O Jardim do Paraíso

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ERA uma vez o filho de um rei; e ninguém nunca teve livros tão lindos como ele teve. Podia ler a respeito de todas as coisas que aconteciam neste mundo e ver tudo isso representado nas mais belas estampas.

Tinha meios de informar-se, pelos livros, de todos os países e nações da terra; mas quanto ao lugar em que se encontrava o Jardim do Paraíso, não lhe foi possí- vel encontrar a menor indicação. E era justamente nisso que ele pensava com maior freqüência.

Quando era pequeno e se dispunha a iniciar a vida escolar, sua avó lhe dissera que cada uma das flores do Jardim do Paraíso era uma deliciosa torta e que seus pistilos estavam cheios de vinho.

Numa das flores estava escrita a História, noutra a Geografia ou a Matemática; as crianças, assim, só teriam que comer uma torta e já sabiam a lição. E quantas mais comiam, mais História, Geografia e Matemática sabiam. E o príncipe menino acreditava nisso tudo, porém, ao crescer e conhecer mais coisas, começou a dar-se conta de que os prazeres e delícias do Jardim do Paraíso deviam ser superiores ao que sua avó lhe contara.

– Por que Eva chegou até a árvore da sabedoria? Por que Adão comera o fruto proibido? Se não tivessem estado ali, isso não teria acontecido e o pecado não teria entrado no mundo.

Isso era o que dizia e continuou pensando no caso até os dezessete anos; em outras palavras, seus pensamentos se concentravam somente no desconhecido Jardim do Paraíso.

Certo dia foi passear no bosque; estava só, pois isso constituía o seu maior prazer.

A tarde chegou, as nuvens se acumularam e começou a chover de tal modo, com se tivessem aberto o céu para dar passagem a enorme quantidade de água: e dentro do bosque estava tudo tão escuro, como dentro de um poço profundo.

0 príncipe escorregava na erva úmida e caía sobre as pedras desnudas que apareciam no meio da terra molhada.

Estava tudo escorregadio e molhado, de maneira que o príncipe estava encharcado até os ossos. Teve forte bastante para parecer um homem disfarçado, estava sentada ao lado do fogo ao qual, de quando em vez, jogava achas de lenha.

– Entre! – disse ao príncipe. – E sente-se perto do fogo para secar a roupa.

– Aqui há uma corrente de ar muito desagradável – disse o príncipe, sentando-se no chão.

– Muito pior será quando meus filhos que subir a umas enormes rochas, onde a água saturara o espesso musgo. 0 príncipe já chegara ao fim de todas as suas forças, quando ouviu um curioso murmúrio e viu à sua frente uma grande caverna, muito bem iluminada. No centro dela ardia uma fogueira, bastante grande para assar um veado, o que se estava fazendo, porque um veado esplêndido estava enfiado num espeto que girava sobre a forquilha de duas árvores, cujos troncos tinham sido fincados na terra.

Uma velha senhora, alta e chegarem – replicou a velha. – Você está na caverna dos ventos; meus filhos são os quatro ventos do mundo. Compreende?

– Onde estão seus filhos? – perguntou o príncipe.

– Esta pergunta não é fácil de responder – disse a velha. – Meus filhos fazem o que mais lhes agrada. Às vezes brincam de quatro cantos com as nuvens, com está acontecendo agora – acrescentou, apontando para o céu.

0 Vento Oeste apareceu como um homem rude dos bosques e usava um gorro acolchoado para não machucar- se. Empunhava um bastão de acaju, cortado nos bosques americanos.

– De onde vem você? – perguntou sua mãe.

– Da solidão dos bosques – respondeu – de onde as plantas trepadeiras e espinhentas constróem uma vala entre as árvores; onde as cobras aquáticas vivem na terra úmida e os seres humanos parecem ser supérfluos.

– Que foi fazer ali?

– Contemplei um rio poderoso e vi que se arrojava contra as rochas, convertia-se em poeira, a qual, logo que subia para o céu, formava um arco-íris. Vi o búfalo selvagem nadar pelo rio, mas a corrente o levou e o pato selvagem voar pelos ares.

Gostei muito disso e desencadeei uma tempestade tão grande, que até as árvores milenárias tiveram de navegar e a água as revolvia de um lado para outro, como se fossem simples varetas.

– E não fez mais nada?

– Dei um pulo a Savana, acariciando os cavalos selvagens e fazendo uns cocôs caírem das palmeiras- Oh, sim, eu poderia contar muitas estórias! Mas é preciso ser discreto. Não é, minha velha?

