Magnatas do Tráfico Negreiro

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Magnatas do Tráfico Negreiro – História do Brasil

Abstraindo-se a elevada porcentagem de navios em poder dos homens da nação hebreia, seria impossível no tráfico (negreiro).

De meados do século XVII em diante os grandes veleiros da época passaram a alojar homens, mulheres e crianças em distintos patamares. Assim, na seção inferior do navio, ficavam os moleques, os rapazes e os machos adultos; no repartimento intermediário, as mulheres, e no superior, em divisões apartadas, as grávidas e as crianças menores. Os espaços restantes, anexos aos costados da proa e da popa, eram reservados exclusivamente para as sentinelas e para as utilidades, respectivamente. Guardas, em todos os casos, vigiavam durante a noite impondo a disciplina.

Sabe-se, igualmente, que os cativos viajavam assentados em filas paralelas, de uma à outra extremidade de cada cobertura. Ao se deitarem para dormir, curvavam-se para trás, depondo a cabeça sobre o colo dos que os seguiam imediatamente. É a isso, portanto, que certos missivistas aludem ao afirmarem que os negros navegavam amontoados uns por cima dos outros.

Os esforços no sentido de obter “peças de escravos”, selecioná-las por estatura, idade, sexo e vigor, marcá-las com o ferrete e mantê-las com saúde até aos embarques via Novo Mundo. Na marcação das “peças”, como se tratasse de animais ou de simples objetos, juntavam-lhe primeiro com sebo o local a receber o ferrete, geralmente no braço, no estômago e mesmo no rosto.

Para marranos e cristãos-novos o ato poderia comparar-se ao dos antigos hebreus, os quais furavam uma das orelhas ao escravo e nela punham minúscula argola de metal como prova de senhorio.

O que interessava (para os judeus) era o montante de “produtos” (negros) carregados… Nada menos que três naus conduziram cada uma acima de 1000 cabeças. Só a de nome Na. Sra. do Popolo levou 1079.

Mas as desvantagens também se fizeram sentir, porque o veículo (navio) ficou mais pesado, menos controlável, menos obediente ao leme, mais sujeito aos vendavais e mais atingível pelos corsários.

Nestas ocasiões imprevisíveis, o recurso consistia em atirar ao oceano valiosas porções do carregamento (dos escravos).

Somente João Soeiro empregava no tráfico legal, como no sub-reptício, mais de 30 navios transportadores.

Magnatas do Tráfico Negreiro
Para economia de espaço os negros eram transportados sentados

Quando, há alguns anos, cursávamos História da América, na Fac. de Fil. Ciências e Letras, da Univ. de São Paulo, veio-nos à mente a ideia de que o tráfico negreiro deveria andar nas mãos de judeus portugueses, graças a certas evidências que possuíamos. O assunto talvez comportasse uma tese de doutoramento, conforme desejávamos, e para a qual nos incentivou o mestre da disciplina acima, professor Rozendo Sampaio Garcia.

Iniciamos, então, na qualidade de aluno ainda, as primeiras leituras e as pesquisas em demanda do nosso objetivo. Eis porém que, ao nos defrontarmos com determinado documento originário do Conselho das Índias, mas baseado em denúncias remetidas ao rei da Espanha, tivemos que abrir um hiato a fim de buscar luzes acerca do problema sugerido pelo texto.

Dizia este que os sertanistas de São Paulo quando se apossavam dos índios paraguaios, aldeados nas “reduções” jesuíticas, lhes punham nomes do Antigo Testamento. O que, noutras palavras, significava que muitos dentre os predadores seriam da estirpe judaica, e que, além do escravismo africano, havia uma segunda corrente alimentada por cativos indígenas, e conduzida por aqueles bandeirantes.

Sendo, pois, assim, como identificar tais Indivíduos?

A tarefa se afigurava gigantesca! As barreiras pareciam inamovíveis à luz do condicionamento gerado por preconceitos e por fatores de natureza político-religiosa.

Os velhos cronistas nada informavam e nem as genealogias. As leis da Igreja se opunham ao ingresso dos neo-conversos nas Ordens espirituais e à recepção de comendas honoríficas.

O mesmo se passava quanto aos cargos públicos, exigindo-se que tanto estes como aqueles fossem portadores da legítima seiva ariana.

Por sua vez, homens ilustres, a exemplo de Taunay, admitiam que, se houve cristãos-novos e marranos na capitania de São Vicente, o montante seria bem inferior relativamente a Pernambuco e à Bahia. Mas, uma coisa era a teoria, e outra, a realidade objetiva, segundo comprovamos depois.

Fomos tão longe no sentido de esclarecer o problema relativo aos sertanistas de São Paulo, que, afinal, resultou uma tese assaz diferente daquela proconcebida ao iniciarmos os estudos. E, assim, surgiu a nossa primeira obra intitulada Cristãos-Novos, Jesuítas e Inquisição.

* Anos depois veio a lume a segunda, com o objetivo de lhe dar continuidade sob a epígrafe de Os Cristãos-Novos: Povoamento e Conquista do Solo Brasileiro (1530-1680). * Uma terceira, denominada Os Cristãos-Novos e o Comercio no Atlântico Meridional, ** abrangendo a mesma fase histórica, realçou ainda mais o quadro há tanto imaginado. O tempo decorreu, mas, por detrás do novo tema, que agora se enfoca, tínhamos realizado três extenuantes viagens a Portugal à procura de documentos alusivos à questão em apreço.

Por conseguinte, somente depois disso nos foi possível regressar ao ponto de partida. No Interregno a nossa visão acerca dos judeus sefardins se ampliou consideravelmente.

Granjeamos uma experiência sobremodo valiosa. A documentação que obtivemos com vistas ao tráfico negreiro nos permite, assim, oferecer aos estudiosos novas perspectivas quanto à matéria.

