Agência Nacional das Águas (ANA)

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Agência Nacional das Águas (ANA) – O que é

Embora, na Grécia Antiga, Teofrasto, discípulo de Aristóteles, já desenvolvesse estudos relacionados com o que hoje se conhece por ecologia, foi somente no século XIX, principalmente após a publicação da obra Ensaio sobre a população (1878), de Thomas Malthus, que começou a despertar o interesse do homem pela preservação dos recursos naturais, já que essenciais à sua sobrevivência. Até então, a humanidade só pensava no progresso econômico e não se preocupava com o que lhes parecia infinito.

No mundo hodierno, a preocupação já é tamanha que até as Constituições trazem normas que versam sobre a proteção ao meio ambiente. O constitucionalismo admitiu a inclusão do tema, mesmo não sendo ligado à organização do Estado ou à limitação do poder político, nos textos constitucionais, como uma maneira de evidenciar a sua magnitude e, ipso facto, a relevância dos bens juridicamente tutelados por aquelas normas.

No seio dessa preocupação, emerge a questão da água, um bem que abunda na natureza, mas cujo percentual utilizável deixa perplexo o mais desleixado dos homens. De acordo com estudos de especialistas, somente 2% da água existente no globo terrestre é doce. E, para piorar a situação, 90% dessa quantidade está concentrada nos polos e no subsolo. Significa que a água que mais nos interessa é um bem natural em escassez.

Para aumentar a o desespero que nasce ao se tomar conhecimento desses dados, vê-se, diariamente, no noticiário que o respeito a essa carência é a todo momento desprezado, especialmente pelas grandes empresas, inclusive as estatais. Os níveis de poluição e de desperdício são alarmantes.

De acordo com informações trazidas pelo prof. Paulo de Bessa Antunes, grande especialista na matéria, cerca de 73% da água doce utilizada no mundo é destinada à agricultura, 21% à indústria e 6% como água potável, sendo que, na agricultura, 60% de seu volume se perde antes de atingir a planta que deveria ser irrigada.

Diante desses fatos, percebe-se que a necessidade da criação de um arcabouço jurídico, capaz de minorar os problemas relacionados à água, torna-se cada vez mais premente. Vejamos, pois, como se tem comportado o legislador brasileiro diante desse quadro.

As águas antes e depois de 1988

Agência Nacional das Águas

Desde o período colonial, o Brasil vem disciplinando o regime das águas, mas sob diferentes enfoques. Até o advento do Decreto n.º 24.643/34, inclusive no Código Civil (arts. 563 a 568), o tema era visto à luz do direito privado, no âmbito dos direitos reais. Entretanto, com a entrada em vigor do Código de Águas, passou-se a encarar a água como fonte de energia, principalmente elétrica. Iniciava-se a publicitação da discussão, mas não em nível de preservação, como recurso natural escasso.

No plano constitucional, limitaram-se as Cartas passadas a dizer sobre a competência para legislar sobre o tema e sobre a atribuição da titularidade de alguns cursos d’água aos entes políticos.

Agora, sob a égide da nova Constituição, época em que a questão da água já está bastante amadurecida, principalmente em razão das grandes convenções internacionais que versaram sobre o tema nas últimas décadas, os rumos são outros e a novidade é a consideração desse, que é um dos recursos naturais mais essenciais ao homem, como um bem apreciável economicamente, o que foi introduzido no nosso ordenamento jurídico pela Lei n.º 9.433/97, a exemplo do que já acontecia na França e nos Estados Unidos havia cerca de 30 anos.

Assim, possível será cobrar não só pela distribuição e pelo tratamento da água, como acontecia anteriormente, advertiu o prof. Aser Cortines Peixoto Filho; mas também pelo próprio líquido, que, no futuro próximo, será mais valioso economicamente do que o petróleo, estimam os estudiosos.

Essa mudança de visão sobre a água se deve também ao surgimento do chamado princípio dos usos múltiplos, pelo qual os outros usuários das águas, que não os do setor hidroenergético, reclamaram por uma legislação mais abrangente e reconhecedora de que a importância econômica das águas não se restringe à sua utilidade como fonte geradora de energia.

A Política Nacional de Recursos Hídricos

A União, no exercício de sua competência privativa, prevista no art. 22, XIX da Constituição da República, e atendendo a um reclamo generalizado, editou, em 08 de janeiro de 1997, a Lei n.º 9.433, instituindo a Política Nacional de Recursos Hídricos e criando o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

A legislação em análise iniciou por anunciar os seus fundamentos, dentre os quais merecem destaque, aqui, os seguintes:

I – a água é um bem de domínio público;
II – 
a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;
III – 
a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e da comunidade.

Em primeiro lugar, devemos analisar quais os entes públicos são os senhores das águas, importando verificar, ainda, de quem é a competência para a prestação dos serviços relativos ao abastecimento, ao saneamento e etc..

Afirma o prof. Eduardo Lima de Matos que, com a entrada em vigor da nova Constituição, ficaram excluídos da propriedade das águas os municípios e os particulares, já que, na distribuição desses bens entre os entes federados, só há referência aos Estados (art. 26, I) e à União (art. 20, III). E, de acordo com a sua lição, sendo a água bem indispensável à vida, não poderia ficar sob o poder particular.

Mas a controvérsia maior não reside aí, propriamente. O que se tem debatido com maior freqüência é sobre a competência para a prestação dos serviços relativos à água, já que alguns Município têm travado disputas com os Estados, afirmando que trata-se de serviço de interesse local (art. 30, V da CRFB/88), habitando, assim, a órbita municipal. Os Estados, por outro lado, entendem que a exploração dos serviços de água e esgoto está no âmbito da competência estadual, baseando-se na sua propriedade sobre o bem e, também, no fato de que o § 3.º do art. 25 da Constituição lhes outorgou poder para tanto, ao definir que os serviços de interesse comum aos municípios que integrem as regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões estarão sob o seu comando.

A questão parece estar se assentando, em sede doutrinária e legislativa, no sentido de se reconhecer a competência estadual nesses casos, embora o Supremo Tribunal Federal ainda não se tenha pronunciado sobre o tema. Mas os municípios isolados, ou seja, aqueles que não integram qualquer região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião, teriam poder para essa exploração quando não fossem atendidos pelos serviços estaduais.

