Governo Médici

Governo Médici – Presidente

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Ao assumir o poder, o terceiro general-presidente, Emílio Garrastazu Médici, estava disposto a consolidar o poder da “comunidade de informações”, e a combater a esquerda utilizando as mesmas táticas da “guerra suja” (supostamente iniciada pelos “terroristas”). Assim sendo, o general deu início àquele que talvez tenha sido o período mais repressivo da história do Brasil.

O governo do General Emílio Garrastazu Médici foi, sem dúvida, o mais violento da fase ditatorial, pois, o Ato Institucional no 5 foi plenamente aplicado na sua gestão. A oposição, representada pelo MDB, foi totalmente amordaçada, os jornais, revistas, rádio e televisão sofreram violenta censura, impedindo que a população fosse informada do que estava acontecendo.

O fechamento da vida política brasileira, a inexistência de canais que permitissem fluir, sem problemas, as várias correntes de opinião do país, induziu alguns setores da esquerda a optarem pela luta armadas. Os escritos de Ernesto Che Guevara e de um jovem marxista francês, Régis Debray, foram amplamente divulgados. Surgiram então as primeiras organizações de guerrilha urbana.

Surgiram várias organizações, das quais podemos destacar a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-PALMARES), comandada por Carlos Lamarca, que resultou da fusão da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) com o Comando de Liberação Nacional (COLINA). A experiência mais importante por ele comandada fez-se na VPR, ao tentar conflagrar a região do Vale do Ribeirão do Iguape, região paulista dominada por alto grau de pauperização. A Aliança Libertadora Nacional (ALN) foi dirigida inicialmente por Carlos Marighela e depois por Joaquim Câmara Ferreira, o “Velho”, ambos mortos em São Paulo, em 1969, sendo que a prática de luta da ALN foi a Guerrilha Urbana. A outra organização era o Movimento 8 de outubro (MR-8) (Dia da Morte de Guevara na Bolívia).

Sequestros, assaltos a bancos e até “justiçamentos políticos” (execuções) foram atos comuns feitos pelos guerrilheiros.

Uma das famosas operações da Guerrilha Urbana no Brasil foi o sequestro do Embaixador Norte-Americano Charles Elbrick, pela ALN, que em troca da sua vida, exigia a soltura dos presos políticos, cuja lista de nomes fizera publicar pelos jornais.

A partir desse momento, o governo começou a investir grandes recursos no reaparelhamento das forças armadas, preparando-se para enfrentar a contestação revolucionária. Objetivando reforçar o poder da atuação militar foram reorganizados os Departamentos de Ordem Política e Social (DOPS) que era encarregado das ações policiais.

Nas forças armadas, tendo participação ativa a partir de 1970, foram instalados Centros de Operação de Defesa Interna (COD) que possui um corpo executivo, o Departamento de Operações Internas (DOI).

Ao mesmo tempo se desenvolveram os Centros de Informação das forças armadas, aumentando de forma assustadora a repressão política no Brasil. Muitos brasileiros foram para o exterior, fugindo da fúria dos golpistas, sendo que no Brasil aumentavam as torturas nas prisões. Assim, o governo brasileiro conseguia sufocar a oposição e ao mesmo tempo a euforia do chamado “Milagre Brasileiro”, combinada com o clima de satisfação do povo com o futebol, que se sagrava tri-campeão no México, permitiu ao governo lançar uma campanha publicitária ufanista. O período Médici foi marcada, também, pela Doutrina da Segurança Nacional, importada dos EUA e o desenvolvimento industrial.

O apoio da Igreja ao Sindicalismo Rural representa uma mudança no comportamento do clero diante dos acontecimentos no Brasil, mais tarde, o Pape Paulo VI expressava a sua simpatia pelos oprimidos do Vietnã e do Brasil, demonstrando que à Roma já havia chegado informes sobre as violências contra fiéis, religiosos e dignatários da Igreja.

Seu governo se transformaria também num dos períodos mais esquizofrênicos na vida da nação: oficialmente tudo ia às mil maravilhas – o Brasil era o “país grande” que ninguém segurava, o “país que vai pra frente”, também era tempo do “milagre econômico” e do famoso conselho “ame-o ou deixe-o”. Enquanto isso, nos porões da ditadura, havia tortura, repressão e morte

Paralelamente, assiste-se a um crescimento econômico, o “milagre brasileiro”. A elevação dos índices de crescimento, pela primeira vez o PIB (Produto Interno Bruto) alcançava a casa dos 10% a. a.

O Presidente Médici pregava a idéia de que o “Brasil era o País do Futuro”.

De 1969 a 1973, de fato houve um extraordinário crescimento econômico no país, aliado a baixos índices de inflação (18% ao nao). O PIB cresceu na espantosa média anual de 11% (chegando a 13% em 1973). Houve uma febre de investimento, grandes obras (muitas delas faraônicas e desnecessárias) a causar impacto (Transamazônica, Ponte Rio-Niterói, Itaipu, etc) foram feitas e assim a dívida externa ia crescendo, e muito dinheiro vindo do Exterior, com juros baixos.

O ministro Delfim Netto foi o articulador-mor do “milagre”.

O próprio Médici acabou se tornando o melhor intérprete dessa incongruência ao declarar, em uma de suas raríssimas entrevistas, que “o Brasil vai bem, mas o povo vai mal”. Ele fez o país retroceder aos tempos do Estado Novo, não apenas pela utilização maciça da propaganda para promover o regime, como pelo fato de ter feito do deputado Filinto Müller (o carrasco que servira Getúlio Vargas) presidente do Congresso e chefe do partido do governo, a Arena. De todo o modo, o Legislativo seria reduzido à condição de mero homologador das decisões do Executivo.

Durante o período do gaúcho Médici, nunca houve tanta censura à imprensa, tanto cerceamento das liberdades individuais e de pensamento. E nunca se escutaram tão poucas críticas – a não ser quando espocavam os tiros disparados pela guerrilha urbana e rural. Em outubro de 1972, Médici enterrou outra vez as esperanças de redemocratização do país, promulgando a Emenda Constitucional nº 2, modificando a carta outorgada pela Junta Militar, que previa eleições diretas para os governos de Estado em outubro de 1974. Mas, então, um grupo de generais “castelistas” concluiu que era hora de tentar restituir um mínimo de normalidade constitucional à nação – e lançou Ernesto Geisel como candidato à sucessão de Médici. As trevas começaram a se dissipar

Vigésimo Período de Governo Republicano

30.10.1969 a 15.03.1974

Nascimento: Bagé-RS, em 04.12.1905
Falecimento: Rio de Janeiro-RJ, em 09.10.1985
Profissão: Militar
Período de Governo: 30.10.1969 a 15.03.1974 (04a04m17d)
Idade ao assumir: 64 anos
Tipo de eleição: indireta
Votos recebidos: 239 (duzentos e trinta e nove)
Posse: em 30.10.1969, em sessão conjunta do Congresso Nacional, presidida pelo Senador Gilberto Marinho
Afastamento: 07.07.1971; de 06 a 10.12.1971 e de 13 a 20.05.1973, por motivo de viagem, períodos em que assumiu o Vice-Presidente

Observação: O Ato Institucional nº 16/69 em seu art. 5º determinou que o mandato presidencial terminasse a 15.03.197.

Governo Médici – Vida

Governo Médici
Emílio Garrastazu Médici

Emílio Garrastazu Médici assumiu a Presidência em 30 de outubro de 1969 e governou até 15 de março de 1974.

Seu Governo ficou conhecido como “os anos negros da ditadura”.

O movimento estudantil e sindical estavam contidos e silenciados pela repressão policial.

Nesse período é que se deram a maior parte dos desaparecimentos políticos e a tortura tornou-se prática comum dos DOI-CODIs, órgãos governamentais responsáveis por anular os esquerdistas.

O fechamento dos canais de participação política levou a esquerda a optar pela luta armada e pela guerrilha urbana. O governo respondia com mais repressão e com uma intensa propaganda.

Foi lançada a campanha publicitária cujo slogan era: “Brasil, ame-o ou deixe-o”.

Inúmeros grupos armados de esquerda surgiram em todo o país.

Destacam-se a ALN (Aliança Libertadora Nacional), liderada por Marighella, a VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária), sob o comando de Carlos Lamarca, o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro – data da morte de Che Guevara na Bolívia) e o PCdoB. (O PCB posicionou-se contra a luta armada.).

Na Guerrilha urbana, teve papel de realce o sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, pela ALN. Algumas guerrilhas interioranas foram mais duradouras e sangrentas, entre as quais a de Ribeira, a de Caparaó e principalmente a Guerrilha do Araguaia. Esta prolongou-se de 1972 a 1975.

1o. PND – O endurecimento político, entretanto, foi mascarado pelo “milagre econômico”, crescimento extraordinário do PIB (cerca de 10% ao ano), diversificação das atividades produtivas e o surgimento de uma nova classe média com alto poder aquisitivo. Tudo isso repousando sobre o aumento estrondoso da concentração de renda, dando-nos o título de país mais injusto do planeta. O crescimento deveu ao Plano Nacional de Desenvolvimento, cujo artífice era o então ministro Delfim Neto.

Mas o crescimento não se deveu a milagre: iniciou-se um processo galopante de endividamento (dívida em 1964=1,5 bi; 1970=14 bi; 1985=90 bi), a especulação no Open Market com títulos do governo prejudicou sobremodo a produção e a concentração de renda e da propriedade agrária agravou-se acentuadamente.

Para esconder da população facetas negativas do governo, os índices oficiais de inflação foram manipulados. Lamentável é saber que o endividamente não se reverteu em distribuição mais equitativa da renda, mas serviu para custear obras faraônicas, de necessidade duvidosa, tais como a Ponte Rio-Niterói, a Transamazônica, a Usina de Itaipu, etc.

Ao final do governo, as taxas de crescimento começavam a declinar. Deveu-se tal fato principalmente à Crise do Petróleo em 1973, que nos atingiu profundamente, uma vez que, nesse período, a maior parte do petróleo consumido aqui era importada. Assumiu o governo Ernesto Geisel, mais ligado à linha Castellista (ou da Sorbonne) do que à linha dura.

Governo Médici – Ditadura

Com o afastamento do presidente Arthur da Costa e Silva – ocorrido em agosto de 1969, após este ter sofrido uma trombose cerebral – uma Junta Militar assumiu provisoriamente.

O novo presidente, indicado pelo Alto Comando das Forças Armadas, seria o general gaúcho Emílio Garrastazu Médici, escolhido em 30 de outubro de 1969.

Com a posse do presidente Médici, entrava também em vigor a emenda constitucional nº 1, que se denominou “constituição da República Federativa do Brasil” e incorporou as medidas de exceção previstas no ato institucional nº 5 (AI-5).

O período foi marcado pelo recrudescimento da repressão política, da censura aos meios de comunicação e pelas denúncias de tortura aos presos políticos.

A esquerda intensificou sua ação, com várias organizações optando pela luta armada.

Os direitos fundamentais do cidadão estavam suspensos. Qualquer um podia ser preso se fosse desejo do governo. Nas escolas, nas fábricas, na imprensa, nos teatros, a sociedade brasileira sentia a mão de ferro da ditadura.

O governo gastava milhões de cruzeiros em propagandas destinada a melhorar sua imagem junto ao povo.

Um dos slogans dessa propaganda dizia: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Os meios de comunicação e as atividades culturais eram vigiados pela polícia. Tudo o que desagradava ao governo era severamente censurado. A ditadura não admitia críticas, nem ao menos oposição pacífica.

Médici dividiu seu governo em três áreas: militar, econômica e política. O ministro do Exército, Orlando Geisel, ficou encarregado de administrar a área militar. Delfim Netto continuou no Ministério da Fazenda. E o terceiro posto ficou nas mãos do chefe da Casa Civil, o professor de direito Leitão de Abreu. Daí resultou o paradoxo de um comando presidencial dividido, em um dos períodos mais repressivos, se não o mais repressivo, da história brasileira.

No plano econômico, o governo Médici foi marcado por período de desenvolvimento que a propaganda oficial chamou de “milagre brasileiro”. A economia cresceu a altas taxas anuais, tendo como base o aumento da produção industrial, o crescimento das exportações e a acentuada utilização do empréstimo do exterior. Em compensação, o governo adotou uma rígida política de arrocho salarial, diante da qual os trabalhadores e os sindicatos não podiam reagir.

Entretanto o “milagre” durou pouco, pois não se baseava nas próprias forças econômicas, mas numa situação favorável. Com o aumento do preço do petróleo no mercado internacional, a economia brasileira sofreu grande impacto. Por um lado, a inflação começou a subir. Por outro, a dívida externa elevou-se de forma crescente e assustadora.

Teve início, então, uma longa e amarga crise econômica.

O governo militar foi perdendo um de seus principais argumentos para sustentar-se no poder.

A ditadura não garantia o desenvolvimento, e as oposições foram lentamente se reorganizando para exigir a volta da democracia. Médici deixou o governo em 15 de março de 1974.

Emílio Garrastazu Médici – Quem foi

Governo Médici
Emílio Garrastazu Médici

Militar, nascido na cidade de Bagé, estado do Rio Grande do Sul, em 4 de dezembro de 1905.

Com a enfermidade do Presidente Costa e Silva, foi indicado e eleito pelo Congresso Nacional para a Presidência da República.

Estudou no Colégio Militar de Porto Alegre, na Escola Militar de Realengo e na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais da Armada. Tenente do 12º Regimento de Cavalaria, em Bagé, apoiou a Revolução de 1930 e, em 1932, aliou-se às forças que lutaram contra a Revolução Constitucionalista de São Paulo.

Governou sob o clima do Milagre Econômico, que entusiasmou a classe média.

A divulgação de seus projetos pela televisão criaram um clima de ufanismo nacional.

A vitória na Copa de 70, por exemplo, foi utilizada como símbolo do futuro de sucesso do Brasil.

Investiu em grandes obras de necessidade duvidosa, como a rodovia Transamazônica.

Ao mesmo tempo, os militares tiveram que enfrentar a reação de grupos que encontraram na luta armada o caminho de oposição à ditadura.

Os êxitos econômicos do “Milagre” justificaram o rígido controle político – ideológico, mantido durante o seu mandato.

Comandante da Academia Militar das Agulhas Negras, apoiou o golpe de 1964 que depôs o presidente João Goulart. Nomeado adido militar em Washington, exerceu também a função de delegado brasileiro na Junta Interamericana de Defesa Brasil-Estados Unidos. Foi chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) em 1967 e comandante do III Exército, no Rio Grande do Sul, em 1969.

Com o afastamento de Costa e Silva, teve seu nome indicado pelo Alto Comando do Exército à sucessão presidencial. Através de eleição indireta, passou a exercer o cargo de presidente da República em 30 de outubro de 1969.

Faleceu no Rio de Janeiro, em 9 de outubro de 1985.

Governo Médici – Período

Governo Médici
Emílio Garrastazu Médici

Durante o governo Médici, foram combatidos dois focos de guerrilha rural: Ribeira, em São Paulo, e Araguaia, no Pará. Verificou-se também a intensificação da guerrilha urbana, com assaltos a bancos, seqüestro de aviões e de diplomatas estrangeiros. Em resposta à radicalização das organizações armadas de esquerda, o governo transferiu o comando das operações repressivas para a recém-criada Operação Bandeirantes (Oban), em São Paulo, que passou a se chamar Comando de Operações de Defesa Interna (CODI) e coordenava as atividades dos Departamentos de Operações e Informações (DOIs).

O aparato repressivo do governo contava, ainda, com os centros de informação das forças armadas: o Ciex, do Exército, o Cenimar, da Marinha e o Cisa, da Aeronáutica. Nesse período, assistiu-se à desestruturação das organizações de esquerda, com a prisão, exílio ou morte de seus principais líderes.

Na área econômica, numa conjuntura internacional favorável, observou-se o chamado “milagre brasileiro”, que consistiu na grande expansão da economia brasileira, expressa no vertiginoso crescimento do PIB, na estabilização dos índices inflacionários, na expansão da indústria, do emprego e do mercado interno.

Em outubro de 1970, o Brasil obteve do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) o maior empréstimo até então concedido a um país da América-Latina. Ainda em 1970, ampliou-se o limite do mar territorial brasileiro para duzentas milhas. Nesse mesmo ano foi criado o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), lançado oficialmente o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) e o Programa de Metas e Bases para Ação do Governo, que coordenava cerca de duzentos projetos tidos como prioritários para a política de desenvolvimento.

Foi institucionalizado o Projeto Rondon, decretado o Estatuto do Índio, e lançado o Plano de Integração Nacional, que previa a construção das rodovias Transamazônica, Cuiabá-Santarém e Manaus-Porto Velho.