Com grande surpresa chegamos à conclusão de que os judeus ibéricos foram os principais detentores do comércio negreiro, e mais: que um clã, ligado por interesses econômicos, quando não também por laços sanguíneos, o explorou largamente. De modo que, afora isso, o tráfico seria quase impossível, assim como a colonização do Brasil e da América Espanhola, por falta de outros mercadores habilitados, carência de embarcações, escassez de povoadores brancos e de obreiros que se sujeitassem a trabalhos servis, a exemplo dos exigidos pela indústria açucareira e pelo entabulamento das jazidas mineralógicas.

O escravismo constituiu-se, pois, em fator de suma importância para a economia ibero-americana, porquanto canalizou recursos para os cofres de Portugal e da Espanha; imprimiu vida às minas do México e do Peru: incrementou e manteve durante século e meio, pelo menos, a monocultura canavieira do Brasil; animou a imigração para o Novo Mundo em virtude das alvissareiras condições que ia propiciando. Ouro, prata, açúcar, plantas tintoriais, marfim, e outras espécies, influíram eficazmente desde essa ocasião no comércio mundial. O Atlântico Sul se agigantou.

Nossa preocupação concentrou-se nos dois primeiros séculos dos tempos modernos, mas, de maneira particular, no XVII, em que o assunto é pouco ventilado ainda hoje. Quase nada se escreveu, por exemplo, acerca da transferência dos direitos peculiares à Coroa lusitana para as mãos dos escravistas e nem sobre a forma pela qual o tráfico era conduzido, limitando-se os autores a narrar o que se passava entre a África e a América.

Muitos jamais trouxeram a lume o fato de que a política monopolista do Governo também abrangia o setor negreiro desde as fontes de suprimento até às áreas de importação.

É preciso, outrossim, levar em conta, que o escravismo assumiu diferentes aspectos no decorrer dos anos. Foi um até fins da Idade Média, mas depois, os descobrimentos marítimos e a consequente ocupação de novas terras, nas margens opostas do Atlântico Sul, deram-lhe outro caráter.

Nem a modalidade que vigeu no XVII se pode equiparar à predominante no século anterior, ou do subsequente, quando o ouro do Brasil ponderou na economia europeia. Monocultura canavieira, exploração mineralógica, cultivo de cafezais, cada qual teve o seu regime peculiar.

Se, porém, quisermos encontrar a estrutura funcional do tráfico negreiro em sua totalidade, devemos buscá-la no século XVI, ao término das últimas décadas.

A partir daí ela pouco se inovou quanto ao duplo objetivo de atender ao Brasil e às Índias de Castela. Eis por que, para compreender razoavelmente o fluxo escravista no período alusivo às Minas Gerais, no século XVIII, mister se faz ligá-lo às fases antecedentes. O mesmo, contudo, não se passou quanto s possessões de Castela, visto que os portugueses haviam sido ultrapassados pelos fornecedores ingleses, holandeses e franceses.

No caso das Índias Ocidentais e Rio da Prata verifica-se que o tráfico guarda certa semelhança com o destinado ao Brasil durante a união das duas Coroas ibéricas (1580-1640), dadas as afinidades políticas entre ambas, à contiguidade geográfica e aos respectivos interesses econômicos. Mas as diferenças também existiram, conforme viremos a demonstrar trazendo à cena os contratos afro-brasileiros e os “asientos” afro-indianos. A documentação sobre esta matéria é abundante, o que, todavia, de par com o escopo da presente obra, nos obriga a usá-la apenas de maneira parcial.

Quanto à América portuguesa não é menos farta a messe de textos, sobretudo manuscritos, os quais ainda jazem mal explorados. Os escritores têm-se preocupado mais com os dois últimos séculos da escravidão, olvidando, talvez, que os anteriores são bastante significativos para a História, para a Sociologia, para a Economia e para a Ciência Política, e deveras necessários à boa compreensão do assunto.

Em nosso estudo demos preferência às fontes originais, e em especial àquelas ainda mal conhecidas, a exemplo dos contratos de arrendamento, os quais, via de regra, incluíam outros monopólios de menor importância conforme as áreas abrangidas. É o caso relativo aos estanques do ferro, do marfim e da urzela.

Nessa trama toda, como não poderia deixar de ser, foi notável o papel desempenhado pelos hebreus portugueses. Afeitos às atividades econômicas na Ibéria medieval, integraram-se também nos empreendimentos de ultramar, sem excluir o tráfico de escravos, a produção e o comércio do açúcar, a cobrança dos dízimos e das taxas alfandegárias, e assim por diante.

Tivemos, por conseguinte, de efetuar o levantamento nominal dos principais traficantes e de estabelecer-lhes a identificação sanguínea, isto é, se arianos ou semitas, cristãos da velha etnia ou judeus sefardins. E, para tanto, recorremos aos arquivos do Santo Ofício, às chancelarias reais, aos documentos alusivos as Companhias de Comércio, às fontes de origem colonial, e, por fim, às genealogias, procurando deslindar os laços familiares, esgalhados não raro em direitura França, à Itália, aos Países-Baixos, à Inglaterra, à África e aos demais continentes.

Tal relacionamento explicaria o seu predomínio nos intercâmbios comerciais da Península com o exterior, e isso os colocava a cavaleiro no tráfico de escravos graças às mercadorias que recebiam de fora e que destinavam aos escambos onde fosse aconselhável. Como ninguém, os judeus ibéricos dispunham de créditos lá fora, só possíveis a reduzido número de negociantes da velha etnia cristã.

Longe de nós a pretensão de originalidade no tratamento dispensado ao tema proposto. Queremos apenas esclarecer melhor certos aspectos da matéria em apreço e também mostrar alguns pontos olvidados até agora.