Não se perca de vista, entretanto, que a União conserva, independente dessa discussão, sua competência quando se tratar de águas sob o seu domínio.

Uma segunda questão que merece abordagem aqui é a que já havíamos adiantado linhas atrás: a água tem um preço. Importa reconhecer, agora por força de lei, que não se deve cobrar apenas pelos custos da distribuição e do armazenamento da água, mas também por ela própria, o que se torna relevante, já que não se costuma dar valor àquilo que não repercute diretamente no bolso.

O valor da água deixa de ser meramente social, no sentido de ser essencial à sobrevivência do homem, passando a assumir caráter econômico. Mas, considerando que a titularidade é pública, dependerá e procedimento especial essa exploração. E a competência para tanto, aqui, seguirá a titularidade do bem, como naturalmente se conclui.

Registre-se, ainda, que o fato de a água integrar o conceito de meio ambiente e o fato de este ter sido classificado pela própria Constituição como bem de uso comum do povo não torna inconstitucional as restrições à utilização desses recursos pelos particulares, mediante a imposição da necessidade de outorga e a cobrança de preços públicos pela utilização da água, uma vez que o art. 22, XIX da Carta Magna admite essas medidas quando atribui à União competência para “instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso“.

Por fim, em termos ainda de fundamento para a instituição da política nacional de recursos hídricos, parece-nos pertinente tratar da descentralização, dizendo da necessidade de se trazer para o centro da formulação da política a ser proposta, além do Poder Público, os usuários e a comunidade, que são diretamente interessados na questão.

No âmbito estatal, além de entes da União, dos Estados e do Distrito Federal, que são os proprietários das águas públicas, de acordo com a distribuição constitucional, os órgãos municipais cujas funções estejam relacionadas com a gestão de recursos hídricos também integram o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (art. 33, IV da Lei n.º 9.433/97).

A participação dos usuários e da comunidade nessa árdua e importantíssima tarefa se dará através dos conselhos nacional e estaduais, que serão integrados por participantes desses grupos, além, obviamente, dos órgãos estatais.

Quanto aos objetivos da lei, os seus dispositivos são cristalinos, bastando a transcrição do texto:

I – assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos;
II –
 a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável;
III –
 a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais.

O alcance desses objetivos passaria pela elaboração de um plano, denominado “Plano de Recursos Hídricos”, pela classificação dos corpos de água, segundo o uso preponderante das águas, pela outorga dos direitos de uso de recursos hídricos, pela cobrança pelo uso desses recursos e pela elevação de um sistema de informações relativas ao tema.

Desses instrumentos, merecem destaque:

a) a outorga dos direitos de uso; e
b)
 a cobrança pelo uso dos recursos hídricos.

A outorga, que se fará por ato da autoridade administrativa competente, de acordo com a titularidade das águas, implicará simples transferência do direito de uso das mesmas e será por prazo não superior a trinta e cinco anos, renováveis.

Estão sujeitos à outorga os direitos dos seguintes usos dos recursos hídricos:

I – derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo;
II – 
extração de água de aquífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo;
III –
 lançamento em corpo de água de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final;
IV –
 aproveitamento dos potenciais hidrelétricos;
V –
 outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo de água.

Escapam à regra da necessidade de outorga, de acordo com o que constar do regulamento:

I – o uso de recursos hídricos para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais, distribuídos nos meios rurais;
II – 
as derivações, captações e lançamentos considerados insignificantes;
III –
 as acumulações de volumes de águas consideradas insignificantes.

No prazo da outorga, será possível a sua suspensão, total ou parcial, por tempo determinado ou definitivamente, em razão de:

I – não cumprimento pelo outorgado dos termos da outorga;
II –
 ausência de uso por três anos consecutivos;
III –
 necessidade premente de água para atender a situações de calamidade, inclusive as decorrentes de condições climáticas adversas;
IV – 
necessidade de se prevenir ou reverter grave degradação ambiental;
V –
 necessidade de se atender a usos prioritários, de interesse coletivo, para os quais não se disponha de fontes alternativas;
VI –
 necessidade de serem mantidas as características de navegabilidade do corpo de águas.

No que concerne à cobrança pelo uso dos recursos hídricos, é de se dizer que somente aqueles sujeitos à outorga serão alcançados por essa restrição, que será calculada observados (a) o volume d’água retirado e seu regime de variação, quando se tratar de derivação, captação ou extração; e (b) o volume lançado e seu regime de variação, bem como as características do afluente, quando se tratar do lançamento de esgoto ou outros resíduos nos corpos d’água.

Os recursos arrecadados servirão para o custeio de estudos, programas, projetos e obras incluídos nos Planos de Recursos Hídricos, bem assim para o pagamento de despesas de implementação e administrativas, estas últimas limitadas a 7,5% do total arrecadado (art. 22, § 1.º, da Lei n.º 9.433/97).

Apresentada, em essência, por breves pinceladas, a política nacional de recursos hídricos, cumpre indagar: como se dará a sua implementação? A resposta poderia ser encontrada no art. 32, III da Lei n.º 9.433/97, que diz ser objetivo do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos “implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos. Mas tem mais.

O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos é integrado por um Conselho Nacional, pelos conselhos estaduais e do Distrito Federal, pelos Comitês de Bacia Hidrográfica, pelos órgãos públicos federais, estaduais e municipais cujas funções estejam relacionadas com a gestão dos recursos hídricos e pelas agências de águas (art. 33 da Lei n.º 9.433/97). Entretanto, não para aí, posto que, em 17 de julho de 2000, foi editada a Lei n.º 9.984, criando a Agência Nacional de Águas – ANA, definida como “entidade federal de implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos“.

Vejamos, a partir de agora, como se encaixa a Agência Nacional de Águas – ANA nesse Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos, analisando todos os seus aspectos relevantes, levando-se em consideração o tema desta obra.

A Agência Nacional de Águas – ANA

Sua posição no organograma da Administração Pública Federal

Agência Nacional de Águas – ANA é uma autarquia sob regime especial, com autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, como se infere do disposto no art. 3.º da Lei n.º 9.984/2000, e integra o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Exploremos essa assertiva.