Logo deu em sua mãe um beijo tão quente e violento, que ela quase caiu de costas. Realmente, o Vento Oeste era um rapaz rude.

Apareceu então o Vento Sul, envolvido numa capa e coberto por um turbante.

– Aqui há calor suficiente para assar um urso polar – exclamou o Vento Norte.

– Você sim, que é um urso polar exclamou o Vento Sul. – Quer que o meta no saco? – perguntou a velha.

-Sente-se nessa pedra e conte-nos por onde andou.

– Na África, mamãe – respondeu cacei leões. Que erva há naquelas planícies! 0 chão possui o tom verde das azeitonas. Os guinus dançavam por ali e os avestruzes queriam ganhar-me na corrida, mas eu sou mais rápido. Fui ao deserto de areias amarelas. Aquilo se parece com o fundo do mar.

Encontrei uma caravana. Os homens matavam seu último camelo para obter água para beber. Como vocês sabem, no deserto, quando a água se acaba, matam os camelos para beber a água que eles armazenam no estômago.

0 sol queimava e a areia ardia. Em qualquer direção não se avistava mais do que as areias do deserto.

Então eu me meti entre as areias volantes e levanteias a grandes alturas…

Aí houve um esplêndido baile. Vocês deveriam ver como os com elos estavam caídos e corno os mercadores cobriam as cabeças com seus caftãs – E se inclinavam perante mim, como se eu fosse o próprio Alá, seu Deus.

Agora estão todos enterrados sob urna pirâmide de areia. Quando, daqui a alguns dias eu a dispersar soprando, o sol clareará seus ossos e assim os viajantes verão seus restos, pois se fosse de outra form.

a, ninguém acreditaria no perigos do deserto .

– Quer dizer que você só fez maldades! disse a mãe. – Para o saco!

E, antes mesmo que ele se desse conta, já estava dentro do saco. 0 Vento Sul começou a rolar pelo solo, mas a mãe se sentou sobre o saco, imobilizando-o.

– Pelo que vejo, seus filhos são muito turbulentos- observou o príncipe.

– Sim, mas apesar de tudo, eu os domino muito bem – replicou a velha. – Aí vem chegando o quarto.

Era o Vento do Oriente, que vinha vestido à moda chinesa.

– Está vindo da China? – perguntou a mãe. – Pois eu pensei que estivesse no Jardim do Paraíso.

– Amanhã irei até lá – respondeu o Vento do Oriente.

– Amanhã, precisamente, completarão os cem anos da minha última visita. Acabo de voltar da China, onde dancei em volta de uma torre de porcelana, até tocarem todas as campainhas que a adornam.

Os oficiais foram açoitados em plena rua; as cabanas de bambu levantavam e desciam sobre suas costas e dentre eles havia desde a primeira até a ultima categoria.

E gritavam: ?Muito obrigado, pai bem feito no que se via que não eram sinceros. Enquanto isso, eu continuava agitando as campainhas e cantando: ?Tsing, tsang, tsu?.

– Você se diverte muito com isso – disse-lhe a velha. Alegro-me de que amanhã você vá ao Jardim do Para- íso, porque isso sempre exerce um efeito benéfico sobre a sua conduta. Não se esqueça de beber abundantemente da fonte da sabedoria e de trazer-me uma vasilha cheia dessa água.

– Assim o farei – replicou o Vento do Oriente – contanto que deixe o Vento Sul sair do saco. Tire-o de lá. Preciso que me fale sobre a ave Fênix.

A princesa sempre pede notícias dela, quando vou visitá-la em cada cem anos. Abra o saco. Então você será a minha boa mamãe e eu lhe darei o chá que enche meus bolsos e que está tão verde e fresco como quando o colhi.

– Bem, por causa do chá e também porque você é o meu preferido, vou abrir o saco.

Assim o fez e o Vento Sul saiu, estando muito envergonhado porque o príncipe desconhecido fora testemunha da correção imposta por sua mãe.

– Aqui tem você uma folha de palmeira para a sua princesa – disse o Vento Sul. – 0 velho Fênix, o único que existe no mundo, deu-me para ela.

Com a ponta do bico escreveu ali toda a sua estória durante cem anos de sua vida e a princesa poderá lê- la por si mesma. Vi como a Fênix: botou fogo no seu próprio ninho e enquanto este queimava, sentou-se dentro dele, como o fazem as viúvas dos hindus.