Chamamos a atenção especialmente para a maneira controvertida acerca do procedimento para com os escravos a bordo; o problema dos transportes entre a África, Brasil e Índias de Castela; a questão dos lucros auferidos pelos traficantes negreiros. Além de outros considerados.

Agora, conheçamos bem de perto os grandes escravistas do tráfico negreiro nos seus primórdios.

* Publicados pela Livraria Pioneira Editora, em co-edição com a EDUSP.
** 
Idem, em co-edição com INL/MEC.

As Raízes do Monopolismo Escravista

Magnatas do Tráfico Negreiro

O sistema de monopólios adotado pela coroa portuguesa nasceu com a primeira monarquia e se aprofundou nas seguintes. Era óbvio que assim fosse, em virtude dos bens e dos direitos inerentes à mesma desde a fundação da Nacionalidade, e acrescidos de outros no decurso dos anos por despojos de guerra, por compra, por confiscos e pela incorporação de herdades sem descendentes. Neles estavam compreendidos, além de imóveis, os portos, os rios, os minérios, as salinas, as estradas e certos produtos ainda que originários de áreas alheias à Coroa. E daí a faculdade de explorá-los a seu talante, diretamente ou não. Podia, também, cobrar as portagens (alfândegas e portos secos), as alcavalas, as sisas, as dízimas e outros Impostos e taxas. Tais rendas constituíam as fontes de receita.

De par com esse processo, o Príncipe governante tornou-se “ipso-facto” o agente e defensor da “república”, cabendo-lhe o dever de administrá-la com acerto em beneficio do povo.

Coletores de tributos e regulamentos surgem em consonância. A máquina fazendária se complica à medida que o Governo por último abraça o mercantilismo. D. Manuel foi o exemplo do soberano-mercador.

No seu reinado o Código Afonsino é adaptado às condições vigentes na época (1514; 1521), e, de igual modo, vêm a público em 1516 o Regimento e as Ordenações da Fazenda, todos com vistas aos interesses da Coroa.

Esta última, todavia, passou gradativamente a ceder a terceiros, por determinado tempo, e mediante uma remuneração, certas áreas e funções inerentes ao patrimônio régio. O pagamento, total ou parcial, efetuava-se, via de regra, em espécie, mas, a partir do século XIII, também na forma de pecúnia, graças ao desenvolvimento do meio circulante, de par com o dos negócios.

Perfilam, então, no rol dos arrendatários, enfiteutas, foristas ou aprazadores, indivíduos da estirpe judaica relacionados com a florescente classe da burguesia. Eles não se atêm à simples atividade mercantil, mas adotam outros tipos de transações, como a usura, a arrecadação de impostos, o meneio de bens imóveis, e assim por diante. Enquanto isso, os demais habitantes, entregues à agricultura, ao artesanato e a trabalhos marítimos, desprezam o ramo dos negócios; aliás, em sintonia com a Igreja, a qual levantava barreiras às composições lucrativas.

É notória a ascendência comercial e financeira dos hebreus sefardins nos reinados de D. Sancho II (1223-1247) e seguintes, até ao de Afonso V (1438-1481), quando gozam de certa liberdade, têm a proteção dos monarcas e inclusive atingem posições de destaque junto aos mesmos. E, se acaso, os súdítos cristãos erguerem queixas, fruto de ciúmes, antes que de incompatibilidades étnicas ou religiosas, os reis geralmente se fazem de surdos e não as ouvem.

Assim, pois, o clero, a fidalguia e a Coroa utilizam os serviços dos referidos hebreus, confiando-lhes a administração dos bens, arrendando-lhes propriedades e direitos, socorrendo-se de seus ofícios, tomando empréstimos e efetuando outras transações.

Uma evidência acha-se precisamente no Código Afonsino, livro II, titº 68, através do qual se vê que eles costumavam arrendar para si as dízimas, as ofertas e esmolas das igrejas, conventos e capelas, recolhendo-as, inclusive, no horário das rezas. Logo mais, e eis que também adentram o comércio ultramarino. Por volta de 1472, junto com mercadores genoveses, monopolizam o açúcar da Madeira. É comum encontrá-los, outrossim, associados com estrangeiros da estirpe dos Afaitati, dos Di Nigro e de tantos mais.

Ao tempo de el-rei D. João II (1481-1495), quando a expansão marítima toma vulto, o quadro é bem sintomático. Ao redor do Trono postulam médicos ilustres, matemáticos, cosmógrafos e contratadores.

Na verdade, as Cortes de Évora, em 1490, procuraram atalhar o que julgavam ser um mal, ou seja, a ocupação dos judeus nos cargos públicos e nos arrendamentos. E não era para menos, pois até há pouco detinham também sob o seu controle as rendas dos mestrados das Ordens Honoríficas, coisa por demais estranha, visto o caráter religioso peculiar às mesmas. Desatendeu o monarca à exigência, alegando inexistirem melhores rendeiros. Entretanto, nos anos futuros revelou-se avesso para com os dessa progênie, ao contrário do sucessor, D. Manuel, o qual lhes foi bastante simpático, a ponto de o apelidarem “El-rei judeu”.

Entrementes o Atlântico Sul cai sob o domínio de Portugal. Por direito de descobrimento e de conquista, assegurado por bulas papais e pelo Tratado de Tordesilhas, o oceano e as terras circunjacentes pertencem à Coroa. E, assim, pode servir-se deles como quiser, explorando-os por si ou por intermediários devidamente autorizados. Recorre, então, a contratos, pela maneira como vinha procedendo noutros casos até aí. Nunca, porém, abre mão da soberania sobre os mesmos. Mantém o exclusivismo. Monopólios, estancos, impostos e taxas são fontes de renda que o Tesouro Real explora.

Por que os Arrendamentos?