A existência de mandato de seus diretores, inegavelmente, dá a essa autarquia especial uma autonomia mais ampla, conforme se depreende no art. 10.

Após o transcurso de quatro meses da nomeação, pelo Presidente da República, da nomeação de cada diretor, o mesmo só perderá o mandato em decorrência de renúncia, de condenação judicial transitada em julgado, ou de decisão definitiva em processo administrativo disciplinar, ou, ainda, no caso do diretor punido por atos de impropriedade administrativa no serviço público e a inobservância dos deveres e proibiçoes inerentes ao cargo ocupado.

O fato de se classificar a ANA como uma autarquia federal já seria para se concluir que:

a) integra a administração pública indireta da União;
b) 
goza de autonomia financeira e administrativa.

A primeira conclusão importa para distinguir a ANA das chamadas “agências de águas” de que trata o art. 33, V da Lei n.º 9.433/97, já que estas são órgãos integrantes do organograma da administração pública direta, seja da União, seja dos Estados ou do Distrito Federal. Assim, enquanto se instaura uma desconcentração quando se cria uma “agência de águas”, sem que a esta seja atribuída personalidade jurídica distinta da do ente político criador, o nascimento de ANA importa na criação de uma nova pessoa jurídica de direito público (art. 4.º, II, a, do Decreto-lei n.º 200/67), deflagrando o fenômeno da descentralização administrativa.

A segunda conclusão evidencia a desnecessidade da afirmação, contida no precitado art. 3.º da Lei n.º 9.984/2000, no sentido de que a ANA é dotada de autonomia financeira e administrativa.

Na verdade, do próprio conceito de autarquia, dado pelo art. 5.º do Decreto-lei n.º 200/67, se extrai essa conclusão, senão vejamos: “o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada”.

Da organização administrativa, do patrimônio e das receitas da ANA, trataremos em item específicos. Continuemos explorando o conceito legal da Agência Nacional de Águas.

O art. 4.º, parágrafo único, do Decreto-lei n.º 200/67 dispõe acerca da necessidade de se vincular as entidades componentes da administração indireta aos Ministérios com os quais as suas respectivas competências se relacionam. E assim foi feito no caso da ANA. Considerando a competência do Ministério do Meio Ambiente para a administração da “política nacional do meio ambiente e dos recursos hídricos” (art. 14, XII, a, da Lei n.º 9.649/98), a este se vinculou a Agência Nacional de Águas.

Essa vinculação não significa sua submissão hierárquica àquele Ministério, mas uma possibilidade de controle meramente finalístico, consistente na verificação de que a autarquia não está se desviando das finalidades às quais se destina, conforme declinado na lei criadora (art. 37, XIX, da CRFB/88).

No que se refere ao fato de a ANA integrar o rol de entidades incluídas no Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, cumpre alertar, como já foi feito antes, que o arrolamento constante do art. 33 da Lei n.º 9.433/97 foi ampliado, não se confundindo a Agência Nacional de Águas com os chamadas “agências de águas”, de que trata o inciso V do precitado dispositivo legal.

Por fim, e esse é um dos pontos que merece mais atenção neste tópico, tratemos do regime especial da Agência Nacional de Águas – ANA, o que necessariamente remete à análise de sua característica de agência reguladora.

O regime especial a que faz referência a Lei n.º 9.984/2000 está profundamente relacionado com a independência política da Agência, muito mais ampla do que nas autarquias comuns, por meio da utilização de instrumentos que garantam a separação entre os interesses políticos e partidários, que dominam os corredores da Administração Pública central, e os interesses puramente técnicos, administrados por essa nova figura do Direito Administrativo brasileiro. Em outras palavras, a atribuição desse regime especial às agências reguladoras, que passa principalmente pela garantia de alguma estabilidade aos seus dirigentes, mesmo sendo eles colocados em seus cargos por nomeação do Presidente da República, visa à despolitização do serviço público, que é conceituada por Diogo de Figueiredo Moreira Neto como a “eliminação do conteúdo político desnecessário de decisões relativas a interesses públicos que podem ser tomadas com vantagem por entes técnicos ou comunitários. No caso dos entes técnicos, afasta-se a interferência inútil da política partidária e da burocracia, no caso dos entes comunitários, a esses efeitos se acresce o não menos relevante incremento da legitimidade das decisões”.

Mas não é meramente uma autarquia sob o regime especial a Agência Nacional de Águas – ANA. Mais do que isso, é uma agência reguladora, tal qual se depreende do disposto no art. 4.º, II da Lei n.º 9.984/2000, que atribui a essa entidade poder normativo, possibilitando, assim, que dela emanem regras jurídicas genéricas, abstratas e inéditas no ordenamento jurídico.

Sem razão, pois, aqueles que negam a característica de agência reguladora à ANA, pelo simples fato de esta ter sido criada para “implementar, em sua esfera de atribuições, a Política Nacional de Recursos Hídricos”. Isso não significa que a função reguladora vai ficar esvaziada. Na verdade, não se repelem a função reguladora e o fato de que a ANA foi criada para colaborar na implementação de uma política a ser ditada pelo Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, visto que a regulação se restringe a editar comandos de conteúdo eminentemente técnicos e nunca políticos, de modo a não colidir com o princípio da reserva legal, insculpido no art. 5.º, II da Constituição da República.

A Agência Nacional de Águas – Atribuições

As atribuições da Agência Nacional de Águas abarcam duas grandes objectualidades: competências concernentes à política nacional de recursos hídricos e atribuições referentes às águas de domínio da União.

A principal função da Agência Nacional de Águas – ANA é colaborar, no âmbito de suas competências, na implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, através do desempenho das atividades discriminadas no art. 4.º da Lei n.º 9.984/2000. Mas, além disso, participará a ANA da realização das demais atividades discriminadas no art. 32 da Lei n.º 9.433/97, dado que passou a integrar o rol de entidades que integram o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

A ANA tem, por essência, a missão árdua de supervisão e de controle do cumprimento da legislação federal de águas, em decorrência da competência constitucional privativa da União para legislar sobre a matéria, pela dicção do art. 22, IV.

