Noite das Garrafadas

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Noite das Garrafadas – O que foi

Noite das Garrafadas foi um grande episódio muito engraçado da história do Brasil.

O imperador tinha chegado de Minas inclusive não foi muito bem visto pelo povo mineiro, e no dia 11 de março ele retornara ao Rio de Janeiro, e lá foi recebido com uma grande festa do partido português, mas o partido brasileiro acompanhava a festa e ficava indignado, pois naquela época o país estava numa crise e ai deu inicio a um grande conflito entre o partido português e o partido brasileiro feito com garrafas e muita pedras.

Esse episódio teve grande importância na crise política que resultou na Abdicação do primeiro imperador do Brasil.

Noite das Garrafadas aconteceu em 1831, quando portugueses e brasileiros disputavam para ver quem compunha o Ministério durante o Primeiro Reinado.

Brasileiros e portugueses se enfrentaram pelo poder político lançando garrafas contendo urina e outros líquidos das janelas de suas casas, uns nos outros.

Dom Pedro I defendeu os portugueses (pois também havia nascido em Portugal) nesse episódio, o que desagradou os brasileiros.

Noite das Garrafadas – D. Pedro I

Após assumir o império no Brasil depois de proclamar a Independência, D. Pedro I estava governando o país de forma centralizadora e, ao mesmo tempo, negligente com as novas posições que a população defendia.

Entre as mudanças exigidas, os brasileiros queriam uma autonomia maior dos governos provinciais e um distanciamento maior dos lusitanos na política.

Incomodava os moradores a marcante presença de portugueses no ministério e na Assembleia, dando a entender que D. Pedro I queria dar continuidade aos privilégios da coroa e dos portugueses, como acontecia no período do Brasil Colônia.

Somava-se aos questionamentos do poderio imperial a fraca presença política de D. Pedro I nos territórios brasileiros. Ainda mais com a notícia da morte do rei de Portugal D. João VI, em 1826; o imperador demonstrou grande preocupação com o episódio e acabou se envolvendo em supostas reuniões para ver quem ocuparia o cargo do falecido no reinado português.

Os brasileiros defendiam que o líder de um país independente não deveria voltar os olhos para ocupar um alto cargo numa outra nação e interpretaram a preocupação do imperador como um descaso para a situação cada vez mais conflitante que o Brasil estava sofrendo.

João Batista Líbero Badaró, jornalista italiano radicado no Brasil e dono do jornal O Observador Constitucional, argumentava que o governo imperial estava exercendo um autoritarismo negligente com artigos a favor da liberdade dos brasileiros através do rompimento das ligações políticas com os mandatários lusitanos.

Suas ideias liberais atacavam com veracidade o descaso de D. Pedro I e sua morte, em 20 de novembro de 1830 por quatro assassinos alemães, acabou sendo atribuída ao império português.

Noite das Garrafadas
Líbero Badaró

Visto como mártir da liberdade, a morte de Líbero Badaró causou revolta nos liberais brasileiros. Para tentar contornar a situação e melhorar sua imagem perante o povo, D. Pedro I realizou algumas excursões pelos estados do país. O primeiro destino foi a cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais, mas a população local o recebeu com janelas cobertas de tecido preto, uma forma revoltosa de dizer que ele não era bem vindo por ali.

Os protestos cada vez maiores no Rio de Janeiro em razão da morte de Líbero Badaró exigiram que o imperador retornasse à capital para tentar controlar a rebeldia dos manifestantes. No dia 13 de março de 1831, os brasileiros entraram em conflito com os portugueses no Rio de Janeiro, em um episódio que ficou marcado como Noite das Garrafadas, devido aos inúmeros objetos lançados pelos revoltosos.

Noite das Garrafadas – História do Brasil

Noite das Garrafadas

Foi numa festa organizada por alguns moradores da cidade do Rio de Janeiro para comemorar a volta da viagem do Imperador à província de Minas Gerais que ocorreu a Noite das Garrafadas, principal distúrbio de teor político e social que precede a Abdicação.

Este episódio ocorreu no quadrilátero delimitado pelas Ruas da Quitanda, dos Ourives, Direita e das Violas, localidades de comércio português, e no Rocio, habitada, sobretudo, por negros e pardos, entre os dias 11 e 15 de março de 1831.