Em 1972 foi inaugurada a refinaria de petróleo de Paulínia, em São Paulo, a maior do país e, em 1973, o Brasil assinou dois importantes acordos: com a Bolívia, para a construção de um gasoduto entre Santa Cruz de la Sierra e Paulínia, e com o Paraguai, para a construção da usina hidrelétrica de Itaipu. No ano seguinte, foi inaugurada a maior usina hidrelétrica da América do Sul, na Ilha Solteira, e a ponte Presidente Costa e Silva, ligando o Rio de Janeiro a Niterói.

Governo Médici – Presidente da República

Emílio Garrastazu Médici nasceu em Bajé (RS) no dia 4 de dezembro de 1905, filho de Emílio Médici e de Júlia Garrastazu Médici. Seu pai era comerciante e fazendeiro de origem italiana e sua mãe descendia de ricos estancieiros de origem basca espanhola.

Seu avô do lado materno, Anselmo Garrastazu, foi um antigo “maragato”, denominação dada aos federalistas opositores dos republicanos que dominaram a política gaúcha a partir do advento da República. Seu primo, Rafael Danton Garrastazu Teixeira, também militar, chegou ao generalato e foi chefe da Diretoria de Pessoal do Exército entre 1954 e 1956.

Emílio Médici, apelidado familiarmente de Milito, fez o curso primário no colégio do professor Charles Dupont, em sua cidade natal. Influenciado pela mãe, ingressou em 1918 no Colégio Militar de Porto Alegre, onde permaneceu até 1922.

Em abril de 1924 matriculou-se na Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, sendo declarado aspirante-a-oficial da arma de cavalaria em janeiro de 1927. Designado em seguida para o 12º Regimento de Cavalaria (12º RC), com sede em Bajé, ainda em julho de 1927 foi promovido a segundo-tenente e em julho de 1929 a primeiro-tenente.

Em 3 de outubro de 1930, ao ser deflagrado um movimento revolucionário para depor o presidente da República Washington Luís, servia como oficial de dia no mesmo regimento. Juntamente com a totalidade das tropas do 12º RC, aderiu à revolução, atuando como elemento de ligação entre os conspiradores civis e militares de Bajé.

No dia 6 de outubro foi comissionado por Getúlio Vargas, chefe supremo dos revolucionários, no posto de capitão, tendo conduzido as tropas de seu regimento até o ponto de junção das forças rebeldes. Dois meses após a vitória do movimento, que em 24 de outubro de 1930 depôs Washington Luís e em 3 de novembro colocou Vargas no poder, retornou à patente de primeiro-tenente.

Em 1932 voltou a comandar efetivos do 12º RC, dessa vez para combater a Revolução Constitucionalista, deflagrada em julho daquele ano em São Paulo em oposição ao governo central e sufocada em outubro pelas forças legalistas.

Promovido afinal a capitão em outubro de 1934, em 1937 foi designado ajudante-secretário na Escola de Estado-Maior, no Rio. Em fevereiro de 1939 matriculou-se na Escola de Armas, atual Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, na mesma cidade, mas em setembro seguinte foi transferido para o 8º Regimento de Cavalaria Independente, em Uruguaiana (RS), e teve que retornar a seu estado.

Em fevereiro de 1940 voltou à Escola de Armas como auxiliar-instrutor e, em junho de 1943, foi promovido a major. Concluindo o curso de estado-maior em março de 1944, em maio seguinte foi designado para o estado-maior da 3ª Divisão de Cavalaria, em Bajé. Aí exerceria a chefia de diversas seções até assumir a chefia do estado-maior da divisão.

Em junho de 1948 foi promovido a tenente-coronel e em janeiro de 1950 transferido para o quartel-general da 3ª Região Militar (3ª RM), sediada em Porto Alegre e então sob o comando do general Olímpio Falconière da Cunha, tornando-se chefe da 2ª seção (informações) do estado-maior regional. Em julho de 1953 atingiu o posto de coronel e no mês de setembro foi nomeado comandante do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR) de Porto Alegre.

Quatro anos depois, a convite do então comandante da 3ª RM, general Artur da Costa e Silva, assumiu a chefia de seu estado-maior. Estabeleceu-se entre ambos, na época, uma forte amizade que se aprofundaria nos dois anos de trabalho em comum.

Em fevereiro de 1960 foi designado subcomandante da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), em Resende (RJ), sob o comando do general Adalberto Pereira dos Santos. Em julho de 1961 foi promovido a general-de-brigada e destacado para o comando da 4ª Divisão de Cavalaria, com sede em Campo Grande, então no estado de Mato Grosso e hoje capital de Mato Grosso do Sul.

Diante da crise instaurada no mês seguinte com a renúncia do presidente da República Jânio Quadros e o veto dos três ministros militares à posse do vice-presidente João Goulart, apoiou, segundo a revista Veja, a posse de Goulart e a solução parlamentarista adotada em setembro pelo Congresso.

Nomeado comandante da AMAN em janeiro de 1963, ocupava seu posto quando, em 31 de março de 1964, eclodiu o movimento político-militar que depôs João Goulart. Segundo Veja, nesse mesmo dia Médici foi informado dos acontecimentos por um telefonema do general Costa e Silva, que lhe revelou ainda ter assumido o comando das forças sublevadas na Guanabara.

Integrando-se imediatamente ao movimento, Médici comunicou sua posição ao general Amauri Kruel, comandante do II Exército, ao ser por ele consultado pouco depois. No dia seguinte, 1º de abril, bloqueou a via Dutra (rodovia Rio-São Paulo) na altura de Resende com fortes contingentes de alunos, enquanto as forças de Minas Gerais, conduzidas pelos generais Olímpio Mourão Filho, comandante da 4ª RM, e Carlos Luís Guedes, marchavam em duas colunas sobre o Rio de Janeiro.

Ainda segundo Veja, Médici recusou o oferecimento de Kruel para substituir os efetivos da AMAN por soldados paulistas, acreditando que as tropas do I Exército, enviadas em sua direção sob o comando do general Anfrísio da Rocha Lima, não teriam coragem de atirar nos “meninos”. Sua previsão era correta pois, ao se depararem com o bloqueio dos cadetes, as forças do I Exército colocaram-se sob as ordens do comandante da AMAN, aderindo aos revoltosos.

Logo após a vitória do movimento político-militar, Médici foi nomeado pelo ministro da Guerra, Costa e Silva, adido militar em Washington. Lá permaneceu durante dois anos, exercendo cumulativamente a função de delegado brasileiro à Junta Interamericana de Defesa e à Comissão Mista de Defesa Brasil-Estados Unidos, e obtendo, em julho de 1965, sua promoção a general-de-divisão.

Em outubro de 1966 Costa e Silva foi eleito pelo Congresso presidente da República, e logo em seguida ofereceu a Médici o cargo de presidente da Petrobras, que, no entanto, foi recusado, sob a alegação de que não se encontrava suficientemente familiarizado com a questão do petróleo.

Diante da insistência de Costa e Silva em mantê-lo num posto de confiança, para ter por perto alguém capaz de lhe “dizer claramente que estava errado, quando estivesse errado”, aceitou afinal uma segunda proposta: a chefia do Serviço Nacional de Informações (SNI).

Chefe do SNI

Em 17 de março de 1967, dois dias após a posse de Costa e Silva na presidência da República, Médici foi investido na chefia do SNI, em substituição ao general Golberi do Couto e Silva. Esse cargo, naquela época, já era equiparado em importância ao de ministro, e garantia a participação de seu titular no Conselho de Segurança Nacional (CSN). O status de ministro seria legitimado apenas em 1974.

Ao longo de sua gestão, de acordo com Veja, o SNI ganhou novas perspectivas e teve suas atividades – até então restritas ao exame da ação subversiva e da corrupção – ampliadas com o estudo dos problemas políticos, sociais e econômicos que agitavam o país.

Cercando-se de uma assessoria militar altamente especializada, Médici imprimiu ao órgão “um caráter consultivo” para, segundo suas palavras, “dar ao governo uma visão completa das críticas à administração, das aspirações e anseios- do povo brasileiro. Com esse objetivo, intensificou a realização de sondagens de opinião pública, passando a entregar ao presidente a “informação acabada”, ao invés da “informação bruta”.

Entre os anos de 1965 e 1968, as verbas destinadas ao SNI pela União foram aumentadas em quase quatro vezes, atingindo um montante que, segundo a revista Veja, teria sido compensado pela ação investigadora e denunciadora efetuada em casos de fraudes financeiras, como o da Mannesmann e o da Dominium, e em casos de fraudes de remessas de dólares para o exterior, evitando vultosos prejuízos para os cofres públicos.

Segundo Carlos Castelo Branco, em março de 1968 o presidente Costa e Silva cedeu às pressões de seus assessores militares e, guiado particularmente pelo parecer do general Médici, resolveu enviar ao Congresso um projeto instituindo as sublegendas com votação vinculada para as eleições municipais.

Costa e Silva teria mudado sua orientação inicial – de conceder à direção dos partidos o poder de cassar a sublegenda que ostensiva ou discretamente entrasse em acordo com os adversários políticos -, ao ser advertido por Médici de que a sublegenda sem vinculação poderia se tornar um instrumento de “alianças espú-rias” do partido governista, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), com os oposicionistas do Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

Por essa época, o clima geral de insatisfação com o governo se agravara, estendendo-se aos mais diversos setores sociais. Assim, ao mesmo tempo em que eram realizadas sucessivas passeatas – organizadas por estudantes, intelectuais e religiosos – contra as restrições às liberdades públicas, já se esboçavam algumas greves no meio operário.

No final de março de 1968 foi deflagrada uma greve estudantil nacional de protesto contra a morte de um estudante em conseqüência da repressão desencadeada pela polícia militar a uma manifestação realizada num restaurante universitário no Rio.

A imprensa, nacional e internacional, que vinha denunciando violências- cometidas em órgãos policiais e militares contra presos políticos, passou a especular sobre a possibilidade de o governo adotar novas medidas de exceção.

Em 31 de março, quando o governo comemorava o quarto aniversário do movimento político-militar de 1964, Carlos Castelo Branco analisava o desprestígio da Arena junto ao presidente da República, patente até mesmo nas questões especificamente políticas que dependiam da decisão do Congresso.

Segundo o jornalista, nenhum político “pode competir em lealdade revolucionária e em clarividência, quando se trata de identificar os interesses do governo, com o general Garrastazu Médici, que pode não ter experiência no manejo dos fatos políticos, mas tem a experiência de que necessita esse governo: a experiência militar, o trato com os assuntos da segurança nacional”.

Em meados de 1968, as manifestações anti-governistas lideradas pelo movimento estudantil com o apoio de setores intelectuais, liberais, religiosos e populares continuaram ocorrendo no Rio de Janeiro.

Em 26 de junho foi realizada a Passeata dos Cem Mil – em protesto contra as violências praticadas pela polícia e em defesa do restabelecimento das liberdades democráticas – e em 4 de julho a Passeata dos 50 Mil, em protesto contra a negativa do governo em satisfazer as reivindicações do movimento, transmitidas pela Comissão Popular da Assembléia dos Cem Mil.

Ainda segundo Carlos Castelo Branco, os generais Orlando Geisel e Médici, numa reunião do CSN realizada em agosto do mesmo ano, defenderam com êxito a tese de que o governo não precisava recorrer a medidas de caráter excepcional para garantir sua estabilidade e manter um bom nível de segurança nacional.

Entretanto, conforme revelaria mais tarde o próprio Médici, na condição de chefe do SNI ele sugerira ao presidente que editasse um ato institucional para fazer frente à subversão.

No final de agosto, a crise política foi acirrada em conseqüência da invasão da Universidade de Brasília (UnB) pela Polícia Federal, apoia-da pela Polícia Militar, e do fechamento da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), após intervenção da polícia.

O então ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, apontado pela imprensa como o responsável pela ordem de invasão da UnB para que fossem detidos cinco estudantes que estavam com prisão preventiva decretada, negou seu envolvimento no episódio.

A repercussão negativa das violências infringidas a professores, parlamentares, e estudantes provocou a abertura de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI), e Médici, como chefe do SNI, foi encarregado por Costa e Silva de coordenar as sindicâncias relativas aos acontecimentos.

Segundo Carlos Castelo Branco, a chamada corrente radical militar solidarizou-se como a invasão da universidade, sob a alegação de que havia sido uma contingência da “guerra revolucionária” que então se travava. A situa-ção política se agravou em setembro com o discurso feito pelo deputado oposicionista Márcio Moreira Alves denunciando as violências praticadas contra os estudantes, responsabilizando os militares pela ocorrência e propondo, como represália, o boicote às comemorações do dia da Independência.

Considerado ofensivo às forças armadas, o discurso reforçou a posição dos militares radicais, que passaram a exigir medidas mais enérgicas do governo, e provocou um pedido do Ministério da Justiça à Câmara de cassação dos direitos políticos do deputado.

Ainda segundo o mesmo analista, interrompendo a praxe de permanecer sempre ao lado do presidente, no dia 9 de setembro Médici deixou-o no Rio e retornou à capital da República para tratar da questão da UnB. A essa altura, a expectativa era de que a apuração das violências ficasse na “estrita área da execução, não abrangendo a inspiração ideológica da responsabilidade política pelos métodos postos em prática na repressão ao movimento universitário”.

No dia 13 de setembro, as indicações sobre um desfecho inconclusivo desse caso e a conseqüente impunidade dos responsáveis pela invasão da UnB levaram Castelo Branco a afirmar que ocorrera em Brasília o que já se vinha dando em vários estados do Brasil desde 1964: “É um grupo militar que se arroga o direito de policiar o regime e de manter viva a ação revolucionária, que delibera e deflagra operações de intimidação de setores civis, utilizando-se para tanto da totalidade do aparelho de repressão, em cujo comando há sempre companheiros de formação revolucionária.”

No início de dezembro de 1968, Médici serviu de intermediário num encontro de reconciliação entre Costa e Silva e o senador Daniel Krieger, presidente da Arena, o qual, desgastado com o episódio Márcio Moreira Alves, pretendia renunciar à liderança do governo.

No dia 13 de dezembro a Câmara rejeitou o pedido de cassação do deputado oposicionista, levando o presidente da República a convocar imediatamente uma reunião com os ministros militares e comandantes dos Exércitos, e a colocar em prontidão as forças armadas e a Polícia Federal. No mesmo dia foi editado o Ato Institucional nº 5 (AI-5), redigido pelo ministro da Justiça Gama e Silva, que, entre outras medidas, determinou a suspensão das imunidades parlamentares, da estabilidade dos funcionários civis e militares, da vitaliciedade e inamovibilidade dos juízes e do instituto do habeas-corpus para os acusados de crimes contra a segurança nacional. Pelo Ato Complementar nº 38, foi decretado ainda o recesso do Congresso por tempo indeterminado.

Conforme Carlos Chagas relatou no livro 113 dias de angústia, no momento da edição do AI-5, em presença do presidente Costa e Silva e do general Garrastazu Médici, o ministro da Justiça apresentou duas versões do documento.

A primeira delas começava dissolvendo o Congresso, as assembléias e o Supremo Tribunal Federal (STF), bem como decretando a intervenção federal em todos os estados. No entanto, quando ia passar à leitura do artigo 4º, Gama e Silva foi interrompido por Médici, que considerou as medidas excessivas e propôs que prevalecesse a fórmula mais branda, o que afinal acabou ocorrendo.

Em março de 1969 Médici foi promovido a general-de-exército e, pouco depois, nomeado para o comando do III Exército, sediado em Porto Alegre. Em abril deixou a chefia do SNI, transmitindo o cargo ao general Carlos Alberto da Fontoura, e assumiu suas funções de comandante, em substituição ao general Álvaro Alves da Silva Braga. Em seu discurso de posse declarou que “o povo não é contra o que a revolução fez, mas sim contra o que ela deixou de fazer”.

A doença de Costa e Silva e a questão sucessória

Em 31 de agosto de 1969, foi divulgada a notícia de que o presidente Costa e Silva se encontrava gravemente enfermo em conse-qüência de uma “crise circulatória com manifestações neurológicas”, sofrida na véspera.

Ainda no dia 31, os ministros militares Aurélio de Lira Tavares, do Exército, Augusto Rademaker, da Marinha, e Márcio de Sousa e Melo, da Aeronáutica, reuniram-se e editaram o AI-12, que oficializou a investidura na presidência da República de uma junta constituída pelos três, marginalizando o vice-presidente Pedro Aleixo, substituto constitucional do presidente impedido.

No dia 1º de setembro os ministros militares divulgaram um documento informando sobre o estado do presidente e explicando que, diante da situação interna do país, a chefia do governo não podia ser assumida pelo sucessor legal, Pedro Aleixo.

A crise política inaugurada com a doença de Costa e Silva e a subida ao poder de uma junta militar foi agravada no dia 4 de setembro seguinte, quando um grupo de esquerda, de oposição armada ao regime, seqüestrou o embaixador norte-americano no Brasil, Charles Burke Elbrick, passando a exigir como resgate a libertação de 15 presos políticos.