Dentre as atividades enumeradas no art. 4.º da Lei n.º 9.984/2000, merecem destaque e, pois, análise em separado as seguintes:

“II – Disciplinar, em caráter normativo, a implementação, a operacionalização, o controle e a avaliação dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos”;

Como já adiantamos no item 4.1, a característica nuclear das agências reguladoras é a possibilidade de elas editarem normas inéditas no ordenamento jurídico.

Significa que tais regras serão responsáveis pela criação de direitos e obrigações, o que, em princípio, encontra obstáculo no princípio da reserva legal, capitulado no art. 5.º, II da CRFB/88, segundo o qual “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Diante disso, urge indagar se é constitucional a função reguladora dessas autarquias especiais?

A contemplação do princípio da separação dos poderes na Constituição de 1988 traz como conseqüência, além de outras, a vedação à delegação de competências, salvo exceções expressamente consideradas no seu texto originário.

Como se não bastasse a referência ao dogma herdado da teoria de Montesquieu, a Constituição de 1967 fez constar do parágrafo único do art. 6.º que “Salvo as exceções previstas nesta Constituição, é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições”. Mesmo assim, desvios contrários a essa norma foram observados, como no caso do art. 66 da Lei n.º 7.450/85, por meio da qual o Poder Legislativo delegou ao Ministro da Fazenda competência para alterar prazos de recolhimento das receitas federais, o que motivou a edição da Portaria MF n.º 266/88, alterando os prazos para o recolhimento do Imposto sobre Produtos Industrializados, matéria que tinha sido objeto de disciplina anterior pelo art. 26 da Lei n.º 4.502/64.

Por conta dessa realidade – infelizmente muito comum no nosso País, que tem uma tendência quase incontrolável pelo centralismo absolutista-, o art. 25 dos ADCT (CRFB/88), por uma questão de estabilidade das relações jurídicas (norma de tolerância), manteve somente pelo prazo de 180 dias os dispositivos legais que delegassem ao Executivo matéria de competência do Legislativo, demonstrando repúdio àquelas afrontas ao princípio da separação dos Poderes.

Na Constituição hoje vigente, consagrado o princípio da separação dos Poderes, mesmo sem a explicação contida no parágrafo único do art. 6.º da Constituição de 1967, são vedadas as delegações de competências, razão pela qual se afirma que o princípio da reserva legal não pode ser abrandado por norma infraconstitucional ou mesmo por emendas à Constituição, já que se trata de cláusula pétrea (art. 5.º, II c/c art. 60, § 4.º, IV, ambos da CRFB/88).

Essas considerações acabariam por inviabilizar, com fortíssimos fundamentos, a figura das agências reguladoras na Administração Pública brasileira. Entretanto, as razões trazidas ao cenário nacional pelo prof. Diogo de Figueiredo Moreira Neto são capazes de mudar o rumo das conclusões.

Segundo aquele autor, o princípio da reserva legal compreende tão somente comandos normativos com fundo político, sendo viável a edição de normas inéditas por outros Poderes, que não o Legislativo, se o conteúdo destas for eminentemente técnico.

Embora essa interpretação não encontre fundamento explícito na Constituição – o que seria razoável de se exigir -, perece-nos que muito se harmoniza com o princípio da eficiência da Administração Pública, antes implícito e agora expresso (art. 37, caput da CRFB/88, com redação dada pela EC n.º 19/98).

Expliquemos com um exemplo hipotético relacionado à Política Nacional de Recursos Hídricos.

Imagine que um determinada empresa tenha sido contemplada com uma outorga que lhe permita lançar esgoto tratado em determinado rio de propriedade da União e que, de acordo com a lei vigente e aplicável desde 1997, o processo de tratamento daqueles resíduos deva ser desenvolvido com a utilização de equipamentos considerados de ponta na época da edição daquela norma. Atualmente, outros equipamentos muito mais modernos e eficientes estão disponíveis no mercado, cuja utilização permitiria uma redução significativa no nível de poluição lançado naquele corpo d’água. Entretanto, a tramitação de um projeto de lei no Congresso Nacional retardaria bastante a possibilidade de imposição da utilização da nova tecnologia. Aí é que entra a regulação como um instrumento de viabilização da eficiência da Administração Pública, permitindo agilidade na imposição da utilização das técnicas mais modernas, com vistas ao atendimento das políticas delineadas nas leis formais já existentes.

A discussão é polêmica, mas ainda não foi objeto de apreciação judicial, razão pela qual fica pendente de definição. As opiniões são variadas, mas parecem ter preocupado mais os juristas do que os próprios destinatários das regras editadas pelas Agências Reguladoras. Todavia, essa situação não é definitiva, o que qualifica e torna muito pertinente o debate.

Diga-se, entretanto, que ainda que se admita a regulação como forma legitima de disciplinar a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, o exercício de tal competência encontrará dois limites:

a) o primeiro, já analisado, é a necessidade de se restringirem as normas jurídicas emanadas da ANA a disciplinarem aspectos absolutamente técnicos;
b) 
o segundo é a necessidade de serem observados os acordos e tratados internacionais firmados pelo Brasil, quando as águas forem daquelas compartilhadas com outros países (§ 1.º do art. 4.º da Lei n.º 9.984/2000).

“IV – outorgar, por intermédio de autorização, o direito de uso dos recursos hídricos em corpos de águas de domínio da União, observado o disposto nos arts. 5.º, 6.º, 7.º e 8.º”;

O art. 18 da Lei n.º 9.433/97 deixou bem claro que os recursos hídricos são inalienáveis, somente podendo ser ajustada a delegação do direito de uso desses bens, que constituem domínio público. Importa agora investigar como se dará essa transferência do direito de uso das águas.

O art. 14 da Lei n.º 9.433/97 já havia adiantado que essa outorga se faria por meio de ato administrativo, o que abria duas opções para o intérprete: poder-se-ia fazer a outorga por autorização ou por permissão, considerando que somente foi contratualidade a permissão de serviço público (parágrafo único do art. 75 da Constituição e art. 40 da Lei n.º 8.987/95) e não a de uso de bens públicos.

Com a edição da Lei n.º 9.984/2000, define-se o instrumento legal a ser utilizado pela ANA para outorgar o direito de uso das águas, que é a autorização, cujas características principais são: a discricionariedade, a unilateralidade, a precariedade e a residualidade do interesse público. Mas uma séria questão surge nesse ponto.

