Folclore – Uirapuru

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Arcada espessa de vegetação encobria o igarapé. A canoa passava exatamente sob esse túnel formado pela natureza, quando alguém levou o indicador aos lábios e sussurrou:
– Psiu!
– Que é? – perguntou o moço cuja voz fora interceptada.
– Psiu! – insistiram.

De repente, em meio ao estridular e à vozearia do passaredo, ouviu-se como que uma escala de cinco sons límpidos, ternos, macios, agradáveis. Logo após a seqüência de outras notas, vibrantes, que feriam o ar e penetravam até o íntimo dos seres. Nesse interim, o silêncio emudecera tudo: calou-se o sabiá, tacitou o araçari, quietou-se a aratinga.

Afinal, com suavidade e harmonia surpreendente, variou o motivo e, em quente modulação, recheou de trinados e chilreios a sonata, quer alongando as notas plangentes e as harmonias agonizantes, quer elevando-se aos movimentos rápidos e gorjeios vigorosos. Ali se ouviam vozes brancas, timbres de címbalo e clavecino, sibilos de flautim e flajolé, doçuras de ocarina, e o ressoar de mil tintinábulos.

Enquanto a embarcação corria à flor das águas, os viajantes varriam com os olhos o verde sobrecéu que os encobria.
– Todos os pássaros silenciaram…
– É isso que acontece quando ele canta. Reúnem-se em volta dele e escutam.
– Onde estaria?
Deliciavam-se todos com a magia daqueles sons, daquelas harmonias.
– Que animal é esse? – inquiriu alguém.
– O uirapuru! – respondeu outra voz.
– Flechado, se ele cair de peito para cima, serve ao homem como protetor nos negócios e assuntos amorosos… Caso contrário, só serve à mulher…
– Só com flecha que se caça?
– Certo. Não pode ser ferido de outra maneira.
As conversas descambaram, então, para casos narrados sobre o poder da avezinha. E depois:
– Ah! Se eu tivesse um desses bichinhos!
– Quem carrega o uirapuru no pescoço ou no bolso é um afortunado…
– É, carece, enquanto o pajé tratar pela curuaruicica e pelo carajuru. Conforme o rito secreto e especial, o uirapuru se destina a proteger as pessoas em determinada coisa: assim, há uirapuru para o jogo, para o amor, para a caça, para negócios, para viagens e para a pesca.
– Depois de preparado, alguns têm cheiro adocicado e ficam irreconhecíveis. Existe muito uirapuru falsificado por aí.
– Se eu possuísse um urirapuru, guardava num cofre…
– Muitos têm medo…
A palestra seguia, porém, novo silêncio foi imposto a todos. O uirapuru retomava o canto e, agora, bem em cima da canoa, que parecia paralizar a marcha. Súbito, estacou a sonata. Ouviu-se, sim, um forte silvo de flecha lançada de arco certeiro. Num instante, no meio do barco, inerte, jazia caído lá da altura verdejante, o mago cantor do bosque. Fora o barqueiro que o fizera todos se voltaram contra o autor da façanha…
– Um crime matar um pássaro como esse!
Mas, logo se lembraram de sua força sobrenatural, e calaram-se. Naquela luta entre humanidade e superstição, ninguém, entretanto, tivera o cuidado de verificar de que modo ele havia tombado ao fundo do barco. Tomou-o o moço e guardou-o no samburá.

A moça, que a tudo assistira, não partilhara da revolta contra o barqueiro; pelo contrário, aproximou-se dele, em seguida. A sua estória era semelhante. Ela amava esse moço, mas este se apaixonara por outra, que, aliás, não o queria.
– Cinco vinténs pela caça? – disse a jovem apaixonada.
– Nem todo o dinheiro do mundo! – exclamou o canoeiro.
– Pois bem, tu bem sabes que eu o quero: hei de trabalhar de sol a sol, ganhar muito dinheiro, e comprar um uirapuru. Depois, hás de sofrer na alma a paixão incompreendida…

Por isso, se você ama e não é correspondido, ou se não vão bem os negócios, trate de possuir logo um uirapuru, que ele dá sorte e traz a felicidade no amor.
Como descobri-lo? É fácil: quando o uirapuru começa a cantar, o passaredo, estatelado e silente, se põe à roda a escutar…
E Tupã, o grande deus, se quer silêncio na mata, ordena que o mágico pássaro desate a melodiosa voz….

Fonte: ifolclore.vilabol.uol.com.br

Uirapuru

Um jovem guerreiro apaixonou-se pela esposa do grande cacique. Como não poderia se aproximar dela, pediu à Tupã que o transformasse em um pássaro. Tupã transformou-o em um pássaro vermelho telha, que à noite cantava para sua amada. Porém foi o cacique que notou seu canto. Ficou tão fascinado que perseguiu o pássaro para prendê-lo. O Uirapuru vôou para a floresta e o cacique se perdeu. À noite, o Uirapuru voltou e cantou para sua amada. Canta sempre, esperando que um dia ela descubra o seu canto e o seu encanto. É por isso que o Uirapuru é considerado um amuleto destinado a proporcionar felicidade nos negócios e no amor.

Dizem que no Sul do Brasil, havia uma tribo de índios, cujo cacique era amado por duas moças muito bonitas. Não sabendo qual escolher, o jovem cacique prometeu casar-se com aquela que tivesse melhor pontaria. Aceita a prova as duas índias atiraram as flechas, mas só uma acertou o alvo. Essa casou-se com o chefe da tribo. A outra, chamada Oribici, chorou tanto que suas lágrimas formaram uma fonte e um córrego. Pediu ela a Tupã que a transformasse num passarinho para poder visitar o cacique sem ser reconhecida. Tupã fez a sua vontade. Mas verificando que o cacique amava a sua esposa, Oribici resolveu abandonar aqueles lugares. E voou para o Norte do Brasil, indo parar nas matas da Amazônia. Para consolá-la, Tupã deu-lhe um canto melodioso. Assim canta para esquecer as suas mágoas, e os outros pássaros quando encontram o uirapuru, ficam calados para ouvir as suas notas maravilhosas. Por causa de seu canto belo, chamam de professor de canto dos pássaros.

Um pássaro de plumas vermelhas e canto perfeito foi atingido por uma flecha de uma donzela apaixonada e se transformou num forte e belo guerreiro. Muito enciumado, um feio e aleijado feiticeiro tocou uma linda música em sua flauta encantada e fez com que o jovem desaparecesse. Desde então, só restou a bela voz do guerreiro na mata. É muito difícil conseguir ver o uirapuru, mas com freqüência seu canto perfeito é ouvido. Essa lenda inspirou o poema sinfônico “Uirapuru” de Villa-Lobos (1917), baseado em material do folclore coletado em viagens pelo interior do Brasil.

Reis e rainhas cobiçam uma pena ou um pedaço do ninho do uirapuru, tidos como precioso talismã. O homem que tiver uma pena, diz a lenda, será irresistível às mulheres e terá sorte nos negócios. A mulher que conseguir um pedaço do ninho terá o amado fiel e apaixonado por toda a vida. O felizardo que ouvir o canto deve fazer um pedido e este será prontamente realizado.

Em Manaus e em algumas regiões do Norte do Brasil, a população acredita que ter um uirapuru empalhado na gaveta traz sorte na vida e no amor. Enterrado na soleira da porta de um bar, atrai fregueses. Quem ouvir o canto e fizer um pedido, o verá realizado.

Fonte: pt.fantasia.wikia.com

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