Dia das Raças Indígenas da América


18 de Maio

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INTRODUÇÃO

O Brasil seguramente é um dos países do mundo que apresenta uma grande sócio-diversidade, desde o período pré-colombiano. Esta afirmativa é subsidiada por levantamentos históricos que estimam terem vivido em terras brasileiras cerca de 1 a 8 milhões de pessoas, antes da colonização portuguesa, distribuídas em cerca de 1100 etnias. É sabido também que o impacto do contato com os europeus, ao longo destes 500 anos, causou uma devastação sem precedentes tanto na redução do número absoluto quanto na quantidade dos grupos étnicos indígenas. Segundo informações disponibilizadas pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) estima-se que existiriam 1300 línguas diferentes.

Dia das Raças Indígenas da América

Atualmente, estima-se que a população indígena brasileira não ultrapasse 400 mil habitantes considerando 215 sociedades indígenas reconhecidas pela FUNAI. Esta redução numérica de indivíduos e grupos étnicos faz com que o índio no Brasil represente apenas 0,2% da população total. Entretanto, esta estimativa não chega a ser confiável uma vez que o Brasil ainda não realizou qualquer tipo de censo demográfico voltado à contagem e caracterização dos povos indígenas. Assim, os números estimados baseiam-se na contabilidade de organizações não-governamentais e/ou de indígenas que utilizam algum tipo de serviço público governamental. A ausência de um censo governamental da população indígena, de certa forma reflete os níveis de dificuldade em implementar de modo concreto ações que foram legisladas desde a década de 70 sobre política indigenista. Neste aspecto, pode-se dizer que o Brasil se encontra atrasado em relação a grande maioria dos países da América Latina. Apenas cinco países da América Latina não realizaram ainda censos demográficos indígenas segundo informações disponíveis em sites governamentais disponíveis na internet: Peru, Colômbia, Guiana, Uruguai e Brasil.

Esta falta de censo demográfico dificulta em muito o reconhecimento da identidade cultural da existência de “povos indígenas”, relegando a maior parte destes a condição de “grupos indígenas” ainda que tenham ocorrido ações relacionadas à distribuição de terras indígenas e reservas. Hoje, no Brasil, 12% do território nacional ou cerca de 104 milhões de hectares são reconhecidos como reserva indígena. O percentual inclui todas as terras indígenas em processo de reconhecimento, em diferentes graus. Algumas estão apenas identificadas e cerca de 60% está registrada, ou seja identificadas, demarcadas e homologadas. Entretanto, muitas das áreas consideradas reservas indígenas estão geograficamente sobrepostas a Unidades de Conservação o que leva a uma situação paradoxal: o índio tem direito a viver na reserva, mas não tem autodeterminação para usufruí-la segundo suas tradições sócio-culturais e suas necessidade de sobrevivência. Esta sobreposição tem gerado um conflito contínuo nos diferentes setores governamentais, que tutelam ou as reservas indígenas ou as áreas de conservação.

Segundo TEIXEIRA (2004):

“As áreas indígenas são ricas em recursos naturais e, em geral, estão localizadas em regiões de fronteira agrícola e de expansão do capital, tornando-se, freqüentemente, alvo de conflitos. Estes se dão, entre outros motivos, por terem sido as terras indígenas vendidas a títulos de propriedade, em passado recente, pela própria União, que atualmente, numa espécie de mecanismo compensatório pela expropriação territorial, concede aos índios a posse permanente das terras, sem que os atuais proprietários, fazendeiros, produtores, empresários, assentados, entre outros segmentos sociais, sejam devidamente indenizados. Esses fatos geram novos conflitos e corroboram para um complexo ideológico presente nos discursos mais variados, quer seja do senso comum, quer seja dos representantes das camadas mais elitizadas e intelectualizadas, que põem em “xeque” a pureza cultural ou primitividade dos índios quanto à questão de serem ou não índios e, portanto, merecedores ou não de seus direitos constitucionais.”