O art. 15 da Lei n.º 9.433/97 impõe condições para que seja total ou parcialmente suspensa a outorga do direito de uso dos recursos hídricos antes de findo o prazo estipulado, o que conflita com o conceito de precariedade, que habita o núcleo da idéia que se tem de autorização.

Ipso facto, o que se percebe é que existe alguma estabilidade nessa relação que se estabelece entre a ANA e o dito autorizatário, fato esse que revela que a verdadeira natureza jurídica desse “ato administrativo” é de autêntico contrato administrativo, devendo, portanto, ser precedida tal outorga de licitação, para que não se frustre a regra do art. 37, XXI da Constituição da República.

Em decorrência dessa constatação, não nos parece suficiente que a ANA dê publicidade aos pedidos de outorga e dos atos administrativos que deles resultarem, como estatui o art. 8.º da Lei n.º 9.984/2000. Deverá, isto sim, ser publicado edital de licitação para que se habilitem os interessados em obter a chamada outorga do direito de uso dos recursos hídricos de domínio da União.

Diga-se, por fim, que tal mister, de competência federal, poderá ser delegado aos Estados e ao Distrito Federal, a teor do disposto no § 1.º do art. 14 da Lei n.º 9.433/97.

“VI – elaborar estudos técnicos para subsidiar a definição, pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos, dos valores a serem cobrados pelo uso dos recursos hídricos de domínio da União, com base nos mecanismos e quantitativos sugeridos pelos Comitês de Bacia Hidrográfica, na forma do inciso VI do art. 38 da Lei 9.433/97, de 1997”.

Como tivemos a oportunidade de estudar acima, a grande novidade que surge com a definição da Política Nacional de Recursos Hídricos é a consideração da água como um bem economicamente apreciável.

Mas qual seria o valor desse bem?

Os critério gerais para a fixação do valor também já foram objeto de análise anterior, que são, em poucas palavras, a quantidade de líquido retirado ou a quantidade de detritos lançados nos corpos d’água, conforme dispõe o art. 21 da Lei n.º 9.433/97. Mas, ainda assim, está muito longe de ser respondida a questão posta no parágrafo anterior.

A verdade é que não se pode determinar aprioristicamente o valor das águas, dependendo a sua fixação de estudos complexos e de deliberação dos órgãos competentes. Vejamos, portanto, como se dará esse processo de fixação do valor dos recursos hídricos.

Dispõe o art. 4.º, VI da Lei n.º 9.984/2000 que compete à ANA a elaboração dos estudos técnicos destinados a subsidiar a definição, pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos, dos valores a serem cobrados pela utilização das águas da União. Daí se tira que o primeiro passo a ser dado para que se fixe o valor das águas é o estudo técnico, que esta a cargo da ANA.

Entretanto, não é esta agência reguladora que vai sugerir o valor dos recursos hídricos por ela estudados. Na verdade, cabe aos Comitês de Bacia Hidrográfica essa tarefa, como se infere do art. 38, VI da Lei n.º 9.433/97, podendo o estudo elaborado pela ANA passar antes pela análise das agências de águas (art. 44, XI, b, da Lei n.º 9.433/97), que funcionam como secretarias executivas dos respectivos Comitês.

A fase final do processo é a deliberação pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos sobre o valor das águas públicas federais, como se extrai da combinação dos arts. 35, IV e 38, VI da Lei n.º 9.433/97 com o art. 4.º, VI da Lei n.º 9.984/2000.

Assim, a participação da Agência Nacional de Águas – ANA no processo de fixação dos valores dos recursos hídricos de domínio federal se restringe à elaboração dos estudos técnicos iniciais, não tendo ingerência decisiva na definição dos valores a serem fixados a posteriori.

Quanto às demais atribuições da ANA, todas capituladas nos incisos do art. 4.º da Lei n.º 9.984/2000, não teceremos comentários sobre cada uma delas, valendo mencionar, entretanto, que poderão elas ser delegadas às agências de águas, como estatui o § 4.º do dispositivo legal em comento.

Delimitação de sua competência

A adoção da forma federativa de Estado pela Constituição de 1988 implica na impossibilidade de os entes federados imporem destino aos bens uns dos outros, razão pela qual a Agência Nacional de Águas, que integra a Administração Pública Federal, terá sua atuação restrita aos corpos d’água que sejam patrimônio da União, como definido no art. 20, III da CRFB/88.

Essa limitação constitucional não passou desapercebida aos olhos do legislador, que a considerou, por exemplo, no art. 4.º, IV da Lei n.º 9.984/2000. Também o art. 5.º, do mesmo diploma legal, embora por nós considerado infraconstitucional por outros motivos, tratou de restringir o ato de outorga a cargo da ANA à águas da União.

Assim, somente quando se tratar de águas de domínio federal a ANA será competente para desenvolver suas atribuições.

Registre-se, ainda, que a competência da ANA para a chamada outorga do direito de uso dos recursos hídricos federais não anula a competência da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL para licitar a concessão ou autorizar o uso de potencial de energia hidráulica em corpo de água de domínio da União. Entretanto, esta deverá obter junto àquela declaração de reserva de disponibilidade hídrica (art. 7.º da Lei n.º 9.984/2000).

Quando se tratar de recurso hídrico de propriedade de outro ente da Federação, que não a União, essa articulação deverá se fazer entre a ANEEL e a entidade competente para gerir os tais recursos hídricos (§ 1.º do art. 7.º da Lei n.º 9.984/2000).

Ainda nessa interligação entre as ações da ANA e da ANEEL, é de se dizer que o inciso IV do art. 12, da Lei n.º 9.433/97 não foi revogado, permanecendo sujeito à outorga da ANA o “aproveitamento dos potenciais hidrelétricos”. É que, com a concessão ou autorização do direito de uso pela ANEEL, a declaração de reserva de disponibilidade hídrica se converterá, automaticamente, em outorga de direito de uso, por força do disposto no § 2.º do art. 7.º da Lei n.º 9.984/2000.

Estrutura orgânica da Agência Nacional de Águas – ANA

A estrutura organizacional básica da Agência Nacional de Águas – ANA é composta por uma Diretoria Colegiada, esta integrada por cinco diretores nomeados pelo Presidente da República, dentre os quais esta autoridade escolherá o que ocupará o cargo de Diretor-Presidente, e por uma Procuradoria.