Essa exigência foi atendida pelo governo que, no dia 9 do mesmo mês, divulgou o AI-13, de 5 de setembro, criando a pena de banimento, imediatamente aplicada aos 15 presos libertados. Ainda no dia 9, a junta militar baixou o AI-14, estendendo as penas de morte e prisão perpétua aos casos de “guerra psicológica adversa” e de “guerra revolucionária ou subversiva”, definidas pela Lei de Segurança Nacional.

As especulações em torno de uma possível indicação do general Médici para substituir Costa e Silva surgiram desde o início da crise. De acordo com Carlos Chagas, o nome de Médici seria a solução natural encaminhada pelo presidente Costa e Silva, caso ele pudesse coordenar a própria sucessão.

“Aos primeiros sinais de necessidade de uma substituição final do presidente, o comandante do III Exército surgira como o mais forte candidato, uma espécie de denominador comum, que, se não polarizava totalmente como a solução final para os setores militares, ao menos reunia o maior número de tendências no Exército.” Embora desconhecido do grande público, Médici adquirira grande prestígio no meio militar por sua atuação à frente do SNI.

Existiam ainda, ao lado de Médici, cinco candidatos fortes à sucessão presidencial: o general-de-divisão Afonso Albuquerque Lima, nacionalista, ex-ministro do Interior de Costa e Silva e então chefe da Divisão de Material Bélico do Exército, o único candidato de três estrelas, com muita penetração na oficialidade jovem, em especial na guarnição do Rio de Janeiro; o general Antônio Carlos Murici, chefe do Estado-Maior do Exército (EME); o general Orlando Geisel, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA), pretendido pelos grupos “castelistas”; o general Siseno Sarmento, então comandante do I Exército, e o general Aurélio de Lira Tavares. Na síntese apresentada pelo general Hugo Bethlem, citada pela revista

Veja, três nomes seriam cotados: “O general Garrasta-zu representaria, em primeiro lugar, a continuidade do governo Costa e Silva e, secundaria-mente, a continuidade da revolução. O general Orlando Geisel representaria, acima de tudo, a continuidade da revolução. E o general Albuquerque Lima representaria uma mudança- nos rumos da revolução.”

No dia 18 de setembro, os ministros militares assinaram a nova Lei de Segurança Nacio-nal, agravando algumas punições e prevendo o fuzilamento como meio de execução da pena de morte. Seis semanas após o início da crise gerada pela doença do presidente, o alto comando das forças armadas, constituído pelos três ministros militares, pelo chefe do EMFA, o chefe do Gabinete Militar e os chefes dos estados-maiores da Marinha, Exército e Aeronáutica, reuniu-se para escolher um substituto, optando pelo nome de Médici que, ao lado de Murici e Geisel, integrava a lista tríplice apresentada pelo alto comando do Exército.

Segundo Carlos Chagas, Médici teria relutado em aceitar sua indicação devido às estreitas relações de amizade que mantinha com o presidente Costa e Silva. Na semana anterior à escolha de seu nome já havia recusado essa possibilidade ao receber uma cópia da carta que Albuquerque Lima enviara ao ministro do Exército, discutindo os critérios de escolha adotados pelo alto comando. Finalmente, em 6 de outubro, concordou em assumir o cargo e indicou para a vice-presidência o almirante Augusto Rademaker, então ministro da Marinha e membro da junta militar.

No dia 7 de outubro, na condição de “candidato-presidente” do alto comando das forças armadas, Médici fez seu primeiro pronunciamento diante das câmeras de televisão. Conforme assinalou Veja, assim como seus antecessores Castelo Branco e Costa e Silva em seus primeiros discursos ao povo, também Médici prometeu instaurar a democracia plena no Brasil.

Da mesma forma, prometeu desconsiderar os fatos adversos do passado e -fixar as “bases do nosso desenvolvimento econômico e social”. Como os governantes anteriores, falou ainda em justiça social, nas disparidades, da distribuição regional das riquezas e na sua condição de escolhido não por vontade própria, mas pela revolução.

Médici, entretanto, tocou em pontos que ainda não haviam sido abordados: “O meu governo vai iniciar-se numa hora difícil. Sei o que sente e pensa o povo, em todas as camadas sociais, com relação ao fato de que o Brasil continua longe de ser uma nação desenvolvida, vivendo sob um regime que não podemos considerar plenamente democrático.

Não pretendo negar esta realidade.” Falou também em “sindicatos livres, imprensa livre, Igreja livre”. “Livre” e “liberdade” foram as palavras mais usadas em seu discurso, o que constituiu uma inovação, pois os governos anteriores jamais reconheceram publicamente que as necessidades do regime haviam imposto restrições, como por exemplo à liberdade de imprensa.

Por outro lado, não falou uma única vez em “guerra revolucionária”, nem prometeu devassas e inquéritos, temas quase obrigatórios em todos os grandes pronunciamentos oficiais desde a instituição do AI-5.

Por essa época, o então presidente nacional da Arena e líder do governo no Senado, senador Filinto Müller – substituto de Daniel Krie-ger, que renunciara ao cargo -, foi encarre-gado pelos ministros militares de solucionar a questão formal da posse do novo presidente, “já que a junta tinha resolvido o problema do ponto de vista da segurança nacional”.

Segundo Veja, Filinto sugeriu a promulgação de dois atos institucionais para apressar o rito da eleição até a posse: um deles, dando à diretoria nacional dos partidos poderes de convenção para indicar candidatos à eleição presidencial,- e o outro, conferindo ao Congresso o papel de colégio eleitoral.

Em seguida, o senador enviou telegramas aos 67 membros da diretoria nacional da Arena, convocando-os para a convenção extraordinária no dia 16 de outubro, em Brasília. Nesse intervalo, a junta promul-garia os atos, o que permitiria, já no dia 17, registrar o nome de Médici no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como candidato do partido governista.

Através do AI-16, editado em 14 de outubro, foram declarados vagos os cargos de presidente e de vice-presidente da República, e ficou estabelecida a data de 20 de outubro para a realização das eleições. No dia 15, a junta militar baixou o Ato Complementar nº 73, convocando o Congresso – que se mantinha em recesso desde a edição do AI-5 – para proceder às eleições presidenciais. A convenção extraordinária da Arena endossou o nome de Médici, admitindo que a “condução revolucionária” se processava por “razões de segurança”.

Com a assinatura da Emenda Constitucional nº 1 em 17 de outubro de 1969, foi afinal concretizada a reforma da Constituição de 1967, sustada até então pela doença de Costa e Silva. Ao novo texto, cujos retoques finais foram feitos pelo jurista João Leitão de Abreu, foram incorporadas a pena de morte e a pena por banimento em razão do aguçamento das atividades de oposição armada ao regime, após o seqüestro do embaixador norte-americano.

A duração do estado de sítio foi ampliada de 60 para 180 dias e foi aberta ainda a possibilidade de sua prorrogação por tempo indeterminado. O conceito de “abuso dos direitos políticos” foi introduzido, bem como limitações à liberdade de cátedra e de expressão artística. O direito de associação deixou de ser garantido, para ser “assegurado”, desde que “para fins lícitos”.

A política trabalhista e social do regime não foi tocada, mantendo-se o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e o princípio, até então regulamentado, da participação dos trabalhadores nos lucros das empresas.

O novo texto constitucional, feito à sombra do AI-5, consagrou afinal em caráter definitivo o que vários atos institucionais ousaram fixar apenas temporariamente: a liquidação da imunidade parlamentar. Reformulou, além disso, as relações entre o Executivo e o Legislativo, e manteve a vigência dos atos institucionais no capítulo de suas disposições transitórias.

No dia 19 de outubro, Médici transmitiu o comando do III Exército ao general Augusto César Muniz de Aragão. No dia 22 de outubro, o presidente do Senado, senador Gilberto Marinho, declarou abertos os trabalhos do Congresso, encerrando o recesso de dez meses imposto pelo AI-5. No dia seguinte, 23 de outubro, os ministros militares baixaram novo decreto-lei sobre a questão das inelegibilidades, modificando o que era expresso na Carta de 1967.

Ficou determinada a inelegibilidade, para qualquer função, daquele que houvesse “exercido o cargo de presidente ou de vice-presidente da República, de governador ou de vice-governador, de prefeito ou de vice-prefeito, por qualquer tempo, no período imediatamente anterior”. O decreto provocou protestos gerais devido ao fato de alijar das eleições seguintes cerca de quatro mil prefeitos e outros tantos vice-prefeitos, além de todos os go-vernadores. Visando acabar com o chamado “político profissional” e com o controle regional exercido por famílias oligárquicas do inte-rior, a lei tornava inelegíveis ascendentes, descendentes e parentes colaterais, até o terceiro grau, de prefeitos, governadores e do presidente da República, atingindo em torno de cada um aproximadamente 30 pessoas.

Segundo estimativa feita na época, cerca de 160 mil pessoas teriam perdido o direito de disputar as eleições. Logo em seguida, todavia, a própria direção da Arena começou a ter problemas de ordem prática, em virtude das eleições municipais previstas para o dia 30 de novembro em dez estados. Detendo a maioria esmagadora dessas prefeituras, o partido governista viu-se repentinamente atingido pela nova lei, sendo obrigado a arranjar novos candidatos e, ao mesmo tempo, a aplacar os inúmeros protestos de seus correligionários.

Presidente da República

Em 25 de outubro de 1969, com 239 votos a favor e 76 abstenções – do MDB – , Médici foi eleito pelo Congresso presidente da República, tendo como vice-presidente o almirante Augusto Rademaker. No dia 28 de outubro, convidou o senador Filinto Müller e o deputado Geraldo Freire para exercerem a liderança do governo nas duas casas legislativas, e o deputado mineiro Rondon Pacheco – ex-chefe do Gabinete Civil do governo Costa e Silva – para ocupar a presidência da Arena.

No dia 30 de outubro assumiu o governo e empossou seu ministério: general Orlando Geisel (Exército), almirante Adalberto de Barros Nunes (Marinha), brigadeiro Márcio de Sousa e Melo (Aeronáutica), Alfredo Buzaid (Justiça), coronel Jarbas Passarinho (Educação e Cultura), Mário Gibson Barbosa (Relações Exteriores), Antônio Delfim Neto (Fazenda), João Paulo dos Reis Veloso (Planejamento), Luís Fernando Cirne Lima (Agricultura), Fábio Yassuda (Indústria e Comércio), Higino Corsetti (Comunicações), Paulo Francisco da Rocha Lagoa (Saúde), coronel Mário Andreazza (Transportes), Júlio Barata (Trabalho), Antônio Dias Leite (Minas e Energia), José Costa Cavalcanti (Interior), João Leitão de Abreu (Gabinete Civil) e general João Batista Figueiredo (Gabinete Militar). O general Carlos Alberto da Fontoura foi mantido na chefia do SNI. Cinco desses ministros vieram do governo anterior e permaneceram em seus cargos, a saber, Delfim Neto, Márcio de Sousa e Melo, Costa Cavalcanti, Mário Andreazza e Antônio Dias Leite. Jarbas Passarinho transferiu-se do Ministério do Trabalho para o da Educação.

Iniciado com promessas de democratização, o governo do general Médici logo viria decepcionar aqueles que esperavam a revogação dos atos institucionais. Estabelecendo uma política voltada para o “desenvolvimentismo”, Médici manteria um estilo de governo forte e extremamente centralizado.

Na mesma data de sua posse, a nova Constituição brasileira entrou em vigor, estabelecendo em seu artigo 182 a continuidade da vigência do AI-5 até decisão em contrário do presidente da República.

Ainda nesse dia o Diário Oficial publicou a retificação do artigo 151, na parte em que este tornava inelegíveis, no período seguinte a seus mandatos, o presidente e o vice-presidente da República, os governadores e vice-governadores e os prefeitos e vice-prefeitos, os quais passaram a ser apenas “irreelegíveis” para o mesmo cargo.

Essa modificação foi recebida com aplausos gerais pelos políticos, embora houvessem também circulado rumores de insatisfação nos meios militares. Em 6 de novembro Médici baixou um decreto-lei – aprovado em meados desse mês pela, Câmara e o Senado suspendendo a Lei das Inelegibilidades para as eleições do dia 30 seguinte. A medida desencadeou cerrada oposição dos líderes do MDB.

Ainda em novembro, alguns parlamentares do MDB discursaram no Congresso Nacional denunciando o regime de exceção. O senador baiano Josafá Marinho criticou a coexistência dos atos institucionais com a Constituição, e o deputado paulista Oscar Pedroso Horta pediu a revogação dos mesmos, provocando intensos debates na Câmara. Alguns dias depois, em reunião com os deputados Rondem Pacheco e Geraldo Freire, Médici falou sobre a necessidade de a Arena manter-se atenta, jamais deixando de responder à oposição.

Da mesma forma que o partido do governo, o MDB tentou inicialmente apresentar propostas visando ao restabelecimento do poder do Parlamento. Entretanto, as iniciativas dos dois partidos foram barradas pela concepção centralista do presidente, acusado a partir de então de “governar por decretos”.

A oposição enfatizou, em segundo lugar, a necessidade de se revogar a legislação de exceção e de se efetuar a abertura política.

Na prática, todavia, a posição do MDB oscilava entre duas tendências: ora discordava das normas estabelecidas para o funcionamento do Congresso e das organizações partidárias, levantando críticas ao processo eleitoral indireto e à ampliação da competência do Poder Executivo, ao estabelecimento do voto distrital e ao decreto-lei que instituiu a censura prévia, ora atuava em conformidade com as regras do jogo.

A Arena, por seu lado, desenvolveu três orientações políticas mais significativas: a tentativa de formulação de demandas próprias, a atuação no sentido de obter a revogação da legislação de exceção e a ênfase na tramitação rápida, pelo Congresso, dos projetos formulados pelo Executivo. O que ocorreu, entretanto, no governo Médici, apesar da onda de otimismo que se procurou disseminar em todo o país, foi a marginalização da classe política que, inativa e contida, tentou espasmodicamente demonstrar sua insatisfação.

No dia 20 de novembro, a convenção nacional da Arena elegeu seu novo diretório nacional e referendou a escolha do deputado Rondon Pacheco para presidente de sua comissão executiva. Na sessão de abertura da convenção, o presidente da República oficializou sua filiação ao partido e pronunciou um discurso que teve repercussões contraditórias no meio político.

Segundo Carlos Castelo Branco, alguns setores interpretaram a “reiteração do compromisso de plena restauração do regime” para o final do governo como sinal de permanência do AI-5 e das demais medidas de exceção, bem como de ameaça às liberdades públicas em todo o seu período governamental.

Além disso, a afirmação de autoridade do presidente foi considerada excessiva, senão ameaçadora, um verdadeiro discurso “de capitão”. Outra corrente, entretanto, identificou na fala presidencial o propósito de estimular a vida partidária e de contribuir para gerar mais confiança no processo institucional.

Nesse mesmo dia, a convenção nacional do MDB elegeu também seu novo diretório nacional, mantendo na presidência do partido o senador Oscar Passos, do Acre.

Dez dias depois, realizaram-se as eleições para prefeito, vice-prefeito e vereadores em 963 municípios de dez estados, e o resultado do pleito confirmou as previsões: a Arena elegeu seus candidatos na maioria dos municípios e o MDB saiu vitorioso apenas nas grandes cidades.

Em meados de janeiro de 1970, o ministro da Justiça anunciou a decisão do presidente Médici de que as novas leis políticas (Inelegibilidades, Estatuto dos Partidos e Código Eleitoral) não teriam vigor nas eleições daquele ano, cuja legislação deveria sofrer apenas leves alterações, a fim de se adaptar à Constituição de 1969.

Ainda em janeiro, Carlos Castelo Branco criticava o “departamento de premoções” do presidente da República, considerando-o uma “versão atualizada e disfarçada dos antigos departamentos de propaganda” e afirmando que “as ditaduras querem a propaganda para substituir a informação e impor uma reação uniforme às medidas governamentais”.

Definindo seu estilo político “centralista”, Médici decidiu intervir diretamente nas sucessões estaduais. No início de fevereiro, em pleno recesso do Congresso Nacional, enviou o presidente da Arena ao Norte e Nordeste do país para fazer um levantamento das tendências internas das diversas seções regionais do partido, primeiro passo para a posterior seleção dos governadores.

Segundo Carlos Castelo Branco, o presidente mantinha os meios políticos sob compressão permanente e, assessorado por um pequeno grupo, constituído pelos generais Fontoura e Figueiredo, o professor Leitão de Abreu e o coronel Miguel Pereira Manso Neto, tomava as decisões relativas ao governo dos estados, escolhendo “homens de confiança do sistema revolucionário” e preferindo o “apolítico, o técnico”, dentro de uma linha denominada pelo jornalista de “militarismo tecnocrático”.

