Lourenço Filho

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Nascimento: 10 de março de 1897, Porto Ferreira, São Paulo.

Falecimento: 1970, Rio de Janeiro.

Lourenço Filho
Lourenço Filho

Lourenço Filho é um educador brasileiro conhecido sobretudo por sua participação no movimento dos pioneiros da Escola Nova. Foi duramente criticado por ter colaborado com o Estado Novo de Getúlio. todavia, sua contribuição para a educação brasileira mereceria ser melhor estudada.

Sua obra nos revela diversas facetas do intelectual educador, extremamente ativo e preocupado com a escola em seu contexto social e nas atividades de sala de aula.

Vida e obra

Manoel Bergström Lourenço Filho , nascido em Porto Ferreira, interior paulista, a 10 de março de 1897, é uma das figuras eminentes da Escola Nova brasileira. Sua formação foi marcada pela influência do pai, o português Manoel Lourenço Filho, comerciante criativo e empreendedor ávido, casado com a sueca Ida Christina Bergström Lourenço.

Desde menino, em contato com vasta literatura, tornou-se um leitor compulsivo.

Nas suas próprias palavras: lia com “bulimia e indiscriminação” .

Iniciou a vida escolar na vizinha Santa Rita do Passa Quatro. Prosseguiu em Campinas, depois em Pirassununga e, finalmente, na capital, onde diplomou-se na Escola Normal Secundária, em 1917. Matriculou-se na Faculdade de Medicina para estudar psiquiatria mas abandona após dois anos. Em 1919, ingressa na Faculdade de Direito de São Paulo, vindo a bacharelar-se em 1929, depois de longa trajetória interrompida por várias atividades paralelas que desenvolve, com destaque, no campo educacional.

Sua carreira profissional foi precoce. Pode-se lembrar a premonitória experiência de elaborar um jornal próprio, O Pião, cujo chefe, redator e tipógrafo era ele mesmo, menino de 8 anos ainda.

Sua vida evidenciará que esse jornal foi mais do que mero capricho de criança: o “brinquedo” o preparou para exercícios profissionais posteriores. Mais tarde trabalhará no Jornal do Comércio, n’O Estado de S. Paulo e na Revista do Brasil, nesta, ao lado de Monteiro Lobato.

O talento desse educador revelou-se tanto no desempenho discente quanto na atuação docente. Desde o exame de admissão para a Escola Normal Primária de Pirassununga exercitava habilidades docentes ministrando aulas particulares de preparação para os testes admissionais. Também a primeira experiência no ensino público dá-se em sua terra natal, em 1915.

Novo contato com a sala de aula se fará na Escola Normal Primária de São Paulo, na qual leciona diversas disciplinas pedagógicas, em 1920. No ano seguinte é nomeado para a cátedra de Psicologia e Pedagogia da Escola Normal de Piracicaba. Ali funda a Revista de Educação, que recebe seus primeiros artigos. No final desse mesmo ano, casa-se com Aida de Carvalho, que conhecera em Pirassununga, quando ambos eram normalistas.

É possível detectar nesse momento da vida de Lourenço a fusão harmônica entre o leitor, o professor, o escritor, o pesquisador e o administrador, potenciais que começavam a demandar espaço.

Em 1922, a convite do governo cearense, assume o cargo de Diretor da Instrução Pública e leciona na Escola Normal de Fortaleza. As reformas por ele empreendidas no Ceará repercutem no país e podem ser entendidas como germe dos conhecidos movimentos nacionais de renovação pedagógica das primeiras décadas do século.

De volta ao Estado natal, leciona na Escola Normal de Piracicaba durante o ano de 1924. Em seguida, assume a vaga de Psicologia e Pedagogia da Escola Normal de São Paulo, função que ocupa por seis anos, fervilhantes de pródiga produção, de muitas publicações, inclusive traduções. A influência da Psicologia Experimental é evidente em sua obra, sobretudo nesse momento.

Sua participação política também merece destaque: presente nas Conferências Nacionais de Educação de 1927 e 1928, respectivamente em Curitiba e Belo Horizonte, apresenta suas idéias quanto ao ensino primário e à liberdade dos programas de ensino. Se não autor, é certamente um dos atores mais importantes do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932.

A vasta obra de Lourenço Filho , entretanto, não pode ser vinculada, de modo simplista, apenas à temática do manifesto escolanovista. Mais do que signatário do Manifesto, foi um educador sedento do novo, que bebia nas fontes do novíssimo, das últimas novidades pedagógicas do cenário internacional. Sua preocupação, de fato, voltava-se também para o fazer pedagógico.