Algumas matérias competem ao órgão colegiado, como, v. g., a decisão sobre os pedidos de outorga, a edição de normas, etc. (art. 12,I e V da Lei n.º 9.984/2000), deliberando por maioria simples de voto, mas sempre com a presença mínima de três diretores (§ 1.º). Outras competem ao Diretor-Presidente, isoladamente, como, por exemplo, exercer o poder disciplinar, nomear e exonerar servidores, assinar contratos e convênios, etc..

Além das matérias de sua competência exclusiva, o Diretor-Presidente poderá, em caso de urgência, decidir isoladamente sobre questões afetas à competência do órgão colegiado, submetendo a questão, em seguida, àquela Diretoria.

As demais Diretorias, isoladamente, terão suas competências exclusivas, que serão definidas no Regimento Interno da ANA, a ser aprovado pela Diretoria Colegiada (art. 12, III da Lei n.º 9.984/2000).

Por fim, à Procuradoria da ANA, que se vincula à AGU para fins de orientação normativa e supervisão técnica, competirá a representação da agência autárquica e dos ocupantes de cargos com funções de direção, formar os títulos da dívida ativa dos créditos gerenciados pela autarquia para fins de execução (que será feita nos termos da Lei n.º 6.830/80) e prestar consultoria e assessoramento jurídicos (art. 14 da Lei n.º 9.984/2000).

Enquanto não forem providos esses cargos de Procurador da ANA, entretanto, tais atribuições serão exercidas pela Consultoria do Ministério do Meio Ambiente e pela Advocacia Geral da União, por força do disposto no art. 24 da Lei n.º 9.984/2000.

A difusão organizacional da Agência Nacional de Águas – ANA será ampliada pelo Regimento Interno, que detalhará o organograma da agência reguladora.

Servidores

Neste item, desenvolveremos considerações relativas aos servidores comuns da ANA e, também, sobre o regime funcional dos diretores da autarquia, temas que desencadeiam discussões bastante interessantes. Iniciemos pelo regime dos servidores comuns.

A análise deve ser iniciada pela Lei 9.986/2000, que dispõe sobre a gestão de recursos humanos das Agências Reguladoras.

E o dispositivo inaugural do referido diploma legal assenta que as agências reguladoras terão suas relações de trabalho regidas pela CLT, em regime de emprego público.

O art. 2.º da referida lei tratou de criar vários empregos públicos para as seguintes agências reguladoras: ANATEL, ANEEL, ANP, ANVS e ANS. A ANA, que tinha sido criada por lei um dia antes da Lei n.º 9.986/2000, ficou excluída, razão pela qual o art. 18 da Lei n.º 9.984/2000 teve de tratar da criação das suas unidades de competência, papel que desenvolveu de maneira bastante criticável.

O inciso I do art. 18 da Lei n.º 9.984/2000 criou 49 (quarenta e nove) cargos em comissão. O inciso II do mesmo dispositivo legal criou 150 (cento e cinquenta) “cargos de confiança”.

Com a edição da Medida Provisória n.º 2.123-27/2000, que acrescentou o art. 18-A no texto da Lei n.º 9.984/2000, foram criados outros cargos de provimento sem concurso público, dizendo o parágrafo único do novo dispositivo legal que a Lei n.º 9.986/2000 tem aplicabilidade ao âmbito dos cargos de que trata aquele artigo.

Por sua vez, o art. 16 da lei criadora da ANA estabeleceu o prazo de trinta e seis meses para que seja constituído o quadro de pessoal daquela autarquia, por dois meios:

a) utilização de concurso público, de provas ou de provas e títulos;
b) 
pela redistribuição dos servidores federais da Administração direta, autárquica ou fundacional. Enquanto não for cumprido o que estabeleceu o caput do citado dispositivo legal, poderá a ANA contratar pessoal temporário, nos termos do art. 37, IX da CRFB/88, para que não fique impossibilitada a agência reguladora de desempenhar suas funções institucionais.

Ficou aberta, ainda, a possibilidade de a ANA requisitar, com ônus, pessoal integrante dos quadros da Administração direta, autárquica e fundacional. Entretanto, o art. 17 da Lei n.º 9.984/2000, que dispôs sobre essa matéria, teve sua eficácia suspensa pela edição da Medida Provisória n.º 2.123-27/2000.

Disso tudo se extrai que em nenhum momento se criou emprego público no quadro de pessoal da Agência Nacional de Águas – ANA, mas tão-somente postos de trabalho ocupáveis por pessoas convidadas. Ou seja, não haverá concurso público para o preenchimento do quadro de pessoal daquela autarquia, já que cargos em comissão são de livre nomeação e, no caso dos temporários, o processo seletivo é simplificado, prescindindo de concurso público (art. 3.º da Lei n.º 8.745/93).

Assim, quando o art. 16 da Lei n.º 9.984/2000 fala em “concurso público” está, na verdade, iludindo o incauto leitor e preparando o terreno para a frustração canalha do princípio da moralidade administrativa, que figura como fundamento da regra constitucional que impõe o dever de se contratar servidores públicos, sejam empregados ou titulares de cargos efetivos, mediante concurso público de provas ou de provas e títulos (art. 37, II, da CRFB/88).

Neste contexto, duas questões devem ser analisadas com maior atenção, quais sejam:

a) a contratação temporária; e
b)
 o exercício do poder de polícia por servidores celetistas.

No que se refere especificamente à contratação de temporário para o exercício de funções permanentes, várias manifestações doutrinárias, com ecos bastante significativos no Judiciário, têm se erguido no sentido de considerá-la inconstitucional. E a razão é simples: quando a Constituição admite a contratação por tempo determinado, sem concurso público – o que constitui, não há duvidas, norma excepcional, razão pela qual merece interpretação restritiva -, fala em “necessidade temporária de excepcional interesse público”. Ora, se as funções institucionais de que trata o § 1.º do art. 16 da Lei n.º 9.984/2000 são permanentes e não temporárias, não há espaço legítimo para a evocação do art. 37, IX da Constituição da República com a finalidade de justificar a contratação sem concurso público.