O comentário de Teixeira expõe um fato contundente: a condição da preservação das terras indígenas, ainda que questionada por alguns setores sociais, é crucial para a manutenção da identidade étnica destas sociedades. Isto porque, no contexto de progressão histórico-cultural dos povos indígenas a relação com a terra e com a natureza transcende a visão economicista amplamente disseminada em sociedades euro-asiáticas em direção a uma visão “sistêmica” que envolve uma relação que interliga aspectos culturais, sociais, religiosos e de sobrevivência. Esta visão antagônica entre povos índios e não-indios em relação a terra cria um foco de divergência quase que intransponível. Construir pontes entre estas duas visões é uma tarefa que necessita “cooperação mútua” e “comportamento solidário”. Entretanto, como cooperar e ser solidário em um relacionamento nascido sobre uma égide de dominação e dizimação, que forçosamente tem levado a uma “supremacia de posições” dos povos não-indios sobre os índios?

Esta questão pode ser considerada de grande pertinência uma vez que o efeito colonizador tem, muitas vezes, negado a “identidade cultural indígena” baseado em argumentos que nem sempre tem sido “critica e cientificamente avaliados”. Dois destes argumentos se destacam: o primeiro é o da falta de pureza cultural. No caso, este argumento utiliza como subsídio a idéia de que se grande parte dos grupos indígenas que vivem no Brasil tem entrado em contato e absorvido algum tipo de informação, comportamento, tecnologia ou cultura da sociedade não-india, eles já não são “povos puros” e, portanto, devem ser tratados de modo similar social, jurídico e culturalmente ao restante dos brasileiros. Apesar de ser verdadeira a observação de que ocorreu “fluxo cultural bidirecional” ao longo da história do Brasil, negar a identidade cultural indígena pode ser considerada uma das grandes falácias ideológicas da atualidade. TEIXEIRA (2004) corrobora esta idéia quando diz:

“Nesse aspecto, cabe ressaltar, que não existe pureza cultural, todas as sociedades são dinâmicas e é dessa forma que as culturas se reproduzem. O fato de alguns grupos indígenas não usarem cocares, flechas e bordunas e terem passado por um longo processo de descaracterização cultural não quer dizer que não sejam mais índios. A incorporação de rituais, crenças e práticas exógenas pelos índios não significa, necessariamente, que sua cultura deixou de ser autêntica e que, portanto, tais índios passaram a ser “falsos índios” ou “ex-índios”. Os estudos desenvolvidos com as sociedades indígenas, em particular os de João Pacheco de Oliveira Filho, têm mostrado que elementos externos são ressemantizados e fundamentais para a preservação ou adaptação de organizações sociais e de modos de vida. Além do que, cabe indagar, se seria possível que as coletividades indígenas em contato com o mundo envolvente fossem totalmente refratárias aos fluxos culturais globais e as pressões do capitalismo.”

Sendo assim, a idéia de imputar às sociedades indígenas um comportamento de “redoma” para que suas diferenças sejam aceitas e consideradas pela sociedade brasileira, pode ser postulado como um processo de “involução”, não somente histórica, mas da própria natureza humana, já que “o fluxo intra-populacional e inter-populacional” tem sido a matéria-prima do desenvolvimento da civilização humana estando fortemente centrada na evolução biológica dos aspectos comportamentais, que levam ao desenvolvimento e acúmulo cultural da espécie.

Outro argumento que desconstitui a identidade e a luta pela preservação dos povos indígenas diz respeito a “idéia de primitividade cultural” em relação aos povos ocidentais não-indios. Dentro desta concepção, tal primitividade deveria ser “sanada” a partir da compreensão de que a transmissão de informações e tecnologias desenvolvidas, ao longo da história, de forma escrita seria a única forma de sistematização do conhecimento, enquanto que a transmissão oral seria “pobre, ineficiência e sem acurácia”. Esta idéia de primitividade está tão entranhada no olhar não-indio sobre as populações “indígenas ou aborígines” que continua sendo perpetuada nos bancos escolares principalmente através das disciplinas de Estudos Sociais e Ciências Naturais e suas Tecnologias. Entretanto, hoje depois da explosão sem precedentes de tecnologias e conhecimentos gerados a partir da ideação e uso do método científico pela civilização humana não-india, será que a “idéia de primitividade” é reforçada? Ou também é uma falácia perpetuada nestes cinco séculos pela visão “eurocêntrica” do mundo?

