O Medo

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NÃO tenhas medo, Carlotinha; é o vento
Nas ávores uivando; é o vento apenas;
Vê como eu não me assusto, e, ouvido atento,
Escuto-lhe as estranhas cantilenas.

O medo é cousa fútil; é fraqueza.
Olha: uma vez, só uma, eu fui medrosa;
Era de noite e eu me sentia presa
De uma angústia pungente e dolorosa.

Na véspera finara-se a vizinha
– Uma mulher de vago olhar tristonho,
Como a Virgem das Dores – e, sozinha
No quarto, eu a revia como em sonho.

Por entre os vidros da janela, em frente,
Se arqueava o céu, tão cheio de mistério!…
Embaixo, no jardim, tudo silente:
A tristeza feral de um cemitério!

Vinha do alto, ou não sei de onde, um ruído
Macio e fofo qual rumor de penas,
E, pávida no leito, alerta o ouvido,
Eu escutava respirando apenas.

Vieram-me logo à idéia estranhos vultos,
Pesadelos de monstros e de feras,
Batalhões de finados insepultos,
E fantasmas, e sombras, e quimeras,

Quis elevar a voz: faltou-me o alento;
Apertava-me o seio força ignota;
Levantar-me – impossível! baldo intento!
Ai, que suplício padeci, Carlota!

Oh! se Mamãe chegasse!… arfante, ansioso,
O coração falava-me pulsando,
E o rumor continuava pavoroso,
E eu me encolhia, trêmula, chorando.

Que seria, meu Deus?! A luz escassa
Extinguia-se, débil e mortiça;
E a claridade, entrecortada e baça,
Tinha um tremor de sombra movediça.

Ergui-me a custo e dei um passo adiante;
Assaltavam-me fortes arrepios;
Acendi nova luz, mais outra, e, arfante,
Olhei em roda, toda em suores frios.

De sombras, nada, – o estranho murmurinho
Calara-se também, – todo o aposento
Era tranqüilo e calmo como um ninho,
E a coragem voltou-me, e a força e o alento.

Mamãe chegou, soube de tudo, e, pronta,
Quis visitar o quarto; e, na visita,
Nada… Somente, nas cortinas, tonta,
Debatia-se trêmula avezita.

Mamãe sorriu-se e cariciosa disse:
“Vês?… Tu sonhavas tanta cousa informe!…
O medo, filha, é uma infantil pieguice.”
– E, beijando-me as faces: “Dorme! Dorme!”

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