Nessas ruas, segundo os relatos, os conflitos se dão entre portugueses e brasileiros que se insultavam mutuamente. Os portugueses davam vivas ao Imperador, aos bons portugueses e “morras” aos republicanos, enquanto os brasileiros davam vivas à federação, somente para citar alguns exemplos. Das janelas das casas caíam, entre outras coisas, cacos de vidros de garrafas. Certamente, as fontes indicam a presença de conflitos antilusitanos nas Garrafadas. No entanto, como entender essa mistura de conflitos antilusitanos com motes políticos.

Como explicar a grande repercussão da Noite das Garrafadas na imprensa e qual relação desta com a Abdicação.

Nas Garrafadas são inúmeros os exemplos de negros e pardos que participaram do conflito. Agrupamentos compostos de homens de pés no chão, negros, pardos vestidos de jaqueta e armados de paus e alguns brancos com chapéu ornado com o laço nacional formavam-se em várias ruas da cidade do Rio de Janeiro.

O Novo Censor menciona um cativo participante da Noite das Garrafadas que foi detido no momento em que ia descarregar o seu cacete na cabeça de um cidadão pacífico.

Em outro momento indica novamente a participação dos negros nas disputas políticas desse momento: Os Negros são os que continuam a serem iludidos!?

Os xingamentos e os conflitos descritos pelas testemunhas interrogadas na devassa que apurou os acontecimentos mostraram a existência de conflitos raciais, sobretudo opondo os portugueses estabelecidos na Candelária com os brasileiros, termo que neste conflito aparece mais associado aos negros e pardos, xingados de cabras. Nesse sentido, algumas explicações já foram apresentadas para entender as Garrafadas como as considerações em relação à disputa no mercado de trabalho entre os homens pobres, ou seja, entre portugueses versus escravos e libertos que exerciam o mesmo ofício.

A crescente entrada de imigrantes portugueses no Brasil acirrou a concorrência entre portugueses com os negros no mercado de trabalho carioca. Mary Karasch (2000) mostra a variedade de funções dos escravos da cidade do Rio de Janeiro. Eles desenvolviam atividades como a de carregadores, almocreves, barqueiros, marinheiros e operários fabris. Além dessas atividades, exerceram profissões mais especializadas, como na ourivesaria e sapataria, o que gerava protestos dos brancos em um mercado competitivo.

O ódio ao português deve ser remetido à posição social que eles desempenharam na sociedade brasileira do século XIX. No primeiro reinado, os portugueses ocuparam posições de influência nas funções públicas, sobretudo nos setores judiciários e das milícias, e possuíam riqueza comercial, além de quase todos os ministros serem portugueses. Por outro lado, portugueses pobres concorriam com negros e pardos no mercado de trabalho.

Até 1834, os portugueses representam a maioria dos estrangeiros que entraram no Brasil (em 1831 eram 56,5%). Os imigrantes portugueses eram, sobretudo, homens vindos do Porto ou do norte de Portugal, solteiros e de idade entre 10 e 30 anos (RIBEIRO, 2002, p. 188). Poucos deles empregavam-se nas regiões rurais da Corte, a maioria habitava as freguesias urbanas, principalmente a freguesia da Candelária (68,9% de portugueses em 1831), palco da Noite das Garrafadas (RIBEIRO, 2002, p. 195-196).

A Candelária era denominada Cidade Velha. Aí ficavam muitos edifícios públicos, como os Correios, o Arsenal da Marinha, a Alfândega, o Paço Municipal e a Praça do Comércio.

Nesta freguesia estava a Cidadela Portuguesa, formada pelo quadrilátero delimitado pelas Ruas da Quitanda, dos Ourives, Direita e das Violas. Na Rua da Quitanda, constantemente citada nos depoimentos das Garrafadas como local de muitos conflitos entre os grupos que se agrediam com cacos de garrafas e outros objetos, havia, da esquina da Rua do Ouvidor até a dos Pescadores, muitas lojas de mercadorias a retalho. Na Rua Direita e dos Pescadores também residiam respeitáveis comerciantes.

As Ruas do Ouvidor e da Quitanda possuíam notável participação política e social, era na confeitaria do Carceler que se reunia a nata da intelectualidade (KATO, 1988, p. 35-36).

