Este mundo es el camino (1595)

Redondilhas de Luís Vaz de Camões

Trovas

PUBLICIDADE

do Autor, na Índia, conhecidas
pelo nome de «Disparates»

Este mundo es el camino

adó ay ducientos vaus

ou por onde bons e maus

todos somos del menino.

Mas os maus são de teor

que, dês que mudam a cor,

chamam logo a el-Rei compadre;

e, enfim, dejalhos, mi madre,

que sempre tem um sabor

de «Quem torto naeo, tarde se

[endireita».

Deixai a um que se abone,

diz logo de muito sengo:

villas e castillos tengo,

todos a mi mandar sone.

Então eu, que estou de molho,

com a lágrima no olho,

pelo virar do envés,

digo-lhe: tu insanus es,

e por isso não to talho:

pois «Honra e proveito não cabem |

[num saco».

Vereis uns, que no seu seio

cuidam que trazem Paris,

e querem com dous ceitis

fender anca pelo meio.

Vereis mancebinho de arte

com espada em talabarte;

não há mais Italiano.

A este direis:-Meu mano,

vós sais galante que farte:

mas «Pan y vino anda el camino, que

no mozo garrido».

Outros em cada teatro

por ofício lhe ouvireis

que se matarán con tres

y lo mismo harán com cuatro.

Prezam-se de dar respostas

com palavras bem compostas;

mas, se lhe meteis a mão,

na paz mostram coração,

na guerra mostram as costas:

porque «Aqui torce a porca o rabo».

Outros vejo por aqui,

a que se acha mal o fundo,

que andam emendando o mundo

e não se emendam a si.

Estes respondem a quem

deles não entende bem

el dolor que está secreto;

mas porém quem for discreto

responder-lhe há muito bem:

«Assi entrou o mundo, assi há-de sair».

Achareis rafeiro velho,

que se quer vender por galgo:

diz que o dinheiro é fidalgo,

que o sangue todo é vermelho.

Se ele mais alto o dissera,

este pelote pusera;

que o seu eco lhe responda,

que su padre era de Ronda,

y su madre de Antequera

e «Quer cobrir o céu cüa joeira».

Fraldas largas, grave aspeito

para senador romano.

Õ que grandíssimo engano!

Que Momo lhe abrisse o peito!

Consciência que sobeja,

siso, com que o mundo reja,

mansidão outro que si;

mas que lobo está em ti,

metido em pele de oveja!

E sabem-no poucos.

Guardai-vos d’uns meus senhores,

que ainda compram e vendem;

uns que é certo que descendem

da geração de pastores;

mostram-se-vos bons amigos,

mas, se vos vêm em perigos,

escarram-vos nas paredes;

que de fora dormiredes,

irmão, que é tempo de figos;

porque «De rabo de porco nunca

bom virote».

[Que dizeis duns, qu’as entranhas

lhe estão ardendo em cobiça?

E, se têm mando, a justiça

fazem de teias de aranhas,

com suas hipocrisias

que são de vós as espias?

Para os pequenos, uns Neros;

para os grandes, tudo feros.

Pois tu, parvo, não sabias

que «Lá vão leis, onde querem

cruzados»?

Mas tornando a uns enfadonhos

cujas cousas são notórias;

uns, que contam mil histórias

mais desmanchadas que sonhos;

uns, mais parvos que zamboas,

que estudam palavras boas,

[a que ignorancia os atiça;]

estes paguem por justiça,

que têm morto mil pessoas,

por vida de quanto quero

Adónde ienen las mentes

uns secretos trovadores,

que fazem cartas d’amores,

de que ficam mui contentes?

Não querem sair à praça;

trazem trova por negaça;

e se lha gabais, que é boa,

diz que é de certa pessoa.

Ora que quereis que faça,

senão ir-me por esse mundo?

Ó tu, como me atarracas,

escudeiro de solia,

com bocais de fidalguia,

trazidos quase com vacas;

importuno a importunar,

morto por desenterrar

parentes que cheiram já!

Voto a tal, que me fará

um destes nunca falar

mais com viva alma.

Uns que falam muito, vi,

de que quisera fugir;

uns que, enfim, sem se sentir,

andam falando entre si;

porfiosos sem razão;

e dês que tomam a mão,

falam sem necessidade;

e se algüa hora é verdade,

deve ser na confissão;

porque «Quem não mente…» Já me

[entendeis.

Õ vós, quem quer que me ledes,

que haveis de ser avisado,

que dizeis ao namorado

que caça vento com redes?

Jura por vida da Dama,

fala consigo na cama,

passa de noite, e escarra;

por falsete na guitarra

põe sempre: viva quem ama,

porque calça a seu propósito.

Mas deixemos, se quiserdes,

por um pouco as travessuras

porque entre quatro maduras

leveis também cinco verdes.

Deitemo-nos mais ao mar;

e, se algum se arrecear,

passe três ou quatro trovas.

E vós tomais cores novas?

Mas não é para espantar;

que «Quem porcos há menos, em cada

[mouta lhe roncam».

Ó vós, que sois secretários

das conciências reais,

que entre os homens estais

por senhores ordinários;

porque não pondes um freio

ao roubar que vai sem meio,

debaixo de bom governo?

Pois um pedaço d’inferno

por pouco dinheiro alheio

se vende a Mouro e a Judeu

Porque a mente, afeiçoada

sempre à real dignidade,

vos faz julgar por bondade

a malícia desculpada.

Move a presença real

üa afeição natural,

que logo inclina ao juiz

a seu favor; e não diz

um rifão muito geral

que «O abade donde canta,

[daí janta»?

E vós bailhais a esse som?

Por isso, gentis pastores,

vos chama a vós mercadores

um que só foi pastor bom.]

Fonte: www.bibvirt.futuro.usp.br

Veja também

Os Reis Magos

PUBLICIDADE Diz a Sagrada Escritura Que, quando Jesus nasceu, No céu, fulgurante e pura, Uma …

O Lobo e o Cão

Fábula de Esopo por Olavo Bilac PUBLICIDADE Encontraram-se na estrada Um cão e um lobo. …

O Leão e o Camundongo

Fábula de Esopo por Olavo Bilac PUBLICIDADE Um camundongo humilde e pobre Foi um dia …

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

This site is protected by reCAPTCHA and the Google Privacy Policy and Terms of Service apply.