Ligas Camponesas

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Ligas Camponesas – História do Brasil

Várias ligas camponesas foram formadas após a Segunda Guerra Mundial para defender os interesses de arrendatários e pequenos agricultores e trabalhadores rurais. Houve duas fases distintas de atividade da liga, uma (1945-1947) liderada pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) e outra (1955-1964) liderada por camponeses, estudantes e políticos nordestinos. Quando foram suprimidas, as Ligas Camponesas alcançaram notoriedade nacional e internacional.

Com a liberalização política em 1945, o PCB estabeleceu ligas em todo o Brasil e as utilizou para cadastrar novos eleitores. Ao emancipar milhares de camponeses, muitos comunistas ganharam cargos eleitorais.

Em 1947, o governo suprimiu o PCB e suas ligas foram dissolvidas. Em 1955, um ex-militante do PCB organizou a Sociedade Agrícola de Agricultores e Pecuaristas (SAPP) na fazenda Galiléia, em Pernambuco.

Para chamar a atenção do SAPP, os proprietários de terras o chamaram de “liga camponesa”, mas seu plano saiu pela culatra e dezenas de Ligas Camponesas se formaram em todo o estado e região.

As ligas, chefiadas por Francisco Julião, alcançaram reconhecimento nacional em 1960, quando obrigaram o governo estadual a dividir as terras da Galiléia entre os camponeses.

Dedicada a uma política de confisco de terras sem indenização em dinheiro aos proprietários, o apelo das Ligas Camponesas à reforma agrária “pela lei ou pela força” tornou-se predominante no movimento operário rural. Em 1962, as ligas se expandiram para treze dos vinte e dois estados do Brasil e criaram um jornal semanal, Liga. Numerosos grupos de estudantes, mulheres e soldados imitaram os camponeses chamando suas organizações de “ligas“.

O crescimento das ligas atingiu o pico em 1963, quando disputas internas fraturaram a organização. Uma estrutura descentralizada permitiu que alguns líderes locais enfatizassem a apropriação de terras, outros a organização sindical e ainda outros a rebelião armada. Quando as notícias das bandas de guerrilha da liga chegaram aos Estados Unidos, o governo Kennedy fez do Nordeste um caso de teste para os programas da Aliança para o Progresso destinados a impedir a revolução. O PCB e a Igreja Católica também desafiaram as ligas. Isolados, foram reprimidos pelos militares em 1964.

Ligas Camponesas – Movimento Social

As chamadas ligas camponesas constituem um movimento social brasileiro, surgido a partir da década de 1950 no estado de Pernambuco.

Atribui-se a criação das ligas camponesas ao deputado federal pernambucano Franciso Julião (do Partido Socialista Brasileiro), que auxiliou os camponeses da primeira associação a receber essa denominação.

Ao longo da década de 1940 já haviam surgido movimentos autodenominados “ligas” no estado de Pernambuco, mas sem grande sucesso ou alcance.

Em 1954 se formou no engenho Galileia, da cidade de Vitória de Santo Antão, a Sociedade Agrícola e Pecuária de Plantadores de Pernambuco (SAPPP), com três fins específicos: auxiliar os camponeses com despesas funerárias  evitando que os camponeses falecidos fossem literalmente despejados em covas de indigentes (“caixão emprestado”); fornecer assistência médica, jurídica e educação aos camponeses; e formar uma cooperativa de crédito capaz de livrar aos poucos o camponês do domínio do latifundiário.

No engenho Galiléia trabalhavam cerca de 140 famílias de camponeses em regime de foro: em troca de cultivar a terra, deviam pagar uma quantidade fixa em espécie ao proprietário da terra.

É importante frisar que esse engenho já se encontrava em “fogo morto”, ou seja, inadequado para plantio de cana-de-açucar.

A SAPPP até recebera apoio, no começo, do proprietário do Galiléia. Porém aos poucos foi desgostando, e pressionando os camponeses para se desfazerem da liga; os camponeses resistiram, e com o apoio de Francisco Julião (que já havia se pronunciado a favor dos camponeses), institucionalizaram a associação. No dia 1 de janeiro de 1955 a SAPPP passou a funcionar legalmente.

A imprensa conservadora rapidamente chamou a SAPPP de “liga”, em associação aos movimentos da década anterior. Em 1959 a SAPPP conseguiu a desapropriação do engenho. Enquanto isso, o movimento espalhava-se pelo interior do estado, e a vitória dos galileus estimulou bastante as lideranças camponesas a sonhar com uma reforma agrária. No início da década de 1960, as ligas já se espalhavam por 13 estados brasileiros.

Porém, a instalação do regime ditadorial em 1964 acabou com o sonho camponês, pois as principais lideranças das ligas foram presas e o movimento ferozmente perseguido. De certa maneira, pode-se considerar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) como o sucessor das ligas camponesas

Ligas Camponesas – Trabalhadores

Surgem no estado de Pernambuco em 1956 como desdobramento de pequenas organizações reivindicatórias de plantadores e foreiros (espécie de diaristas) dos grandes engenhos de açúcar da Zona da Mata.

Em poucos anos, as ligas camponesas atuaram em mais de 30 municípios e começam a espalhar-se pelos estados vizinhos. Sob a liderança de Francisco Julião, deputado do Partido Socialista Brasileiro (PSB), as ligas obtêm o apoio do Partido Comunista (PC) e de setores da Igreja Católica.

Conseguem reunir milhares de trabalhadores rurais na defesa dos direitos do homem do campo e da reforma agrária, sempre enfrentando a repressão policial e a reação de usineiros e latifundiários.

Durante o Regime Militar de 1964, Julião e seus principais líderes são presos e condenados.

O movimento fica enfraquecido e desarticulado.

A experiência das ligas camponesas do Nordeste, com o lema “reforma agrária na lei ou na marra”, influencia grupos que lutam pela justiça social no campo e pela reforma agrária, como o atual Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST).

Ligas Camponesas – Origem

Originalmente surgidas com a organização dos camponeses na Europa durante a Idade Média.

No Brasil, as ligas camponesas são conhecidas como a associação de trabalhadores rurais que se iniciou no Engenho Galiléia, no Estado de Pernambuco, em 1955, a partir da reivindicação de caixões para os camponeses mortos.

O temor dos grandes proprietários acabou por hostilizar o movimento que, junto ao advogado e político Francisco Julião, tornou-se um movimento de amplitude nacional pelos direitos à terra, em defesa da Reforma Agrária.

Ligas Camponesas – O que foram

Ligas Camponesas

As Ligas Camponesas surgiram no Brasil na década de 60, como o movimento mais expressivo contra as relações de trabalho, no campo e de luta pela Reforma Agrária.