A participação de escravos nas Garrafadas, embora não se tenham testemunhos dos motivos pelos quais esses negros entraram no conflito, sabe-se que a obtenção da liberdade através da alforria nesse momento ficou extremamente difícil. Através da constatação do exíguo número de cartas de alforria no século XIX, Florentino (2002) concluiu que a condição dos escravos foi severa no século XIX. No contexto das transformações da sociedade no século XIX, decorrente do crescente aumento no número de migrantes europeus e na estruturação do Estado Nacional, a norma que justificava o cativeiro a partir de enraizadas regras morais foi substituída por outra alicerçada no primado da propriedade e do mercado.

Tais mudanças relacionadas ao estatuto do escravo e à valorização do preço da alforria de 1820 em diante redefinem as opções, expectativas e estratégias dos escravos no que se refere à liberdade.

Em fins do século XVIII há na composição da população da cidade do Rio de Janeiro um conjunto considerável de pardos e negros libertos, no qual estavam incluídos tanto os manumissos quanto os nascidos fora do cativeiro.

Nesse momento alforriava-se muito: os dados mostram que os alforriados representavam 20% dos habitantes das freguesias urbanas dessa cidade em 1799, o que equivale a nove mil alforriados.

Os libertos equivaliam a 60% da população escrava e, quando somados aos cativos, representavam a maioria da população urbana. No século XIX o quadro é diferente, há um aumento no número de escravos, sobretudo de africanos, uma quantidade nunca observada de imigrantes portugueses e um pequeno número de libertos. Em meados do século XIX, apenas uma entre cada dez pessoas livres havia passado pelo cativeiro, enquanto que em 1799 uma em cada três pessoas havia estado no cativeiro.

A alta dos preços dos escravos foi o elemento fundamental para a diminuição do número de alforrias, o valor do escravo típico (homem, entre 15 e 40 anos de idade) teve seu preço dobrado entre o final do século XVII e a década de 1820, repetindo-se nos anos 1830.

Os conflitos que envolveram portugueses e a população pobre nas Garrafadas podem ser relacionados ao agravamento da situação econômica com a grave crise de abastecimento de alimentos em 1831 na cidade do Rio de Janeiro. Essa foi uma das sucessivas crises que elevava os preços dos víveres, cuja culpa na época recaiu sobre os atravessadores, os caixeiros e vendeiros tidos como exploradores.

Na cidade do Rio de Janeiro, os anos entre 1825 a 1830 foram considerados como uma época de empobrecimento das camadas populares, decorrente de uma série de razões: os altos impostos sobre o abastecimento local que acarretou o encarecimento dos víveres, a desvalorização da moeda para arcar com os gastos das guerras de independência, o custo militar e financeiro com a guerra da Cisplatina, o pagamento de indenização a Portugal e a circulação de moeda falsificada. Sobre a crise econômica de 1831, sabe-se que na época a culpa pelo alto preço ou pela falta de carne foi atribuída aos açougueiros que, em geral, eram portugueses (LOBO, 1978). Lenharo (1979) analisou as sucessivas crises de abastecimento no Rio de Janeiro a partir de 1808 e a existência de uma visão que o autor chamou de moralista, segundo a qual a culpa dessas crises era atribuída à má conduta dos comerciantes gananciosos.

Ao contrário dessa interpretação, o autor mostrou que os problemas que afetavam o abastecimento são diversos, como a ênfase na economia de exportação, a dificuldade de transporte, os problemas internos das províncias das quais os víveres procediam e a ampliação das demandas do mercado carioca decorrentes do crescimento demográfico a partir da vinda da Corte. Somando-se a esse quadro, o autor destaca outros aspectos mais particulares, como o monopólio sobre o comércio carioca de carne verde a partir de 1823 e a irradiação da economia cafeeira acentuando a urbanização de áreas anteriormente destinadas à produção de gêneros de subsistência. Com a instalação da Corte portuguesa no Rio de Janeiro, instituíram-se novos padrões de consumo, já que aportaram nesta cidade delegações diplomáticas, altos comerciantes, estratos burocráticos e militares. Também, é nesse momento que esta cidade constituiu-se no mais importante entreposto comercial de todo o Centro-Sul. Portanto, as transformações desencadeadas a partir de 1808 demandavam o aumento do abastecimento de alimentos, e as doações de alimentos dos colonos já não podiam mais suprir as necessidades do mercado com o crescimento populacional da cidade (LENHARO, 1979, p. 41-43)

Apesar das explicações sobre a grave situação econômica de abastecimento e a disputa no mercado de trabalho entre homens pobres para entender o antilusitanismo da Noite das Garrafadas, elas ainda pouco nos informam sobre as disputas políticas que posteriormente resultaram na Abdicação de d. Pedro I.