A realidade educacional brasileira é terreno carente mas fértil para contribuições. A preocupação com a educação movia Lourenço Filho . Suas experiências, as viagens pelo Brasil e ao exterior, sua ampla cultura lhe possibilitaram escrever em áreas como Geografia e História do Brasil, Psicologia (testes e medidas na educação, maturação humana), Estatística e Sociologia.

No campo da Educação, sua contribuição abrange temas como educação pré-primária, alfabetização infantil e de adultos, ensino secundário, ensino técnico rural, universidade, didática, metodologia de ensino, administração escolar, avaliação educacional, orientação educacional, formação de professores, educação física e literatura infanto-juvenil – textos espalhados por numerosos livros, revistas, jornais, cartilhas, conferências, apresentações e prefácios. Há publicação de alguns de seus escritos em inglês, francês e espanhol.

A formação profissional e os profundos vínculos dessa com sua produção e atuação, conferem a Lourenço Filho o perfil de intelectual educador. Apesar de ter exercido cargos na administração pública federal – como diretor de gabinete de Francisco Campos (1931), como diretor geral do Departamento Nacional de Educação (nomeado por Gustavo Capanema, em 1937) e como diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (1938-46) –, foi sobretudo um professor e um estudioso de assuntos didático-pedagógicos.

Viveu os últimos anos no Rio e, vítima de colapso cardíaco, faleceu em 3 de agosto de 1970, aos 73 anos.

Pensamento do autor e sua importância

A impressão que se tem, à medida que se adentra o universo da produção desse educador é de que ele não se esconde à sombra de nomes como Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, contemporâneos seus já objeto de inúmeros estudos. Poderíamos até mesmo conjecturar se seu envolvimento com o governo Vargas não constituiu e constitui, de certa forma, pretexto para obscurecimento da sua figura, num patrulhamento ideológico-político despercebido, como se aceitar cargos num governo ditatorial como foi o de Vargas implicasse necessariamente deixar de ter um posicionamento político crítico.

Perguntamo-nos aqui se os serviços que prestou naquele período não constituíram meio para realização, no campo educacional, das reformas que idealizara. Lourenço acreditava que a era getulista fosse realmente de modernização. Ou seja, o governo brasileiro daquele momento lhe pareceu oportuno para reformar a educação.

Também é criticado pelo caráter tecnicista de suas propostas educacionais. Talvez uma investigação aprofundada sobre esse educador pudesse guindá-lo da posição secundária, em que costumeiramente parece ser confinado, para um plano de maior destaque.

De fato, a obra de Lourenço Filho sobre a Escola Nova é emblemática.

Em 1926, por exemplo, em resposta ao inquérito acerca do ensino paulista promovido pelo jornal O Estado de S. Paulo, apresenta com extraordinária clareza e precisão as características do movimento renovador: “A escola tradicional não serve o povo, e não o serve porque está montada para uma concepção social já vencida, senão morta de todo… A cultura, bem ou mal, vinha servindo os indivíduos que se destinavam às carreiras liberais, mas nunca às profissões normais de produção econômica”.

Esta citação vem confirmar o entendimento do autor, naquele momento, da profunda articulação existente entre a escola e a vida social. Assim, uma escola Moderna só seria a “escola do trabalho”. Lourenço Filho tinha claro que a elitização e o intelectualismo da educação brasileira não atendiam às necessidades das classes populares, antes as privavam de inserção no esquema produtivo.

Há outros pressupostos escolanovistas no mesmo texto, sobre o papel da escola primária: “O verdadeiro papel da escola primária é o de adaptar os futuros cidadãos, material e moralmente, às necessidades vindouras, desde que estas possam ser previstas com segurança. Essa integração da criança na sociedade resume toda a função da escola gratuita e obrigatória, e explica, por si só, a necessidade da educação como função pública. (…) A escola deve preparar para a vida real, pela própria vida”.

Arrolamos este opúsculo para demonstrar que, antes mesmo da publicação de seu texto mais famoso, Introdução ao estudo da Escola Nova, o pensador já apregoava os ideais “modernos”. Esse amor ao novo, como já dissemos, é uma marca do pensamento de Lourenço Filho.

