Tabaréus e Taibaroas

Lima Barreto

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Pouco viajado pelo interior do Brasil, carioca da gema, tenho grande prazer em ler romances, novelas, contos, crônicas que tratam de costumes dos nossos sertões. Sempre os li com agrado e surpresa, às vezes, determinada pela estranheza de certos hábitos, opiniões e crendices das gentes do nosso interior.

Ultimamente, a nossa produção literária tem se comprazido em cultivar tal gênero de literatura. Há quem veja nisto um mal. Não tenho nenhuma autoridade para contestar tal opinião; mas faço uma observação simples.

A literatura é de alguma forma um meio de nos revelar uns aos outros; se não o seu principal destino, é uma das suas funções normais.

Admitido isto, tratando os conhecedores de costumes, crenças, preconceitos das gentes das regiões que, pelo nascimento ou por outra circunstância qualquer, habitaram, eles fazem com que nós brasileiros que vivemos tão afastados, neste “vasto pais”, como diz a canção, nos entendamos melhor e melhor nos compreendamos.

Em boa ocasião, o Sr. Mário Hora compreendeu isto e acaba de enfeixar, sob o título de Tabaréus e Tabaroas – alguns contos em que cenas do nordeste brasileiro são apanhados num flagrante feliz.

A língua, a paisagem, tudo enfim, sem esquecer a própria indumentária são de uma propriedade, de uma cor local que atrai e encanta. As almas também são aquelas rudes e agrestes daquelas regiões adustas e calcinadas, em que a vida ameiga o clima ingrato e a faca está sempre a sair da bainha para ensangüentar as caatingas.

Qualquer dos contos do Sr. Mário Hora é um epítome da vida curiosa daquelas regiões, onde a crueldade se mistura com o cavalheirismo e o banditismo com a mais feroz honestidade.

Aspectos desses de tão chocante contraste só podem ser colhidos por um artista de raça em que preocupações gramaticais e estilísticas não deturpem a naturalidade da linguagem dos personagens nem transformem a paisagem rala daquelas paragens em florestas da Índia.

O autor dos Tabaréus e Tabaroas conseguiu isto e realizou com rara felicidade uma obra honesta, simples e sincera.

É de esperar que ele não fique nisso e continue o trabalho a que se dedicou, não esquecendo de que ele bem pode servir para estudos de mais vulto.

Careta, 24-6-1922.

 

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