Surgiram no Nordeste Brasileiro, onde as condições de vida da população camponesa era de extrema pobreza e o avanço da monocultura da cana-de-açúcar provocava a expulsão do homem do campo.

Na Paraíba o movimento tomou força com a fundação das Ligas Camponesas de Sapé e Mamanguape, nas quais, os trabalhadores rurais conseguiram a eliminação da relação de trabalho considerada a mais cruel, o cambão e a desapropriação de alguns latifúndios.

O objetivo deste trabalho é organizar informações sobre as Ligas Camponesas em Mamanguape e que essas informações sirvam de subsídios para os movimentos sociais atuais da região.

Esta pesquisa teve como base teórico-metodológica elementos históricos e sociais, norteados pela pesquisa documental, pesquisa de campo e entrevistas. Foi uma pesquisa participante, pois sou membro dessa comunidade, atuando na organização da sociedade através de movimentos de base da cidade e do campo.

Minha participação em movimentos sociais, como a Consulta Popular motivou o estudo da Geografia Agrária e os problemas rurais enfrentados pelos homens/mulheres do campo. Sou filho de trabalhadores rurais, isso fortaleceu a idéia de pesquisar mais a fundo as Ligas Camponesas na Paraíba, em especial na Microrregião de Mamanguape.

Os longos relatos, os históricos da vida de importantes lideranças foram fundamentais para ressaltar a importância das Ligas Camponesas como experiências rurais de resistência ao modelo agrário de monoculturas e oligarquias exploradores.

Os movimentos sociais no campo são fundamentais para o estudo da Geografia, mesmo os que já se encontram no passado. Levar esse material para o campo da Sociologia é um dos meus interesses, pois entendê-los a luz dessa ciência pode servir para analisar os movimentos atuais do campo como MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Brasil) e a CPT (Comissão Pastoral da Terra).

Estes movimentos me ajudam a querer entender o passado de luta pela terra para quem nela trabalha.

O nosso objeto de pesquisa se volta sobre as Ligas Camponesas no Vale do Mamanguape-PB. Essa área localiza-se no litoral Norte do Estado da Paraíba na chamada Zona-da-Mata Paraibana, na qual, a cana-de-açúcar sempre foi a cultura dominante, atividade econômica que consolidou o processo de ocupação. Da sua importância, estabeleceu-se na área o sistema aristocrático rural só afetado com seu declínio na primeira república. Os engenhos foram cedendo espaço para as grandes usinas que estabeleceram relações concentradoras, duas ou três famílias que passaram a controlar a economia canavieira do litoral no início do século XX. (GALLIZA, 1993:42).

Nesse período, meados do séc. XX, com a expansão da cultura da cana, que ocorreram os conflitos e os movimentos mais expressivos de luta pela terra, pois para penetrar nas novas áreas de cultivo, a cana, encontrava como barreira a agricultura familiar de subsistência praticada por posseiros, moradores e arrendatários, que ao sentirem as ameaças de serem expulsos do campo se organizaram em um expressivo movimento social, denominado de Ligas Camponesas.

AS LIGAS CAMPONESAS NA PARAÍBA

As Ligas Camponesas ganharam grande importância nas área onde havia camponeses a serem expropriados devido à expansão da cultura da cana-de-açúcar, como nos municípios de Vitória de Santo Antão em Pernambuco, e Marí e Sapé na Paraíba… (ANDRADE, 1986:27).

As Ligas Camponesas rapidamente se difundiram por todo o Nordeste. E a Paraíba passou a ser um importante território de organização dos trabalhadores rurais, em especial na zona-da-mata canavieira.

Em História e natureza das ligas camponesas (Wrublesk Aued, 2002:82) relata a existência de quinze Ligas na Paraíba.

No depoimento de José Hermínio Dionísio: (CONSULTA POPULAR, 2002:29): No inicio de 1958 foram fundadas as Ligas Camponesas de Sapé, onde foram filiados 227 camponeses.

Lemos (1996:31) descreve a fundação da Liga de Sapé no mês de fevereiro de 1958. A associação foi criada com o objetivo de prestar assistência social e jurídica aos associados. Como veremos, foi a partir daí que a questão agrária ganhou maior significado para os trabalhadores rurais, que iam se familiarizando com seus direitos, a medida que se organizavam em suas respectivas ligas.

Antecedentes históricos das Ligas Camponesas na Paraíba

Na Paraíba desde a década de 1930 a organização popular tem se destacado no cenário político, o povo protestando contra a influência dos coronéis na política. (MARTINS, 1986:64).

Em 1960 a realidade paraibana não era diferente da do Nordeste, concentrava 65,5% da sua população no campo e o meio de sobrevivência da maior parte da população era o cultivo de lavoura de subsistência como milho, feijão, fava, mandioca, inhame, etc.

Para se ter uma idéia, no município de Sapé a população era distribuída da seguinte forma: 70% era composto de moradores, 15% de rendeiros e foreiro, 10% de trabalhadores urbanos e 5% de outras categorias, (LEMOS, 1996:32).

Essa região de Sapé era marcada por domínio de engenhos, usina e uma massa de trabalhadores pobres sem acesso a terra nem à renda, fazendo com que buscasse apoio na própria organização, até porque a região fértil propiciava uma agricultura de subsistência e que terminava sendo dividida com os proprietários de terra, pois ser morador, meeiro, rendeiro ou foreiro não dava condição de posse para estes agricultores que se sentiam, explorados pelas relações de trabalho impostas e pelo sistema agrário adotado.

Eles que trabalhavam a terra não tinham direitos sobre ela e ainda perdiam parte do que produziam para os grandes proprietários, sem falar nas obrigações de trabalhar dias seguidos na cana-de-açúcar e não receber salário.

O sistema morador é uma relação em que o trabalhador rural que mora na fazenda recebe um espaço para construir uma casa de taipa e, para ter direito a plantar um roçado para obter alimento, ele tem que trabalhar dias gratuitos para o proprietário, essa relação é denominada de cambão que podia ser dois, três e até quatro dias a disposição do proprietário. (LEMOS, 1996:22)

O rendeiro era o camponês que não tinha terra ou pouca terra, não morava na fazenda: ou morava na cidade ou em uma terra insuficiente para produzir o necessário, arrendava um pedaço de terra ao fazendeiro e pagava o arrendamento em dinheiro ou pagava em produto, quando o pagamento era feito em produto a relação era denominada de parceria e o produtor entregava meia ou a terça parte da produção ao proprietário, já o foreiro era o agricultor que morava na fazenda, plantava o roçado e pagava o arrendamento em dinheiro ou produto.

Nas usinas não era permitido ao morador plantar e, os salários eram pagos em vales, submetendo o morador a comprar alimentos no barracão a preços exorbitantes, produtos de má qualidade; também era proibido o plantio de frutas e a criação de animais. Nas terras arrendadas para o plantio de algodão a exploração se agravava. O produtor além de pagar o cambão, na colheita, era obrigado a entregar ao proprietário da terra metade ou a terça parte da produção.