Com base neste contexto, o presente estudo teve como perspectiva contribuir com o debate sobre o quanto o significado destes dois argumentos tende ao real ou ideológico, utilizando para tanto, uma visão interdisciplinar, com destaque a biologia evolutiva da espécie humana e as teorias educacionais.

METODOLOGIA

Para analisar a questão referente a progressão cultural “índia e não-india” estabeleceu-se como eixo condutor a análise de estudos na área biomédica. Para tanto foi realizada uma busca bibliográfica sobre o tema utilizando-se as seguintes bases de dados indexadoras: Scielo, Lilacs e Medline, e o banco de teses disponível na Coordenadoria de Aperfeiçoamento do Ensino Superior (CAPES). Na primeira parte do estudo, foram sistematizadas e discutidas questões sobre a identidade cultural indígena, sua relação com a evolução cultural na espécie humana, o conceito de “populações tradicionais” a partir de uma visão ambientalista. Na segunda parte, foram analisadas investigações sobre “a acurácia da transmissão oral do conhecimento” tomando-se como referência estudos etno-botânicos e etno-farmacológicos indígenas. Para tanto, utilizaram-se as palavras-chaves “traditional medicine” e “indians” no banco de dados MEDLINE. A partir dos artigos publicados, elegeram-se aqueles mais próximos do objetivo deste trabalho para serem debatidos. Por se tratar de um estudo predominantemente interdisciplinar, alguns ajustes conceituais entre as áreas do conhecimento dos autores foram realizados para permitir a construção do texto. Por tal motivo, considerações a este respeito, quando relevantes, são apresentadas como notas de rodapé.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dentro da visão da biologia evolutiva, a questão da “pureza cultural” não encontra subsídios consistentes. Isto porque estudos sobre a evolução cultural em primatas e seres humanos sugerem fortemente serem os processos culturais, dinâmicos e retro-alimentados segundo as perspectivas culturais intrínsecas a cada grupo populacional dentro de uma mesma espécie. A revisão sobre este tema realizada por CASTRO E TORO (2004) no artigo “The evolution of culture: From primate social learning to human culture” deixa claro este posicionamento. Segundo os autores:

“A cultura pode ser definida como uma variação adquirida e mantida por um aprendizado social direto e indireto sendo um processo comum na natureza, alcançando um nível importante somente no Homo sapiens que levou a um processo de evolução cultural de grande “valor adaptativo”. A transmissão cultural em nossa espécie trabalha na maioria do tempo com um sistema de herança cumulativa levando os membros de um determinado grupo a incorporar características comportamentais (…). Nós consideramos que a adoção do comportamento de aprendizagem em primatas pode ser definida como um processo, que envolve três etapas consecutivas: (1) o descobrimento e a aprendizagem de um determinado comportamento; (2) testagem e avaliação do comportamento aprendido; (3) rejeição ou incorporação do comportamento aprendido dentro do repertório de comportamentos pré-existentes. (…) Nós sugerimos que tanto a aprendizagem individual (basicamente feita a partir da tentativa e erro) quanto social (basicamente feita por estímulos locais ou por imitação) em primatas, representam dois mecanismos alternativos para a descoberta de um determinado comportamento sem que haja comprometimento com a adoção posterior deste comportamento pelo individuo ou mesmo pelo grupo.”