Como e por que setores das elites e camadas médias da sociedade carioca, entre os quais deputados, redatores de jornais e oficiais do exército, participaram da Noite das Garrafadas?

Tal dificuldade em avançar a compreensão desse conflito para além do entendimento desta como um conflito entre brasileiros e portugueses está atrelada aos discursos da imprensa na época que reforçavam esta interpretação.

Por exemplo, na opinião do pasquim Cartas ao Povo, os brasileiros foram desarmados para as ruas e no segundo dia foram agredidos pelos portugueses que se armaram.

As sim coloca: os sarracenos atacavam os meninos que estavam com o tope nacional, feriram quem levava o tope dizendo que eram federalistas.

Os depoimentos sobre as Garrafadas descrevem os vários bandos que se atracavam mutuamente.

Estes bandos dividem-se, basicamente, em dois grupos: os liberais federalistas e os que organizaram os festejos, tidos por antifederalistas e mais associados aos portugueses. O bando da Rua da Quitanda, composto de brancos, pardos e pretos, dava vivas a Sua Majestade o Imperador e a Constituição tal qual foi jurada e “morras” aos Federalistas e Republicanos.

Esse bando queria ir ao Rocio para acabar com os que os haviam insultado com vivas à Federação e à República quando festejavam boas-vindas à Sua Majestade Constitucional.

Consta que o grupo que estava no Rocio dava vivas à Sua Majestade o Imperador Constitucional, à República Legislativa e aos Deputados Liberais, queixando-se de que os portugueses tinham derramado sangue dos brasileiros que deviam ser vingados.

Em outro depoimento, relata-se que havia um grande bando na Rua do Ouvidor que queria ir ao Rocio acabar com os Republicanos e Federalistas. No Rocio, consta haver um bando formado de gente de diferentes cores que desceu até as Ruas da Quitanda e da Direita, onde estavam as fogueiras, os fogos e as músicas, e começou a dar vivas ao contrário ao regime estabelecido a República.

Consta que ambos os partidos se ameaçaram de parte a parte com fundos de garrafa e outros objetos. Como se pode notar, nos discursos que constam no Traslado, aos poucos, vai se configurando dois grupos, um que se auto-denominava brasileiros contra os que eram associados aos portugueses; porém, nos dois grupos há a presença de pardos e negros.

Os relatos das testemunhas informam que os bandos eram formados, às vezes, por mil indivíduos, outras vezes por 400 e 200 pessoas.

Policiais e tropas tentavam conter os distúrbios, e durante o conflito foram feitas algumas prisões como a de José Maria Monteiro, que gritava: Brasileiros, vamos neles desembainharmos um estoque.

Aparecem no meio dos distúrbios conflitos entre personagens conhecidos, como no dia 15 de março, em que Francisco Soares deu chicotadas em Chagas (redator do Tribuno), porque o último gritava: Viva Sua Majestade o Imperador Constitucional.

Em outro caso fora preso no dia 15 de março na Rua Direita o comissário do Esquadrão Nacional, Rodrigo Paz do Amaral, por dar vivas à Federação em frente da tropa que ali estava.

Havia um oficial que acompanhava nos dias 12 e 13 de março o partido dos federalistas dando vivas à federação e praticando ações indignas de um oficial.

Assim coloca o depoente:

sendo no dia 13 por mim advertido no Estado Maior do Batalhão dizendo-lhe que faria muito mal em praticar de semelhante maneira e que era preciso guardar respeito as autoridades e a Sua Majestade Imperial que a ela deveríamos derramar a última gora de sangue, respondendo-me que era esse seu gosto, e que os seus amantes eram e haviam de ser o redator do Republico com quem acompanhado todas as noites de braço dado ao Tribuno, e todos os mais que pugnavam pela federação (…)

Alguns militares que participaram das Garrafadas foram presos. No dia 14 e março foi conduzido à Fortaleza de Santa Cruz o alferes Faustino, que, no momento de sua prisão, pronunciou palavras indignas contra todas as pessoas e autoridades que seguiam a ordem.