Em 21 de fevereiro de 1970, o deputado arenista de Minas Gerais Sinval Boaventura anunciou que todos os candidatos a candidato passariam por um processo seletivo com base em informações do SNI e de outros órgãos de segurança. Nesse mesmo dia, contudo, em discurso proferido na Vila Militar, no Rio, na presença do alto comando militar e do ministro da Justiça, Médici acentuou que seu objetivo era “aprimorar a prática dos princípios democráticos consagrados na Constituição, sobretudo os referentes à dignidade da pessoa humana”.

Dois dias depois, o ministro da Indústria e Comércio, Fábio Yassuda, pediu exoneração do cargo por inadaptação à política econômico-financeira do governo, mais precisamente em virtude de divergências com o ministro Delfim Neto a respeito da política do café.

No dia seguinte, foi empossado o novo ministro, Marcus Vinicius Pratini de Morais, que até então chefiara a Assessoria Especial do presidente e que na ocasião afirmou seu intuito de manter a política que vinha sendo adotada em relação ao café.

Ainda no dia 27 de fevereiro, Médici divulgou para a opinião pública seu projeto político, afirmando, entre outros pontos, que não revogaria o AI-5, que a plena democracia era ideal, que jamais se realizara no Brasil, e que o combate à inflação continuaria a ser gradual.-

No início de março, assegurou aos governadores da Guanabara, do Rio de Janeiro e do Espírito Santo que manteria as regras estabelecidas na Constituição para as sucessões estaduais, advertindo porém que não permitiria a inclusão de candidatos da oposição que pudessem representar uma contestação ao processo revolucionário.

No dia 9 de março, o ministro da Justiça Alfredo Buzaid e líderes políticos iniciaram o exame da legislação eleitoral com o objetivo de promover sua adaptação à nova Constituição. Na ocasião, o presidente do MDB, senador Oscar Passos, fez uma declaração de princípios, reivindicando o restabelecimento do estado de direito no país.

No dia seguinte, 10 de março, Médici pronunciou um discurso na Escola Superior de Guerra (ESG), no Rio, fazendo um exame da situação político-econômica e colocando um ponto final nas últimas esperanças de redemocratização.

Afirmou que as transformações sociais e econômicas ocorridas no país no período de 1930 a 1964 não permitiam a permanência do liberalismo como fonte de orien-tação política e que essa doutrina era incompatível com o crescimento econômico, sendo objetivo de seu governo “manter o desenvolvimento, com segurança”.

Em seguida, reafirmou que os poderes excepcionais que lhe haviam sido conferidos pelo movimento político-militar de março de 1964 seriam mantidos em seu governo: “Reitero que a revolução proporcionou ao governo os poderes e os instrumentos necessários para a ação positiva e eficiente. Reitero que usarei esses poderes e instrumentos extraordinários do Executivo exatamente para criar aquelas con-dições em que eles possam ser dispensáveis.

Assim como não os usaremos indiscriminadamente, também, precipitados, não renunciaremos a seu emprego.” No dia 19 de março designou o coronel Manso Neto para a chefia de sua Assessoria Especial.

Em 23 de abril o Congresso aprovou por maioria absoluta o projeto de lei complementar que estabelecia as inelegibilidades, repetindo o texto do decreto-lei baixado pela junta militar, com pequenas modificações que foram aceitas por Médici. No dia 28 de abril o presidente nacional da Arena contestou as críticas ao processo de escolha dos governadores adotado pelo presidente da República, sustentando sua legitimidade e coerência com o sistema de eleições indiretas instaurado pelo regime instituído em 1964.

No dia seguinte, a Comissão de Justiça da Câmara homologou, contra os votos do MDB, o decreto-lei encaminhado pelo presidente estabelecendo a censura prévia a livros e periódicos. Enquanto a oposição sustentava a inconstitucionalidade da matéria com base no argumento de que Médici não dispunha de poderes para tratá-la através de decreto-lei, a Arena justificava a medida alegando que a mesma envolvia questões relativas à segurança nacional.

Em maio, a Câmara e o Senado ratificariam afinal a decisão do presidente. Nessa mesma época, com base na Emenda Constitucional nº 1, o Congresso decidiu, sob protesto da oposição, que a votação dos vetos presidenciais passaria a ser ostensiva e não mais secreta.

Os governadores de 11 estados foram escolhidos por Médici à revelia do próprio partido do governo, e a decisão do presidente prevaleceu inclusive na Guanabara, único reduto do MDB. Assim, no início de maio, o deputado oposicionista Antônio de Pádua Chagas Freitas elogiou a atuação governamental na questão da sucessão da Guanabara por permitir ao MDB eleger o governador. Dois dias depois, o diretório regional do MDB ratificou a candidatura de Chagas Freiras.

Nessa mesma época, Carlos Castelo Branco denunciou que alguns cargos de confiança do governo Médici encontravam-se ocupados por antigos discípulos de Plínio Salgado. No dia 4 de maio, o ex-líder integralista e então deputado da Arena por São Paulo discursou na Câmara Federal pedindo que a censura prévia instituída aos livros e periódicos fosse estendida aos jornais diários.

Reivindicou ainda medidas preventivas contra o ensino da sociologia, antropologia, psicologia experimental, história, biologia e fisiologia, mas todas as propostas que sugeriu foram rejeitadas poucos dias depois pelo ministro da Justiça.

No início de junho, a comissão executiva nacional do MDB decidiu enviar recurso ao STF contra o decreto que instituiu a censura prévia no país. Essa representação seria no entanto arquivada mais tarde, por decisão do procurador-geral da República, antes que o STF tomasse conhecimento do assunto.

A vitória da seleção brasileira, que conquistou o tricampeonato mundial de futebol em junho de 1970, no México, seria utilizada pelas autoridades oficiais como propaganda do governo. Assim, no início de julho, o presidente da Arena recomendou aos candidatos do partido que usassem como base de suas campanhas eleitorais os êxitos obtidos pelo Brasil na Copa do Mundo e as vitórias em outras áreas esportivas, bem como as realizações promovidas pelos governos predecessores.

No dia 4 de julho foram encaminhados ao governo os autos de uma CPI, aprovados pela Câmara, que apontaram a venda irregular de mais de 20 milhões de hectares a pessoas ou grupos estrangeiros em áreas localizadas na Bahia e na região amazônica. No dia 8 seguinte, foi encerrado o processo das sucessões estaduais, com a seleção final dos 22 governadores.

No dia 10, o senador oposicionista baiano Josafá Marinho declarou no Senado que o Brasil, submetido a uma ditadura de tipo clássico sul-americana, continuava regredindo em sua evolução política. Definiu a escolha dos governadores pelo presidente Médici como “uma subversão da própria ordem revolucionária da Emenda Constitucional nº 1, que prescreveu a eleição dos executivos estaduais pelas câmaras legislativas às quais resta, atualmente, proclamar eleitos os nomes já designados pelo presidente da República, único órgão deliberativo”.

Em meados de julho, a comissão executiva nacional do MDB aprovou as normas para a campanha eleitoral, recomendando a seus candidatos que insistissem na necessidade de revogação dos atos de exceção, no restabelecimento das eleições diretas, na volta ao instituto do habeas-corpus e no respeito aos direitos humanos. Incluíram-se ainda como temas relevantes a política salarial e a participação dos trabalhadores na riqueza nacional, a desnacionalização da economia brasileira, a reforma agrária e a educação para o trabalho e para o desenvolvimento nacional.

No final do mês, o plenário da Câmara aprovou as conclusões da CPI que apurou a desnacionalização da economia brasileira, nos termos do relatório apresentado pelo vice-líder da oposição, deputado Rubem Medina: setor de produção de bens intermediários – 34,5% contra 12,3% de capitais nacionais; setor de bens de capital 72,5% contra 27,3% de capitais nacionais; setor de bens de consumo – 78,3% contra 21,6% de capitais nacionais.

No início de agosto, foi constituída a delegação brasileira à Conferência da União Interparlamentar que seria realizada em Haia, na Holanda. A comissão, composta de 19 congressistas, sendo quatro do MDB, teria como objetivo defender o movimento político-militar de 1964, provar a existência da democracia no país e refutar qualquer crítica ao governo, inclusive aquela relativa à prática de tortura aos presos políticos.

No início de setembro, a comissão executiva nacional do MDB decidiu se fazer representar na delegação abstendo-se porém de subscrever ou levar qualquer documento que tratasse de política interna nacional. O deputado Pedroso Horta manifestou-se contrário à participação do partido oposicionista, o que, todavia, foi defendido pelos deputados Adolfo de Oliveira e Ulisses Guimarães.

Confirmando o centralismo exercido pelo presidente Médici no dia 7 de agosto o coronel Lourival Massa da Costa afirmou na palestra que proferiu na ESG que o CSN, do qual participava, não era um órgão deliberativo, “cabendo as decisões exclusivamente ao presidente da República”.

No dia 11 seguinte, o deputado oposicionista Francisco Amaral declarou na Câmara que a liderança arenista havia aniquilado o Congresso, transformando-o em mero instrumento homologatório e impedindo-o de legislar. Assinalou ainda, entre outros pontos, que no período de abril a julho de 1970, 50 decretos-leis haviam sido invaria-velmente aprovados pelo Congresso, apesar de conterem flagrante inconstitucionalidade ou despertarem forte controvérsia entre os próprios membros da maioria.

No pleito indireto realizado em outubro de 1970, as assembléias estaduais referendaram os 22 novos governadores – 21 da Arena e um do MDB.

À exceção da Guanabara, o MDB se absteve de votar, embora houvessem ocorrido alguns casos de indisciplina partidária: sete deputados estaduais votaram em candida-tos arenistas, tornando-se passíveis de expulsão do MDB. No dia 8 de outubro, Médici fez um pronunciamento no estado do Amazonas reafirmando a soberania nacional na região.

No final do mês discursou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, estabelecendo restrições ao conceito de democracia ao declarar, entre outros pontos, que “a democracia brasileira deve afeiçoar-se às exigências de nossas condições sociais e não às exigências de sociedades alienígenas”, que “o homem não foi feito para a democracia mas a democracia é que foi feita para o homem”, e que “a democracia não é uma categoria lógica imutável e está sujeita a revisões impostas pela conveniên-cia social”.

Às vésperas das eleições de 15 de novembro, no pronunciamento que fez em comemoração ao primeiro aniversário de seu governo, Médici defendeu a manutenção do AI-5: “Somente para os inimigos do regime, para os que lhe desejam a destruição, pode haver inconveniência ou nocividade nos poderes outorgados pela Constituição, artigo 182, ao presidente da República, já que esses poderes são usados única e exclusivamente, em relação àqueles que, pondo-se fora da lei, se insurgem contra as instituições democráticas ou desrespeitam a moral administrativa.”

Referiu-se ainda à sua visão de democracia: “Insisto em dizer que, não sendo fim em si, a democracia é simples meio ou instrumento para que determinado fim se alcance. Mero processo técnico para a promoção da felicidade coletiva, a democracia de nosso tempo há de ajustar-se, para bem cumprir as suas funções, às exigências da humanização do convívio social e político.”

Segundo Carlos Castelo Branco, nesse período a campanha eleitoral desenvolvia-se normalmente, “dentro da anormalidade da situação”. A Arena, beneficiada com a estratégia política governamental, que concentrava a atenção nacional nos “grandes projetos de desenvolvimento de estilo jusceliano” e nos grandes planos de reforma social de estilo getulista, procurava aliar-se aos seus êxitos e evitava o debate. O MDB, por sua vez, fiscalizado pelo AI-5, encontrava-se em inferioridade na disputa.

Algumas de suas lideranças mais radicais coontribuíram para a vitória da Arena ao pregar o voto em branco como forma de protesto ao governo e à “oposição consentida”.

O resultado do pleito de 15 de novembro consagrou as expectativas de uma vitória esmagadora da Arena: o partido conquistou 40 cadeiras no Senado, contra seis do MDB (dessas, três eram da Guanabara) e 223 cadeiras na Câmara, contra 87 oposicionistas. A oposição atribuiu sua derrota eleitoral à altíssima percentagem de votos nulos e em branco – 30% -, além das pressões políticas e da ausência de garantias constitucionais.

O ano de 1970 encerrou-se com declarações de políticos expressivos dos dois partidos acerca da necessidade de revogação do AI-5, sob pena de se chegar ao fim do governo Médici “não com a democracia restaurada, mas sob um regime de partido único”.

Em fins de janeiro de 1971, às vésperas da reabertura do Congresso, foram escolhidos os novos presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente o deputado paulista Ernesto Pereira Lopes e o piauiense Petrônio Portela. A liderança do MDB foi entregue a Oscar Pedroso Horta, e o ex-senador Oscar Passos, que não conseguira se reeleger, transmitiu a presidência do partido ao deputado Ulisses Guimarães.

No ano de 1971 foram iniciadas as articulações visando a criação de um terceiro partido político, o Partido Democrático Republicano, que, seguindo seu principal animador, o ex-vice-presidente Pedro Aleixo, indisposto com o regime desde que fora impedido de assumir o governo em agosto de 1969, não seria de oposição ao governo mas de preservação dos “ideais da Revolução de 31 de março”. Entre os objetivos básicos propostos, contavam-se a defesa e o aperfeiçoamento da democracia rcpresentativa e a garantia dos direitos fundamentais do homem.

Essa iniciativa, entretanto, foi barrada pelo governo através de seu porta-voz, o ministro da Justiça Alfredo Buzaid, que declarou ser desnecessária a criação de uma nova agremia-ção político-partidária.

No dia 26 de novembro desse ano, Médici concedeu exoneração ao ministro da Aeronáutica, marechal-do-ar Márcio de Sousa e Melo, substituído na pasta pelo tenente-brigadeiro Joelmir Campos de Araripe Macedo.

A saída do ministro foi provocada pela crise irrompida na Aeronáutica após a morte de um militante de esquerda, Stuart Edgard Angel Jones, acusado de vinculação a grupos armados. Segundo Hélio Silva, o estudante morrera no Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (CISA), na base aérea do Galeão, em maio anterior, e o comandante da III Zona Aérea, brigadeiro João Paulo Burnier, ex-chefe de gabinete de Sousa e Melo, considerado, assim como o ministro, liderança da “linha dura” na Aeronáutica, fora responsabilizado pelas violências que causaram sua morte.

Já no final de 1968, Burnier fora acusado publicamente pelo capitão Sérgio Ribeiro de Carvalho, um dos fundadores do Pára-Sar – unidade da Aeronáutica especializada em busca e salvamento – de ter elaborado um plano segundo o qual essa corporação seria encarregada de eliminar líderes da oposição e jogá-los depois de um avião ao mar.

A acusação fora con-fir-mada pelo então chefe do Serviço das Rotas Aéreas, brigadeiro Itamar Rocha, que, em seguida, recebera ordem de prisão disciplinar. Na ocasião, nem mesmo a intervenção do ex-ministro da Aeronáutica do governo Castelo Branco, Eduardo Gomes que se colocara ao lado do capitão Sérgio e do brigadeiro Itamar -, con-seguira impedir o predomínio da “linha dura”.

No início de dezembro de 1971, o brigadeiro Burnier foi afinal demitido do comando da III Zona Aérea pelo novo ministro Joelmir Ma-ce-do. -Foram afastados ainda o chefe do CISA, brigadeiro- Carlos Afonso Dellamora, e o chefe do Es-tado–Maior da Aeronáutica -(Emaer), te-nen-te-brigadeiro Armando Serra de Meneses, este às vésperas de passar para a reserva compulsória. Segundo Veja de 1º de dezembro de 1971, na época submetida à censura, a demissão de Sousa e Melo deveu-se a um “não esclarecido conflito de doutrinas na direção da Aeronáutica, envolvendo a legendária figura do brigadeiro Eduardo Gomes”.

O ano de 1972 foi marcado pelas comemorações do Sesquicentenário da Independência – utilizadas pelo regime como instrumento de popularização -, em clima de relativa calma política. Enquanto os políticos permaneciam marginalizados pelo Executivo, que a cada momento desestimulava suas acanhadas tentativas de influir nas decisões nacionais, a Assessoria Especial de Relações Públicas da Presidência da República (AERP), chefiada pelo coronel Otávio Costa, desenvolvia uma intensa campanha de propaganda do governo, procurando capitalizar os êxitos obtidos nos mais diversos setores para transmitir uma imagem favorável do presidente e de suas realizações.

Em abril, com o objetivo de preservar “o clima de tranqüilidade, confiança e trabalho, indispensável à consolidação de nossas instituições sociais e políticas”, o chefe do governo assinou um projeto de emenda constitucio-nal transformando em indiretas as eleições dos governadores previstas para 1974, aprovado no mês seguinte pelo Congresso.

