Mais uma

Lima Barreto

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Temos agora, neste nosso extraordinário Brasil, mais uma academia de letras: a da Bahia.

A primeira coisa que logo chama a atenção de quem lê a lista dos seus membros e respectivos patronos, é o ar de família que apresenta a novel instituição sábia.

Monizes de Aragão há lá quatro, quase a décima parte da academia efetiva, além de dois outros Monizes, mas não de Aragão, que devem ser primos dos primeiros.

Isto unicamente entre os membros; não falamos aqui nos patronos.

Castro Rebelos, há dois, o Afonso e o Frederico; e assim por diante.

Se fosse no Ceará, com o exemplo político dos senhores Accióli ou Barroso, a coisa estaria explicada; mas em São Salvador, não se sabe bem onde foram os baianos buscar pa­drão para semelhante oligarquia.

Os patronos são em grande número completamente estranhos a coisas de letras. O senhor Teodoro Sampaio tomou para epônimo André Rebouças. Estamos a apostar que, se Rebouças, com o seu caráter e honestidade intelectual, pudesse falar de lá da Eternidade, havia de protestar, asseverando que era engenheiro, pura e simplesmente, e não literato de qualquer espécie.

A Bahia, terra de tantas inteligências e tão brilhantes tradições literárias, não podia consentir que tivessse sido ou seja governada senão por intelectuais e literatos.

Entre os membros da sua academia, estão o senhor Seabra, o J. J., o senhor Severino Vieira, antigos governadores, e o atual.

Noblesse oblige.

Notamos a falta do senhor José Marcelino e do senhor Araújo Pinho.

Quanto aos patronos, há descobertas surpreendentes. Por exemplo: os senhores alguma vez ouviram dizer que o conselheiro Zacarias fosse homem de letras? Pois saibam agora que a academia da Bahia diz que foi; e até está servindo de patrono ao senhor Seabra, na imortalidade baiana.

Está certo.

E o barão de Cotegipe? E o Manuel Vitorino? E o Fernandes da Cunha?

Escapou, entre os heróis epônimos da academia, com certeza por inadvertência, o conselheiro Saraiva. É de admirar, pois reza a tradição que ele lia com especial agrado a Revue des Deux Mondes…

O senhor Miguel Calmon esqueceu-se um pouco do seu avoengo, visconde de Turenne, e tomou como patrono um outro mais próximo: o marquês de Abrantes.

O antigo ministro da Viação e atual escrivão dos expostos da Santa Casa anda sempre a duas amarras. Quando se trata de coisas da Bahia, tem como antepassado o nosso conhecido marquês de Abrantes; mas, em se tratando de informações de sua genealogia que tenham repercussão lá fora, é de Tour d’Auvergne, da casa dos duques de Bouillon, de que ele descende.

O diabo é que não sabemos onde fica a literatura do marquês de Abrantes.

O senhor Almáquio Dinis é também imortal na Bahia. Ainda bem que ele, de alguma forma, realizou o seu sonho dourado. Parabéns, doutor!

O livreiro Jacinto é que está desanimado…

Gostava muito mais de ver o senhor Afrânio tomar para orago o senhor Deiró.

Para um homem do mundo, como o senhor Afrânio constitui, ao que nos disseram, uma boa recomendação.

O mais original da novata academia de Salvador é que ela não se contentou com quarenta membros.

Criou mais um, como contrapeso ou como se chama, em linguagem de varejista ou quitandeiro: “quebra”.

E, para esse fauteuil “de quebra”, a academia da Bahia escolheu o senhor Arlindo Fragoso, cujo patrono é Manuel Alves Branco.

E preciso observar que não foi o senhor Arlindo quem escolheu o padrinho; foi-lhe imposto.

A Academia Brasileira começou com escritores, por patronos, também escritores; e vai morrendo suavemente em cenáculo de diplomatas chics,de potentados do “silêncio é ouro”, de médicos afreguesados e juízes tout à fait.

A da Bahia, vindo depois, não quis percorrer as etapas da sua antecessora. Começou logo com um sarapatel de todos os diabos e… esqueceu-se de Caetano Lopes de Moura, o primeiro editor do Cancioneiro do Vaticano ou D’El Rey Dom Denis, como ele batizou o códice da biblioteca papalina.

Cozinha baiana…

A.B.C., Rio, 31-3-1917

Fonte: pt.wikisource.org

 

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