O camponês geralmente vendia sua produção antecipada e quando colhia, que vendia ao proprietário, era lesado no peso: para a pesagem do algodão eram usadas pedras como medida.

Já os assalariados eram contratados para realizar tarefas esses trabalhadores eram supervisionados pelo feitor, ou cabo, pessoa de confiança do proprietário.

A medição da tarefa realizada no dia era feita com uma vara que media 220 metros (uma braça), ao realizar uma tarefa que medisse 12 x 13 braças, o trabalhador teria trabalhado uma conta. Só que ao medir, o feitor não deixava a vara cair ao chão, media colocando uma ponta da vara no chão e caminhando, colocava a outra ponta adiante, diminuindo o tamanho da área trabalhada, causando prejuízo ao trabalhador, essa prática era chamada de pulo da vara. (LEMOS, 1996:24)

Segundo Lemos (1996:19) a luta na Paraíba se diferencia da de Pernambuco, porque lá a luta era mais forte na zona canavieira e reivindicava a extensão dos direitos trabalhistas aos trabalhadores das usinas e fornecedores de cana, enquanto que na Paraíba a luta teve como reivindicação principal o direito de plantar e colher nas terras arrendadas e a eliminação do cambão.

A exploração sobre os camponeses aumentava à medida que os produtos agrícolas brasileiros eram valorizados no mercado externo. Antes da valorização dos produtos brasileiros, os fazendeiros, proprietários de grandes latifúndios arrendaram as terras para trabalhadores sem terra, era vantagem para o proprietário arrendar, pois devido aos baixos preços dos produtos, o lucro não compensava o ônus de produzir em grandes extensões, mas logo que havia a recuperação dos preços, os proprietários não hesitavam em expandir o cultivo da monocultura, e, a primeira medida era tirar do agricultor o direito de colher o que havia plantado, destruindo as lavouras e expulsando os camponeses. Na Paraíba as principais culturas a se expandir foram, a cana-de-açúcar, o algodão e a pecuária.

Para se ter uma idéia da expansão da cana-de-açúcar, entre 1931 e 1948 foram instaladas, só no vale do Rio Mamanguape, quatro grandes usinas: Monte Alegre, Santa Maria, São Francisco e Tanque, uma no litoral e três no Brejo.

Para conseguir remover do campo a grande massa de camponeses, os fazendeiros não foram favorecidos apenas pela boa condição da agricultura, mas principalmente porque a oligarquia rural controlava a política a ponto de, na Paraíba, o poder permanecer por vários anos concentrados nas mãos de apenas cinco grupos políticos, extremamente poderosos e violentos.

Esses grupos estavam assim distribuídos: Grupo Ribeiro Coutinho, proprietário de quatro usinas, emissoras de rádio, jornais, indústrias, estabelecimentos Comerciais e bancos.

Esse grupo mantinha um membro da família permanentemente no congresso Nacional, além de cinco Deputados Estaduais, Secretários de estado, prefeitos e vereadores em vários municípios(LEMOS:1996:27).

Outro grupo é a família Lundgren, família Suíssa, proprietária de todas as casas e toda a terra do município de Rio Tinto, metade das terras do município de Mamanguape e proprietária das antigas casas Pernambucanas, casas Paulistas e da Companhia de Tecidos de Rio Tinto, elegiam deputados na Paraíba e Pernambuco. (LEMOS, 1996:28)

Os grupos mais violentos eram: os Ribeiros Coutinho e os Veloso Borges, situados em Santa Rita, proprietário de fábricas e usinas, sendo Agnaldo Veloso Borges, Pedro Ramos Coutinho e Antonio José Tavares acusados de serem os mandantes do assassinato do líder João Pedro Teixeira. (LEMOS, 1996:55)

Aguinaldo Veloso Borges, sexto suplente de deputado na coligação UDN-PL, junto com o governador João Agripino Filho, numa trama espúria, fez com que os cinco suplentes anteriores se ausentassem e ele assumisse o mandato para adquirir imunidade. (LEMOS, 1996:87)

Grupo Fernandes de Lima, proprietário da Usina Monte Alegre, por mais de quarenta anos, José Fernandes de Lima se elegeu para Deputado, chegou a ser governador da Paraíba. (LEMOS, 1996:29)

Essas oligarquias controlavam a ferro e fogo os eleitores de sua região, no período eleitoral confinavam os moradores em suas fazendas para evitar o contato deles com outros candidatos.

No dia da eleição os eleitores eram transportados até a cidade nos transportes da fazenda ou da usina e na cabine de votação o eleitor era acompanhado por um capanga, para que o eleitor não votasse no candidato que não fosse indicado pelo grupo. Os camponeses eram controlados sob ameaças, pois o eleitor que não votasse no candidato era submetido a castigos insuportáveis.

Lemos (1996:24-25) descreve o cabocó como sendo: a vítima colocada num tanque escuro, com água na altura da boca. A vitima ficava longo tempo naquela situação, misturando urina e fezes na água, até que na eminência de afogamento, resolviam retira-lo. (Ibid.:25)

Isso mostra o quanto os dispositivos de poder estão em todas as instâncias e se apodera de todos os meios para controlar os trabalhadores rurais, que além de não possuir o básico para a sua sobrevivência no campo, que seria a terra, estes também eram expropriados da liberdade política e dos direitos básicos como saúde e educação. Diante dessa realidade tornava-se impossível os trabalhadores rurais libertarem-se da submissão, pois a elite detinha nas mãos todos os mecanismos de controle. Na década de 1960, dos mais de um milhão de moradores do campo, 63% eram analfabetos, sem instruções para assumir outras atividades e, sem a posse da terra para viver dignamente no campo. (IBGE, CENSO DEMOGRÁFICO: 1960)

AS LIGAS CAMPONESAS EM MAMANGUAPE

Para MORAES (2002), A expansão das Ligas Camponesas se deu de forma rápida. De 1958 a 61 foram organizadas 18 Ligas na Paraíba, com grande número de associados. Em Mamanguape, as ligas tiveram início na fazenda Mirirí, localizada entre Mamanguape e Sapé, pertencente a Pedro Ramos Coutinho, irmão de Renato Ribeiro Coutinho

Os mil e quinhentos moradores dessa fazenda, passaram a ser expulsos quando o Engenho modernizou suas instalações. O engenho transformado em usina expandia as plantações de cana, de modo a retirar das terras toda e qualquer atividade que servisse de empecilho a essa expansão. A organização dos trabalhadores foi liderada por Alfredo Nascimento que foi assassinado em 14 de março de 1962.