Não seria preferível que o Estado explorasse diretamente os seus próprios recursos, ao invés de cedê-los a terceiros e ainda com a desvantagem de perder somas consideráveis a favor dos contratadores?

Cremos que as circunstâncias prevalecentes no Reino, sobretudo nos tempos modernos, não permitiam outra solução aos governantes portugueses.

O patrimônio físico e os respectivos direitos eram muitos e de natureza variadíssima, mas o País não dispunha de gente bastante para atender à administração em geral, caso tivesse que utilizar apenas cristãos arianos, pois estes careciam de condições para o exercício de certas atividades, a exemplo das estritamente comerciais. A grande maioria do povo era constituída por analfabetos e sem experiência do trato mercantil.

Empregá-los equivaleria a aumentar o ônus ainda mais, a reduzir a produção e, consequentemente, também os lucros. Lembre-se que a base econômica estribara-se durante séculos no amanho do solo.

Outro fator ponderável derivava das crises intermitentes com que o Erário se debatia. O Estado, por seu espírito mercantilista, sujeitara-se às contingências do mercado internacional, e isso pesava na balança. Mas, além de tudo, os gastos com o império, manutenção e funcionalismo, absorviam considerável soma da receita. As tenças e os juros abocanhavam o restante.

E os imprevistos?

Os vedores da Fazenda viviam embaraçados. O desequilíbrio nos orçamentos anuais era cada vez maior. E, então, à falta de numerário, lançavam-se fintas, pediam-se donativos e empréstimos, ao passo que os arrendamentos continuavam sempre na ordem do dia, sob a forma de monopólios ou de simples privilégios.

Este negócio convinha à Coroa por diversas razões. Primeiro porque os bens e os direitos deixavam de ser estáticos e se tornavam dinâmicos, geradores de receita e de trabalho. Segundo, porque movimentavam o comércio e ofereciam recursos à Fazenda. Em terceiro lugar, porque a Coroa, embora tivesse que efetuar gastos com a manutenção de feitorias, no caso da África, ou com a administração oficial no Brasil, os dispêndios eram mínimos, relativamente ao que devia receber dos contratos. Noutras palavras, explorava o patrimônio com o desembolso de parcas quantias.

Os créditos prefixados a favor da Coroa revertiam aos cofres públicos em prestações ou de uma vez. O sistema também lhe facultava conservar a supremacia original, fiscalizar a execução dos contratos e manter a autoridade sobre os territórios dominados.

No caso das possessões ultramarinas, servia de instrumento para suprir os colonos daqueles artigos que lhes eram indispensáveis, pois o contratador ocupava-se necessariamente da mercancia. Sucedia, ainda, por seu intermédio, o pagamento de 1% para as chamadas “obras pias”, tais como igrejas, capelas, conventos, manutenção de órfãos, etc., em cera, dinheiro, ou por outra forma.

O arrendatário, por sua vez, beneficiava-se de uma série de vantagens, dentre a quais a de representar a Coroa no negócio em apreço e de usufruir a proteção da mesma enquanto vigisse o acordo.

O monopólio é dele em termos de “fideicomisso”. Pertence-lhe temporariamente, podendo explorá-lo e tirar lucros vantajosos. Não precisa temer concorrentes.

Outros interessados no ramo terão que aceitar as condições que impuser, segundo as demandas do mercado.

O privilegiado deve, contudo, oferecer os seus próprios bens em garantia, assim como os de fiadores idôneos. Se falhar nos pagamentos à Fazenda, todos sofrerão penhora ou também o encarceramento, a começar pelo contratador.

Indivíduos da estirpe hebreia prosseguiram em escala ascendente após a Idade Média a monopolizar os tratos da Coroa. Os descobrimentos marítimos apanharam-nos já envolvidos no mercantilismo e, então, aproveitaram-se das oportunidades que se entreabriram. Os novos arrendamentos lhe aguçaram a ambição, mais do que os antigos.

Houve ainda ao tempo do Venturoso tentativas no sentido de abolir tal sistema, de modo a que tudo corresse em benefício exclusivo da Fazenda.

Inexistindo, porém, as desejadas condições, voltou-se atrás no ano de 1516, e aos cristãos-novos se facultou o privilégio que vinham usufruindo.

E mais: D. Manuel fez o possível para retê-los no País, visto considerá-los úteis à nação.

Os Arrendamentos no Século XVI

De fato, já no início do reinado manuelino os hebreus detinham uma boa soma de contratos. Entre estes, os das alfândegas, o do suprimento de cereais, os das sisas do pescado e os da madeira.

A figura central a destacar-se na ocasião, tem por alvo o rico mercador João Rodrigues Mascarenhas, traficante de negros e cobrador de diversos impostos. É tempo de crise!

Faltam comestíveis e os preços gritam alto. O povo se revolta, desconhecendo as causas intrincadas do problema. O clamor se alastra! Lisboa, foco do trato comercial, é atingida gravemente.

Centenas perecem no conflito, e um deles é o referido Mascarenhas.

Mas, não obstante, D. Manuel entrega o arrendamento de Santa Cruz (Brasil) a um consórcio de cristãos-novos encabeçado por Fernão de Noronha, diversos dos quais também exploram no momento o tráfico negreiro.

Esse mesmo soberano, a fim de proporcionar recursos ao Erário e levar adiante os negócios em que o Estado se achava metido, introduziu em 1500 os malfadados “padrões de juros”, que nada mais eram do que empréstimos de particulares Coroa. Aliás, outros governos se utilizavam de semelhante alvedrio. Sucede, todavia, que, segundo o critério manuelino, os juros, quando não também a dívida total, deviam ser amortizados ou pagos em definitivo através do produto das rendas já estabelecidas. O expediente virou costume dali por diante. D. João III, o cardeal-rei, D. Sebastião e os sucessores seguiram-lhe, todos, nas pegadas.