O depoente e condutor declarou que foi obrigado a rebater sua audácia advertindo-o para que se comportasse e dizendo que não ouviria mais nada. No entanto, quando chegou dentro do Arsenal, juntou-se a Francisco João Barcellos que ia preso e começaram a vociferar contra a Majestade, dizendo que os pretos e pardos que havia no Escaler e que foram embarcados eram a sua gente e que todos os brasileiros adotivos, sem exceção, deviam ser papados a espada. Outro caso é o do cadete Cajueiro, que foi visto no bando dos federalistas com uma bandeira alvorada em um pau dando vivas à federação. Consta também que 10 paisanos queriam entrar na Guarda da Comarca para agredir o oficial que não dera vivas à sua Majestade Imperial.

Estes depoimentos das testemunhas inquiridas no Traslado indicam que a Noite das Garrafadas não pode ser caracterizada somente como um conflito que envolveu comerciantes portugueses que se atracavam com segmentos populares por questões relacionadas à crise de abastecimento e disputas no mercado de trabalho.

Os motes políticos descritos pelas testemunhas, a presença das elites, das camadas médias e de militares nas Garrafadas requerem novas análises.

A ligação de setores do exército com os liberais é um elemento importante. Por exemplo, no Traslado uma testemunha relata que o tenente do Batalhão do Imperador Elisario Garces d’Araújo é republicano e amigo íntimo do Republico e do Tribuno, em referência aos redatores desses jornais, respectivamente Borges da Fonseca e Francisco das Chagas Oliveira França. Também, relata-se que na Rua da Quitanda vinha um grupo de mais de 100 pessoas guiadas pelo redator do Republico dando vivas à federação, do qual faziam parte o alferes Faustino dos Reis, um cadete de artilharia, e o alferes Manoel José.

Nos grupos em que se avistavam os militares havia muitos homens de cor parda dando vivas à federação e “morras” ao Imperador, como o capitão do Terceiro Batalhão Mariano João.

Esses desciam a Rua da Quitanda armados com paus, enquanto outros grupos, com espadas e pistolas, gritavam que queriam acabar com os pés-de-chumbo e davam vivas à federação, acusando a tropa que os tentava conter de compradas pelos chumbos e contra os brasileiros.

Os moradores interrogados que habitavam as ruas nas quais ocorreram os distúrbios descreveram os vivas que eram dados pelas pessoas durante as Garrafadas: de um lado, os vivas ao Imperador e aos bons portugueses e os xingamentos aos cabras, de outro, os vivas aos federalistas e os xingamentos aos pés-de-chumbo. A maioria dos depoimentos identifica os brasileiros como os agredidos por fundos de garrafas, pelas garrafas de aguarrás e botijas de tinta arremessados dos sobrados da Rua do Ouvidor.

Juntando-se todas essas reconstituições das Garrafadas, chama atenção o fato dos conflitos antilusitanos se misturarem às questões políticas candentes nesse momento, principalmente a bandeira da federação que era pregada pelos jornais Tribuno do Povo e Republico.

Noite das Garrafadas ganhou notável dimensão na imprensa liberal, mesmo os jornais mais moderados, como o Aurora Fluminense, que, a despeito de não partilhar dos ideais federalistas do Republico, considerou o conflito um insulto aos brasileiros e ao pundonor nacional.

O jornal Novo Brasileiro Imparcial critica a polarização portugueses e brasileiros que alguns redatores utilizaram para explicar a Noite das Garrafadas. Logo no início, este periódico adverte que a linguagem empregada é tosca e que tem como missão exprimir sua opinião em meio a tantos analistas. Afirma escrever motivado não pelo espírito de partido, mas pelo amor à ordem e à utilidade pública. Coloca-se a favor da conciliação e contra a instigação do ódio entre brasileiros e portugueses.

Considera que o Republico generalizou ao empregar o termo portugueses para identificar os desordeiros da Noite das Garrafadas.