Utilizava com competência a produção intelectual estrangeira de seu tempo: E. Durkeim, H. Pièron, E. Claparède, H. Wallon, L. Walther, A. Binet, T. Simon, P. Wil, J. Dewey, W.H. Kilpatrick, D. Pierson, B. Russel, O. Decroly, J. Kershensteiner, M. Montessori.

No cenário intelectual nacional, relacionava-se com Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Monteiro Lobato, Alceu Amoroso Lima, Almeida Jr., Sampaio Dória, Celso Kelly. Não pretendemos, referindo esses interlocutores, rotular Lourenço Filho como erudito, enfatizamos apenas sua preocupação em bem fundamentar suas idéias.

Dizia: “…sobre educação e futebol não há ninguém que não se julgue capaz de uma opinião pessoal, pelo que é perigoso opinar sobre o assunto sem ampla justificação do ponto de vista tomado”.

Sobre o valor do livro Introdução ao estudo da Escola Nova: Bases, sistemas e diretrizes da Pedagogia contemporânea, destacamos um comentário de Fernando de Azevedo: “não há obra que o substitua na literatura pedagógica. Lê-de-o, se quiserdes ter uma visão, larga e profunda, da escola nova”.

Lembramos que, na época, as discussões sobre a escola nova se davam em vários países. Lourenço Filho procurou dar caracterização nacional à temática, embora na Introdução ao Estudo da Escola Nova muito pouco fale do Brasil, informando, majoritariamente, sobre o movimento no exterior.

Poderíamos perguntar, a esta altura, qual a concepção de educação que Lourenço defendia. A polêmica distinção entre educação e ensino e o papel que cabe à escola são focos do artigo “Modalidades de Educação Geral”.

Para ele, “ensinar” é a arte de transmitir conhecimentos e técnicas, ou seja, o ensino é o processo de inculcação de noções e idéias. Esse papel coube historicamente à escola. “Educar” é levar em conta um conjunto de modalidades, “…todas aquelas em que uma educação integral, nessa compreensão, possa fazer supor”.

Entender essa sua concepção de educação requer, portanto, elencar inúmeros elementos. Para Lourenço, a educação é eminentemente social, é vida!

Tal definição de educação vincula o papel da escola à história.

Ou seja, se novas condições de vida, se novos problemas e conflitos surgem, reflexos ocorrerão no espaço escolar: “O que a educação agora exige é que se compreenda essa mudança das condições da existência. Nem todos os valores se subverteram, mas a técnica de viver que se apresenta às novas gerações é diversa da nossa, em razão dos progressos da ciência, da economia industrial, dos novos poderes que o homem conquistou sobre a natureza, sobre a vida e a morte, sobre o pensamento”.

Não parece ao leitor que essa citação, tomada por si só, poderia ser incorporada a hodiernos discursos? A complexidade das relações entre a escola e a sociedade, se agora é lugar comum, já era apontada pelo autor, o que exemplifica sua aguda visão.

Para que a escola desempenhe uma educação integral, deve oferecer mais do que instrução, a ela cabe integrar os indivíduos.

Ainda em suas próprias palavras: “A fim de que a escola, primária ou secundária, possa ter caráter educativo pleno, deverá oferecer condições e oportunidades para que os alunos organizem a sua conduta para a saúde, a família, o trabalho, a pátria, a recreação e a religião. Nestes termos se condensam, realmente, todas as modalidades de possível ação educativa”.

Buscar contato com a obra de Lourenço Filho através de um levantamento bibliográfico, localizar e analisar seus escritos, conhecer as idéias de seus comentaristas e mesmo ir à busca de detalhes de sua vida pessoal foram tarefas da investigação inicial que executamos.

A produção literária de Lourenço, que apresentamos em parte na bibliografia, ao final do verbete, abrange grande número de publicações do autor e sobre ele, constituindo fração do que conseguimos localizar. Entre os que escreveram sobre a vida e obra desse importante educador, em estudos, críticas, comentários, homenagens e biografias, há renomados analistas.

Uma viagem de estudo e pesquisa a Porto Ferreira, sua cidade natal, revelou-se bom caminho para obtermos maiores informações sobre a história de vida de Lourenço. Tal visita nos proporcionou acesso a variado material. Assim, constatamos que a figura do educador está presente na memória de muitos membros da comunidade, embora o Museu Histórico e Pedagógico e a Biblioteca Municipal, que originalmente chamavam-se, ambos, Professor Lourenço Filho , tenham, atualmente, outra denominação.