O Que Isso Significa?

Que, simplesmente, parte da receita deixava de ingressar nos debilitados cofres da fazenda. O gravame financeiro se desenvolve à medida que os juros ficam acumulados e novos “padrões” são oferecidos ao público, ou melhor, a burgueses da etnia hebreia. O Estado transformara-se em cliente obrigatório dos sefardins portugueses.

Assim, pelo visto, D. João III (1521-1557) herdou um ônus pesado demais, que as riquezas da índia não conseguiam superar. Os com promissos, aliás, aumentaram porque as colônias também requeriam atenções, o Brasil notadamente, cobiçado pelos franceses. Por sua vez, as letras de câmbio, a juros, recobram impulso a partir de 1522 em virtude de transações com o exterior, e quem manobra ambas as coisas são os sefardins coadjuvados por colegas residentes nos Países-Baixos, Alemanha, França, Espanha, Itália e outras partes. A dívida flutuante como, de igual modo, a consolidada, crescem.

De 1545 a 1551 a nação sofre os impactos da crise internacional. Surgem novas fontes de receita, mas desprezam-se outras. NO entanto, a instituição do Santo Ofício em Portugal (1534), por obra de D. João III, constrangera numerosos judeus a emigrar, de sorte que o mesmo rei lamentava depois as dificuldades em achar contratadores para as rendas da Coroa.

Era chegada a vez de os corretores de Lisboa e os das praças comerciais redobrarem os esforços. A classe existia desde, pelo menos, Afonso III (1248-1279).

Desfrutam eles do reconhecimento e da proteção do Governo. Na qualidade de profissionais servem de intermediários nos negócios civis, como também nos da Coroa. Assim, oferecem mercadorias a particulares, fretam navios, legalizam papéis nas repartições, ajustam acordos ou discutem os contratos de arrendamento com as partes interessadas. Recebem uma porcentagem pelo que realizam. Os seus atos, contudo, norteiam-se por Regulamento próprio, reestruturado em 1500 por el-rei. Entre as prescrições exigidas a cada postulante estavam a leitura e o saber contas, de modo que, no geral, o oficio caia em mãos de hebreus, sempre mais dedicados às letras e aos números.

Apesar de vigiados pela Santa Inquisição, os da estirpe continuavam atuantes. O alto negócio da pimenta os atrai. João Carlos Afaitati, juntamente com os Di Nigro e os irmãos Diogo Mendes (em Antuérpia) e Francisco Mendes (em Lisboa), além de outros aliados, monopolizam a especiaria. Anos mais tarde, novo grupo, encabeçado por Tomás Ximenes (1592-1596), lidera as transações.

É o tempo em que repontam os nomes de Hector Mendes e de Jorge Roiz Solis.

São, todos eles, burgueses ricos e bem relacionados, o que os torna em condições de conduzir esse trato, aliás dos mais complexos.

Entretanto, o Erário ia-se debilitando passo a passo. Só os juros a pagar, em 1544, somavam 1.946.000 cruzados, sendo remota a possibilidade de liqüidá-los pelos meios normais. Os recursos extraordinários, sim, esses se iam perpetuando. Os cristãos-novos prosseguiam à frente dos mesmos e a dominar os contratos, incluindo os das Ilhas Adjacentes. Em 1558 o alusivo às rendas dos Açores estava em poder de Miguel Gomes Bravo, membro de uma família que se projetou nos negócios de Portugal a partir de então.

D. Sebastião e o Cardeal-rei não foram mais felizes que os anteriores.

Ao contrário: a depressão financeira se acentuou durante o governo de ambos. O primeiro esvaziou os cofres públicos e os de particulares para a campanha em África.

O segundo precisou arcar com as dívidas já acumuladas, além de se preocupar com os prisioneiros de Alcácer Quibir. A venda de títulos oficiais, quer antigos como novos, tornou-se o recurso ordinário da Fazenda.

As obrigações do Tesouro perderam o valor em ate 45%. Quem dispunha de pecúnia, tirou bons lucros da situação.

Ninguém, contudo, igualou os Filipes quanto ao recolhimento de verbas por meios extraordinários. Eles indultaram burgueses ricos, a troco dos “padrões” que lhes tomaram, conforme sucedeu a Jorge Fernandes d’Elvas e associados, praticantes de negócios ilicitos.

A custa de vultosas quantias os Habsburgos madrilenos obtiveram o perdão dos chefes da Igreja para os judeus condenados pelo Santo Ofício. Venderam prodigamente títulos da Fazenda com validade hereditária.

Aos da etnia hebréia permitiram, de igual modo, o monopólio quase absoluto dos contratos portugueses.

No referente aos “padrões”, o domínio pertence a sefardins do porte de Antônio Fernandes d’Elvas, o velho, aparentado com os Gomes d’Elvas, com os Coronel e os Ximenes. Quando faleceu, os créditos passaram aos descendentes, incluindo o genro Tomás Ximenes, mais poderoso, aliás, do que ele.

No rol dos possuidores de títulos da Fazenda Real na época, contam-se Heitor Mendes de Brito, Jorge Roiz Solis, Luís Gomes Angel, Francisco Lagarto, Diogo Roiz de Lisboa, João Soeiro, Duarte Dias Henriques, André Rodrigues de Estremós, os Castro do Rio, e tantos mais. O Erário, por conseguinte, dependia substancialmente deles, diversos dos quais andavam identificados com o tráfico negreiro.

A Situação no Século XVII

O quadro impressiona, outrossim, quanto aos demais arrendamentos da Coroa no alvorecer do século XVII. Por exemplo, as alfândegas, compreendendo os portos marítimos e os secos, já vinham sendo explorados por judeus desde a Idade Média. As mercadorias pagavam taxas à entrada e à saída. Com os descobrimentos, o comércio se expandiu, facultando maiores negócios.