Nas eleições municipais de 15 de novembro de 1972, apesar da intensa atividade desenvolvida pela máquina eleitoral da Arena, que permitiu ao partido governista disputar cargos em todos os municípios, a oposição conseguiu, surpreendentemente, bons resultados em redutos arenistas como o Paraná, Santa Catarina e Bahia.

A Arena obteve cerca de 80% das prefeituras e 85% das cadeiras nas câmaras municipais, fato que provocou o desabafo do presidente nacional do MDB: “Como se pode ganhar uma eleição que não é realmente uma eleição?”

Ainda segundo Ulisses Guimarães, além da dificuldade de convencer o eleitor a votar no MDB – devido à impossibilidade prática de a oposição alcançar o poder -, o governo acumulara obstáculos para impedir a vitória oposicionista: sublegenda, filiação partidária obrigatória com dois anos de antecedência e pressão dos governos estaduais e do próprio governo federal. Finalmente o acesso do MDB às emissoras de rádio e de televisão foi permitido apenas um mês antes do pleito, enquanto o governo dispôs de todo o tempo para a propaganda de suas realizações.

Por essa época, registram-se algumas tentativas de discutir a rigidez do regime, feitas, entre outros, pelos presidentes do STF, Aliomar Baleeiro e do Superior Tribunal Militar (STM), Valdemar Costa. Baleeiro investiu contra os “abusos do Estado e da prepotência, insurgindo-se contra o fato de os juízes poderem ser aposentados ou demitidos pelo AI-5, sem direito de defesa. Nestor Jost, presidente do Banco do Brasil, afirmou também na ocasião que cabia aos políticos, e não aos democratas, a condução da política nacional.

Em meados de abril de 1973, em nova medida de censura à imprensa, o Departamento de Polícia Federal determinou que as revistas nacionais e estrangeiras em circulação no país seriam obrigadas a partir de então a requerer registro à Divisão de Censura de Diversões Públicas. No início de maio um conflito desencadeado em 1970 atingiu seu clímax.

No dia 9, o ministro da Agricultura, Luís Fernando Cirne Lima, pediu demissão do cargo, alegando divergências com a orientação econômica do governo, especialmente no tocante aos métodos de combate à inflação definidos pelo ministro da Fazenda Delfim Neto. A imprensa foi impedida de comentar o assunto, mas algumas publicações não submetidas à censura prévia, como o Jornal do Brasil, conseguiram divulgar, integralmente, a carta de demissão do ministro, contendo denúncias diretas sobre o caráter “aético” das diretrizes aplicadas por Delfim.

No dia seguinte, Médici nomeou o então presidente do Instituto Nacional Colonização e Reforma Agrária (INCRA), José Francisco de Moura Cavalcanti, para o lugar de Cirne Lima, que, ao desembarcar em seu estado natal, o Rio Grande do Sul, foi recebido com manifestações de solidariedade.

Na seqüência dos acontecimentos, Delfim Neto e os outros ministros refutaram as críticas formuladas pelo ex-ministro e, quase um mês depois, em 8 de junho, Médici fez um pronunciamento à nação nesse sentido através de uma cadeia de rádio e de televisão, afirmando que o governo estava conjugando todos os seus esforços para criar uma consciência nacional quanto à importância de se reduzir a carestia.

O falecimento do senador Filinto Müller, que acumulava as presidências da Arena e do Senado, ocorrido em julho num desastre aéreo, obrigou o governo a fazer um remanejamento de sua direção político-partidária. Simplificando o problema, Médici elevou às chefias da Arena e do Senado seus vice-líderes, os senadores Petrônio Portela e Paulo Torres.

Ação repressiva

O primeiro ano do governo Médici caracterizou-se por uma intensa radicalização dos movimentos de esquerda que haviam optado pela luta armada contra o regime instituído em 1964. Após o primeiro seqüestro de um diplomata estrangeiro – o embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick -, a polícia e as forças armadas redobraram suas atividades, concentrando os esforços no combate às organizações armadas.

A partir de 1969, o comando das operações repressivas foi assumido em São Paulo pela Operação Bandeirantes (Oban), oficialmente lançada em 19 de julho por iniciativa do general José Canavarro Pereira, comandante do II Exército, com a função exclusiva de prender “terroristas e subversivos”.

Nos primeiros meses do governo Médici, a Oban foi institucionalizada através de uma circular secreta intitulada “Instruções sobre segurança interna”, passando a se chamar Centro de Operações para a Defesa Interna (CODI). Outros CODIs foram também criados no I, III, e IV exércitos.

Tal como a Oban, os CODIs tinham a função de “coordenar as atividades dos diversos órgãos encarregados da repressão à subversão e ao terrorismo”.

Comandado por um oficial superior até o posto de coronel e oficialmente subordinado ao comando militar da área em que atuava, através da 2ª Seção do Estado-Maior, o CODI podia coordenar as atividades de um (ou de vários) Departamento de Operações Internas (DOI), seu braço executivo.

Apesar de as duas siglas terem se notabilizado conjugadas como DOI-CODI, o CODI exercia o trabalho burocrático-administrativo do organismo, a análise das informações e o planejamento estratégico do combate à subverção, enquanto o DOI se ocupava da parte operacional. Segundo a revista IstoÉ, o CODI coordenava inclusive a atuação dos três centros de informação das forças armadas – Centro de Informações da Marinha (Cenimar), Centro de Informações do Exército (Ciex) e o CISA -, mantendo vínculos com todos os demais organismos policiais e militares.

De acordo com Veja, entretanto, a Oban, apesar de seu caráter quase autônomo, recebia grande quantidade de informações, da Guanabara, onde se localizava o cérebro das ações antiterroristas representadas pelo Ciex e o Cenimar. Uma participação menos ativa nesse núcleo seria a do CISA, que teria colaborado apenas com o fornecimento de transporte aéreo. O SNI surgiria como suporte de todos esses órgãos.

Ainda em 1969, quando o clima era de “guerra revolucionária” e a imprensa, fortemente censurada, desencadeava uma verdadeira ofensiva contra a “subversão”, os órgãos policiais, preparando-se para a luta aberta, tiveram seus equipamentos modernizados e seus efetivos aumentados. Segundo fontes militares, qualquer guerrilha descoberta em qualquer ponto do país poderia ser atacada maciçamente em 48 horas.

O então chefe do EME, general Antônio Carlos Murici, revelava: “As forças armadas já escolheram o caminho da antiguerrilha muito antes daqueles que se propõem a deflagrar a luta armada para a tomada do poder”. No entanto, apesar de os círculos oficiais divulgarem a desarticulação de diversos grupos vinculados às organizações armadas, os assaltos a bancos e os seqüestros de aviões continuariam a ocorrer.

No dia 4 de novembro de 1969, Carlos Marighella – um dos fundadores da Aliança Libertadora Nacional (ALN), líder da luta armada e antigo militante comunista – foi morto em São Paulo em conseqüência de uma ação policial comandada pelo delegado Sérgio Fleury.

Alguns dias depois a imprensa alertava a nação para os excessos da ação repressiva governamental, que atingia indiscriminadamente estudantes, padres, artistas e jornalistas. Na primeira página da Tribuna da Imprensa, o jornalista Hélio Fernandes chegou a dirigir uma carta ao presidente Médici pedindo o esvaziamento das prisões e o fim da tortura.

Durante todo o governo Médici, as relações entre a Igreja e o Estado atravessaram um dos períodos mais críticos de sua história. Conforme afirmaria mais tarde o jornalista Marcel Niedergang, numa série de reportagens sobre o Brasil publicadas em outubro de 1972 no jornal francês Le Monde, a Igreja foi o único setor social do país, fora dos quadros institucionais, que se arrogou o direito de opinar sobre o regime então vigente de uma maneira “flexível e com uma firmeza engrandecedora”.

O papel da Igreja nas questões referentes aos direitos humanos, justiça social e execução de reformas foi relevante, apesar da ação cautelosa de sua ala liberal-reformista, que se esforçou para evitar uma ruptura definitiva com o governo.

Em meados de novembro de 1969, vários religiosos, entre eles o frei Beto – Carlos Alberto Libânio Cristo -, foram presos, acusados de apoiar Marighella e de hospedar militantes da luta armada, ocultando-os da polícia. Pouco depois, no Rio Grande do Sul, onde ocorrera a maior parte dessas prisões, uma assembléia de 150 padres da arquidiocese de Porto Alegre elaborou uma nota de protesto.

No mesmo dia, 29 delegados de polícia paulistas “católicos, apostólicos, romanos”, assinaram uma moção de solidariedade a dois colegas, segundo eles “arbitrária e despoticamente excomungados pelo arcebispo de Ribeirão Preto” (SP). Os policiais em questão haviam participado de uma ação policial denominada “Operação integração”, destinada a desarticular grupos supostamente subversivos na região, e foram acusados de uso de violência contra elementos do clero local, inclusive contra a irmã Maurina Borges Silveira.

Além de produzir frentes de atrito com a Igreja e com os setores culturais em geral, a política repressiva desenvolvida nesse período contribuiu para a formação de uma imagem negativa do governo no exterior. Jornais como o New York Times, o Washington Post, o Times, de Londres, Le Monde e Le Figaro, de Paris, e o Osservatore Romano, do -Vaticano, publicaram extensas matérias sobre o assunto, detalhando as violências cometidas contra os presos políticos no Brasil.

Assim, constrangido pela crescente insatisfação nacional e por pressões internacionais, em 23 de novembro de 1969 Médici afirmou que havia dado ordens aos órgãos responsáveis “pela segurança pública e pelo combate à subversão” para que reformulassem inteiramente seus esquemas de repressão, com a finalidade de coibir o uso de métodos violentos.

No dia 3 de dezembro, Veja expôs em sua matéria de capa o seguinte título: “O presidente Médici não admitirá torturas em seu governo.”

Ainda no início de dezembro, o líder do MDB na Câmara, deputado Humberto Lucena, sustentou na Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana a necessidade de ser restaurado o habeas-corpus como primeira medida efetiva de segurança contra o emprego da tortura nas prisões políticas. Presente ao debate, o ministro da Justiça Alfredo Buzaid afirmou que a supressão do habeas-corpus se constituía em medida política incluída no corpo do AI-5, portanto “insuscetível de exame”, a não ser no escalão competente.

Em janeiro de 1970, o arcebispo de Olinda e Recife, dom Hélder Câmara, em visita ao Vaticano, relatou ao papa Paulo VI a situação da Igreja Católica no Brasil, esclarecendo a denúncia sobre tortura de presos políticos feita por um grupo de prelados franceses e italianos.

Proibido de se expressar no Brasil por sua posição contestatória, contrária ao regime de exceção, à perda das liberdades públicas e em defesa dos pobres e oprimidos, dom Hélder foi convidado a visitar diversos países estrangeiros para falar sobre as injustiças so-ciais em seu país. No final de janeiro de 1970, o II Exército anunciou que uma unidade especial da Polícia Militar paulista havia encerrado uma “campanha antiterrorismo de cinco meses que resultou na prisão de 320 pessoas, na descoberta de 66 aparelhos subversivos e na apreensão de grande quantidade de armas”.

Os responsáveis pela campanha afirmaram que a ALN e a Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares (VAR-Palmares) haviam sido quase totalmente desmanteladas. Em 13 de março, contudo, o cônsul-geral do Japão em São Paulo, Noburo Okuchi, foi seqüestrado, e a condição imposta para sua libertação, logo atendida pelo governo, foi o envio de cinco prisioneiros, políticos para o México. Assim, em dois dias o cônsul estava solto, e pouco tempo depois os responsáveis pelo seqüestro eram presos.

Em discurso comemorativo ao sexto aniversário do movimento político-militar de 31 de março de 1964, Médici afirmou que o regime era bastante forte “para não se deixar intimidar pelo terrorismo” e advertiu ainda que na luta contra a subversão será incansável e sem quartel”. Em abril, o cônsul norte-americano em Porto Alegre reagiu a uma tentativa de seqüestro, e todo o esquema utilizado na ação foi desmantelado. No final do mês, a ação repressiva debelou a guerrilha implantada por Carlos Lamarca no vale da Ribeira, em São Paulo.

No início de maio, o líder do MDB na Câmara, deputado Pedroso Horta, que, segundo Carlos Castelo Branco, deixara recentemente de pronunciar um discurso sobre a violência do regime devido à pressão política exercida por seus correligionários, encaminhou ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana uma série de denúncias relativas à prática de tortura nos órgãos encarregados da repressão.

No final do mês, em declaração prestada aos participantes da XI Assembléia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realizada em Brasília, o ministro da Justiça negou mais uma vez a existência de tortura em presos políticos. Apesar dessa contestação, a assembléia elaborou um documento afirmando que a “incidência em casos de tortura” no país era relevante, solicitando ao governo a investigação das denúncias em nome da “consciência nacional” e condenando ainda os assaltos e seqüestros praticados pelos grupos de esquerda como forma de tortura ao povo.

Logo após o encontro, Buzaid expediu uma nota afirmando que existia uma campanha difamatória contra o governo brasileiro, e que competia à Igreja colaborar com seus ensinamentos para o aprimoramento das instituições vigentes e a realização de uma política de paz e harmonia.

O segundo seqüestro do ano de 1970 foi realizado no dia 11 de junho por integrantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), que aprisionaram o embaixador da República Federal da Alemanha no Brasil, Ehrenfried von Holleben, e exigiram em troca a liberdade de 40 presos políticos. Cinco dias depois os presos seguiram para a Argélia e o embaixador foi libertado.

Segundo Carlos Castelo Branco, o governo brasileiro começou a se preocupar com sua imagem no exterior porque a política repressiva implementada nesse período estaria gerando dificuldades às negociações com os governos de alguns países, sobretudo da Alemanha e da Holanda, onde a pressão da opinião pública se fazia sentir com maior força.

Em 24 de julho de 1970, a Comissão Internacional de Juristas, reunida em Genebra, na Suíça, denunciou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) a violação de direitos humanos em presos políticos no Brasil. No final de setembro, essa comissão solicitaria autorização do governo brasileiro para fazer um exame local e de acordo com Carlos Castelo Branco, a Cruz Vermelha Internacional teria feito também uma tentativa frustrada nesse sentido.

Reagindo energicamente ao pedido da OEA, o ministro Alfredo Buzaid afirmaria que o governo brasileiro considerava uma ameaça à sua soberania qualquer tentativa de ingerência de organizações internacionais ou de pessoas estrangeiras nos assuntos internos do país.

Impotente diante das críticas que lhe eram feitas no exterior contra as restrições às liberdades públicas, o governo preferiu, mais do que se defender objetivamente, atribuir essas críticas a uma campanha organizada para desmoralizá-lo e, em contrapartida, compensá-las internamente, apelando para o sentimento coletivo de patriotismo.

A AERP orientou essa campanha interna, ora com slogans ufanistas do tipo “Brasil grande”, “Ninguém segura esse país”, ora com frases como “Brasil, ame-o ou deixe-o”, uma adaptação do dístico conservador norte-americano Love it or leave it. A propaganda maciça pelos órgãos de comunicação, conjugada com uma censura implacável, procurou perpetuar uma imagem favorável do governo, o que, de certa forma, foi obtido, graças a essa estratégia política, de compensar as insatisfações populares com a divulgação de planos grandiosos e de “projetos-impacto”.

Entretanto, segundo o dossiê dos exilados, citado por IstoÉ em 1978, no período de 1969 a 1973 registraram-se 77 casos de mortes de presos políticos por tortura. Da extensa lista de desaparecidos – aqueles cuja prisão ou morte não foram reconhecidas pelas autoridades – elaborada pelo Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA) e relativa ao período, constavam, entre os casos mais conhecidos, o do jornalista Mário Alves, preso no Rio em janeiro de 1970, e o do ex-deputado Rubens Paiva, também preso no Rio em janeiro em 1971.

No dia 31 de julho de 1970, guerrilheiros tupanaros seqüestraram no Uruguai o cônsul brasileiro Aluísio Gomide e o agente norte-americano da Central Intelligence Agency (CIA), Dan Mitrione. O governo uruguaio recusou-se a negociar com os tupamaros sob pretexto jurídico e, após algum tempo, o agente norte-americano foi morto por seus captores.

O diplomata brasileiro seria mantido preso durante 205 dias, obtendo sua libertação mediante o pagamento de um milhão de dólares arrecadados através de uma ampla campanha desenvolvida no Brasil, já que o governo brasileiro recusara-se a negociar sua libertação com o governo uruguaio.

Em 30 de outubro, algumas horas depois do pronunciamento do presidente nas comemorações do primeiro aniversário de seu governo, foi desencadeada uma “blitz antiterrorista” de grandes proporções, que atingiu escritores, jornalistas, advogados, artistas e políticos da oposição.

Entre os pretextos apresentados pelos órgãos de segurança para a ação desenvolvida em todas as principais cidades do país, incluíam–se os fatos de que muitos dos detidos haviam sido simpatizantes do governo João Goulart e de que estaria sendo organizada, a partir de 4 de novembro, uma semana de agitações políticas em comemoração ao primeiro aniversário da morte de Carlos Marighella.