O museu guarda fotografias, cópias de documentos e exemplares de antigas edições de livros do famoso professor.

Talvez o fato de Lourenço Filho ter deixado a cidade natal ainda muito jovem e ter vivido e conseguido projeção longe dela gere um misto de orgulho e ressentimento no imaginário popular dessa pequena cidade do interior paulista. Isso é percebido nos depoimentos de moradores que cultivam, com certo saudosismo, a história da cidade.

As conclusões que tiramos dessa investigação preliminar são, essencialmente, duas. A primeira é que a vasta produção de Lourenço Filho ainda foi pouco estudada, sobretudo sua contribuição para a educação brasileira. A segunda, vinculada à anterior, é que, melhor conhecendo sua vida e obra, poder-se-ia elevar esse educador a um posto de maior destaque entre os educadores brasileiros. Os autores, pessoalmente, arriscam prever que novos estudos sobre o ilustre filho de Porto Ferreira renovarão o brilho do “Mestre das Américas”.

“Sobre o papel da escola em geral”

“O verdadeiro papel da escola primária é o de adaptar os futuros cidadãos, material e moralmente, às necessidades sociais presentes e, tanto quanto seja possível, às necessidades vindouras, desde que possam ser previstas com segurança. Essa integração da criança na sociedade resume toda a função da escola gratuita e obrigatória, e explica, por si só, a necessidade da educação como função pública. Por isso mesmo, o tirocínio escolar não pode ser mais a simples aquisição de fórmulas verbais e pequenas habilidades para serem demonstradas por ocasião dos exames. A escola deve preparar para a vida real, pela própria vida. A mera repetição convencional de palavras tende a desaparecer, como se viu na nova concepção da ‘escola do trabalho’. Tudo quanto for aceito no programa escolar precisa ser realmente prático, capaz de influir sobre a existência social no sentido do aperfeiçoamento do homem. Ler, escrever e contar são simples meios; as bases da formação do caráter, a sua finalidade permanente e inflexível. Do ponto de vista formal, isso significa a criação, no indivíduo, de hábitos e conhecimentos que influam diretamente no controle de tendências prejudiciais, que não podem ou não devem ser sufocadas de todo pelo automatismo psíquico possível na infância. E como conseqüência, nos grandes meios urbanos, à escola cabe, hoje, iniludivelmente, facilitar a orientação e seleção profissional, pelo estudo das aptidões individuais da criança, conhecimento e esclarecimento do desejo dos pais, tradição e possibilidades da família. Esse aspecto é inteiramente desconhecido em nossas escolas.”

Lourenço Filho – Biografia

Lourenço Filho
Lourenço Filho

Um Grande Modernizador de Nossa Escola

O nome de Manoel Bergström Lourenço Filho é hoje o menos lembrado entre os três responsáveis pela revolução modernizadora ocorrida na educação brasileira a partir da terceira década do século 20. Idealizador do movimento da Escola Nova, ao lado do baiano Anísio Teixeira e do mineiro Fernando de Azevedo, em 1932, o professor paulista teve intensa atividade teórica e administrativa, sempre ligado à democratização e à profissionalização do ensino.

Pelas mãos de Lourenço Filho algumas estruturas do ensino brasileiro foram reformuladas de cima a baixo. A primeira delas foi a rede de educação do Ceará, que reformou quando tinha apenas 24 anos, dando a ela feições próximas das que tem até hoje. Tomando a mudança da Escola Normal de Fortaleza como núcleo do trabalho renovador no estado, Lourenço Filho se propôs a “corrigir a orientação literária ou formalística do programa, que, composto mais de ciências abstratas ou descritivas, orna o espírito, mas não o forma”. Ou seja, ele orientou com firmeza a formação de professores para a prática em sala de aula e para o domínio das competências profissionais.

“Grande parte do legado de Lourenço Filho não envelheceu”, diz Edília Garcia, presidente da Associação Brasileira de Educação, cargo que Lourenço Filho ocupou mais de uma vez. “O espírito da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, por exemplo, preserva suas idéias, principalmente quanto à formação de professores.”

Carlos Monarcha, professor da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Marília (SP) e co-organizador da Coleção Lourenço Filho , série de livros de e sobre o educador mantida pelo Ministério da Educação, ressalta a “revolução” comandada por Lourenço Filho à frente do Instituto de Educação do Distrito Federal (então o Rio de Janeiro), entre 1932 e 1937. Ele reformulou a estrutura curricular de modo a tornar o Normal um curso exclusivamente profissionalizante, criando o modelo para as demais unidades da federação.