Pela primeira vez um jornal analisa a construção da polarização portugueses e brasileiros. respeito dessa questão coloca: somos imparciais, nós só nos propusemos à conciliação de todos os nossos irmãos num só centro (…). Este periódico argumenta que sua intenção era esquecer os funestos acontecimentos dos dias 13 e 14 de março que não deveriam figurar na história do Brasil independente; no entanto, eles estavam sendo tomados por uma questão nacional. O redator adverte que não presenciou tais acontecimentos, mas que iria debater as proposições lançadas pelos seus colegas escritores, sobretudo as que apresentavam certa inexatidão. Sobre quem teria começado as agressões na Noite das Garrafadas, diz não saber quais foram os insultantes e quais foram os insultados. Critica o periódico Republico por dizer que os portugueses nos insultam, pois considera que não foram todos os portugueses residentes na Corte que entraram na desordem e sim alguns caixeiros e criados de servir da Rua da Quitanda.

Justifica que os portugueses reconhecidos como brasileiros adotivos, muitos deles estabelecidos com negócios, homens de bem, bons cidadãos casados, não se encontravam na desordem nem a apoiavam, porque tais conflitos poderiam ocasionar um tumulto geral na cidade e colocar em risco suas fortunas, suas vidas e de suas famílias.

Cita nomes de portugueses influentes que não estiveram nas Garrafadas para discordar do Republico, que emprega o termo portugueses em referência aos desordeiros.

Adverte que os portugueses são somente aqueles que chegaram ao Brasil depois do juramento da Constituição. Nesse sentido, é inexato empregar o termo portugueses, uma vez que foi informado que no barulho participavam brasileiros adotivos que se encontravam alistados nas milícias.

Declara estar convencido de que os brasileiros adotivos e os portugueses que entraram no conflito e que aspiravam a recolonização do Brasil eram gente abjeta, pois os que se encontravam estabelecidos com negócios, lavouras, fábricas e empregos cooperavam para a felicidade do Brasil.

Quanto à atuação da polícia nesse conflito, não concorda que ela foi mandada para defender os tumultuosos e, após conversar com algumas pessoas, pôde concluir que a polícia trabalhava para apaziguar o barulho.

O Novo Brasileiro Imparcial discute as argumentações do redator do Novo Censor a respeito da Noite das Garrafadas.

Afirma que parou de ler o Novo Censor por ele se encontrar tomado de um espírito de parcialidade, presidido pela maledicência e pelo vitupério. Critica-o por empregar expressões pesadas, diatribes e impropérios, que ao invés de atacar as idéias, insultavam os indivíduos. Declara que, mesmo não sabendo quais foram os insultantes e quais foram os insultados, diante da posição da maioria dos jornais e da Representação que foi levada ao Imperador, não era crível a argumentação do Novo Censor que, ao conferir aos brasileiros o caráter de sediciosos, misturava os negros e os cativos com oficiais do Segundo Corpo de Artilharia de Posição.

Segundo o Novo Brasileiro Imparcial, ficou sabendo que os brasileiros foram atacados e obrigados a tirar o laço nacional do chapéu à força.

Considera que tal distintivo não é o laço nacional e sim um indicativo do partido federalista; no entanto, nenhum indivíduo poderia tirar o laço nacional mesmo sendo distintivo do partido federalista, pois compete ao governo punir tal atentado.

Termina sua exposição acreditando ser os conflitos das Garrafadas um ataque à honra nacional e aos brasileiros:

O ataque à honra Nacional, o massacre dos Brasileiros há de ser punido: os vivas sediciosos, as doutrinas, e incitação a desordem, e anarquia, há de ser castigado: logo que se conheçam os cúmplices eles expiaram seus crimes; resta por tanto, Brasileiros Natos, e Adotivos, que tenhamos confiança no Governo, deixemos que livre opere sobre qualquer acontecimento (…) UNIÃO E TRANQÜILIDADE, brasileiros, é o que somente nos convém no começo de nossa Independência. Respeito ao trono, confiança no governo, amor ao Monarca (…)

A idéia exposta pelo Novo Brasileiro Imparcial é a de que se deve relativizar a interpretação de que portugueses atacaram os brasileiros, mas não exclui existirem portugueses que entraram no conflito contra os brasileiros e que almejavam a recolonização. Mesmo relativizando a oposição brasileiros e portugueses, a interpretação que permanece das Garrafadas é a de um conflito em que os brasileiros foram feridos em sua honra e dignidade.