No dia 7 de dezembro ocorreu a última operação espetacular dos diversos grupos de ação armada que vinham atuando no país: o seqüestro do embaixador suíço Giovani Enrico Bucher. A ação resultou na morte de um agente federal, e o governo brasileiro, que nas ocasiões anteriores atendera de imediato às exigências dos seqüestradores, decidiu mudar de tática.

Recusou-se a aceitar certas imposições complementares como a leitura e a publicação de manifestos e a gratuidade nas passagens dos trens suburbanos, mantendo, porém, a disposição de atender à exigência básica: libertar 70 prisioneiros em troca da vida do embaixador. Enquanto as negociações se arrastavam propositadamente por parte das autoridades e se dava uma grande publicidade às manifestações de indignação contra a morte do agente federal, noticiava-se freqüentemente a ocorrência de operações policiais de perseguição e cerco a “agentes subversivos”. Em 16 de janeiro de 1971, dois dias após a viagem dos 70 prisioneiros políticos para o Chile, o embaixador foi libertado.

Em 17 de setembro desse ano, o ex-capitão Carlos Lamarca foi morto durante urna operação conjunta de efetivos das três armas e da Polícia Federal, realizada em Ipupiara, localidade do interior da Bahia. Com a prisão, morte ou exílio da maioria das lideranças das organizações de oposição armada e seu conseqüente desmantelamento, o movimento arrefeceu, ressurgindo apenas com alguma intensidade em 1972, quando o Exército desencadeou as operações contra a guerrilha do Araguaia.

Esse movimento, organizado pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), localizou-se na região limítrofe dos estados do Pará, Maranhão e Goiás às margens do rio Araguaia, próximo às cidades de Xambioá (GO), Marabá (PA) e São Geraldo (PA), reunindo cerca de 70 guerrilheiros, dos quais a maior parte chegara à região por volta de 1970.

As operações antiguerrilha foram cercadas do mais absoluto sigilo: Médici jamais falou publicamente sobre o assunto e o presidente Ernesto Geisel o mencionaria uma vez na mensagem que enviou ao Congresso em 1975. Foram mobilizados cerca de cinco mil soldados, comandados pelo general Antônio Bandeira, que mandou construir na região uma rodovia de 30km para o deslocamento das tropas. Além de Bandeira também os generais Olavo Viana Moog e Hugo Abreu comandaram ações contra o movimento, que resistiria ao cerco militar de 1972 até janeiro de 1975, quando as operações seriam oficialmente encerradas com a morte ou prisão da maioria dos guerrilheiros.

Além dos recursos mencionados, o governo utilizou outras táticas de combate à “guerra revolucionária”, tais como cartazes espalhados nos principais pontos das cidades (aeroportos, terminais rodoviários, bancos, entre outros), com retratos dos oposicionistas procurados, pertencentes, em sua grande maioria, aos grupos de ação armada. Médici editou também decretos secretos que se supõe versarem sobre a segurança nacional, cujos textos, entretanto, jamais se tornaram conhecidos.

Política econômica: o “milagre brasileiro”

Entre 1968 e 1974, a economia brasileira sofreria uma notável expansão, refletida no crescimento acelerado do Produto Interno Bruto (PIB). O período, que ficou conhecido como do “milagre brasileiro” em alusão aos “milagres” alemão e japonês das décadas de 1950 e 1960, seria marcado por taxas de crescimento excepcionalmente elevadas, que foram mantidas, enquanto a inflação, “controlada e institucionalizada”, declinava, estabilizando-se em torno de 20 a 25% ao ano.

A permanência do ministro Delfim Neto na pasta da Fazenda durante o governo Médici deveu-se sobretudo à pressão exercida por várias entidades de classe do empresariado nacional. Satisfeitos com os resultados obtidos pela gestão anterior do ministro, principalmente no tocante à contenção da inflação, os empresários pediram a manutenção da política econômica.

Em setembro de 1970, a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro bateu o recorde de volume de transações em toda a sua história, negociando 24 milhões de cruzeiros num só dia, fato que se repetiria no ano seguinte, quando novos recordes seriam estabelecidos em todos os setores.

Em outubro de 1970, o Brasil obteve o maior empréstimo concedido até então pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) a algum país da América Latina: 66,5 milhões de dólares para o complexo hidrelétrico de ilha Solteira. Ainda nesse ano, o Fundo Monetário Internacional (FMI) informou que o Brasil havia sido o primeiro país latino-americano a ultrapassar a cifra de um bilhão de dólares em suas reservas de moedas fortes naquele organismo, conseguindo superar em apenas um mês em 105 milhões de dólares as reservas da Venezuela, até aquele momento o país latino-americano mais forte dentro do FMI.

Na exposição final do primeiro ano da gestão Médici, os ministros da Fazenda e do Planejamento afirmaram que, em relação ao setor econômico-financeiro, “o Brasil realizou, em 1970, todas as suas principais metas”, enumeradas como “recorde absoluto da década”: taxa de crescimento do PIB de 9% (a mesma de 1969); taxa de inflação abaixo de 20%; receita de exportações totais de mercadorias de 2,7 bilhões de dólares; exportações de manufaturados de 430 milhões de dólares; nível de reservas cambiais de 1,2 bilhão de dólares; nível do déficit de 820 milhões de cruzeiros em termos reais (preços constantes) e 0,5% como percentagem do PIB; nível de emissões de 22% em relação ao total emitido até 31 de dezembro de 1969.

No ano de 1971, o Banco Mundial aprovou mais dois empréstimos ao Brasil, num total de 96 milhões de dolares, para exploração de jazidas de minério de ferro.

Com a aprovação desses dois créditos, o Brasil tornou-se o maior cliente do banco, atingindo um montante de compromissos no valor de 1,014 bilhão de dólares.

No final do ano, foram também divulgados os resultados numéricos da economia referentes a 1971: crescimento do PIB de 11,3% ao ano, perfazendo um crescimento médio de 8,8% para o período de 1967 a 1971, “níveis jamais atingidos anteriormente no país”.

Logo no início de 1972, Delfim Neto anunciava que o balanço de pagamentos do Brasil acusara um superávit de 536 milhões de dólares em 1971, e que as reservas totais haviam alcançado 1,721 bilhão de dólares, constituindo-se em novo recorde econômico. Outros empréstimos foram feitos nesse período, perfazendo um total de 560 milhões de cruzeiros, concedidos pelo Eximbank e pelo Banco Mundial, em Washington.

Não obstante, o aumento progressivo da desigualdade na distribuição de renda tornou-se o ponto central da crítica à “política nacional de desenvolvimento” seguida pelo governo Médici e amplamente justificada pelos adeptos do modelo. O próprio presidente da República declarara em relação ao sucesso obtido pela política econômica de seu governo que “a economia vai bem, mas o povo vai mal”.

Essa asserção foi reinterpretada pelo ministro do Planejamento com a afirmação de que “a renda per capita entre quatrocentos e 450 dólares prova que a renda nacional ainda não tem condições de ser redistribuída para melhorar o padrão de vida”. Os economistas da linha oficial procuravam explicar o problema da concentração de renda como conseqüência do crescimento da economia, ao contrário de seus opositores, que a identificavam como causa.

Entre os primeiros, destacou-se a teoria do “crescimento do bolo”, ou seja, a tese de que era necessário assegurar o aumento da riqueza nacional antes de repartir os benefícios do desenvolvimento.

Em conferência pronunciada na ESG em julho de 1972, o ministro Delfim Neto admitiu que “a distribuição de renda no Brasil não é boa”, acrescentando todavia que isso já vinha ocorrendo há muitos anos. Justificou o fato pela crescente complexidade da economia brasileira, afirmando que a estrutura produtiva encontrava-se alterada pelo desenvolvimento, o que resultava numa melhoria para todos, “embora alguns melhorem mais que outros”.

Em agosto de 1972, a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro registrou sua maior valorização dos últimos anos, com uma alta de 9,4%. Logo em seguida, entretanto, as cotações caí-ram vertiginosamente, causando prejuízos a muitos investidores.

Em seu discurso de final de ano em 1972, Médici enumerou os resultados do ano, definidos como êxitos do governo no campo econômico-financeiro: crescimento do PIB em 10,4%; aumento de apenas 14% no índice de custo de vida na Guanabara; superávit de 2,4 bilhões de dólares no balanço de pagamentos, quatro bilhões de dólares de reservas internacionais (mais do que o dobro das reservas do ano anterior); 3,9 bilhões de dólares de exportações, nas quais os produtos manufaturados contribuíram com mais de um bilhão; 4,2 bilhões de dólares de importações.

Em 1973, a eficiência do modelo econômico tornou a ser elogiada por observadores internacionais, que indicaram seis pontos básicos como os responsáveis pelos excelentes resultados obtidos pelo governo brasileiro: a neutralização da inflação, através de medidas de controle monetário e estruturais; o estímulo às exportações, sobretudo de artigos manufaturados; a promoção de investimentos privados nas áreas menos desenvolvidas do país, através de incentivos fiscais; o incremento das poupanças privadas, impulsionadas pelo dispositivo da correção monetária; a contínua importação de capitais, e grandes investimentos em infra-estrutura, como indústrias de base, usinas hidrelétricas, construção de estradas e melhoramentos dos portos.

Em seu último pronunciamento do ano, Médici anunciou um crescimento de 11,4% do PIB e avaliou em “63% o crescimento do qüinqüênio que agora se encerra, colocando-se o Brasil, por essa forma, ao lado dos países que conseguiram, na ordem econômica, o crescimento mais rápido que a história moderna conhece”.

Ao contrário do que o governo insistia em afirmar, a taxa de inflação não foi contida no limite dos 12% pretendidos, embora não houvesse superado a de 1972. O Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômicas (DIEESE) comprovou sua subestimação e contestou os índices que serviram de base, entre outros cálculos, para a correção salarial.

As exportações elevaram-se a 6,1 bilhões de dólares (50% a mais do que em 1972), e as importações, a 5,9 bilhões de dólares, sendo que as reservas cambiais brasileiras ascenderam a 6,3 bilhões. A dívida externa, entretanto, já então atingirá o montante de cerca de dez bilhões de dólares.

Política externa

Em novembro de 1969, logo no início do governo Médici, o presidente norte-americano Richard Nixon fez um pronunciamento dirigido aos países latino-americanos, inclusive o Brasil, cujos governos vinham desenvolvendo medidas contrárias à política econômica dos EUA em relação ao continente. Anunciou a reformulação de algumas diretrizes de seu governo, como por exemplo a política de empréstimos fornecidos pela Agência Internacional de Desenvolvimento (AID), da qual foi eliminada a obrigatoriedade de aplicação exclusiva na compra de equipamentos nos Estados Unidos.

Manifestando-se a respeito dos regimes políticos do continente, afirmou que, apesar de adepto da democracia, em “nível diplomático devemos lidar realisticamente com os governos dentro do sistema interamericano, tais como são”. Sua declaração foi interpretada como um sinal aberto aos governos autoritários e acolhida com entusiasmo por Médici.

No ano seguinte, a política brasileira permaneceu fiel à tradicional linha de solidariedade ao sistema pan-americano, embora a adoção de algumas medidas, como a ampliação do mar territorial para duzentas milhas, por decreto de 25 de março de 1970, tenha desagradado profundamente ao governo norte-americano.

Durante a XXV Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), a delegação brasileira votou contra a condenação do colonialismo e pronunciou-se também contrária ao ingresso da República Popular da China naquele organismo. Na ocasião, o ministro Gibson Barbosa, buscando instrumentos de combate aos seqüestros, propôs que fossem utilizados dispositivos efetivos de garantia à segurança de diplomatas e de vôos internacionais.

Ainda no primeiro semestre de 1970, após seis meses de governo, Médici deixou pela primeira vez o Brasil para encontrar-se com um chefe de nação estrangeira. Reuniu-se com o presidente uruguaio, Jorge Pacheco Areco, na fortaleza de Santa Teresa, no Uruguai, quase fronteira com o Brasil, para inaugurar o último trecho da rodovia Curitiba-Chuí-Montevidéu.

Os dois países reafirmaram sua so-berania sobre o mar territorial de duzentas -milhas, reivindicando o reconhecimento internacional. Entretanto, em 1971 os direitos brasileiros ao “mar de duzentas milhas” continuaram a ser contestados por vários países, sobretudo pelos Estados Unidos, que, através de seu Departamento de Estado, sugeriam aos pesqueiros norte-americanos que ignorassem os novos limites, considerando o decreto brasileiro contrário ao direito internacional.

Além disso, em represália, a Câmara dos Deputados norte-americana tomou a posição de excluir seu país do Acordo Internacional do Café, provocando enérgica reação do governo brasileiro, que classificou a decisão de “intolerável pressão econômica”.

A partir de então, o Brasil tentaria por inúmeras vezes negociar com os Estados Unidos a discussão em separado das duas questões: o acordo do café e a ampliação do mar brasileiro.

Em meados de agosto de 1970, Brasil e Paraguai assinam acordo para a construção de uma hidrelétrica – a maior do mundo a ser localizada em Sete Quedas, no Rio Paraná, na divisa entre os dois países.

O acordo, assinado pelo presidente da Eletrobrás, Mário Bhering, e autoridades paraguaias, previa um custo de cerca de um bilhão de dólares para a execução da obra. A capacidade da hidrelétrica foi estimada em dez milhões de quilowatts, que seriam suficientes para cobrir a demanda de vasta região brasileira e garantir o abastecimento do Paraguai durante cerca de 50 anos.

No início de fevereiro de 1971, a OEA promoveu em Washington uma reunião para debater um projeto de convenção sobre crimes políticos. Liderando um grupo constituído pela Argentina, Uruguai e Guatemala, o Brasil defendeu uma tese descaracterizando o crime político e propondo que o culpado de atos terroristas fosse considerado um criminoso comum, sem direito a asilo político.

Embora endossada meses antes pela própria OEA e depois pela Comissão Jurídica Interamericana, a proposta não obteve a aprovação do plenário, levando a delegação brasileira a retirar-se em protesto, acusando aquele organismo de falhar na missão de estabelecer uma fórmula concreta e eficaz para combater o terrorismo nas Américas.

A sessão foi suspensa, após a retirada do Brasil, e, ao ser reaberta, Argentina, Guatemala, Equador, Paraguai e Haiti adotaram a mesma atitude. Em seguida, o projeto apresentado pela Venezuela com o apoio dos Estados Unidos, caracterizando como crimes terroristas apenas aqueles praticados contra diplomatas e representantes de organismos internacionais, foi aprovado por oito votos contra cinco abstenções e três vetos, esses do Chile, México e do Peru.

Em julho, Médici encontrou-se com o chefe do governo do Paraguai, general Alfredo Stroessner, na fronteira entre os dois países, para inaugurarem a ponte internacional sobre o rio Apa, ocasião em que assinaram um documento condenando as “pressões econômicas entre as nações”.

Em agosto reuniu-se com o presidente da Colômbia, Misael Pasúana Borrero, na cidade colombiana de Letícia, para debaterem a realização de programas conjuntos para o desenvolvimento da área da floresta amazônica e a integração industrial dos dois países. Reiteraram também seu apoio ao Acordo Internacional do Café, desafiando a decisão norte-americana de excluir-se dessa convenção.

Ainda em 1971, o Brasil firmou com Portugal o acordo denominado Convenção de Reciprocidade, concedendo prerrogativas no âmbito dos direitos políticos aos cidadãos brasileiros residentes em Portugal, e aos portugueses residentes no Brasil.

No mês de dezembro, durante a visita de Médici aos Estados Unidos a convite do governo daquele país, o presidente Nixon declarou publicamente que “para onde o Brasil for, irá toda a América Latina”, colocando o governo brasileiro em situação embaraçosa diante dos demais países sul-americanos. Médici fez então um pronunciamento condenando as zonas de influência e a “política de poder efêmera e mutável por sua própria natureza, além de injusta e discriminatória”.

Contestou também a velha “política de interdependência” adotada pelo Brasil em governos anteriores, argumentando que a interdependência poderia existir apenas entre aqueles países que já haviam atingido “os estágios prévios de soberania política e de emancipação econômica”. Mesmo assim, alguns governos reagiram energicamente ao discurso de Nixon.

Em Caracas, o presidente venezuelano Rafael Caldera contrapôs: “Seria um erro muito grave dos Estados Unidos estruturar sua política hemisférica sob a concepção de uma determinada hegemonia de um determinado país dentro da grande família latino-americana”. Pouco mais tarde, os presidentes Stroessner, do Paraguai, e Alejandro Lanusse, da Argentina, manifestaram-se em conjunto contra qualquer “tendência hegemônica na América Latina”, em clara alusão ao discurso de Nixon.