No mesmo sentido foi o desabafo do Procurador Regional da República, Dr. Brasilino Pereira dos Santos, que vem combatendo com bastante vigor as irregularidades surgidas com as agências reguladoras, senão vejamos:

“Como se sabe, quando se trata de contratação para atender a necessidade permanente como é o caso da instalação de um quadro de pessoal de uma Autarquia Federal, com tantas e tão sérias responsabilidades, não se trata, como despiciendo acrescentar, de necessidade temporária, mas de necessidade permanente.

“E quando a Constituição, na mesma norma, também exige que se trate de um excepcional interesse público, não se pode entender que estaria se referindo a hipóteses de normal interesse público, pois excepcional significa situações anômalas, de exceção, de repercussões imprevisíveis”.

Também o prof. Celso Antônio Bandeira de Mello tem se manifestado acerca das inconstitucionalidades que as leis que criaram as agências reguladoras vêm cometendo, ao abrirem as portas da Administração Pública para pessoas apadrinhadas e, muitas vezes, sem a qualificação devida.

Confiram-se as suas palavras:

“Ora, no caso das agências citadas, se a atividade é realmente apenas temporária não se justifica contrato que possa se estender por 36 meses, que este seria um “temporário” longuíssimo. Se o preenchimento é que deveria ser temporário, pela necessidade ingente de preencher cargos ou empregos necessários, então é igualmente absurdo o prazo, pois não se concebe que seja necessário tanto tempo para realizar o cabível concurso público. Em suma: há nisto uma ostensiva burla ao disposto no art. 37, II, da Constituição, pelo quê são inconstitucionais as regras introduzidas nas referidas leis de tais agências. Pelas duas amostras intento de escapar ao rigor moralizante da Lei Geral de Licitações e admitir pessoal sem concurso público bem se vê a que vieram as tais “agências controladoras”.

O Supremo Tribunal Federal já apreciou questão semelhante, quando suspendeu a eficácia do art. 2.º da Medida Provisória n.º 2.014/2000, que autorizava o Instituto Nacional de Propriedade Industrial a contratar temporariamente, sem concurso público, servidores para o exercício de funções permanentes. Por isso, confia-se, plenamente, que a tese ora defendida e que fundamenta a atuação inconformada do Ministério Público Federal vá prevalecer também no caso das agências reguladoras, a bem da incolumidade da Constituição vigente.

A outra questão que reservamos para a análise mais detida foi a do exercício do poder de polícia – incluso nas funções do cargo de regulador, principalmente – por servidor celetista, que também vem sendo objeto de controvérsias no Judiciário.

O fundamento das críticas é que essa espécie de competência deve estar sempre afeta àqueles servidores que têm uma relação mais estabilizada com a Administração Pública, através de vínculo estatutário e não meramente contratual.

A opinião do já mencionado membro do Ministério Público Federal, Dr. Brasilino Pereira dos Santos, também é no sentido da impossibilidade da atribuição daquela espécie de tarefas a empregados públicos, senão vejamos:

“… o exercício de tais atividades por servidores celetistas é incompatível com nossa Constituição Federal, pois esta exige que funções tais como as de integrantes do Fisco Federal, da Carreira Diplomática, da Polícia Federal, de Fiscais de Contribuições Previdenciárias e outras de igual importância, não fiquem a cargo de servidores sem as mínimas garantias de segurança no exercício das elevadas missões, o que somente se garante se forem incumbidas a servidores efetivos, passíveis de adquirir estabilidade no serviço público”.

Questão que guarda alguma relação como essa já tinha sido objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal, quando foi suspenso, por medida liminar, o dispositivo da Lei n.º 9.649, de 27 de maio de 1998, que atribuía personalidade jurídica de direito privado aos Conselhos Profissionais, por incompatibilidade entre essas figuras administrativas e o exercício do poder de polícia. Entendeu-se na ocasião que, por ser atividade típica do Estado, em que se vale a pessoa competente de seu ius imperi para exercê-la, o poder de polícia e as demais atribuições dos mencionados Conselhos Profissionais, como a OAB, o CRC, o CRM e outros, não poderiam ser desempenhados por entes daquela natureza.

Coerentemente, a Corte Suprema, através de Medida Cautela em Ação Direta de Inconstitucionalidade, concedida pelo Ministro Marco Aurélio, suspendeu a eficácia do art. 1.º da Lei n.º 9.986/2000, ad referendum do plenário, que deverá se manifestar ainda neste mês de fevereiro de 2001 sobre a decisão monocrática. Em conseqüência, suspenderam-se todos os concursos das agências reguladoras que estavam em andamento.

Portanto, a situação atual das agências reguladoras, no que toca à questão dos seus servidores, está bastante delicada, visto que:

a) não estão podendo contratar ninguém por meio de concurso para o preenchimento dos empregos que tenham dentre as suas funções o exercício do poder de polícia;
b) 
dentro em breve, pelo que se tem de precedentes do Supremo Tribunal Federal, ficarão impedidas de contratarem pelo regime temporário, previsto no inciso IX do art. 37 da CRFB/88.

Mas não pára por aí. Urge enfrentar, a partir de agora, a questão do regime funcional dos dirigentes das agências reguladoras.

E a questão que se põe é a seguinte: é constitucional a restrição estabelecida pelo art. 10 da Lei n.º 9.984/2000 ao poder de exoneração dado ao Presidente da República pelo art. 37, II da Constituição.

A primeira observação que se faria, no anseio de defender a tese de que inconstitucionalidade não há, é a de que os cargos dos dirigentes não são cargos em comissão, não se devendo cogitar da aplicação do art. 37, II da Constituição da República.

Dissecando o tema, com a habitual proficiência, o notável Prof. Marcos Juruena Villela Souto, a propósito, afirma que os cargos dos dirigentes das agências reguladoras não se identificam com nenhum dos modelos delineados pela Constituição, quais sejam, cargos efetivos, cargos comissionados ou cargos temporários.

Mas aqui cabe a seguinte indagação: e não seria esse o motivo para se afirmar a inconstitucionalidade do regime que não se adapta aos moldes constitucionais?