A partir da leitura desse jornal pode-se historicizar o significado das denominações portugueses e brasileiros em 1831.

O periódico Novo Brasileiro Imparcial posiciona-se contra as generalizações que tais termos carregam ao agrupar por brasileiros negros, cativos e oficiais de segunda linha, o que requer a necessidade de compreender as motivações específicas de setores do exército que estavam ao lado dos federalistas na Noite das Garrafadas como aparece no Traslado das Garrafadas.

Quanto ao termo portugueses este periódico argumenta haver muitos portugueses bem posicionados que não participaram dos eventos, mas não descarta que os que defendiam a recolonização eram gente abjeta e não portugueses de posse.

É no número de 19 de março de 1831 do Novo Censor, jornal que fazia oposição aos liberais, que pela primeira vez os acontecimentos da Noite das Garrafadas foram discutidos, apresentando uma interpretação que diverge da dos jornais liberais. Segundo o redator, a cidade encontrava-se iluminada, havia coros de música em vários lugares e a rua estava repleta de gente que, com grande entusiasmo, repetia vivas à Sua Majestade e à Constituição tal qual o Imperador havia dado, e o Brasil jurara, e à Independência. Segundo o Novo Censor, no decorrer da comemoração, apareceu um grupo de revolucionários anarquistas da federação. Tal grupo era composto de poucos homens brancos, misturados com muitos negros e alguns cativos, e era presidido pelo redator do Republico, por alguns oficiais do Segundo Corpo de Artilharia e um desgraçado filho de um honrado negociante demitido da Guarda de Honra.

Consta que estes forçaram o povo a dar vivas à federação e diziam em altas vozes:

Aqui vem os corajosos Brasileiros… Calem-se as músicas, e como quer que das janelas se começassem a repetir os vivas à S.M.I.C. e a Independência, e a Constituição, sem serem atendidos os do grupo, que diligenciavam que todos emudecessem as suas vozes (…)

Consta ainda que os desorganizadores atacaram as fogueiras, apropriando-se de tochas de lenha e atirando os tições sobre as famílias que estavam nas janelas.

Em represália, os acometidos cidadãos lançaram garrafas sobre a vil canalha. No entanto, os réus de tão atrozes crimes retiraram-se para a Rua dos Pescadores onde quebraram vidraças e luminárias e, dentre os que arrancavam girândolas, estava o redator do Republico, todos dando vivas à federação e à República. Além de desorganizadores, esses são chamados de sansculotes.

Eles teriam adentrado a Rua Direita e tentaram arrombar algumas portas, porém não conseguiram por terem sido impedidos. Segundo o Novo Censor, a canalha fez estragos por toda a parte, obrigando a abrirem as tabernas para comerem e beberem sem pagar. Foram divulgadas idéias falsas de que os brasileiros adotivos pretendiam transtornar o equilíbrio da sociedade. Ao contrário disso, o Novo Censor defende que eles eram pais de família, possuíam amor ao Monarca Constitucional e a nação de que são membros.

Na opinião desse periódico, a dedução do que ocorreu na Noite das Garrafadas é: Segue-se que a luta não foi entre os Brasileiros natos, e Brasileiros adotivos, mas sim entre os anarquistas da federação, e os amantes de nossa jurada e amada Constituição.

Para este periódico, os réus não foram os habitantes que colocaram luminárias para festejar a volta do Imperador, mas foram os anarquistas que atacaram suas fogueiras, despedaçaram suas girândolas de fogos artificiais e deram vivas à federação e à República e morras ao Imperador. Consta que os mesmos atiraram achas de lenha nas janelas, quebraram as vidraças e usaram os castiçais de vela no ataque. Em represália a tal ataque, os defensores atiraram garrafas para espantar os agressores. Nesse sentido, o Novo Censor considera que os réus não eram os cidadãos pacíficos que organizaram os festejos e que davam vivas à Constituição, ao Imperador, e à Sua Augusta Dinastia e Independência do Brasil. Em sua opinião, os agressores são os patifocratas infames que, sob os berros do Quilombeiro Republico, puderam reunir-se na Rua dos Pescadores e perpetrar tais crimes até a Rua Direita, onde consta nos autos que atacaram propriedade alheia.

O Novo Censor critica a Representação assinada por deputados e pelo senador Vergueiro pedindo providências para apurar os acontecimentos da Noite das Garrafadas.