Se esta perspectiva é considerada correta, se aceita que a estratégia de progressão cultural ocorre, ainda hoje, na sociedade humana tanto no que diz respeito ao indivíduo quanto ao coletivo na construção da cultura (onde se inclui o conhecimento sistematizado). Esta idéia também é corroborada por teorias educacionais como é o caso da histórico-cultural de Vigotsky re-analisada por Welsch (1998) em que este último autor pontua que a gênese do conhecimento se processaria em quatro níveis organizacionais: filogênese, ontogênese, sociogênese e microgênese. Tomando estes níveis como referência, tanto a sociogênese quanto a microgênese seriam elementos dinâmicos sob o ponto de vista de um determinado povo no tempo e no espaço. Isto porque a microgênese (acúmulo individual do conhecimento) que “aprende, testa, rechaça ou incorpora” é subsidiada pela sociogenese na mesma medida que a alimenta (troca dialética). Este processo, então, passa a ser ao mesmo tempo uma experiência individual única como também é uma experiência coletiva única. Uma explicação simplista desta dinâmica poderia ser dada se for considerado que, mesmo que o alfabeto da escrita contemporânea tenha evoluído dos fenícios, estes, enquanto grupo social, não existem mais, e a escrita como “tecnologia de transmissão do conhecimento” ainda que seja utilizada por uma grande quantidade de povos guarda múltiplas especificidades que são concretamente observadas através das variações existentes nos códigos alfabéticos, estrutura gramatical, lingüística e fonética (diversidade de “Babel”?).

Tendo esta perspectiva conceitual, poderia, então ser considerada uma falácia caracterizar o “indígena” como um sujeito sem visão critica com possibilidades limitadas de “aprender comportamentos, testá-los e aceitá-los ou não face ao seu histórico cultural prévio”. Em outras palavras, seria uma falácia considerar o indígena como um sujeito sem autonomia crítica e construtiva do seu processo de conhecimento. Assim, nem o comportamento “de imposição cultural” por parte da sociedade não-india, nem aquele de “enclausuramento que leve o isolamento das comunidades indígenas” são aceitáveis. Assim, reconhecer a “identidade indígena” significaria, a priori, assumir que “um indígena é indígena em qualquer contexto, dentro ou fora das aldeias e reservas, dentro ou fora do País”, uma vez que o mesmo sinta-se identificado como tal. Reconhecer a “identidade indígena” é pressupor que um indígena que domine tecnologicamente a escrita e o conhecimento acumulado por populações não-indias não significa um “sujeito aculturado”, mas sim um “sujeito culto”.

Outra ponderação que estes pressupostos permitem fazer é de que o fluxo, a captura e modificação de um determinado conhecimento e tecnologia mesmo dentro da perspectiva da racionalidade técnica newtoniana-cartesiana sofre transformação e/ou adaptação segundo o modelo cultural de um determinado povo, e, portanto modifica-se e, portanto cria novos modelos e, portanto garante a manutenção da biodiversidade cultural humana (sócio-diversidade) e a contínua progressão cultural da espécie humana.

Neste ponto emerge o segundo argumento francamente eurocêntrico que considera os povos indígenas “culturalmente primitivos”. Assim como o primeiro argumento, as autoras também consideram esta visão uma outra falácia. Para subsidiar esta visão é relevante que sejam tecidas algumas considerações sobre a própria divergência da “progressão cultural” que historicamente separou a humanidade em dois grandes grupos: aqueles que desenvolveram um padrão de linguagem escrita para expressar tanto contextos materiais, quanto idéias ou abstrações” e aqueles que “desenvolveram estratégias de progressão cultural baseadas na transmissão oral do conhecimento” que era, no inicio da civilização humana, comum aos dois grupos.

Segundo RAJCZUK (2000) em um breve texto de revisão sobre a evolução da escrita:

“Os seres humanos, em toda a sua história, tiveram, basicamente, quatro meios para fazer registros ou transmitir informações: os pictogramas, os ideogramas (ou escrita analítica), os silabários e o alfabeto. O início do uso de registros parece ter ocorrido no Oriente Médio em razão da necessidade de controlar as atividades comerciais crescentes. Sobre a argila úmida, representações pictóricas do mundo eram feitas, ou seja, desenhos que simbolizavam objetos e seres.