O movimento em Mamanguape acompanhou o crescimento do movimento, em nível estadual e foram formadas Ligas Camponesas em várias fazendas, como em Itapicirica e cachoeira, pois a exploração do agricultor e a violência eram semelhantes em todas as fazendas. A Liga de Mamanguape cresceu a ponto de quantitativamente se tornar a segunda maior liga do estado, com 10 mil associados. (MORAIS, 2002:55)

De acordo com o censo agrícola do IBGE, no ano de 1960, a estrutura fundiária do município era de 133.830 hectares, distribuídos entre 2.102 estabelecimentos. Ressalva-se que, Mamanguape compreendia os atuais municípios de Baía da Traição, Mataraca, Jacaraú, Itapororoca, Curral de Cima, Cuité de Mamanguape e Capim.

A estrutura agrária do município de Mamanguape no ano de 1960, em relação ao responsável, ou seja, quem estava responsável, fazendo uso da terra, no ano de realização do censo, foi caracteriza em quatro categorias: Primeira categoria, na qual, o proprietário era o responsável que tem a posse da terra, essa categoria era responsável por 1.826 estabelecimentos, compreendendo uma área de 40.434 hectares; A segunda categoria era a do arrendatário, que compreendia aos responsáveis que, para fazer uso da terra, só mediante pagamento e esse pagamento podia ser em dinheiro ou produto, os que faziam o pagamento em dinheiro eram responsáveis por 146 estabelecimentos, com uma área de 1.319 hectares; arrendatários com pagamento em produtos eram responsáveis por 2 estabelecimentos, com área total de 13 hectares; A Terceira categoria era de ocupantes, correspondendo aos agricultores que cultivam uma área, a qual pertencia a um proprietário, fazendo uso da terra sem pagar arrendamento com dinheiro ou produto, mas com obrigações de trabalhar dias gratuitos ao proprietário, essa categoria era responsável por 53 estabelecimentos, com área total de 7.170 hectares; A quarta Categoria era do administrador, empregado da fazenda, na verdade a relação entre essa categoria e o proprietário era uma troca de favores, pois o proprietário lhe cedia a terra e o administrador prestava serviços administrativos e pessoais ao proprietário. Essa categoria era responsável por 75 estabelecimentos, somando uma área de 84.894 hectares.

Em relação ao responsável, pelo estabelecimento 86,86% eram proprietários, somando uma área de mais de quarenta mil hectares, equivalente a 30% da área total. Nesse total estão incluídos todos os proprietários, desde os que possuem menos de um hectare até os que possuem mais de dez mil hectares. É importante observar no quadro, as categorias ocupante e administrador, apesar de as duas categorias cultivarem na propriedade alheia, e sem pagar arrendamento, o administrador era responsável por 90% a mais em relação a categoria ocupante.

Esses dados mostram claramente um mecanismo de controle sobre os trabalhadores rurais, pois os administradores recebiam mais terras para cultivar e em troca prestavam serviços particulares ao proprietário; inclusive a capangagem e perseguição aos agricultores.

Observa-se sem nenhum esforço, a realidade mais cruel da estrutura fundiária no município de Mamanguape, em que apenas, os 20 maiores estabelecimentos concentravam uma área mais de duas vezes maior à área ocupada pelos mais de dois mil estabelecimentos menores de mil hectares e os 2.084 estabelecimentos menores de mil hectares, representava 70,5% da área do único estabelecimento com mais de 10 mil hectares.

Essa concentração de terra provocou o atraso econômico e social da população rural, que ao ser expulso, do campo, passaram a formar os bolsões de pobreza nas cidades da região, esse fato pode ser observado no depoimento que me foi cedido no dia 25 de janeiro de 2003, por um ex-agricultor da fazenda Itapiririca: As usinas butaram os trabaiador tudo pra fora por causa dessa liga. Fizeram uma rua de casa em Sapé, perto da estação, morava mais de 300 pessoas (famílias). Nenhum proprietário achava bom, só queria ver o pobre escravo dele num queria ver o povo com nada não, em Itapororoca fizeram uma rua de barraco, perto do cemitério.(Oliveiros Antônio do Nascimento ex-agricultor em Itapicirica).

Dos mais de 66 mil habitantes do município, no tocante ao item, pessoal ocupado, apenas 16,6 mil tinham ocupação, sendo que o pessoal ocupado do campo era 6,2 vezes maiores que o da cidade. Dos mais de 14 mil camponeses que tinham ocupação. Apenas 25% eram empregados sendo 5%, empregados permanentes e, a grande maioria dos camponeses com ocupação desenvolviam atividades não remuneradas.

Essa situação era denunciada, nas vilas próximas às usinas e, com mais gravidade nos engenhos, que apesar de estarem incorporados às usinas, ainda conservavam povoados, que habitavam em casas de taipa, cobertas de palha, nas áreas de relevo acidentado ou nas estreitas trincheiras de terras arenosas às margens das estradas. Essa realidade podia ser observada até início dos anos 80, nos povoados dos engenhos Linhare e Leitão, pertencentes à Usina Monte Alegre e na própria vila que se estende da usina Monte Alegre até o povoado de Pindobal, numa extensão de mais de 6 Km.

A vila fica suprimida entre a colina de solo pouco úmido e pedregoso que se eleva por trás das residências e o canavial denso que ocupa as terras férteis e úmidas da várzea em frete às casas, essa forma de organização do espaço e denominada por Rosário de casas.

O hábito alimentar do morador, se resumia ao consumo de produtos como: o feijão, a fava e o milho, farinha de mandioca e carne de charque ou peixe seco, o consumo de frutas e verduras era muito resumido, sendo mais variados apenas num curto período do ano, quando chegavam as safras de manga, caju, laranja e jaca. Essa carência alimentar provocava doenças como a subnutrição, doenças diarréicas e palidez.

Essas condições eram presentes, entre os moradores da usina Monte Alegre e seus engenhos, apesar de o grupo proprietário ser considerado moderado e a favor da Reforma Agrária (ANDRADE, 1997:63-67).

Segundo dados do IBGE para o ano de 1960, a taxa de analfabetismo era desastrosa, a população em idade escolar, a partir dos 5 anos de idade, não tinha acesso a escola, principalmente na zona rural, pois, nessa idade as crianças já acompanhavam os pais nas atividades agrícolas, embora não praticassem as atividades, observaram e, aos 7 anos de idade já faziam tarefas mais leves como, semear semente de milho, feijão e outras lavouras, na época de plantio, participavam o transporte e o debulhamento, na época da colheita.

Abaixo um demonstrativo do nível de escolaridade da população de Mamanguape.