As ramas secas estalaram ao calor das chamas e o lugar se encheu de um odor. Por fim, o próprio Fênix foi presa das chamas e em breve ficou reduzido a cinzas, mas no centro do monte de brasas apareceu um ovo brilhante. Daí a pouco estalou com grande ruído e o jovem Fênix saiu voando. Agora reina sobre todas as aves e o único Fênix que existe no mundo.

Escreveu na palma que lhe entreguei e envia suas saudações à princesa.

– Vamos comer algo – disse a mãe dos ventos.

E todos se sentaram e comeram carne de veado. 0 príncipe ocupou um lugar ao lado do Vento do Oriente e graças a isso os dois ficaram muito amigos.

– Pode dizer-me – rogou o príncipe quem é essa princesa e onde fica o Jardim do Paraíso?

– Se você quiser ir até lá – respondeu o Vento do Oriente – será preciso que amanhã me acompanhe em meu vôo. Mas devo avisá-lo de que nenhum ser humano ali esteve desde os tempos de Adão. Suponho que, pelo que conta a Bíblia, deve estar inteirado do que lhe aconteceu.

– Naturalmente – respondeu o príncipe.

– Quando Adão e Eva foram expulsos, o Jardim do Eden fundiu-se com a terra, mas conservou seu cálido sol, seu ar embalsamado e todas as suas belezas. Ali vive a rainha das fadas.

A Ilha da Felicidade, onde a Morte nunca entra e onde a vida é uma delícia, se encontra no Paraíso. Amanhã você subirá nas minhas costas e eu o levarei comigo.

Parece-me que poderei levá-lo, perfeitamente. E agora vamos parar de conversar, porque preciso dormir.

Quando o príncipe despertou ainda era muito cedo,

mas não se surpreendeu ao ver que se achava entre as nuvens, a grande altura. Estava sentado nas costas do Vento do Oriente, o qual o transportava com o maior cuidado; e voavam tão alto, que os bosques, os campos, os rios e os lagos pareciam fazer parte de um imenso mapa colorido.

– Bom dia – disse o Vento Oriente.

Ainda pode dormir um pouco mais, pois não há nada para ver neste país plano. voamos, a não ser que você deseje contar as igrejas. Parecem montinhos de gesso num tabuleiro verde.

– Sinto muito não ter podido despedir-me de sua mãe e de seus irmãos – disse o príncipe.

– Quando uma pessoa está dormindo, está dispensada – respondeu o Vento Oriente.

E continuaram a voar, cada vez em maior velocidade. Poderia ser assinalado o curso que seguiam pela agita ção da folhagem das árvores, quando passavam em cima de algum bosque; e quando cruzavam por um lago ou um mar, levantavam-se as ondas e os barcos se a gritavam nas águas, como se fossem cisnes flutuantes.

Estava anoitecendo e o espetáculo era delicioso, com os povoados cheios de luzinhas que se acendiam por todos os lados, à semelhança das chamas que cruzam um papel já meio consumido pelo fogo.

E o príncipe se divertia batendo palmas de alegria, mas o Vento do Oriente lhe disse que era melhor segurar- se com todas as forças, pois, se não o fizesse, poderia cair e ficar pendurado em algum campanário de uma igreja.

A águia voava rapidamente por cima do bosque, mas o Vento do Oriente voava com maior velocidade ainda.

Os cossacos, em seus cavalinhos, corriam a galope pelas estepes, mas o príncipe, montado nas costas do Vento do Oriente levava vantagem em sua corrida.

– Agora você pode ver os montes do Himalaia – disse o Vento Oriente- – São as montanhas mais altas da Ásia.

Logo chegaremos ao Jardim do Paraíso.

0 Vento Oriente deu uma volta mais para o Sul e logo o ar ficou saturado do aroma de todas as flores. As figueiras cresciam por todos os lados e as grandes vinhas silvestres estavam cobertas de frutos.

0 Vento Oriente desceu mais ainda e acabaram por estender ao serem agitadas pelo vento, pareciam saudá-lo com suas cabecinhas, como se quisessem dizer-lhe: ?Bem-vindo?.

– Já estamos no Jardim do Paraíso? perguntou o príncipe.

– De forma alguma – respondeu o Vento do Oriente.

-Mas chegaremos logo. Está vendo essa muralha rochosa e a grande caverna, cuja entrada está quase obstruída pelas plantas silvestres, que formam quase uma cortina? Temos que passar por ali.

