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Catarse – O que é
Platão versus Aristóteles
Platão condena a “mimese artística” evocando princípios ontológicos, morais e políticos em razão de ela ser simulacro da realidade suprassensível, daí não haver lugar na cidade ideal platônica para poetas, músicos, dramaturgos, pintores e escultores; no limite todos os imitadores.
Aristóteles, adverso a seu mestre Platão, pensa a mimese artística sob perspectiva diametralmente oposta. Para ele, imitar é legítimo, uma tendência natural a todos os homens. Pela imitação, nos distinguimos dos outros animais (ex. a linguagem) haja vista sermos mais propensos a mimeses e ainda obtemos diversos conhecimentos desde a infância. Assim, enquanto Platão despreza a tragédia e ou epopeia, Aristóteles as exalta.
Catarse – Conceito
De acordo com Abbagnano, o termo catarse tem origem médica antiga indicando, inicialmente, o sentido de “purgação/evacuação”. Na história da filosofia a menção a esse termo e seus correlatos é bastante antiga e já notamos seus usos no filósofo Pré-Socrático Empédocles, especificamente em seu livro Purificações, e Platão que usa o termo numa acepção mais moral de libertação da alma dos prazeres ou metafísica na libertação da alma em relação ao corpo.
Entretanto, é com Aristóteles que temos a melhor e mais ampla formulação do conceito de catarse da antiguidade filosófico-grega. Ele utilizou o termo, segundo Abbagnano, tanto em uma acepção médica “nas obras sobre história natural”, indicando purgação/purificação, quanto na designação de um “fenômeno estético”, indicando “uma espécie de libertação ou serenidade que a poesia e, em particular, o drama e a música provocam no homem” (ABBAGNANO, p. 120). Essa formulação da catarse, enquanto fenômeno estético, é nos apresentada pelo filósofo grego em sua obra Poética.
Na Poética, Aristóteles apresenta um estudo da poesia e suas múltiplas formas de arte mimética (épica, tragédia, comédia, ditirambo etc.). Para os efeitos desse texto vamos focar na tragédia, pois a catarse, conforme aponta Jimenez, assume papel fundamental nela, uma vez que possibilita aos indivíduos viver ficticiamente suas paixões, experiências que se fossem vividas na realidade (em ato) trariam consequências nefastas para o seu praticante. Dito de outro modo, a catarse possibilitaria ao indivíduo libertar-se, aliviar-se das paixões recalcadas.
Desse modo, a catarse assume função de purgação e purificação das paixões, emoções outrora contidas. Todavia, um problema se nos impõe, é viável, necessário, expor os subúrbios das paixões humanas? Não estariam essas artes incitando a imitação e reprodução do fictício na realidade? Segundo Jimenez, o problema da catarse não é resolvido por Aristóteles, nem pelos seus comentadores e intérpretes.
Catarse – Definição
Termo grego de origem médica e religiosa que significa tanto “purgação” quanto “purificação”.
A catarse assume um significado filosófico com Aristóteles, que a utiliza em sua Poética para designar sobretudo o efeito da tragédia sobre as paixões do espectador. A encenação do destino fatal do herói trágico provoca medo (phobos) e piedade (eleos), sentimentos que são desaprovados na realidade, mas que são agradáveis no teatro. Aristóteles descobriu então que a imaginação (phantasia) tem o poder de reverter afetos e aliviar a alma. Ao gerar emoções intensas, o espetáculo trágico conscientiza e pacifica o cidadão.
A catarse tem, portanto, um alcance político e o teatro um valor educativo.
Na psicanálise, o termo se refere ao efeito de trazer um evento reprimido de volta à consciência, a saber: o desaparecimento das perturbações que o evento traumático causou. Por meio da catarse, o sujeito se liberta da repressão.
Catarse em Aristóteles
Em sua Poética, Aristóteles busca definir o poder de ação de cada forma poética, incluindo a tragédia.
Ele distingue três tipos de efeitos: educação (paideia), catarse e entretenimento. Em particular, ele reflete sobre os efeitos concretos que a tragédia provoca no espectador. Ele explica que “o poeta deve organizar o prazer que advém da piedade e do terror por meio da imitação”. Em outras palavras, a imitação de uma cena que desperta pena e terror provoca, por sua forma, prazer. Veremos na explicação do mecanismo catártico como emoções desagradáveis se tornam agradáveis.
Catarse, pena e terror
Aristóteles define tragédia como “a imitação de uma ação de caráter elevado e completo […] realizando por meio da piedade e do terror a catarse de tais emoções. » Assim, a tragédia é definida por sua função moral.
Ele distingue apenas duas emoções das quais ela liberta a alma: piedade e terror.
Essas duas emoções são simétricas. De fato, um evento que nos aterroriza quando acontece conosco desperta pena (eleeina) quando acontece com outra pessoa. Eles reúnem as características do herói trágico. Ele é tão monstruoso quanto humano, tão culpado quanto inocente, tão carrasco quanto vítima. Nisso, é provável que provoque tanto terror quanto pena. Assim, através da tragédia, duas emoções por natureza antagônicas se unem no espectador.