Considera que esta Representação era uma declaração de guerra contra os portugueses nãonaturalizados que vieram fugidos de Portugal em busca de refúgio no Brasil.

Não acredita que tais homens fossem capazes de insurgir-se no Brasil. Segundo esse periódico, esta calúnia era dirigida com o intuito de irritar os ânimos dos brasileiros incautos e de armá-los contra os brasileiros adotivos e contra os brasileiros que eles chamam por natos e, finalmente, voltar-se contra todos que não fossem do Clube dos Patricidas Federativos.

Critica a Aurora Fluminense por ter afirmado que na Noite das Garrafadas um partido lusitano se insurgiu contra os brasileiros aos gritos de vivam os portugueses. Considera que, mesmo que se tenha dado tal viva, não se pode deduzir que se insurgira no Rio de Janeiro um partido lusitano.

Assim coloca:

se alguns ingleses, franceses, italianos, turcos, ou Diabos do ar, entusiasmados no meio dos vivas ao Imperador ingleses, ou franceses, ou turcos, ou viva ao Rei de Argel, dir-se-ia, que tal viva era para dar-se (garrete) a Liberdade da Pátria, ou que havia insurgido um partido Turco, Inglês, ou Napolitano contra os Brasileiros

O Novo Censor acusa seus opositores de lançarem perjuros que poderiam provocar uma guerra civil e de até pretenderem contaminar a escravatura.

Apesar de tais acusações, o redator diz não acreditar que eles tivessem tais intenções: Não acreditamos todavia, que estes Srs. tenham tais desejos; porém, que estão iludidos (…).

Diz ser malvada a idéia que separa brasileiro nato e brasileiro adotivo e considera que a nacionalidade brasileira nada sofreu e que o termo nacionalidade era usado pelos celerados para indisporem os incautos brasileiros contra seus próprios interesses e para fins sanguinários.

Sobre a referência que a Representação faz ao jugo ignominioso do estrangeiro, responde o Novo Censor: Quais são esses estrangeiros? Serão os emigrados corridos de d. Miguel? Serão os que se honrem de ser dele vassalos? Só a má-fé se podia acordar deste princípio!!

A conclusão desta seção é que as fontes estudadas mostraram a necessidade de analisar as Garrafadas além de um conflito entre dois grupos homogêneos portugueses versus brasileiros, como colocou boa parte da imprensa. Tanto através do Traslado como da própria imprensa, é possível identificar a diversidade de atores que participaram das Garrafadas, como também a dificuldade dos contemporâneos na compreensão dos laços de cooperação entre setores sociais tão heterogêneos.

Conclusão

A conclusão geral é que a Abdicação parece ter sido um processo menos linear do que normalmente se supõe. A Noite das Garrafadas, por exemplo, não parece ter sido um desdobramento necessário do processo de desgaste de d. Pedro I, em que portugueses, apoiadores do Imperador, e brasileiros, opositores, finalmente se confrontaram defendendo projetos políticos bem definidos. Muitos outros fatores estiveram presentes, como a existência de conflitos no mercado de trabalho e os problemas ligados ao abastecimento de víveres, cuja distribuição era feita por caixeiros do quadrilátero formado pelas Ruas da Direita, dos Ourives, Quitanda e das Violas, localidades nas quais ocorreram boa parte dos conflitos das Garrafadas. Soma-se a esses a participação de militares na Noite das Garrafadas ao lado dos liberais.

Parece plausível, entretanto, que o termo portugueses tenha adquirido, aos olhos dos contemporâneos, um conteúdo político progressivamente maior, incluindo todos que almejavam uma recolonização, os que apoiavam o Gabinete Secreto e, sobretudo, todos os que estavam contra os interesses nacionais os não-patrióticos.

Mas essa conotação só parece ter se afirmado em razão do papel fundamental que a imprensa teve como fator de potencialização do conflito, e não como resultado de uma radicalização política da população.

Os relatos da viagem de d. Pedro I a Minas Gerais parecem ratificar essa conclusão, na medida em que mostraram muito menos oposição popular e também das elites locais ao Imperador do que a hipótese de radicalização anti-d.Pedro sugeriria.

Fonte: www.exuperyjau.com.br/www.unesp.br

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