Para Lourenço Filho , o problema da educação estava na própria organização social. A ambas faltava, segundo ele, emancipação técnica, uma reordenação que obedecesse a princípios racionais e científicos. Essas preocupações orientaram suas iniciativas nos numerosos cargos públicos que ocupou.

A ciência a serviço de mudanças na educação

No âmbito do pensamento pedagógico, uma das grandes contribuições de Lourenço Filho foi uma revisão de conceitos à luz de saberes que estavam sendo desenvolvidos no exterior. “Ele se dedicou a organizar um campo de conhecimento antes inexistente — a psicologia aplicada à educação — e assim reinventou e atualizou a pedagogia de forma sem precedentes”, diz Monarcha.

Embora tenha sido contemporâneo e conhecedor da obra de Lev Vygotsky (1896-1934) e Jean Piaget (1896-1980), Lourenço Filho , como psicólogo, se identificava com as escolas norte-americanas influenciadas pelo princípio da determinação biológica. “O esquema fundamental do reflexo condicionado explica toda a aprendizagem”, dizia ele.

Esse tipo de entendimento da mente humana, no entanto, não levava o educador a compartilhar das idéias mecanicamente deterministas que deram sustento a conceitos como o da superioridade racial na virada do século 19 para o 20. Toda sua obra, ao contrário, é marcada pela possibilidade de modificação do ser humano — e o principal instrumento para isso seria a educação.

Para ele, o domínio de técnicas e métodos científicos permitiria o conhecimento da realidade para que fossem superadas não só as deficiências do ensino, como os sintomas de atraso, entre eles o coronelismo e as ingerências políticas na educação, que o impressionaram quando trabalhou no Ceará.

Eliminar o analfabetismo e democratizar o ensino eram vistos como requisitos para desenvolver a capacidade produtiva do educando e integrá-lo à sociedade.

Em 1926 Lourenço Filho declarou: “Nossa escola não se anima ainda ao calor de um ideal superior de vida em comunidade, nem se agita à luz de um seguro critério democrático”.

Testes ABC, caminho para classes homogêneas

Lourenço Filho combinou a estatística à psicologia para criar uma técnica de avaliação de habilidades e prever as possibilidades de aprendizado: os Testes ABC.

O objetivo do material era verificar a maturidade necessária à alfabetização. Foi o trabalho mais difundido do educador, tanto no Brasil como no exterior.

“Os testes se transformaram numa febre de época, que procurava concretizar o que já foi chamado de sonho dourado da pedagogia daqueles tempos: a formação de classes homogêneas, para aumentar o rendimento escolar”, diz Monarcha.

Hoje, tanto a aplicação de testes caiu em descrédito entre os psicólogos quanto a idéia de classes homogêneas é criticada pelos pedagogos. Mas isso não tira a importância pioneira de Lourenço Filho em considerar o aluno como indivíduo, com características pessoais — “um ser ativo que se educa, reagindo ao contato com o meio ambiente”, como escreveu já em 1923, antecipando conceitos atuais como a diversidade.

“Um dos erros da escola tradicional era conceber um tipo de criança em abstrato, uma criança de tipo ideal por todos os aspectos, na vida real inexistente”

Lourenço Filho – Educador Brasileiro

Lourenço Filho

“Um dos erros da escola tradicional era conceber um tipo de criança em abstrato,
uma criança de tipo ideal por todos os aspectos, na vida real inexistente”.

Lourenço Filho nasceu Manoel Bergström Lourenço Filho, em 10 de março de 1897, na Vila de Porto Ferreira (SP), filho de pai português e mãe sueca.Cursou duas vezes a escola Normal (em Pirassununga e em São Paulo), fez dois anos de Medicina e formou-se em Direito. Antes mesmo de estar formado já estava empregado e seu futuro profissional prometia grandes realizações.

Aos 24 anos, foi convidado para ser o diretor da Instrução Pública do Ceará, com a incumbência de reorganizar o ensino do estado. O trabalho, que durou dois anos e meio, rendeu frutos como o livro Juazeiro do Padre Cícero, análise do fanatismo religioso para a qual utilizou-se de seus conhecimentos em Psicologia.

Nesse momento Lourenço começou a tomar conhecimento de métodos novos aplicados às escolas e resolveu conhecê-los mais de perto.

