the Google Privacy Policy and Terms of Service apply.