Apesar das isenções e das fraudes, os contratadores obtinham bons lucros, parte dos quais iam beneficiar a Fazenda Real. As rendas marítimas andavam pela casa dos 186.500$000 rs. nos anos de 1.602 – 1.603, conjuntamente. Eram as maiores do Reino e se achavam a cargo de Manuel Gomes da Costa, Jorge Roiz Solis e Pero de Boeça. Em 1605, este concorreu sozinho à de Lisboa, tendo sido antes o agente do consórcio no Algarve.

Manuel Gomes da Costa deveria reembolsar através das verbas que fossem entrando, os créditos feitos com o provimento de doze navios da armada. Na ocasião, era contratador, também, das rendas do Consulado.

Por sua vez, a cidade de Lisboa, centro principal do comércio português, costumava negociar os direitos de el-rei. Nos anos de 1603 a 1613 o empreendimento pertencia a Fernão Lopes Lopes, pelo valor de 76.100$000 rs. Vê-lo-emos, depois a explorar os tributos do Consulado, e a partir de 1626 os do pau-brasil.

As terças, que, igualmente, constituíam valiosa fonte da receita, andavam trespassadas a judeus. Assim, em 1590, como a seguir. Em 1603 detinham-nas Luís Fernandes Monsanto e Francisco de Oliveira Paredes, à razão de 24.040$000 réis por ano. Depois, arrendou-as em nova fase, Manuel Moreno Chaves, por 21.000$000.

O Consulado, instituído em 1592, com vistas à formação de um comboio de navios, sofreu o mesmo destino. Tomou o arrendamento, de 1600 a 1608, o já conhecido Manuel Gomes da Costa, por 55.000$000 rs. ao ano. Tiveram-no, depois, Pero de Baeça e outros.

O apresto para as naus da Índia também andou em arrendamento. Elas deviam ser entregues nos estaleiros em condições de singrar os oceanos. O ressarcimento ao contratador se processava em quotas, e às vezes sob a forma de “padrões de juros”. Fato semelhante se passou com Jorge Roiz Solis, o qual, para atender quele fim, se associou a Cosmo Dias. O compromisso abrangia os anos de 1604 a 1609.

Sabe-se que, posteriormente, a Fazenda não encontrou facilidade para equipar as naus.

Cerca de 1619 surgem como fornecedores de pregaduras e âncoras à Coroa, os cristãos-novos Francisco Dias de Brito e Diogo Gomes da Costa.

No caso dos socorros ao Brasil usou-se o mesmo processo, sem excluir em tais emergências os donativos e os empréstimos.

Havia outras rendas no Reino, a exemplo das jazidas mineralógicas. As do estanho gozavam de evidência, devido ao seu emprego no fabrico de louças. De 1602 a 1606 o contrato pertenceu a Miguel Roiz de Leão, por 250$000 rs. ao ano.

Na verdade, eram tão numerosos os aprazamentos em poder dos hebreus sefardins no lustro de 1600, a ponto de causarem queixas em todo o Reino por parte das classes menos favorecidas, ao passo que, em contrapartida, a nobreza era beneficiada pela Casa Real através da redistribuição das verbas adentradas nos cofres da Nação. Alegava-se contra eles a exorbitância nos preços dos víveres, na taxação das sisas e nos tributos novos. O Santo Ofício, obviamente, referendava o clamor, de sorte que, dirigindo-se a S. Maj., solicitou-lhe rejeitasse os donativos dos referidos súditos “porque sendo eles os detentores de todo o comércio e dos contratos do Reino… fariam subir os precos para forrar o dinheiro oferecido”. Entretanto, em abril e junho de 1601 os súditos hebreus obtiveram dois alvarás permitindo-lhes sair do Reino com as famílias e bens para qualquer parte sem pedir licença e dar fianças. Pelo benefício ofertaram a el-rei 470.000 cruzados por intermédio de Jorge Rodrigues Lobo e de Rodrigo de Andrade.

Mas, fora da Metrópole, eles também dominavam os contratos da Fazenda Real, assim como o tráfico de mercadorias e de escravos. Senão, vejamos em resumo.

No mesmo quinquênio de 1600, auferiam os direitos dos seguintes monopólios: da África, o consórcio de Manuel Gomes d’Elvas (1599-1605); o provimento das forças em Ceuta e Tânger corria através de Jorge Roiz da Costa as rendas dos Açores estavam em mãos do contratador Gabriel Ribeiro por 40.000$000 ao ano, e depois sob as de Antônio Caldeira, filho do traficante negreiro Manuel Caldeira; as da Madeira, de 1602 a 1608, foram cedidas a Francisco Roiz Vitória, ao preço de 21.400$000 por ano; as de Barlavento a Simão Roiz Mantua, de 1602 a 1606.

O Brasil não escapou. O arrendamento dos dízimas foi sempre o mais cobiçado. Tomou-o, primeiro, Bento Dias de Santiago, seguido por Gabriel Ribeiro da Costa. E assim, durante todo o século XVII, correu quase sempre pelas mãos de indivíduos da estirpe hebreia.

O pau-brasil abrira o precedente43. O tabaco deu continuidade à rotina, o qual, do uso terapêutico, converteu-se em vício, e participou largamente no escambo de escravos. O primeiro contrato valeu 40$000 por um ano, mas foi subindo sempre. Em 1640 passou a 10.000 cruzados. Em 1698 alcançou 1.600.000. Nesta mesma data os seus dízimos andavam em poder de Josef Gomes da Silva, residente no Rio de Janeiro.

Os juros do “padrão” que possuía o cristão-novo Antônio da Gama Nunes eram-lhe pagos e aos herdeiros, depois, através desse monopólio.