Para o IBGE – Censo populacional 1960, do total de 55.545 habitantes de 5 anos e mais, no ano de 1960, somente 16,4% sabiam ler e escrever e, o percentual baixa mais ainda para os que estavam estudando, sendo apenas 8%. À medida que a faixa etária ia aumentando, ia diminuindo o número de pessoas que freqüentavam escola, até chegar ao estremo, em que, a faixa etária de 20 anos e mais, dos 29.704 habitantes, freqüentavam a escola, reduzido número de 129 pessoas. Isso demonstrava a falta de investimento no setor educacional, a falta de atividade que requisitasse maior nível de escolaridade e a necessidade de assumir desde a infância, atividades, principalmente no campo, para ajudar no sustento da família, mesmo que para isso custasse abandonar os estudos, pois a freqüência a escola dependia de recursos e boas condições financeiras, por não haver escolas públicas na zona rural.

Origem e Desenvolvimento das Ligas Camponesas em Mamanguape

Diante da realidade descrita, os trabalhadores rurais só suportaram até quando tiveram o direito de colher o que plantavam.

A partir do momento que os proprietários perceberam a valorização dos produtos agroindustriais no mercado internacional, ampliaram as áreas cultivadas.

Os agricultores que dependiam do cultivo de lavouras de subsistência para alimentar a família, em terras arrendadas sob as mais diversas formas de arrendamentos, que ia desde o pagamento com dias de trabalho gratuito, ao serem ameaçados de ter suas lavouras destruídas, suas casas derrubadas, serem expulsos, sob os mais terríveis atos de violência, ou ainda aumentando a exploração sobre sua força-de-trabalho, se organizaram em todo o município para resistirem a ação desumana dos latifundiários.

O primeiro conflito do município ocorreu antes da fundação da Liga Camponesa em Mamanguape, em 1954, na fazenda Miriri que estava situada, parte em Mamanguape e parte em Sapé.

Tudo começou quando Pedro Ramos Coutinho comprou a fazenda e proibiu os agricultores de plantar e criar gado. Lá morava Pedro Fazendeiro que era uma pessoa resistente e, consciente e que passou a reivindicar o direito de colher o que havia plantado, conseguindo indenização pela destruição de sua lavoura, depois Pedro Fazendeiro foi preso e torturado na cadeia de Sapé e, depois de solto sofreu um atentado, sendo atingido com um tiro na perna. (CONSULTA POPULAR, 2002:33-34)

Outro conflito violento ocorreu em Miriri no dia 17 de janeiro de 1962, quando dois capangas, mais uma vez a mando de Pedro Ramos, chegaram próximo aos trabalhadores insultando-os e logo atirando.

Os agricultores revidaram, morreram no conflito dois capangas e dois trabalhadores rurais, entre eles Alfredo Nascimento, grande líder que participara da fundação da primeira Liga de Sapé (CONSULTA POPULAR, 2002:34 a 37).

Mais uma ação violenta contra camponeses ocorreu em outubro de 1963, na fazenda de Cezar Cartaxo em Itapororoca, então distrito de Mamanguape. O proprietário expulsou os trabalhadores rurais da fazenda e, para impedir que eles voltassem derrubou as casas, deixando as famílias desabrigadas. Cerca de 300 pessoas foram transportadas em um caminhão para João Pessoa, o episódio causou grande repercussão na capital, onde foi realizada uma grande manifestação, denunciando mais um ato de violência contra camponeses pobres. (LEMOS, 1966:162)

A cada ação praticada contra os agricultores, crescia a organização da liga por todo o município e também crescia a repressão contra os trabalhadores que participassem das ligas.

O simples fato de um agricultor possuir a carteira de sócio das ligas camponesas, era motivo para ser espancado e preso.

Tanto a, organização, quanto, a perseguição, se intensificaram nas fazendas Itapicirica e Cachoeira, mas, a atuação das ligas atingiu todo o município.

Em Itapicirica cada vez que a lavoura de um agricultor era arrancada, se organizava um multirão e, em um dia um outro roçado era plantado, numa outra área.

Em cada fazenda existia um grupo de agricultores organizados, mas existiam também pessoas espiãs de confiança do patrão, que eram informantes.

Esses informantes muitas vezes por motivo de apadrinhamento faziam falsas denúncias contra os trabalhadores rurais, de possuírem armas e forjavam depoimentos contra os agricultores (RAMOS, 1993:112-113).

A cada ato de violência praticado, organizavam-se passeatas de protestos pelas ruas da cidade, os dias 11,12 e 13 de setembro de 1962 foram de sucessivos protestos em todas as cidades que tinham liga, contra o espancamento que Assis Lemos e Pedro Fazendeiro sofreram em Itabaiana, em Miriri foram mais de três mil trabalhadores num comício de protesto. No dia seguinte, realizou-se passeatas, em Mamanguape e Rio Tinto.

Outra grande manifestação havia acontecido em 1º de maio de 1962, em protesto a morte de João Pedro Teixeira, em João Pessoa, onde dezenas de caminhões alugados pela Liga, saíram lotados de Mamanguape e Rio Tinto que se juntaram aos mais de vinte mil trabalhadores em ato de repúdio a toda maldade praticada pelos latifundiários da Paraíba e contra a situação de trabalho e, aos vícios malditos do proprietários que eram: o cambão, o cabocó, pulo da vara, a compra na folha, o roubo no peso, o barracão, derrubada das casas, destruição dos roçados, violência dos capangas e da polícia, expulsão do campo e o voto de cabresto. (LEMOS, 1996:81).

A Liga Camponesa de Mamanguape era denominada de A Redentora (RAMOS, 1993:112), tinha sede em Mamanguape, na Rua São José e tinha núcleos organizados em várias fazendas, as maiores fazendas, em que tinham delegados eram, Itapicirica, Mendonça, Camucá e Leitão, a última, pertencente a usina Monte Alegre.

As reuniões eram semanais, nas quais participavam entre 60 e 80 pessoas e presididas por Manoel de Deus, conhecido por Manoel do Sabão, a convocação para as reuniões extraordinárias se davam com foguetões, como ocorria em Sapé.

Os piores atos repressivos contra os trabalhadores rurais ocorreram na fazenda Itapicirica, pertencente à Companhia de Tecidos Rio Tinto e na fazenda Leitão, pertencente a usina Monte Alegre, com prisão dos agricultores que se organizavam em mutirão para fazer roçados e, espancamento de agricultores que eram associados da Liga Camponesa.

Protagonista das Ligas Camponesas em Mamanguape

Quando surgiram os primeiros conflitos em Miriri, os trabalhadores rurais logo tiveram uma conquista, que foi o recebimento de indenização pela destruição das lavouras. Toda essa organização, foi liderada por Alfredo Nascimento. Ele não aceitava o que os proprietários vinham fazendo contra os trabalhadores rurais, era um agricultor que tinha muita coragem, conhecedor dos direitos, não se abatia diante das ameaças. Depois do primeiro conflito, tratou de se juntar a outras lideranças e fundar a primeira liga camponesa, pois, havia a preocupação de que os conflitos se ampliassem por outras fazendas, havendo a necessidade de organizar os trabalhadores para enfrentar o que estava por vir.