Novamente em 1971, a delegação brasileira votou na ONU contra a admissão da República Popular da China e a conseqüente expulsão de Formosa, onde o Brasil tinha fortes interesses comerciais. Gibson Barbosa afirmou em seu discurso que o Brasil repudiava “a formação de zonas de influência” e não admitia que fosse “posto em dúvida o princípio da igualdade soberana dos Estados-membros da ONU”.

Em 1972, a política externa brasileira seguiu duas diretrizes: a primeira, de aproximação com os países vizinhos, e a segunda, voltada para a conquista de mercados para a expansão da exportação de produtos manufaturados. Em fevereiro, o chanceler boliviano Mario Gutiérrez visitou o Brasil, e, ao longo do ano, diversos chefes de Estado e diplomatas sul-americanos fizeram o mesmo, proporcionando a Médici a oportunidade de apagar a impressão deixada pelo discurso de Nixon.

Ainda em fevereiro, a Câmara dos Deputados norte-americana aprovou uma emenda determinando que os Estados Unidos votassem contra a concessão de créditos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) a qualquer país que aprisionasse barcos pesqueiros norte-americanos em águas que o governo não considerasse territoriais.

No mês seguinte, Brasil e Estados Unidos firmaram um termo de princípios segundo o qual os barcos de nacionalidade norte-americana não voltariam a ser apreendidos no mar territorial brasileiro, não reconhecido pelos Estados Unidos.

Posteriormente, ainda nesse ano, os dois países firmariam um acordo autorizando 325 barcos camaroneiros norte-americanos a pescarem no mar territorial brasileiro contra o pagamento da taxa anual de duzentos mil dólares. Com o Japão foi assinado um acordo aumentando o volume do intercâmbio comercial entre os dois países de 350 milhões de dólares para um bilhão, em 1975.

Em março, o presidente da Argentina, Alejandro Lanusse, visitou o Brasil, estabilizando a tensão entre os dois países, deflagrada por divergências sobre a utilização do rio Paraná. Os argentinos eram contrários ao projeto brasileiro de construção da hidrelétrica de Sete Quedas – mais tarde denominada Itaipu -, sob a alegação de que o mesmo era prejudicial a seu país, que não fora sequer consultado a respeito por ocasião do acordo Brasil-Paraguai.

Em abril, o presidente da Bolívia Hugo Banzer visitou o Brasil. Até outubro o país conseguiria conduzir com equilíbrio sua política externa. Nessa ocasião, as forças de oposição na Argentina pressionaram seu governo para que este adotasse uma postura mais agressiva diante da questão de Itaipu.

O assunto, debatido na sessão de abertura da Assembléia Geral da ONU, seria aparentemente solucionado com a assinatura de um acordo, em Nova Iorque, pelos ministros das Relações Exteriores dos dois países, reafirmando o direito brasileiro de construir a hidrelétrica.

O Brasil comprometia-se a oferecer publicamente detalhes técnicos das obras realizadas nos cursos dos rios internacionais, recebendo em troca a garantia de que essas informações não seriam utilizadas para retardar ou impedir o andamento do projeto.

O acontecimento mais importante do ano de 1972 no setor das relações internacionais seria, entretanto, a viagem do ministro Mário Gibson Barbosa à África Ocidental.

A missão teve como objetivo firmar acordos de cooperação econômica em diversos setores com os países africanos: assistência técnica, trocas comerciais e coordenação de medidas tendentes à fixação de preços mundiais de café e cacau, além de reivindicações de águas territoriais. O ministro visitou a Costa do Marfim, Gana, Togo, Daomé, Zaire, Camarões, Nigéria, Senegal e Gabão.

Assinou ainda uma declaração com o governo do Senegal condenando o colonialismo, mas recusou o encargo de promover a mediação entre Portugal e os movimentos guerrilheiros de libertação das chamadas “províncias ultramarinas” – Guiné, Angola e Moçambique.

A intensificação do comércio exterior em 1973 acarretou um aumento das atividades brasileiras na área diplomática. Em fevereiro, o presidente Médici encontrou-se com o presidente venezuelano Rafael Caldera, na fronteira entre os dois países, firmando declaração conjunta contra o estabelecimento de zonas de influência no mundo.

O empreendimento de maior vulto do governo brasileiro nesse ano seria a concretização do acordo entre o Brasil e o Paraguai para a construção da hidrelétrica de Itaipu. Por outro lado, segundo Osni Duarte Pereira, o resultado das eleições de 14 de março de 1973 na Argentina, que deu a vitória aos peronistas, mudou os rumos políticos do país.

O governo brasileiro passou então a considerar imprescindível precipitar a elaboração de um tratado com o Paraguai, prendendo-o ao compromisso de construir a hidrelétrica sem participação argentina. Ao mesmo tempo em que se insistia na iniciativa, erguia-se na Argentina uma onda de protestos, com base em laudos técnicos, inclusive de brasileiros, que sustentavam que o local escolhido impediria a Argentina de aproveitar os saltos de Corpus, em seu território, de forma integral.

No final de março, o governo brasileiro anunciou ter informado à Argentina e ao Paraguai que em 1º de abril seriam iniciadas as operações de enchimento da barragem de ilha Solteira. Em abril, durante a visita oficial do presidente do Paraguai, general Alfredo Stroessner, ao Brasil, os dois países firmaram um tratado constituindo a empresa binacional Itaipu, destinada a construir e explorar a hidrelétrica.

Formada pela Eletrobrás e a Administración Nacional de Electricidad (ANDE) do Paraguai, a empresa teria sede em Brasília e em Assunção. Em protesto, a Argentina, que desmentira ter sido avisada sobre a ilha Solteira e acusara o governo brasileiro de violar o acordo de Nova Iorque, retirou seu embaixador do Brasil.

Em maio, o govemo brasileiro refutou oficialmente a acusação argentina, e nesse mesmo mês, a Capitania dos Portos do Rio Grande do Sul apressou um barco argentino em águas territoriais brasileiras, acirrando a crise entre os dois países, que foi amplamente divulgada pela imprensa.

O jornalista Hélio Fernandes afirmou na Tribuna da Imprensa que as negociações haviam sido uma vitória diplomática do Paraguai, o qual, ao excluir a Argentina e o Uruguai, garantira a divisão da energia de Sete Quedas apenas com o Brasil. Declarou também que o custo do projeto – cerca de três bilhões de dólares – seria assumido inteiramente pelo Brasil através de financiamentos que obteria e avalizaria sozinho.

A parte do Paraguai seria saldada apenas mais tarde com a exportação de eletricidade para o Brasil. Além disso, como o Paraguai não tinha condições de integralizar seu capital na empresa, o Brasil – através das notas assinadas entre os chanceleres Gibson Barbosa e Raul Sapena Pastor – comprometeu-se a emprestar 50 milhões de dólares àquele país à taxa de 6% ao ano, no prazo de 50 anos, a serem pagos a partir do momento em que a usina começasse a funcionar.

Ainda em maio, Médici viajou oficialmente a Portugal e, embora tenha conferenciado longamente com o presidente Américo Tomás e o primeiro-ministro Marcelo Caetano sobre a questão das colônias ultramarinas portuguesas, o assunto não foi mencionado no comunicado final da visita. Em meio aos entendimentos, o Brasil opôs-se à criação de uma zona de livre comércio com Portugal, considerando-a prejudicial à sua política em relação à Aliança Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC).

O ministro Gibson Barbosa visitou, por sua vez, nos meses de junho e julho, a Colômbia, a Venezuela, a Bolívia, o Equador e o Peru, com o objetivo de reforçar contatos comerciais- com países-membros do Pacto Andino, referentes à exploração do carvão colombiano e à compra de petróleo e de produtos petroquímicos venezuelanos.

Concluiu com a Bolívia negociações para a construção de um gasoduto entre Santa Cruz de la Sierra e Paulínia (SP). Em Lima, os governos do Brasil e do Peru comprometeram-se, através de uma declaração conjunta, a unir-se em defesa do mar territorial de duzentas milhas e a lutar por uma maior parcela do tráfego mundial de carga para as marinhas mercantes dos países em desenvolvimento.

Além disso, os dois países criticaram “as políticas protecionistas de certas nações industrializadas”, numa clara alusão aos Estados Unidos.

No mês de agosto, Brasil e Paraguai ratificaram em Assunção o tratado de Itaipu e anuncia-ram o início da construção da hidrelétrica. Ao longo de 1973, segundo Mário Bhering, encontrar-se-iam-se em andamento no Brasil as obras de 29 centrais com 1.600 megawatts de capacidade total, sendo 20 hidrelétricas, oito térmicas convencionais e uma central nuclear.

Na OEA, o Brasil manifestou-se contra a reintegração de Cuba a esse organismo internacional, com base na justificativa de que o regime cubano não mudara sua atitude em relação ao sistema interamericano.

Na Assembléia Geral da OEA, o Brasil assumiu a liderança dos países latino-americanos que queriam- negociar uma fórmula intermediária para suavizar a proposta do Chile, Uruguai e Peru, de reestruturação do sistema interamericano sem a presença dos Estados Unidos.

Em 13 de setembro de 1973, dois dias após a deflagração do golpe de Estado no Chile, que causou a morte do presidente Salvador Allende, o Brasil reconheceu a junta militar chilena que tomou o poder. Segundo Veja, a posição brasileira teria sido uma decisão pessoal e direta de Médici.

Nos primeiros meses após o golpe, um número incontável de militantes de esquerda e de lideranças sindicais foi executado. Entre os brasileiros que se encontravam exilados no Chile, alguns foram vítimas da violência policial, mas uma boa parte deles conseguiu evadir-se para outros países.

Outras realizações do governo Médici

Ao longo de seu governo, Médici adotaria algumas iniciativas políticas de relevo na área econômica e social.

A partir de meados de abril de 1970, a imprensa passou a noticiar a situação desesperadora provocada pela seca que assolara a região Nordeste do país (Ceará, Piauí, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Bahia): saques de composições ferroviárias, caminhões, feiras livres e casas comerciais, invasão de cidades pelos flagelados que se contavam aos milhares, sem trabalho e sem comida. O comércio fechava as portas e o policiamento era reforçado.

Em junho, Médici visitou toda a região e o governo federal decretou estado de calamidade pública nos municípios atingidos, abrindo um crédito extraordinário de 60 milhões de cruzeiros para atender às necessidades iniciais. Segundo o ministro Reis Veloso, o número de flagelados situava-se em torno de um milhão.

A Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) anunciou na ocasião a abertura de 80 frentes de trabalho, com emprego para 160 mil pessoas. Em agosto, o governo federal autorizaria novos créditos destinados às vítimas da seca, num total de 75 milhões de cruzeiros, e criaria cerca de outras 70 frentes de trabalho para absorver os flagelados, pagos à razão de dois mil cruzeiros por dia, em torno de 50% do salário mínimo regional.

No início de julho de 1970, Médici decretou a extinção do Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (INDA), do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA) e do Grupo Executivo de Reforma Agrária (GERA), cujas atribuições passaram ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), criado pelo mesmo decreto.

Segundo Opinião, o novo órgão significaria, de certo modo, um retrocesso nos antigos esforços do IBRA de distinguir a “colonização de novas áreas” da “reforma agrária propriamente dita”, uma vez que a tendência que prevaleceria mais tarde no INCRA seria a de atribuir a grande prioridade à “expansão da fronteira agrícola”.

Em agosto, o presidente anunciou a criação do Plano de Integração Social (PIS), destinado a abranger todos os trabalhadores num fundo de participação a ser gerido pela Caixa Econômica Federal.

De acordo com o projeto, o fundo começaria a funcionar a partir de julho de 1971, sendo formado por duas parcelas, ambas a cargo da empresa: uma delas, deduzida do imposto de renda e a outra, proveniente de recursos próprios. No mesmo mês o governo publicou um decreto especificando as responsabilidades de cada ministério no Programa de Integração Nacional (PIN), também criado, atribuindo ao Ministério dos Transportes a construção imediata da rodovia Transamazô-nica e da Cuiabá-Santarém.

A extensão do segmento principal da Transamazônica estava -prevista em 2.075km desde Picos, no Piauí, até Humaitá, no Amazonas, completando, de um lado, o trajeto da BR-232 (Recife-Picos) e, de outro, partes das rodovias Manaus-Porto Velho e Brasília-Acre. Essa grande diagonal Leste–Oeste atingiria, em conjunto, 6.368km de comprimento.

No dia 1º de setembro de 1970, uma das quatro firmas escolhidas em concorrência pública deu início à construção da Transamazônica, com o desmatamento do trecho de 280km entre Estreito (MA) e Marabá (PA). Ao mesmo tempo, o Exército começou a construção de sua longitudinal, a Cuiabá-Santarém.

A idéia da Transamazônica surgira como solução única para dois grandes problemas: a integração da Amazônia e o aproveitamento da mão-de-obra do Nordeste – os milhares de desempregados em conseqüência da seca. Na ocasião, diversas personalidades voltaram-se contra o projeto. O governador da Paraíba, João Agripino, discordou da utilização dos recursos da Sudene – já tão escassos na obra.

O senador pernambucano José Ermírio de Morais condenou o aproveitamento dos flagelados como mão-de-obra e acusou o projeto de beneficiar diretamente os interesses estrangeiros nas grandes reservas de minério de ferro do Pará. O ex-ministro da -Fazenda, Roberto Campos, declarou que a estrada apenas ligaria “a miséria da selva” à “miséria da caatinga”, reconhecendo alguma viabilidade econômica apenas na Cuiabá-Santarém.

Entretanto, a construção das duas rodovias representou a primeira tentativa racional de ocupação da Amazônia por brasileiros. A criação de agrovilas – núcleos básicos para o nascimento de dezenas de cidades nas selvas – seria o início da colonização de uma vasta área correspondente a cerca de 50% do território nacional.

No dia 8 de setembro, o presidente Médici lançou oficialmente o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), cuja presidência foi entregue a Mário Henrique Simonsen, economista da Fundação Getulio Vargas.

O decreto-lei propôs ainda deduções no imposto de renda de pessoas jurídicas nos exercícios de 1971 a 1973 caso fossem efetuadas doações ao novo órgão, que tinha como finalidade a alfabetização de adultos. No dia 1º de outubro, foi lançado o Programa de Metas e Bases para a Ação do Governo, coordenado pelo Ministério do Planejamento, englobando 230 projetos prioritários para impulsionar a política de desenvolvimento.

Uma semana depois, em 8 de outubro, Médici anunciou uma série de medidas destinadas a integrar a Amazônia na unidade nacional, entre elas o projeto de lei criando o Estatuto do Índio, a institucionalização do Projeto Rondon e a execução do Projeto Radam, de levantamento aerofotogramétrico da região.

Na ocasião, o presidente afirmou que o governo e a revolução “são essencialmente nacionalistas, entendido o nacionalismo como a afirmação do interesse nacional sobre quaisquer interesses, e a prevalência das soluções brasileiras para os problemas do Brasil”. No dia seguinte, o presidente inaugurou a placa comemorativa do início da construção da Transamazônica, nas proximidades de Altamira (PA).

No final de março, enviou mensagem ao Congresso instituindo o Programa de Assistência ao trabalhador Rural, aprovado afinal em maio.

Em julho foi criado o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste – Proterra – com os seguintes objetivos: a desapropriação de grandes propriedades, mediante indenização para posterior venda a pequenos e médios agricultores; concessão de créditos para aquisição de glebas; fixação de preços mínimos de produtos de exportação.

O Proterra previa, numa primeira etapa a ser concluída em janeiro de 1974, a entrega de trezentos títulos, de propriedades de terras, beneficiando 3.500 famílias da região. O plano inicial restringia-se apenas a algumas zonas consideradas prioritárias para a realização da reforma agrária. Entre 1972 e 1976 seriam aplicados no programa cerca de quatro bilhões de cruzeiros.

Em agosto de 1971, foi aprovado o Projeto nº 5.692, dispondo sobre diretrizes e bases para o ensino de primeiro e segundo graus. A nova lei, então denominada “reforma do ensino”, estabeleceu a fusão em um único curso de oito anos – o primeiro grau -, dos antigos cursos primário e ginasial, atendendo à faixa etária de sete a 14 anos.

O segundo grau adquiriu o objetivo de capacitar o aluno para o exercício de uma profissão especializada, ao término do curso. Para os dois níveis foi instituída a obrigatoriedade do ensino de educação moral e cívica, educação física, educação artística e programa de saúde.

Em novenbro, foi anunciado outro programa: o Plano de Desenvolvimento da Região Centro-Oeste – Prodoeste -, com recursos previstos da ordem de 750 milhões de cruzeiros durante três anos. O programa deveria ser executado em colaboração com os governos estaduais e o setor privado, cabendo ao governo federal a construção da rede viária básica, a regularização do curso dos rios e o saneamento do pantanal mato-grossense.