Embora sem deixar claro se esse é realmente o seu pensamento, argumenta o citado mestre que, de acordo com o art. 37, I da Constituição, o acesso aos cargos públicos fica condicionado aos requisitos previstos em lei. E, se o requisito para os cargos em questão são a aprovação política de profissional de reputação ilibada e notória especialização no setor regulado, “não pode haver perda do cargo senão nas hipóteses autorizadas por lei”.

Cumpre, contudo, ressaltar que começam a surgir teses e discussões acadêmicas no sentido de que um dos requisitos para se ter acesso aos cargos (ou empregos) públicos a própria Constituição fez questão de estabelecer, em caráter obrigatório, que é o concurso de provas ou de provas e títulos, salvo as exceções exaustivamente enumeradas pela própria Carta Magna.

De modo que, quando se tratar de cargo que não esteja sujeito ao prévio regime concursal, ou estaremos diante de um cargo em comissão ou de um cargo temporário, sob pena de se estar criando situação excepcional não autorizada pela Constituição.

Pois bem. De cargo temporário não cuidamos, já que não visa a preencher necessidade transitória e de excepcional interesse público da Administração, sobrando-nos tão-somente a figura dos cargos em comissão, razão pela qual entendemos que a natureza jurídica dos cargos dos dirigentes das autarquias especiais é de cargo em comissão.

Mas a noção de cargo em comissão não está definitivamente atrelada à de livre nomeação e livre exoneração? Sim! Então, há ainda aqueles que advogam posições contrárias, considerando inconstitucional a restrição ao poder exoneratório do Presidente da República estabelecida no art. 10 da Lei n.º 9.984/2000, ainda que isso implique a queda nos níveis de independência política das agências reguladoras, o que é mal.

A mesma conclusão se alcançará, por questão de lógica, no que concerne ao requisito da aprovação pelo Congresso Nacional dos dirigentes de outras agências reguladoras, como acontece, por exemplo, com a ANS (art. 6.º, parágrafo único da Lei n.º 9.961/2000), já que se trata, igualmente, de cargo em comissão, em que a nomeação deve ser por ato exclusivo do Presidente da República, tal qual se infere do art. 37, II da CRFB/88.

Em termos de precedente, diga-se que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIN n.º 123, declarou a inconstitucionalidade do dispositivo da Constituição do Estado de Santa Catarina que determinava o sistema eletivo interno para o preenchimento de cargos em comissão, aduzindo que “os cargos públicos ou são providos mediante concurso público, ou, tratando-se de cargo em comissão, mediante livre nomeação e exoneração do Chefe do Poder Executivo, se os cargos estão na órbita deste”, decisão essa que foi aplaudida pelo respeitadíssimo prof. Jessé Torres Pereira Júnior. Embora o caso não seja idêntico ao ora analisado, dá para se retirar dele aquelas mesmas conclusões por nós apontadas acima.

A solução para esse problema dos dirigentes teria sido a inclusão, na época da aprovação da Reforma Administrativa (EC n.º 19/98), de dispositivo constitucional que previsse essa espécie de cargo. Como não foi ampliado o rol dos cargos de livre nomeação de modo a agasalhar tais situações, inevitável nos parece o reconhecimento da inconstitucionalidade dessas normas, em especial do art. 10 da Lei n.º 9.984/2000.

Patrimônio e receita

Sobre o patrimônio da ANA, pouco ficou esclarecido na Lei n.º 9.984/2000, que se limitou a dizer que é constituído pelos “bens e direitos de sua propriedade, os que lhe forem conferidos ou que venha a adquirir ou incorporar” (art. 19). Para dizer tão pouco, melhor não dizer nada.

Importa afirmar, entretanto, que, dada a natureza autárquica da entidade, seus bens são considerados públicos de uso especial, em que pese não terem sido considerados pelos arts. 65 e 66 do Código Civil, o que se explica pela disparidade entre a organização administrativa da primeira República e a do Estado atual.

Consequentemente, os bens que guarnecem o patrimônio da ANA possuem as seguintes características:

a) indisponibilidade (somente podendo ser alienados se forem desafetados e pelo processo licitatório previsto nos arts. 17 e segs. da Lei n.º 8.666/93);
b)
 impenhorabilidade (os créditos contra a Fazenda Pública devem ser incluídos no orçamento público através dos precatórios, como dispõe o art. 100 da CRFB/88);
c)
 imprescritibilidade (significando a impossibilidade de se perder a propriedade do bem público por usucapião, o que está expressamente previsto nos arts. 183, § 3.º e 191, parágrafo único, ambos da CRFB/88);
d) 
não-onerabilidade (que se traduz na impossibilidade de figurar como garantia real de adimplemento de contrato, o que encontra fundamento na própria inalienabilidade dos bens públicos).

Já, quanto às receitas, os arts. 20 e 21 da Lei n.º 9.984/2000 foram mais detalhistas, sendo válido mencionar que aquelas decorrentes da cobrança pelo uso da água de corpos hídricos de domínio da União (art. 20, II) serão mantidas à disposição da ANA em conta única do Tesouro Nacional (art. 21, caput), mas deverão ser aplicadas de acordo com o previsto no art. 22 da Lei n.º 9.433/97, com vista ao atingimento dos objetivos previstos no art. 19 do mesmo diploma legal.

Por fim, registre-se que, em momento algum, tais receitas serão objeto de tributação, por força do disposto no art. 150, VI, a e § 2.º da Constituição da República, que garante imunidade às operações das autarquias, ainda quando se trate, por exemplo, de “retribuição por serviços de quaisquer natureza prestados a terceiros” (art. 20, VI da Lei n.º 9.984/2000).

Inevitável, neste item, a lamentação, pelo simples fato de que uma política tão bem delineada acaba por ficar sem viabilidade prática em razão da má utilização dos recursos jurídicos disponíveis.

Incontornáveis não são os problemas. Entretanto, num País em que a vontade política é ditada, em grande parte das vezes, pelos interesses particulares e egoístas dos seus governantes, em detrimento do verdadeiro interesse público, numa inversão de valores que já não espanta (isso que é o pior), difícil não acreditar que as coisas foram feitas dessa forma justamente para não funcionar.

Enquanto isso, degrada-se a natureza, cada dia mais um pouco, e os nossos problemas só se multiplicam.

Fonte: www.jus.uol.com.br(José Maria Pinheiro Madeira)/www.cnm.org.br

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