Envolva-se em sua capa, porque o sol queima muito aqui, embora quando tivermos entrado na caverna, faça um frio extraordinário. A ave que voa e passa pela entrada da caverna tem uma asa exposta ao sol e sente a outra gelada como se estivesse no mais rigoroso inverno.

– Então esse é o caminho do Jardim do Paraíso? – perguntou o príncipe.

Entraram logo na caverna e, realmente, fazia um frio extremo, embora não fosse duradouro. 0 Vento do Oriente abriu suas asas, que resplandeciam como se fossem de fogo.

Que caverna tão extraordinária e tão bela! Grandes blocos de pedra, pelos quais a água gotejava, estavam suspensos sobre eles, de modo que as formas mais estranhas que se pudesse imaginar apareciam ante seus olhos.

Em determinado lugar o teto era tão baixo e as paredes tão próximas uma da outra, que foram obrigados a avançar de rastos, até que chegaram a um lugar mais espaçoso. Esse local parecia uma catedral para os mortos.

– Parece que para chegar ao Jardim do Paraíso temos que viajar pelo país da Morte observou o príncipe.

Mas o Vento Oriente não respondia, limitando-se a apontar para os lugares onde resplandecia uma linda luz azul. Os blocos de pedra do teto ficaram cada vez menos visíveis e por fim ficaram tão transparentes, como se fossem uma nuvem branca à luz da lua. 0 ar era suave, tão fresco e delicioso como o dos cumes das montanhas e tão perfumado como o que rodeia as roseiras nos vales.

Um rio corria por ali, cujas águas eram tão transparentes como o próprio ar e os peixes que por ali nadavam pareciam ser de ouro e prata.

Enguias roliças, que desprendiam chispas azuis de cada uma das curvas de seu corpo, brincavam na água; e as raízes vermelhas dos lírios aquáticos estavam tintas com todas as cores do arco-íris, enquanto que a flor parecia uma chama alaranjada e alimentada pela água, da mesma forma que uma lamparina é alimentada pelo azeite.

Uma bela ponte de mármore, delicada e habilmente esculpida, como se fosse composta de contas de cristal, atravessava o rio e levava até a Ilha da Felicidade, onde florescia o Jardim do Paraíso.

0 Vento do Oriente tomou o príncipe em seus braços e passou. As flores e as folhas cantavam as antigas canções de sua infância, mas com vozes mais maravilhosas e belas do que as humanas.

0 príncipe nunca vira tão lindas palmeiras e plantas mais viçosas do que aquelas. As trepadeiras formavam grinaldas e desenhos estranhos, de maneira que ali havia uma combinação maravilhosa de flores, pássaros e delicados tons de verde das folhagens.

A pouca distância podia-se ver uma verdadeira revoada de pavões reais, que tinham suas caudas abertas, porém, quando o príncipe se aproximou, constatou maravilhado que não eram aves, mas sim plantas. Entre a ramagem saltavam leões e tigres, mas não eram animais ferozes como na terra, mas sim muito mansos.

As pombas, brilhantes como pérolas, agitavam a juba dos leões com suas asas e os antílopes, na terra tão esquivos e prontos para fugirem, contemplavam o espetáculo como se quisessem tomar parte no brinquedo. Então a Fada do Jardim se aproximou dos visitantes; suas vestes brilhavam como o sol e a expressão de seu rosto era semelhante ao da mãe que contempla seu filho satisfeita.

Era jovem e muito formosa e caminhava rodeada de um grupo de belas moças, cada uma das quais levava uma estrela brilhante na testa.

Quando o Vento do Oriente lhe entregou a folha de palmeira em que a Ave Fênix escrevera a sua estória, seus belos olhos se iluminaram de prazer. Segurou o príncipe pela mão e levou até o seu palácio, cujas paredes eram da cor das tulipas iluminadas pelo sol.

0 teto era formado por uma flor enorme e quanto mais se olhava para ela, maior parecia ser seu cálice. 0 príncipe se aproximou da janela e olhando pelo vidro viu a Árvore da Ciência, com a Serpente e também pôde ver Adão e Eva que estavam em pé ao seu lado.

– Não foram expulsos? – perguntou.

A Fada sorriu e explicou que o Tempo gravara um quadro em cada um dos vidros da janela, mas não com nos quadros que se vêem pelo mundo, pois em todos eles havia movimento e o aspecto de vida, como se fossem o reflexo de um espelho.