Depois, quando o movimento cresceu no município, surgiram novas lideranças que organizavam as atividades e faziam a articulação entre os delegados nas fazendas.

Manoel de Deus, conhecido como Mané do sabão, dirigente das seções na sede da liga, era pastor da Igreja Evangélica Assembléia de Deus e Presidente da Liga de Mamanguape.

José de Oliveira Ramos era dirigente e fazia a articulação da liga de Mamanguape com a federação das ligas, em João Pessoa e com as outras ligas como a de Sapé. Foi vereador, por cinco mandatos pelo Partido Republicano. Foi preso quatro vezes, conduzido para 15º Regimento de Infantaria, quartel reacionário e repressor, situado em João Pessoa, a serviço dos latifundiários, sob a acusação de atos subversivos. (RAMOS, 1993:112).

Outras lideranças importantes foram: Pedro Dantas das Chagas, Inácio da Costa Farias, Manoel Barreto Diniz, Durval de Assis e Antônio de Melo, todos foram presos e interrogados pelo IPM (Inquérito Policial Militar), instalado no 15º RI em João Pessoa, para investigar os atos praticados pelos que subvertessem a ordem.

Os membros do IPM faziam a investigação sobre as ações dos camponeses e prendiam os lideres.

Era um grupo formado por militares que após as investigações preparava relatório sobre os acusados e fornecia a justiça, geralmente nessas investigações eram colhidos depoimentos pré-fabricados, de pessoas inescrupulosas que em troca de dinheiro, depunham contra os camponeses e suas lideranças. (RAMOS 1993:113)

As lideranças tinham importância fundamental na organização do movimento, mas, nas atividades práticas, os próprios camponeses se organizavam sob orientação do delegado em cada fazenda.

Tinha sede em Mamanguape, as reuniões era por semana. Eu tava trabaiano no engenho de Itapicirica, Domico chegou, mandou parar tudo (parou) Parou, dizia pra todo mundo tirar carteira, pra arrumar terra pra trabaiá, (José Inácio Alves da Silva, ex-funcionário do engenho Itapicirica e cortador de cana da Usina Monte Alegre). Depoimento cedido ao autor em 24 de janeiro de 2003.

Tanto os trabalhadores da indústria (engenho) quanto os moradores agricultores estavam engajados na luta, que no município reivindicavam direitos trabalhistas e Reforma Agrária.

Os delegados tinham grande poder de convencimento e de articulação, a ponto de organizarem-se em mutirões e reunir grande número de agricultores para, cada dia de mutirão deixar pronto um roçado para uma família, apesar de toda perseguição que havia para acabar com a prática do mutirão.

Foi, apanharo que só a mulesta, foi um carro lotadim pra Sapé. Foi no tempo do coroné Luiz de Barros, joventino levou uma pisa, mas ainda tá vivo, outros desertaram pro Rio de Janeiro. Mané Severo ainda tá vivo, ele veio escondido mais eu pra num apanhar. Foram tudim botar um roçado, telefonaro pra puliça, quem veio pela estrada foi preso tudim, quem entrou dentro do mato, escapou. (Oliveiros Antônio do Nascimento, ex-agricultor na Fazenda Itapicirica). Depoimento cedido ao autor em 25 de janeiro de 2003.

Quando havia resistência por parte dos trabalhadores rurais em se associar e participar da reunião e, de nenhuma forma ele se convencia da necessidade de sua participação, para forçar esse agricultor a participar, era usado o chocalho, ou seja, ele era levado até à reunião e na presença da multidão colocava-se um chocalho em seu pescoço, esse ato, fez com que muitos agricultores se comprometessem com a luta, pois não era apenas o enchocalhamento, mas na hora da assembléia o orador procurava expor as conquistas alcançadas pela organização dos camponeses e a necessidade de fortalecer para que nenhum camponês ficasse de fora do movimento, que a situação de exploração era sobre todos. Muitos depois de enchocalhados se tornaram atuantes e até lideranças. (LEMOS, 1996:74)

Talvez essa forma de conquistar militantes para ampliar os quadros, tenha sido a pior forma. Pois o agricultor, que vivia oprimido na fazenda, quando oferecia resistência, em participação do movimento não significava, que ele não quisesse a transformação, a liberdade, mas a ação de um homem que sempre teve quem decidisse por ele, o que devia plantar, colher, um homem que ao reagir ao sistema, era ameaçado de ser expulso com a família. Se ele sofria ameaças do lado opressor, jamais devia sofrer qualquer tipo de ameaça do lado que se propunha a libertá-lo. O que faltava aos submissos era a consciência plena dos seus direitos, do direito coletivo de acesso à terra e o que faltou ao movimento foi o investimento em formação política para as bases. Segundo (FREIRE, 1987:32) a formação do oprimido deve ser construída com ele e não para ele, para que a opressão das causas seja objeto de reflexão e o oprimido não carregue consigo heranças do opressor.

É que, quase sempre, num primeiro momento deste descobrimento, os oprimidos, em vez de buscar a libertação na luta e por ela, tendem a ser opressores também ou subopressores.

A estrutura de seu pensar se encontra condicionada pela contradição vivida na situação concreta, existencial, em que se formam. (FREIRE, 1987:32)

Segundo depoimento de ex-agricultor o método utilizado, na conquista dos militantes, era o chocalho.

No princípio começou até bom, mais o povo se adiantou demais. Quando se juntava pra fazer um roçado ia 60,70,80…, quem não fosse era mode os outros botar um chucai… (Oliveiros Antônio do Nascimento, ex-agricultor na fazenda de Itapicirica) Depoimento cedido ao autor em 25 de janeiro de 2003.

Na área canavieira do município o movimento era pela conquista dos direitos trabalhistas, pois os trabalhadores, além de receberem salário muito baixo, não tinham sequer carteira assinada.

Naquela época eu trabaiava na diária prantano cana, trabaiva crandestino, eu trabaiei vinte e dois anos crandestino. (José Inácio Alves da Silva ex-funcionário do engenho de Itapicirica e cortador de cana da Usina Monte Alegre). Depoimento cedido ao autor em 24 de janeiro de 2003.

Devido ao fato de os trabalhadores não terem a carteira de trabalho assinada, e sem acesso a terra, Mamanguape, apesar de ser uma cidade pequena, que não oferece condições de sobrevivência na zona urbana, tem atualmente cerca de 80% (IBGE, 2000) de sua população residindo na cidade e um índice alto de idosos que não têm direito sequer a aposentadoria, por não ter contribuído para a previdência social e nem provar que foi assalariado. Hoje se percebe claramente o atraso econômico de Mamanguape, por causa de uma ou duas oligarquias que apesar de serem considerados progressistas controlaram a economia e a política local por mais de quatro décadas.