Quanto, porém, às reclamações do povo acerca das carestias, devemos levar em conta que os judeus não eram culpados por tudo. A desenvoltura nos preços dependia de muitos fatores. Diversos contratos, ao invés de lucros, por isso mesmo, deram prejuízos aos rendeiros.

Um pouco mais, ou seja em 1612 e de novo em 1616, ordenava Filipe III à Mesa da Consciência e Ordens que não se concedessem por forma alguma os hábitos nobilitantes aos cristãos-novos, pois quantos os recebiam deixavam de ser contratadores, e isto constituía um mal para a Fazenda’. De fato, a nação carecia deles e também dos restantes mercadores, conforme a decisão sugerida em 1627, pedindo o banimento dos hebreus, salvo os do referido grupo.

Duarte Gomes Solis aventurou ir mais longe, dizendo que o rei deveria favorecê-los com honrarias e imunidades. E o apologista tinha sobejas razões. Faltava gente para o trato; as negócios com a Índia declinavam; o perdão geral em 1627 possibilitara a fuga de bons elementos para as Províncias Unidas47. Se o Santo Oficio persistisse com as suas praxes, alegavam, outrossim, os da grei sefardita, o Reino iria de mal a pior48.

Finda a vigência filipina com a ascensão ao trono, em 1640, do duque de Bragança, viu-se o novo governante em péssimas condições. Só os hebreus portugueses lhe poderiam dar ajuda, conforme os fatos demonstraram a seguir. Nas embaixadas ao estrangeiro, destacaram-se Jerônimo Nunes Santarém, Manuel da Gama de Pádua e Diogo Lopes Ulhoa; como representante da Coroa na França, Manuel Fernandes Vila Real, e na Inglaterra Manuel Rodrigues Lamego.

Agentes e financistas: na Holanda, Jerônimo Nunes da Costa e Baltazar Roiz de Matos; em Hamburgo, Duarte Nunes da Costa. Os do primeiro grupo lutaram a favor do reconhecimento da novel monarquia, ao passo que os do último adquiriram armas e navios para o Governo, o qual enfrentava os ataques de holandeses e de espanhóis.

Os suprimentos de recursos ao Algarve e à Bahia de Salvador estiveram a cargo por mais de uma vez de Duarte da Silva e de outros congêneres.

Entre os financistas salientaram-se também Francisco Botelho Chacon e Manuel Garcia Franco. Como fornecedor de trigo lembramos o nome de Simão Mendes Chacon. Contratadores das terças, Diogo Fernandes Penso e Simão Locano. Fundidor da Casa da Moeda de prata, o rico negociante Gaspar Pacheco. O tesoureiro da alfândega de Lisboa foi então Luís Mendes d’Elvas.

O estanco do vinho para o Brasil e a compra de munições para todo o Reino estava sob o cargo de Diogo Roiz de Lisboa.

A lista se alonga sobretudo após as garantias obtidas a favor dos judeus pelo padre Antônio Vieira e a conseqüente formação da Companhia Geral de Comércio do Brasil, muito embora os esforços em contrário pelo Santo Ofício.

Os inconformados católicos, obviamente, reagiram sem nada conseguir enquanto viveu o monarca. A situação só se altera a partir da Regência de D. Luísa de Gusmão.

Todavia os hebreus ainda dispõem de influências na Corte. Empréstimos, “padrões de juros” e contratos de arrendamento por gente sua figuram nos livros da Fazenda Real e nos das Chancelarias até fins do século XVII. Numerosos possuíam créditos nas tesourarias da Coroa. Uma decisão em 1672 fora inócua em pretender vedar-lhes o acesso aos contratos, assim como, anteriormente (1668), querer expulsá-los do País.

Os Cristãos-Novos e o Escravismo Africano

Ora! Se os hebreus portugueses haviam dominado os arrendamentos nas duas últimas centúrias, que razão teriam para se desinteressar dos alusivos ao tráfico de escravos? Nenhuma!

Basta lembrar que a instituição servil vicejou no Mundo Antigo e se manteve durante o Império Romano. A Igreja Cristã aceitou-a como fato normal. Os germanos e os árabes também a praticavam.

Durante a reconquista ibérica fizeram-se escravos de ambos os lados.

Este momento histórico coincide com o avanço dos portugueses rumo à África Ocidental. Sucedera antes a tomada de Arzila por Afonso V, quando 250 judeus foram levados a Portugal como escravos. Na verdade, em 1444 chegaram os primeiros escravos negros, com os quais se iniciou o tráfico. Em 1472 já se resgatavam para fora do Reino.

De 1486 a 1493 entraram 3.589 da Coroa, sem enumerar os de particulares. Milhares ficaram retidos no Pais, dada a carência de braços para a agricultura e demais afazeres. Outros mais foram destinados s Ilhas.

Aos poucos Lisboa se transformou em mercado exportador de “peças” para a Espanha e Antilhas. Depois sucedeu a indústria açucareira no Brasil.

Portugal, evidentemente, não inventou o escravismo, mas é inegável que lhe deu vigoroso impulso, por se assenhorear das fontes supridoras e por se haver entregue ao colonialismo mercantilista.

A instituição juguladora acabou triunfando! Raríssimas pessoas a condenaram. Ela já estava prescrita no Direito Romano e no Código Visigótico. Entrou, a seguir, nas Ordenações do Reino.

A Igreja fez-lhe vistas largas. O clero passou a depender do sistema. A Ordem de Cristo, por seu turno, tinha o direito de receber a vintena dos escravos procedentes da Guiné, conforme autorização subscrita por D. Manuel a 22 de fevereiro de 150251.

Os judeus ibéricos nenhum motivo acharam para menosprezar o escravismo face ao ambiente e à mentalidade em vigência na época. Os próprios ancestrais viveram sob sujeição em diversas épocas.