Olhou para outro vidro e viu em sonhos Jacob, com a escada que chegava até o céu e pela qual subiam e desciam multidões de anjos, que agitavam suas grandes e brancas asas. E tudo o que acontecera neste mundo vivia e se movia nos vidros das janelas. Somente o Tempo teria podido pintar quadros tão maravilhosos.

A Fada sorriu e levou o príncipe a uma espaçosa sala de teto alto, em cujas paredes apareciam lindos rostos transparentes.

Eram os milhões de bem-aventurados, que sorriam e cantavam e suas canções se fundiam em uma maravilhosa melodia.

Os rostos que estavam mais alto eram tão pequenos, que o pé de uma mesa parecia maior e havia alguns que tinham o tamanho de uma ponta de alfinete. No centro da sala havia um árvore muito grande, com lindos ramos pendentes, dos quais caíam maçãs de ouro, parecidas com laranjas.

Era a Árvore da Ciência, cujo fruto Adão e Eva haviam comido. De cada uma de suas folhas caía uma gota brilhante de orvalho, como se fosse uma lágrima.

– Agora vamos em busca do bote disse a Fada. – Teremos um pouco de frescor sobre as águas. 0 bote balan ça, mas não sai nunca do mesmo lugar e todos os países do mundo passara diante nossos olhos.

Era um espetáculo curioso ver como a costa se movia. Apareceram os majestosos Alpes coroados de neve, envoltos em nuvens e vestidos de pinheiros.

A cometa de chifre ressoava tristemente entre as árvores e o pastor cantava com voz suave nos vales.

Logo umas figueiras de Bengala deixaram cair seus ramos sobre o bote enquanto que na água nadavam cisnes negros e nas margens apareciam os mais estranhos animais. Aquela era a Nova Holanda, a quinta parte do mundo, que passava rapidamente por eles, mostrando as suas montanhas azuis.

Ouviram os cantos dos sacerdotes pagãos e vieram as danças dos selvagens ao som dos tambores e das flautas feitas de ossos. As pirâmides do Egito, que chegavam até as nuvens, as esfinges quase enterradas na areia, chegavam até eles. Apareceu a Aurora Boreal, que resplandecia sobre os picos gelados do Norte. Eram uns fogos artificiais inesquecíveis. 0 príncipe estava muito feliz e viu cem vezes mais coisas do que as que indicamos.

– Poderei ficar aqui para sempre? – perguntou.

– Isso depende somente de você – respondeu a Fada.

– Se, ao contrário de Adão, você não se deixar tentar pelo fruto proibido, poderá ficar para sempre.

– Prometo não tocar nas maçãs da Árvore da Ciência – replicou o príncipe. – Aqui existem milhares de frutas tentadoras.

– Experimente e, se não for bastante forte, volte com o Vento do Oriente que lhe trouxe. Ele vai embora e não voltará senão daqui a cem anos.

Neste palácio o tempo passará com tanta rapidez, como se cem anos fossem cem horas, mas assim mesmo é muito para a tentação e o pecado. Todas as noites, quando nos separarmos, eu o convidarei a seguir-me.

Mas você não deverá fazê-lo. E não se aproxime de mim, porque a cada passo que der, aumentará o desejo de seguir-me.

Você chegará à sala em que se ergue a Arvore da Ciência, pois eu durmo embaixo de seus ramos perfumados. Se você se inclinar para mim eu sorrirei e se me der um beijo, todo o Paraíso se fundirá com a Terra e estaria perdido para você.

Os mais fortes ventos do deserto soprarão sobre você e a chuva fria umedecerá seu corpo. E daí por diante, você não sentirá mais do que tristeza e sofrimento.

– Desejo ficar! – replicou o príncipe.

0 Vento do Oriente deu-lhe um beijo na boca e disse: com você e o sol se esconder, verá como o convidarei a seguir-me. Mas não o faça. Isso se repetirá todas as noites, durante cem anos.

E, de cada vez que você resistir aos meus chamados, ficará mais forte, até que, por fim, não pensará mais na possibilidade de seguir-me. Esta noite será a primeira. Não se esqueça de meu aviso.

A Fada levou-o a uma espaçosa sala rodeada de lírios brancos, cujos pistilos amare.

– Seja forte e assim poderemos ver-nos daqui a cem anos. Adeus! Adeus!

Acabando de falar, o Vento Oriente abriu suas grandes asas, que brilhavam como se fossem gigantescas papoulas no alto da serra.

– Adeus! Adeus! – murmuraram as flores.

As cegonhas e os pelicanos voavam em fila, como guinadas ondeantes, até o fim do Jardim.