Os governos estaduais construiriam as estradas vicinais, e o setor privado se encarregaria, através de financiamento do Banco do Brasil, da montagem da rede de silos, armazéns e frigoríficos.

Em fevereiro de 1972, Médici assinou o decreto-lei criando o Programa Especial para o Vale de São Francisco (Provale), prevendo recursos da ordem de 840 milhões de cruzeiros em três anos. Ainda nesse mês foi instituído o Programa Nacional de Telecomunicações (Prontel), articulado com a política nacional de educação, com o objetivo de integrar as atividades didáticas educativas ao rádio e à televisão.

No final de março foi inaugurada a transmissão de televisão em cores e, em julho, Médici sancionou a lei referente à Telebrás empresa holding em regime de sociedade de economia mista, absorvendo todas as empresas de exploração dos serviços de telecomunicação do país. Em novembro, o ministro das Comunicações, Higino Corsetti, instalaria afinal a nova empresa, destinada a coordenar as atividades da Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel) e das empresas-pólos estaduais.

Em 7 de setembro, na presença do primeiro-ministro português Marcelo Caetano, foram encerradas as comemorações dos 150 anos da Independência, iniciadas em abril anterior com a visita do presidente de Portugal, Américo Tomás, que viera acompanhando os restos mortais do imperador dom Pedro I.

Na ocasião, foi entronizada a urna com os despojos do primeiro imperador diante do Museu Ipiranga, em São Paulo. Ainda em setembro, Médici inaugurou a Cidade Universitária da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na ilha do Fundão, um bloco de edifícios, cuja construção fora iniciada há mais de 20 anos.

Ainda em 1973, Médici lançou o Plano Nacional de Habitação Popular (Planhap), destinado a eliminar em dez anos o déficit habitacional para as famílias com renda entre um e três salários mínimos, provendo-se a construção do equivalente a dois milhões de moradias. Em 1974, a faixa de atendimento do Planhap seria ampliada para até cinco salários mínimos. Em decorrência da aplicação do plano, previa-se a criação ou manutenção de duzentos mil novos empregos diretos e cerca de seiscentos mil empregos indiretos, mas os resultados obtidos ficaram muito aquém da projeção inicial.

No período compreendido entre a eleição e a posse de seu sucessor, Médici inaugurou diversas obras iniciadas em governos anteriores ou ao longo de sua gestão. No dia seguinte à eleição de Geisel à presidência da República (15/1/1974), inaugurou a usina hidrelétrica da ilha Solteira, a maior da América do Sul, entre os estados de São Paulo e Mato Grosso, com 320.000kW de capacidade, completando o complexo de Urubupungá, de 4.600.000kW. Segundo seria divulgado em fevereiro, a capacidade de geração hidrelétrica do Brasil no ano de 1973 atingira os 15,8 milhões de quilowatts, apresentando um aumento de 5,8% em relação a 1972.

Ainda no final de janeiro de 1974, o presidente entregou em Recife os dois primeiros títulos de posse de terra do Proterra e inaugurou a terceira etapa da Transamazônica, o trecho entre Itaituba e Humaitá. Em meados de fevereiro, inaugurou o porto fluvial de Santarém (PA) e o asfaltamento das rodovias Belém-Brasília (BR-010) e Belém-São Luís (BR-316).

A última obra de vulto inaugurada por Médici antes da posse dos novos presidente e vice-presidente da República foi a ponte Presidente Costa e Silva, ligando o Rio a Niterói, em 4 de março de 1974.

A sucessão presidencial

No início de janeiro de 1972, o deputado arenista Flávio Marcílio fez um pronunciamento favorável à reeleição de Médici à presidência da República, deflagrando no Congresso um acirrado debate entre os dois partidos existentes. Em fevereiro, entretanto, o senador Filinto Müller, já escolhido por Médici para a presidência da Arena, desautorizou os parlamentares arenistas a debaterem o processo sucessório.

Em 31 de março, durante as comemorações do oitavo aniversário do movimento político-militar que depôs o presidente João Goulart, o chefe do governo colocou um ponto final à polêmica, afirmando em seu discurso que constituía um “grave desserviço ao país abrir essa questão política, quando está ainda distante a data em que o problema deve se propor.

Somente na segunda metade do ano vindouro, os partidos políticos terão de definir-se quanto à sucessão presidencial, estando bem mais longe a data em que serão chamados a pronunciar-se acerca da sucessão na esfera estadual”.

As especulações, no entanto, extrapolaram o âmbito dos debates internos no país, e a indicação do general Ernesto Geisel, presidente da Petrobras, foi aventada em abril pela imprensa internacional. No Brasil, a censura impedia esse tipo de notícia. A revista norte-americana Time e a argentina Panorama publicaram artigos que o caracterizavam como o virtual sucessor de Médici.

Enquanto isso, prosseguiam as articulações para o lançamento da candidatura de Médici à reeleição, que seria oficializada durante as solenidades de inauguração da Petroquímica União, em Capuava (SP), e do Centro de Convenções do Anhembi, na capital paulista, marcadas para o final de junho.

Ao tomar ciência desse movimento – que contava com o apoio de alguns governadores, o presidente proibiu os preparativos e cancelou os discursos previstos para as cerimônias, às quais, todavia, compareceu. No dia seguinte, recusou também que se consumassem as homenagens excessivas que lhe estavam sendo preparadas num centro recreativo operário, localizado em um subúrbio de São Paulo.

Poucos dias depois, ainda em junho, o Correio da Manhã publicou o primeiro de dois editoriais propondo claramente a reeleição do presidente, desencadeando uma reação imediata do palácio do Planalto.

Assim, na solenidade de inauguração do novo prédio do Ministério da Justiça, em Brasília, realizada logo em seguida, Médici proferiu um discurso reafirmando sua autoridade ao declarar que o Executivo não abriria mão dos poderes que lhe haviam sido conferidos, e que considerava impatriótico falar de sucessão presidencial até o segundo semestre de 1973, quando se abririam os debates em torno da questão.

O grande fato político do ano de 1973 foi, portanto, a escolha do novo presidente, solucio-nada afinal após vários meses de articulações restritas aos círculos militares e aos políticos vinculados ao governo.

Não obstante, frente à opinião pública, Médici se manifestava continuamente contra quaisquer especulações, que proibiu oficialmente “em caráter definitivo”, no início de março, garantindo, assim, segundo Opinião, o êxito da meta que fixara, de dirigir pessoalmente o processo sucessório.

Pouco depois, quando as restrições à liberdade de imprensa atingiram seu auge, as determinações contrárias à publicação de notí-cias sobre o nome do futuro presidente tornaram-se ainda mais severas.

Em protesto contra a censura, jornais de São Paulo substituíram então suas matérias por receitas culinárias, cartas de leitores e jurisprudência do STF. Alguns órgãos de imprensa utilizaram o artifício de publicar informações, com destaque, sobre as viagens de Geisel – o provável sucessor – às unidades da Petrobras ao lado da notícia da proximidade do desenlace do episódio sucessório, interligando os dois fatos com os mais audaciosos recursos gráficos.

De acordo com os termos da Emenda nº 1 à Constituição de 1967, as eleições do presidente e do vice-presidente da República, previstas para 15 de janeiro de 1974, seriam realizadas por um colégio eleitoral, cuja composição e funcionamento deveriam ainda ser regulamentados por lei complementar.

Antecipando-se às iniciativas governamentais, o MDB apresentou um projeto nesse sentido, formulado, segundo Veja, com “impecável técnica legislativa” pelo deputado Marcelo Medeiros. O governo, entretanto, considerou-o inviável e encarregou o ministro Alfredo Buzaid de formular um outro, que seria depois revisado pelo chefe do Gabinete Civil, Leitão de Abreu.

No dia 18 de junho, pouco antes do prazo estipulado para a abertura dos debates à sucessão presidencial, Médici, ante a pressões que se avolumaram em todo o país, reuniu-se com a comissão executiva nacional da Arena e indicou oficialmente o nome de Geisel para substituí-lo.

Nesse mesmo dia, enviou ao Congresso o anteprojeto sobre o colégio eleitoral, propondo sua constituição por 125 delegados indicados pelas assembléias estaduais, além dos próprios, membros do Congresso, que escolheriam, por maioria absoluta, entre os candidatos registrados pelos dois partidos legais, os novos presidente e vice-presidente da República.

Uma semana depois, o general Adalberto Pereira dos Santos, presidente do STM, teve seu nome lançado como candidato oficial do governo à vice-presidência.

O projeto de regulamentação do colégio eleitoral, apreciado por uma comissão mista do Congresso presidida pelo senador arenista Daniel Krieger, foi aprovado em agosto, mantendo, em sua forma final, as 40 emendas apresentadas fundamentalmente pelos parlamentares oposicionistas.

Definido o esquema oficial, o MDB, após intensos debates e embora previamente derrotado, decidiu concorrer às eleições presidenciais. Lançou como candidato o próprio presidente do partido, Ulisses Guimarães, e indicou para a vice-presidência o jornalista e ex-governador de Pernambuco, Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho.

Oficializadas as candidaturas nas respectivas convenções partidárias realizadas em setembro, o grupo de parlamentares mais incisivos do MDB, conhecido como dos “autênticos”, empenhou-se junto ao TSE para que o acesso gratuito aos meios de comunicação fosse também concedido ao candidato oposicionista. O TSE, porém, negou a solicitação, entendendo que o dispositivo constitucional não se aplicava às eleições indiretas.

A campanha do MDB limitou-se, portanto, a apenas alguns encontros dos candidatos – já então intitulados “anticandidatos” – com lideranças locais no interior do país e à divulgação do discurso de Ulisses Guimarães proferido na convenção do partido.

Em 15 de janeiro de 1974, o colégio eleitoral sufragou por maioria esmagadora os nomes dos candidatos arenistas, enquanto 21 dos 76 eleitores oposicionistas – os “autênticos” – abstiveram-se de votar. Em 15 de março seguinte, Médici transmitiu a chefia do governo ao general Ernesto Geisel.

Na defesa do regime de exceção

Deixando a presidência da República, Médici permaneceu durante cerca de dois anos e meio afastado da vida pública. Absteve-se de fazer declarações políticas, esquivou-se de comparecer a cerimônias oficiais, dedicando-se apenas, ao que tudo indica, à convivência familiar em sua residência em Copacabana, no Rio, e em sua fazenda em Bajé, no Rio Grande do Sul.

Seu primeiro pronunciamento público após esse período se deu em julho de 1976, quando foi homenageado pelo Sindicato Rural de Viçosa, em Minas Gerais, por ter instituído em seu governo o Funrural. Referiu-se, na ocasião, à miopia política dos “arautos inconseqüentes do liberalismo”, que, a seu ver, “valendo-se das franquias do estado de direito, pretendem, na verdade, aniquilá-lo, pelo confisco de todas as liberdades”. Defendeu o autoritarismo e o regime de exceção como meios- de combate à “onda subversiva” e de “preservação da autonomia individual”, segundo afirmou, sufocada nos regimes totalitários.

Em setembro de 1976, o deputado José Wilson Siqueira Campos, da Arena de Goiás, defendeu a candidatura de Médici ao Senado por seu estado nas eleições previstas para novembro de 1978. O ex-presidente, contudo, recusou a iniciativa isolada do parlamentar goiano. Em janeiro de 1977, inaugurou em Nova Iguaçu (RJ) uma nova unidade do Liceu Presidente Médici.

Em setembro de 1978, às vésperas das eleições presidenciais indiretas, Médici manteve-se como o crítico mais contundente do chamado processo de “abertura” política e, especialmente, do general Golberi do Couto e Silva, chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, a quem responsabilizava pela orientação liberalizante do governo Geisel.

Segundo Veja, Médici achava que o candidato oficial à presidência, general João Batista Figueiredo, que fora chefe do Gabinete Militar de seu governo, deveria desatrelar sua candidatura da “política do Planalto”.

Referindo-se a Golberi e Geisel, ainda segundo a mesma fonte, Médici teria advertido Figueiredo: “Eles estão te comendo pela perna.” Na mesma ocasião, negou à imprensa que apoiaria o general Euler Bentes Monteiro, candidato à presidência lançado pelo MDB com o apoio da Frente Nacional de Redemocratização, afirmando que “seria uma incoerência”.

Em dezembro de 1979, já no governo Figueiredo, o jornal Folha de S. Paulo noticiou que o general Médici, surpreendentemente, dera seu aval à “abertura” política iniciada no governo Geisel, ao declarar que o processo se constituía numa “grande solução”. Não obstante, em janeiro do ano seguinte, segundo O Estado de S. Paulo, Médici recusou o convite formal para ingressar na agremiação governista, o Partido Democrático Social (PDS), criado após a extinção do bipartidarismo em 29 de novembro de 1979 e a conseqüente reformulação partidária.

Declarou em Porto Alegre que discordava da estratégia e dos objetivos do governo Figueiredo, fora contra a revogação do AI-5, considerava a anistia uma precipitação, não aceitava a volta às eleições diretas, a devolução gradativa do poder à classe política e a forma como a imprensa desempenhava seu papel. Portanto, afirmou, não tinha motivos para ingressar no sucedâneo da Arena, cujo programa considerava muito avançado.

Em 3 de maio de 1981, sua festa de bodas de ouro contou com a presença de cerca de mil convidados, entre os quais o presidente Figueiredo, o ex-presidente Geisel, governadores e ministros de Estado, o que revelou o prestígio e a importância de que ainda desfrutava no cenário político do país.

Faleceu no Rio de Janeiro no dia 9 de outubro de 1985.

Era casado com Scila Gaffrée Médici, com quem teve dois filhos.

As mensagens que dirigiu ao Congresso Nacional e os discursos e conferências que proferiu durante seu governo foram publicados pelo Departamento de Imprensa Nacional.

A seu respeito foi lançado em 1973 o livro A imagem de um presidente, de autoria do general Iberê de Matos. Sônia Dias

Governo Médici – Milagre Econômico

Governo Emílio Garrastazu Médici (1969/74).

O auge “Milagre Econômico”.

Fazenda – Delfim Netto.

Continuidade da expansão financeira, mais dívidas do Estado, incentivos aos novos investidores, desnacionalização consolidada.

Crédito para o consumo das classes médias mantido elevou a popularidade do regime.

“O bolo estava crescendo”

Os “projetos-impacto”

A aparência de desenvolvimento foi usada para anunciar as obras faraônicas que transformariam o país em “potência”.

O “gigante adormecido acordava para uma nova realidade sócio-econômica”.

Capitalizando investimentos internos e externos a ditadura apresenta o “sucesso”

O Neopopulismo

Com a grande censura e muita disposição para a publicidade, o governo destaca os números da economia em crescimento, as vitórias esportivas no automobilismo e no futebol, a eficiência da engenharia nacional na execução das grandes obras pelo país e as novas tecnologias aplicadas na produção de riqueza

A luta dos “subversivos”

Após o AI – 5, a esquerda se dividiu e uma pequena fração enveredou na luta armada.

As guerrilhas urbana e rural pretendiam derrubar a ditadura e realizar uma revolução de cunho socialista no país.

Sem condições materiais para atingir suas metas, os guerrilheiros foram reprimidos

A luta contra os “subversivos”

Para destruir o “terrorismo da esquerda”, o regime investiu no aparelhamento das forças repressoras, legitimando a violência social dos agentes da ditadura

Em meio ao ufanismo difundido pelos militares, uma “guerra suja” era travada nos porões dos órgãos repressores

“Eu te amo meu Brasil, eu te amo
Meu coração é verde, amarelo,
branco, azul anil
Eu te amo meu Brasil, eu te amo
Ninguém segura a juventude do
Brasil (…)”

“Noventa milhões em ação
Prá frente Brasil do meu coração
Todos juntos, vamos
Prá frente Brasil
Salve a seleção
De repente é aquela corrente prá frente (…)”

“Apesar de você”

“Hoje você é quem manda
falou, tá falado, não tem discussão
a minha gente hoje anda falando de lado
e olhando pro chão
Você que inventou esse estado
e inventou de inventar toda a escuridão
você que inventou o pecado
esqueceu-se de inventar o perdão…” Chico Buarque

O fim do “Milagre Econômico”

Com a crise internacional do petróleo de 1973, os investimentos externos foram reduzidos e o crédito para o país sofreu restrições fortes.

Sem a participação do capital estrangeiro para a concretização de novos projetos, a economia nacional começou a sua agonia

Os Brandos no poder

Ao final do governo Médici, a Linha Dura não conseguiu manter o Executivo e os Brandos venceram a disputa presidencial.

Geisel foi escolhido entre os militares e o Colégio Eleitoral mais uma vez referendou a idéia dos ditadores.

Sem tensões, a Linha Dura deixa o poder.

Fonte: www.brasilnoar.com.br/www.planalto.gov.br/elogica.br.inter.net/www.cpdoc.fgv.br

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