Ainda ao tempo de D. João II e de D. Manuel muitos o foram. Além do mais, o tráfico negreiro era um negócio como outro qualquer, e que, evidentemente, também deviam abraçar. Acrescente-se, por fim, que o comércio do açúcar corria por suas mãos em grande parte.

Mas, sem escravos, como se fariam canaviais ou trabalhariam os engenhos?

Quanto maior fosse a conjugação de ambos, maior soma haveria de negócios e maiores os lucros.

Os sefardins, por conseguinte, aliaram-se ao tráfico negreiro e o monopolizaram durante o ciclo do açúcar brasileiro, conjugando-o outrossim com a mineração hispano-americana.

Vale a pena esclarecer que o governo português correu ao encontro das aspirações alimentadas por aqueles mercadores. Entregando-lhes os contratos, mantinha abertas as rotas para o Atlântico Sul e para o Oriente, conservava as fontes supridoras de escravaria para o Reino e Colônias e de tudo obteria vantagens.

Em última análise: o escravismo era um negócio de natureza capitalista, ao alcance da burguesia sefardita. E daí, só interessar sob a forma de monopólio.

Diga-se também que ele se ligava estritamente ao sistema latifundiário, representado pela sesmaria e o seu respectivo engenho de açúcar.

O ultramar estava proibido aos estrangeiros, salvo exceções consentidas pelos monarcas. Os Filipes fecharam-no mesmo de todo aos alienígenas. Mas os cristãos-novos, por virtude do batismo e da sua condição de súditos legítimos, podiam adentrá-lo, sobretudo se fossem detentores dos contratos.

Os riscos a enfrentar no oceano e nas praças europeias, tanto quanto nas áreas do escambo, eram de vulto. Podiam os rendeiros ganhar muito ou arruinar-se.

Mas estavam dispostos a aceitá-los. O trato exigia vocação, e eles a possuíam.

Que os detentores do comércio escravista pertenciam à etnia hebreia, não resta a menor dúvida, conforme veremos ao examinar os contratos firmados com a Fazenda Real.

A sua testa surgirão nomes como os de Fernão de Noronha no século XVI, e o de Diogo da Fonseca Henriques, no fim do XVII.

Tomaremos por base, então, o texto dos referidos documentos, mal conhecidos até agora. Isto, quiçá, em razão de andarem dispersos em arquivos de Portugal e Espanha.

Felizmente coube-nos a oportunidade de encontrar quase todas essas valiosas relíquias.

E quem lucrava com tudo isso?

Todos s historiadores que tratam do assunto ressaltam que um dos principais motivos de se procurar por todas as formas justificar a liceidade ou a moralidade da escravidão foram os enormes lucros que o tráfico de escravos gerava para seus organizadores.

Gorender comenta que esse interesse econômico chegou mesmo a forjar o “estereótipo do índio incapaz”, uma vez que o índio estava mais ou menos protegido por diversas leis.

O que gerava esses lucros tão grandes?

Gorender explica que era, o fato de que “o escravo negro não tinha valor na África, ao contrário do que sucedia do outro lado do Atlântico”.

A despesa do traficante era praticamente a do transporte, de tal forma que a sua venda nos mercados da América trazia lucros que esse historiador não hesita em chamar “fabulosos”.

As Justificativas da Escravidão

Como justificar a escravidão que renascia?

“A validade moral do cativeiro constituiu uma perturbadora questão no período moderno. O cristianismo […] pregava que a humanidade provinha de origens comuns, com seres feitos à imagem e semelhança de Deus; a Europa extinguia a servidão feudal e caminhava para uma crescente devoção à liberdade.

Como conciliar tal quadro com a sujeição Imposta por essa mesma Europa aos africanos?

A necessidade de justificá-la levou, então, à construção da ideologia da escravidão, definida como um conjunto sistemático de ideias, crenças e valores desenvolvido em princípios racionais que se transformam em representações coletivas e universais”.

Um dos argumentos dessa “ideologia” foi o de que a escravidão era um mal, mas um mal necessário, uma vez que sem escravos não teria sido possível a colonização. Na citadíssima frase de Antonil, “os escravos são as mãos e os pés do senhor de engenho, porque sem eles no Brasil não é possível conservar e aumentar fazendas, nem ter engenho corrente”. O padre Hoornaert, em seus comentários críticos à escravidão no Brasil, conclui: “Os escravos, além de constituírem a moeda corrente entre Angola e o Brasil, são a base do edifício social, pois «sem escravos, não há Brasil».

A escravidão não se constitui numa opção dentro do Brasil, mas num imperativo do sistema implantado no país com a colonização portuguesa”.

Outro argumento foi o de que a escravidão era uma condição natural de alguns homens. O Direito Romano pensava assim, e dessa forma considerava a escravidão perfeitamente legal.

Tanto Platão como Aristóteles admitiam a inferioridade intelectual como basc natural da escravidão.

E se o Direito Romano justificava a escravidão, como um humanista do Renascimento iria contestá-la?

Para os homens da época, não era justo atacar uma instituição aprovada pelos ilustres autores da Antiguidade, que eles tanto admiravam.

Argumentou-se também, e bastante, que a “evidente inferioridade racial dos negros e dos índios” justificaria por si só a escravidão.

Outro argumento escravagista foi o de que todos os africanos traficados já eram escravos em seus países de origem. Um historiador senegalês, depois de lembrar que “o tráfico negreiro constituiu uma atividade muito antiga na África”, comenta que “os corretores africanos preferiam os homens e mulheres nascidos na escravatura aos homens livres reduzidos à servidão. Isto porque, habituados à fome e à fadiga, os primeiros suportavam melhor os sofrimentos das viagens longas”.

Fonte: José Gonçalves Salvador/www.libreopinion.com/dicionario.sensagent.com

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