O exemplo de Édipo Rei
Aristóteles cita o exemplo de Édipo, um personagem nem vicioso nem exemplar por natureza, que sofre uma situação infeliz por uma falha e não por um vício. É ele quem mata seu pai e se casa com sua mãe, tornando-se culpado de incesto, de acordo com a profecia. Entretanto, esses crimes não resultam de seu próprio vício, mas de sua ignorância. Na verdade, ele não sabe a identidade de seus pais quando os encontra. Para se punir, ele decide arrancar os próprios olhos. A natureza monstruosa de seus crimes provoca terror, mas a punição que ele sofre desperta pena. O terror também vem da identificação com o herói. Como seu infortúnio parece imerecido ou desproporcional, o espectador pode temer sofrê-lo também. Assim como o herói, o espectador teme um infortúnio sobre o qual não tem controle.
A possibilidade de o espectador se identificar com o herói trágico está no cerne da tragédia. Nisto, “a poesia é mais filosófica e mais importante que a história, porque a poesia expressa o geral, e a história, o particular” (Poética). De fato, o poema trágico representa eventos e emoções nos quais todos podem se reconhecer, mesmo milênios depois.
Catarse e Música
Aristóteles também usa o termo catarse em sua Política para designar a calma sentida ao ouvir canções sagradas, quando a calma segue a exaltação das emoções. Aqui também, a catarse está associada a uma sensação de prazer.
O mecanismo da catarse
O termo catarse pode ter duas traduções: purgação e purificação. A purgação transforma emoções excessivas em emoções virtuosas. É uma catarse “dionisíaca”. Ao contrário, quando as paixões são purificadas, ocorre na alma uma separação do puro e do impuro. A alma conserva apenas os seus elementos puros, é a catarse “apolínea”.
Ora, essa catarse é produzida por uma imitação reconhecida como tal. Portanto, pode ser considerado um processo cognitivo e não psicológico. Nesse processo cognitivo, o espectador primeiro sente pena, depois, por simetria, terror, ocorrendo posteriormente a identificação com o herói.
Aristóteles vê isso mais como um processo fisiológico: o espetáculo das paixões opera como um tratamento que purifica a alma de suas substâncias nocivas, assim como o corpo se livraria de um corpo impuro.
Catarse, um reequilíbrio fisiológico que leva à virtude
Precisamente, para Aristóteles, as emoções estão associadas a modificações fisiológicas (Sobre a Alma).
A piedade e o terror provocam reações opostas: a primeira aquece a bílis negra, enquanto o segundo a esfria. Lembremos aqui que a bílis negra é um dos quatro humores que influenciam o estado psicológico. A catarse, portanto, atua como um medicamento, que purifica ao provocar “perturbação por excesso de calor ou frio” (Problema I, 42, atribuído a Aristóteles). Essa purificação reequilibra a bílis e a alivia de seus excessos.
Em suma, o mecanismo catártico é um reequilíbrio humoral. Ela purifica todas as emoções que podem causar excesso humoral, portanto, qualquer emoção excessiva. O prazer sentido na catarse vem do resfriamento do calor causado pela piedade pelo resfriamento causado pelo terror. Essa visão da catarse lembra a definição de virtude dada por Aristóteles, a saber, o equilíbrio, o meio termo, entre o vício por excesso e o vício por deficiência (Ética a Nicômaco).
Aristóteles distingue três tipos de efeitos: educação (paideia), catarse e entretenimento. É o efeito educativo associado ao ensino moral que reforça a ideia de que a catarse não tem um objetivo ético, mas sim médico.
O legado aristotélico na psicologia: catarse e desvelamento do inconsciente em Freud
Freud insiste na ligação entre culpa e catarse. A falha mostra que o herói é falível e que o espectador pode se identificar com ele. Freud usa o exemplo de Édipo Rei, de Sófocles, para argumentar que a representação de desejos inconscientes reprimidos é tão importante quanto as emoções produzidas no público.
Freud identifica vários critérios para que a catarse funcione. A representação deve encenar um desejo reprimido substancial em nosso desenvolvimento pessoal, cuja repressão é posta em questão pela situação sofrida pelo herói. Dessa forma, o espectador se identifica com o herói e entende sua angústia. Mas o desejo deve ser chocante o suficiente para que o espectador não o reconheça conscientemente em si mesmo. Ao contrário, a catarse só ocorre no plano emocional, sem que o espectador entenda o processo em andamento. O espectador, portanto, percebe seu desejo de forma indireta, sem confrontá-lo de frente.
Por meio da representação teatral, o espectador vivencia seu inconsciente, pois se identifica com um personagem confrontado com os desejos que compartilha sem ter consciência disso. A tragédia, ao revelar o desejo inconsciente, atua como uma cura. Como o desejo é representado pela ficção, sua representação não desperta resistência no espectador, que, no entanto, ao se identificar com o herói, faz dela uma experiência íntima.
A revelação da falha é feita gradativamente, seguindo as etapas do tratamento. Primeiro, a exposição da falha, na qual o personagem não se reconhece, depois o processo de compreensão através do amadurecimento, finalmente a aceitação ou conscientização pela qual ele reconhece em si mesmo o que foi exposto em primeiro lugar.
Fonte: Colégio São Francisco/Fábio Guimarães de Castro/www.philomag.com/major-prepa.com
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