Carta fechada – meu maravilhoso Senhor Zé Rufino

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Lima Barreto

Eu lhe escrevo esta carta, com muito desgosto, pois interrompo a série de impressões que vinha escrevendo sobre o país da Bruzundanga. Mas vossa excelência merece semelhante interrupção. Vossa Excelência é

o mais cínico dos sujeitos que se fizeram ministro de Estado. Nem o Calmon, que se fez agora cadete, para ver se arranja um lugar de ministro de qualquer coisa, é igual a vossa excelência.

Ministro, meu caro e excelentíssimo senhor Zé Rufino ou Chico Caiana, é um cidadão investido de certas e grandes autoridades para prever as necessidades públicas; ministro, Rufino, não é um reles especulador!; ministro, Chico da Novilha, é alguma coisa mais do que um simples agiota.

Agora você (mudo de tratamento), fez-se ministro para ser caixeiro de um reles sindicato de judeus belgas e mais ou menos franceses, para esfomear o Brasil e ganhar dinheiro.

É muito justo que vocês queiram ganhar dinheiro; é muito justa essa torpe ânsia burguesa de ajuntar níqueis; mas o que não é justo, é que nós, todo o povo do Brasil, dê prestígio a você, ministro e secretário de Estado, para nos matar de fome.

O Amaral, aliás diretor, como está no cabeçalho, ali do Correio da Manhã,com o seu receituário enciclopédico, já disse que você trata de coisas práticas. É a mesma coisa que um ladrão, meu amigo, disse-me uma vez! “Só trato de coisas práticas.”

Não preciso, portanto, ter a grande ciência do Amaral, a sua estadia na Europa, o seu saber em inglês e arte de fórmulas, para dizer que o Zé Rufino é a primeira coisa deste mundo.

Nasci sem dinheiro, mulato e livre; mas se nascesse com dinheiro, livre e mesmo mulato, fazia o Zé Rufino meu feitor da fazenda.

Não há destino que lhe caiba mais; vai-lhe como uma luva do Formosinho.

Bezerra, alvar, mais do que ignorante, autoritário, babosão, um lugar desses lhe vinha a calhar.

A República do Brasil não podia ter ministro mais repre­sentativo.

Um secretário de Estado, um auxiliar do seu presidente, cuja única cogitação é auxiliar a judiaria dos falsos produtores do açúcar para empobrecer o seu povo, só deve merecer medalhas e recompensas.

O Amaral naturalmente vem com algarismos e negócios de economia política, para afirmar que o Rufino tem direito a fazer semelhante coisa quando ministro de Estado.

Eu, porém, não tenho medo nem dos algarismos nem dos negócios do Amaral; e, se o Azevedo quiser, estou disposto a responder-lhe em qualquer terreno.

Amaral estudou essas coisas de sociologia, não como médico, mas como boticário. O que ele sabe não é anatomia, não é patologia, não é terapêutica, não é botânica, não é química. Ele sabe o formulário; e, como tal, acha o Ru­fino um homem extraordinário, prático, tão prático que está achando meios e modos de matar a nossa gente pobre de fome.

O açúcar, produção nacional, a mais nacional que há, que é vendida aos estrangeiros por 6$000 à arroba, é vendida aos retalhistas brasileiros por mais de 1O$000.

Sabem quem é o chefe de semelhante bandalheira? É o Zé Rufino Bezerra Cavalcanti – Cavalcanti, com “i”, porque ele não é mulato – graças a Deus!

Semelhante tipo, semelhante ministro de Estado, de mãos dadas com belgas e outros vagabundos mais ou menos fran­ceses, é que merece a admiração enternecida do Amaral e do seu amigo Edmundo ou, como chamam lá os seus cria­dos, doutor Edmundo.

Amaral, tu és notável, tu tens talento, tu és doutor, tu possuis tudo para ser um grande homem. Não sei se tu tens vícios; eu os tenho; mas tu não tens – é sinceridade.

Falta-te essa coisa que é o amor pelos outros, o pensa­mento dos outros, a dedicação para enfrentar com a vida na sua majestosa grandeza de miséria e de força.

Quanto aos teus algarismos, vai te catar que não tenho medo deles; e, quanto a mim, diga ao Rufino que sou ter­ceiro oficial da Secretaria da Guerra, há quinze anos. Ele que arranje, se for capaz, a minha demissão. Não garanto, mas, talvez, seja possível que eu lhe fique agradecido. Até logo.

A.B.C., Rio, 12-5-1917

 

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