Com os amigos, o baiano Anísio Teixeira e o mineiro Fernando Azevedo, Lourenço Filho idealizou a Escola Nova – projeto que defendia a idéia da escola “sob medida”, mais preocupada em adaptar-se a cada criança do que em encaixar todas no mesmo molde, e que julgava que o interesse e as atividades dos alunos tinham papel determinante na construção de uma “escola ativa”.

Defendida principalmente pelo suíço Claparède e sob a influência do filósofo norte-americano John Dewey (1859-1952), a Escola Nova era para Lourenço Filho de grande importância, não só para a aprendizagem dentro dos limites da sala de aula: “As classes deixavam de ser locais onde os alunos estivessem sempre em silêncio, ou sem qualquer comunicação entre si, para se tornarem pequenas sociedades, que imprimissem nos alunos atitudes favoráveis ao trabalho em comunidade”.

Entre 1932 e 1937, o educador esteve à frente do Instituto de Educação do Distrito Federal (Rio de Janeiro) e reformulou a estrutura curricular tornando o curso Normal exclusivamente profissionalizante, criando assim um modelo para as demais unidades da federação. Empenhou-se ainda em orientar a formação de professores para a prática em sala de aula e para o domínio das competências profissionais.

Uma de suas maiores preocupações era a de que os alunos tivessem oportunidades iguais em todos os lugares do país e para isso era preciso que os métodos fossem unificados e não as pessoas. E foi questionando os moldes da educação na sua própria organização social que ele via a possibilidade de melhoria da educação. Para Lourenço Filho faltava emancipação técnica, além de princípios racionais e científicos. Essas preocupações o fizeram promover modificações nas formas educacionais nos vários cargos públicos que ocupou.

Algumas das várias teorias em que o educador esteve à frente foram de suma importância para o desenvolvimento dos métodos de ensino e aplicavam a psicologia, sempre, como parte integrante de seus preceitos.

Vale destacar: Movimento dos Testes – em que era medida, escala métrica, a inteligência, com provas breves e objetivas na forma de questionários; Psicotécnica – método em que a orientação profissional era direcionada para uma melhor adaptação entre profissão e aptidão; Testes ABC – verificação da maturidade necessária à aprendizagem da leitura à escrita; Organização dos Testes ABC – criação de uma esfera técnico-pedagógica separada da administração.

Muitos educadores afirmam suas idéias e delegam a ele êxitos no que até hoje é aplicado na educação. “Grande parte do legado de Lourenço Filho não envelheceu”, diz Edília Garcia, presidente da Associação Brasileira de Educação, cargo que Lourenço Filho ocupou mais de uma vez. “O espírito da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, por exemplo, preserva suas idéias, principalmente quanto à formação de professores”.

Carlos Monarcha, professor da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Marília (SP) e co-organizador da Coleção Lourenço Filho, série de livros de e sobre o educador mantida pelo Ministério da Educação, fala: “Ele colaborou para elevar o tema da educação ao centro de um imaginário político no qual lhe cabia o papel de concretizar a reforma do Brasil, sua modernização e a superação do atraso”. Para o professor Monarcha, essa foi uma das concepções inspiradoras da proclamação da República, da crítica ao patriarcalismo, nos anos 1920, e de toda a concepção oficial de progresso que prevaleceu durante a era Vargas (1930-1945).

Lourenço Filho defendeu a necessidade da elevação dos níveis de instrução de toda a população como condição para o desenvolvimento econômico da nação.

Foi protagonista da Campanha de Educação de Adultos, na década de 1940, que visavam a instituir políticas globais para tornar possível solucionar problemas.

Em 1949, organizou e dirigiu o Seminário Interamericano de Alfabetização e Educação de Adultos, realizado no Rio de Janeiro, sob os auspícios da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura (Unesco). Nessa ocasião, recebeu o título de “Maestro de las Américas”.

Esteve presente em vários cargos em que vislumbrava a possibilidade de mudanças para a melhoria da educação no país. Em 1952, foi eleito presidente do Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura, e em 1957, se aposentou, apesar de continuar atuando em várias comissões educacionais e publicando livros (ver bibliografia abaixo) que até hoje servem como referência para quem pretende conhecer a evolução pedagógica brasileira. Para o professor Lourenço Filho a educação deveria ser um conjunto de técnicas relativamente desligadas de ideologia e de influência de regras históricas. Educação era amor ao ser e ao seu país.

Fonte: www.centrorefeducacional.com.br/revistaescola.abril.com.br

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