Alcance e Limites da Liga de Mamanguape, conquistas e repercussão.

A Liga Camponesa de Mamanguape conseguiu se expandir em todo o município graças à organização nas maiores fazendas, ao trabalho de organização feito pelas lideranças em cada fazenda e também ao apoio dado pela Federação das Ligas Camponesas da Paraíba, por várias vezes os trabalhadores rurais de Mamanguape receberam a visita de Assis Lemos e de Elizabete Teixeira, lideranças do movimento.

O maior latifúndio da Região pertencia a Companhia de tecidos Rio Tinto, da família Lundgren compreendia todo o município de Rio Tinto e metade do município de Mamanguape (incluso os municípios atualmente emancipados).

Em todas as fazendas pertencentes ao grupo Lundgren, a relação de trabalho era de exploração, do agricultor, que era obrigado a pagar o cambão e pagar foro de todos os animais que criasse.

Todas as pessoas da família, que tivessem acima de 18 anos, eram obrigados a trabalhar um dia de graça para o proprietário e o agricultor era proibido de cultivar qualquer tipo de lavoura permanente, só era permitido plantar lavoura de subsistência, de colheita rápida como milho, feijão, mandioca, nem inhame era permitido.

Segundo depoimento de pessoas que vivenciaram o período nos relata que:

Nenhum morador podia plantar uma toceira de cana, meu pai plantou, eles vieram e arrancaram, só plantava coisas que saía logo. Só depois da revolução é que pai plantou bananeira, coqueiro, laranjeira. E tinha uma coisa, morava em casa de paia, da porta de vara, de dia o home trabaiava de noite, ficava atucaiano o gado pra não cumer a paia da casa, porque ninguém pudia cercar a casa. Panhar capim ninguém pudia, pai panhou um mói de capim, o vigia mandou deixar o capim, a navaia, deixar tudo. Trabaiava o dia todim e não pudia cortar uma cana pra chupar, se o freguêi chupasse uma cana, trabaiava um dia todim pra pagar a cana que chupou, e não trabaiava perto de casa mão, trabaiva longe. Meio mundo de mínimo e num tinha direito de chupar uma laranja. (seu Arnóbio morador de Itapicirica). Depoimento cedido ao autor em 26 de janeiro de 2003.

As limitações dos camponeses em se organizarem eram grandes, pois tratava-se de uma classe composta em sua maioria de analfabetos, com pouca capacidade de argumentação contra o sistema político, pois a consciência do trabalhador rural era de trabalhar para sustentar a família, por isso a conscientização e organização ficava reduzida a um pequeno grupo. Era necessário um poder muito forte de convencimento, se não muitos agricultores se posicionavam contra o movimento, quando isso ocorria, ai acontecia a ameaça do chocalho.

Mas os agricultores que se recusavam de participar não eram simplesmente por não simpatizarem com o movimento, pois todo agricultor desejava deixar de ser dependente, queria deixar de pagar o cambão, queria ter sua terra para plantar o que quisesse, mas por medo de sofrer espancamentos, prisão, ter a lavoura destruída ou ser expulso da terra, pois era isso que acontecia aos que desafiavam a ganância dos latifundiários, que começou perseguindo as lideranças, mas, na medida que o movimento ia crescendo, as perseguições iam se ampliando e alcançando os associados. Esse depoimento representa minha observação.

Mandavam chamar a polícia para afastar o povo era da vez que acontecia as surras.(Maria da Gloria Celestino Silva, agricultora na comunidade de Itapicirica). Depoimento cedido ao autor em 26 de janeiro de 2003.

Apesar de toda ação repressora, o movimento se fortaleceu e avançou em conquistas muito importantes.

Logo que surgiu o movimento, foi uma conquista, o alcance num curto período, de grande repercussão do movimento, conseguir com que mais de 10 mil camponeses se associassem e lutassem contra a exploração, que lhes abatiam. Conquistas vieram, através da resistência dos trabalhadores rurais. Foi eliminado o cambão, em 1964 o foro também foi eliminado e os moradores ficaram morando e trabalhando na fazenda, em 1966 todos as terras que pertenciam à Companhia de Tecidos Rio Tinto, situadas no município de Mamanguape foram desapropriadas. (PIC – Rio Tinto, 1966:1)

As principais conquistas foram: a desapropriação. O único objetivo era esse, terra pra trabalhar, acabar o cambão e a diária. As propriedades que foram desapropriadas no tempo, já tava nesse regime, ninguém pagava direito, nem cambão, morava na terra, de graça, já tava no domínio do INCRA, mas não tinha dividido ainda. A desapropriação foi em 73 ou 74, foi quando cada um soube onde ia ficar. (Maria da Glória Celestino da Silva). Depoimento cedido ao autor em 26 de janeiro de 2003.

Foram desapropriadas partes das terras, pertencentes à companhia de Tecido Rio Tinto, onde foram assentadas 1.062 famílias, cada família recebeu lote, entre dezoito e trinta e cinco hectares.

O projeto de assentamento era denominado PIC – Rio Tinto (Projeto Integrado de Colonização – Rio Tinto), a área desapropriada corresponde a 18.742 hectares.

De acordo com as informações fornecidas por um agricultor residente em Itapicirica, o PIC era um projeto de colonização que vinha acompanhado de toda assistência e estrutura aos camponeses como: tratores de pneu e de esteira, para o cultivo da terra e abertura de estradas, caminhões e caminhonetes para o transporte da produção, ônibus para o transporte das pessoas, postos de assistência médica e odontológica, assistência técnica, sementes, crédito motor pra irrigação e até linha telefônica comunitária. Instalou-se um escritório do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) para prestar assistência e fiscalizar.

Itapicirica recebeu toda essa estrutura onde foi criada uma cooperativa agrícola que atuava em todas as áreas desapropriadas, oferecendo assistência técnica, máquinas, crédito e comercialização, principalmente da cana-de-açúcar.

O município de Mamanguape sofreu uma transformação econômica muito intensa, os camponeses tiveram grande melhoria com boas condições de alimentação, saúde e educação graças à organização e a luta para conseguir um pedaço de terra para dele tirar seu sustento.

Ai o INCRA chegou, a gente era cativo pegava de três horas da madrugada, até no domingo, o INCRA chegou, trouxe liberdade, trouxe semente de arroz, de feijão, milho, dava máquinas, herbicidas pra combater pragas, lagarta, formiga, só tinha retorno, as sementes, trouxe motor de irrigação, ninguém pagava nada, eles davam até o óleo. Tinha assistência técnica, todo dia o agrônomo passava no roçado. Tinha dia que um camponês tirava carrada de mercadorias pra vender em Natal ou Recife, do que apurava pagava 5% para a cooperativa e 17% de imposto, só do arroz.