– Agora vamos iniciar nosso baile disse a Fada. Ao terminar, quando eu dançá-los eram harpas de ouro, que tocavam harmoniosamente. Formosas donzelas, esbeltas e flexíveis, que vestiam trajes maravilhosos de seda, recamados de brilhantes e pedras preciosas, e que deslizavam dançando de um lado para o outro cantando as alegrias da vida, para elas eterna, diziam que a Jardim do Paraíso floresceria durante toda a eternidade, pelos séculos dos séculos.

0 sol se pôs e o céu ficou dourado de luz, o que deu aos lírios o aspecto de rosas. 0 príncipe bebeu o copo de vinho espumante que lhe ofereciam as jovens.

Sentia uma alegria enorme e desconhecida até então; viu que um ângulo da sala se abria para mostrar a Árvore da Ciência, envolta num esplendor que o cegava.

A música que vinha da Árvore era suave e encantadora.

Então a Fada fez-lhe um sinal convidando-o a aproximar- se e com voz muito doce exclamou:

– Venha comigo.

0 príncipe correu para ela, esquecendo-se de sua promessa e de tudo mais, ao ver o sorriso daquela estranha mulher.

0 ar ficou mais perfumado, as harpas soaram mais docemente, e os milhões de cabeças sorridentes diziam:

E? preciso conhecer tudo. 0 homem é o dono da terra?.

Da Árvore não caíam mais gotas de sangue, mas ela parecia estar toda estrelada.

– Venha comigo! Venha comigo! dizia a Fada com voz trêmula.

E, à medida que o príncipe se aproximava, o ar o envolvia com se quisesse afastá-lo da Fada. Mas o jovem disse de si para si:

– Irei – disse, – não há pecado se quero vê-la adormecida e não perderei nada se deixar de beijá-la. Isso não farei. Tenho força de vontade.

Nesse meio tempo, a Fada se ocultara entre os ramos da Árvore.

– Ainda não pequei – pensou o príncipe. – E não pecarei.

No entanto, ao dizer isso, separou os ramos. Ali estava adormecida a Fada e tão formosa, como somente ela poderia ser. Em seu sono sorria e ao inclinar-se o príncipe observou que as lágrimas assomavam aos seus olhos fechados.

– Chorará por mim? – perguntou-se ele. – Não precisa chorar, formosa donzela. Seu pranto me entristece e eu quisera que a alegria e o sorriso aparecessem em seus lábios. Quisera que a felicidade a acompanhasse ternamente. Senti-me dono da força dos anjos e por minhas veias parece correr um sangue imortal. Ouviu-se então um estrondo semelhante ao trovão, mas muito mais forte e ameaçador e tudo ao redor do príncipe caiu e desapareceu. A formosa Fada desapareceu sob a terra, juntamente com todo o Paraíso e o príncipe sentiu em seus membros um frio de morte.

Fechou os olhos e ficou estendido ao solo, como morto.

Uma chuva forte caiu sobre sua cabeça e o vento soprou em seu rosto. Finalmente recobrou a memória.

– Que foi que fiz, pobre de mim? Pequei como Adão e meu pecado foi tão grande, que o Paraíso afundou na Terra.

Abriu os olhos e ainda pôde ver uma estrela que brilhava intensamente, mas não era o Paraíso, mas a estrela matutina no firmamento. E ao levantar-se encontrou-se no bosque, na entrada da caverna dos Ventos. A mãe dos Ventos estava sentada ao seu lado. Parecia muito aborrecida.

– Então você pecou logo na primeira noite? – perguntou.

– Bem que eu pensava. E se fosse meu filho, agora mesmo o meteria no saco.

– Logo irá para lá! – exclamou a Morte, que era um ancião vigoroso, dotado de asas negras e que empunhava uma foice. – Será colocado num ataúde, só que não é agora. Vou deixá-lo em liberdade por uns tempos, para que ande um pouco por aí, para que expie os seus pecados e se corrija. Virei buscá-lo algum dia.

Virei colocá-lo num ataúde negro e o levarei voando para o céu.

Ali também floresce o Jardim do Paraíso e se ele se comportar bem como espero, poderá entrar nele. Todavia, se seus pensamentos forem maus e se seu coração não se limpar dos pecados, ele afundará mais profundamente do que o próprio Paraíso.

E eu, somente uma vez cada mil anos, irei ver se ele terá de afundar mais ou se poderá subir até as estrelas que avistamos daqui.

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