Agora quem trouxe isso tudim foi a revolução de 64, fale quem quiser, porque tem gente que não agradece. (Seu Arnóbio, agricultor na comunidade de Itapicirica) Depoimento cedido ao autor em 26 de janeiro de 2003.

Um fato curioso é que até a natureza deu sua contribuição para a vitória dos camponeses de Itapicirica. Foi em 1964, o Rio Mamanguape deu uma grande enchente.

Na época nenhum camponês tinha semente de cana ou banana pra plantar, pois tudo isso era proibido aos camponeses pelos proprietários, só que, com a enchente, o Rio arrancou grandes plantios de cana, da usina Monte Alegre e dos engenhos da região do brejo, situados na bacia do Mamanguape, arrancou também muita fiação de bananeira e depositou tudo numa extensa várzea em Itapicirica. Com essas sementes, cada agricultor plantou cerca de 5 hectares de cana e de banana. Veio duas coisas boas em 64, a cheia e a revolução. (Seu Arnóbio). Depoimento cedido ao autor em 25 de janeiro de 2003.

O movimento teve grande repercussão, tanto local como em nível nacional, despertou toda a sociedade para o problema da terra.

Antes do golpe militar de 1964, o movimento pela terra, teve adesão da grande massa camponesa tanto dos sem terra, quanto dos pequenos proprietários que dependiam de arrendamentos para tirar seu sustento, dos estudantes que apoiavam os trabalhadores rurais, a UNE (União Nacional dos Estudantes), com representações nos estados teve fundamental importância na organização de manifestações urbanas, eram os estudantes quem conseguiam levar grandes massas urbanas às ruas, em apoio aos trabalhadores rurais. Um exemplo desse apoio ficou provado na manifestação de 1º maio de 1962 em João Pessoa, em que participaram 40 mil pessoas, sendo 20 mil pessoas do campo e 20 mil da cidade (LEMOS, 1996:81).

Amplos setores da imprensa também não hesitavam em se manifestar contra as atrocidades praticadas pelos fazendeiros, também houve mobilização nas Assembléias Estaduais, na Câmara Federal e no Senado, em que deputados e senadores progressistas lutaram fortemente pela Reforma Agrária e foram combatidos pelos políticos reacionários.

Graças a toda mobilização e organização dos agricultores, que conseguiram mobilizar a sociedade, em torno da questão agrária.

Em 1964 com o objetivo de acalmar o movimento revolucionário do campo, foi aprovado pelo o Estatuto da Terra, que, teoricamente é considerado um avanço, por considerar que a terra tem função social; fazer a classificação da terra em quatro categorias (latifúndios por extensão, latifúndio por exploração, minifúndio e empresa Rural); criou o ITR (Imposto Territorial Rural); criou um órgão responsável para fazer a reforma agrária (INCRA) e autorizou a desapropriação das terras improdutivas (terras não cultivadas) em conflito. Embora, considerado um avanço, na prática o Estatuto da Terra serviu para desmobilizar o movimento dos trabalhadores rurais, pois, ao mesmo tempo em que o estatuto autoriza a desapropriação, o governo militar oficializa a repressão a qualquer movimento que lutasse por reforma agrária e, criava programas de incentivo restrito às empresas rurais que se instalassem no Brasil para modernizar a produção para o mercado externo.

Em Mamanguape, o movimento seguia a orientação da Federação das Ligas Camponesas da Paraíba, que tinha como objetivo, a eliminação das relações de exploração do trabalhador rural e a desapropriação das terras já cultivadas pelos agricultores. Esses objetivos eram comuns em todas as ligas da Paraíba, mas a nível nacional, havia já uma forte divergência entre Francisco Julião e a ULTAB (União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil), pois Julião organizou um movimento de guerrilha, com o objetivo de promover a Reforma Agrária através da luta armada, que tinha como tema, Reforma Agrária na lei ou na Marra.

Na Paraíba, depois da morte de João Pedro Teixeira, Elizabete Teixeira, segue a orientação de Julião, então acontece também divergência entre Elizabete e Assis Lemos. Essa divergência se fortaleceu em 1962, quando Assis Lemos e Elizabete se candidataram para concorrer a vaga de deputado estadual e, os dois tinham como base eleitoral, a região de Sapé.

Em 1963 o presidente João Goulart sancionou a lei que ampliava os direitos sociais sobre os trabalhadores do campo (Estatuto do Trabalhador Rural) e regulamentou a sindicalização dos camponeses, ai várias Ligas Camponesas se transformaram em sindicatos, inclusive Sapé e Mamanguape. Apesar da liga de Mamanguape ter se transformado em sindicato, o movimento pela desapropriação continuou até 1966, quando foram desapropriadas as terras pertencentes à família Lundgren, através do decreto de desapropriação, 58.160 de 06 de abril de 1966. Depois da divergência com Assis Lemos, Elizabete foi eleita presidente da Federação das ligas da Paraíba e exerceu grande influência entre os trabalhadores rurais de Sapé e Mamanguape.

Aqui tinha um bucado de associado, quando dizia: Tem reunião das ligas, era muita gente passando por aqui. Quando vinha gente importante, vinha Assis Lemos, depois vinha Elizabete, ela veio muitas vezes aqui (Maria da Glória Celestino da Silva, agricultora na comunidade de Itapicirica). Depoimento cedido ao autor em 26 de janeiro de 2003.

Com a deflagração do golpe militar em 1º de Abril de 1964 foram presas as principais lideranças das Ligas Camponesas e foi montado um grande esquema repressivo contra o movimento.

Outras lideranças que não foram, presas, fugiram, ficando o movimento sem articulação e sem direcionamento e os camponeses ficaram dependendo apenas da boa vontade da classe golpista.

Foram duas, as formas desmobilizar a luta de Reforma Agrária: a repressão e o Estatuto da Terra, pois, apesar desse estatuto ser considerado um avanço a Reforma Agrária de fato não aconteceu, uma prova disso é o latifúndio da Companhia de Tecidos Rio Tinto, que possui 57.200 hectares e só foram desapropriadas 32% da área, devendo-se considerar que esse imóvel pertencia a uma indústria de tecidos, que fazia uso da terra apenas na implantação de suas instalações na cidade de Rio Tinto.

Fonte: www.conhecimentosgerais.com.br/EncBrasil/www.encyclopedia.com/www.cchla.ufpb.br

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Um comentário

  1. MEU AVÓ PARTICIPOU DESSE MOVIMENTO E MINHA MÃE ATÉ HOJE CONTA ALGUMAS HISTÓRIAS DESSA ÉPOCA

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