Os pictogramas deram lugar à escrita analítica com seus ideogramas ou logogramas, o que facilitava o processo de escrita e permitia a identificação correta dos sinais. Os mais antigos achados arqueológicos em que são encontrados simultaneamente pictogramas e ideogramas datam do terceiro e do quarto milênios a.C. A escrita analítica parece ter surgido inicialmente na Suméria, China e Egito. Até então, a escrita não era relacionada à fala, ou seja, ela não correspondia aos nomes das coisas representadas, mas sim diretamente ao seu formato físico. A passagem dos ideogramas para os sistemas silábico e alfabético ocorreu cerca de 2800 a.C. com a necessidade de incorporar, aos registros escritos, elementos das línguas faladas. Assim, os sinais passaram a representar sons, em vez de objetos em si. Mas os sistemas silábicos apresentavam deficiências. A principal delas era o grande número de sinais necessários para representar todos os sons de uma determinada língua.

Assim, por exemplo, o sistema cuneiforme silábico da Mesopotâmia continha quase 600 sinais, o que inviabilizava a aprendizagem pela maioria das pessoas. A posterior invenção do sistema de escrita alfabético ocorreu com a percepção de que a escrita poderia ser organizada mais facilmente se cada som individual fosse representado por um sinal específico. Esse tipo de organização reduziria os sinais necessários para a representação, pois os diferentes sons de cada língua são em pequeno número, raramente mais de 40 tipos. Não se sabe se tal percepção ocorreu a partir do contato entre diversos povos ou se aconteceu a partir da idéia de um só indivíduo.

Os primeiros alfabetos foram inventados no Oriente Médio em 1500 a.C. e representavam apenas os sons consonantais, deixando de lado as vogais. A introdução de vogais surgiu apenas no início do primeiro milênio a.C., com os gregos que, ao receberem dos fenícios a idéia do alfabeto e as formas das letras, incluíram as vogais, usando para representá-las as letras fenícias que não tinham correspondentes fonéticos no grego. “Nosso próprio alfabeto, o latino, é derivado do alfabeto grego, tendo a intermediação dos etruscos.”

O discurso histórico apresentado através do texto de RAJCZUK (2000) é amplamente aceito, bem como a idéia de que, ao contrário do desenvolvimento da escrita pelos povos antigos do velho mundo, os povos ameríndios adotaram e mantiveram como estratégia de acúmulo, guarda e transferência do conhecimento, a “transmissão oral” e que a manutenção desta estratégia de transmissão do conhecimento seria o principal “sinal de primitividade” dos grupos populacionais que viviam nas Américas, em especial, no Brasil.

Esta idéia de primitividade provavelmente se impõe até os dias de hoje pela falta de compreensão e integração de pelo menos duas questões: 1) a grande falta de informações consideradas científicas sobre o processo de “transmissão do conhecimento oral” e 2) as questões históricas relacionadas com a divergência da civilização humana entre os grupos que aqui são chamados de “escritores” e “contadores”.

Aparentemente, estas duas questões não estão relacionadas, mas se forem analisadas de modo conjunto, elas podem fornecer pistas para o entendimento dos porquês, que levaram a manutenção deste tipo de estratégia cultural pela grande maioria das sociedades indígenas da América e também dos porquês até agora o acúmulo dos conhecimentos oralmente transmitidos permaneceram invisíveis (escondidos? ausentes? extintos?) as sociedades não-indias.

Segundo MENA (2001)

“Cada sociedade evolui e alcança o seu desenvolvimento seguindo o seu próprio padrão, modelo e caminho de evolução. Assim tem ocorrido com as culturas tradicionais e com a sociedade ocidental (considerando as variações de países e regiões)”. Em outra parte do seu texto, o autor ainda comenta que: “A tradição se converte em depositária e transmissora do saber acumulado e legado através das gerações, saber que parece constituir um dos pilares básicos da definição da identidade dos grupos originários da América”.Assim, o quanto o dito conhecimento tradicional (transmissão oral) das sociedades índias é rico em elementos que podem ser utilizados pela espécie humana somente agora está sendo considerado e transformado em objeto de investigação em diversas áreas do conhecimento.

Sob um olhar antropológico esta afirmativa é bem visualizada em muitas obras. Na revisão aqui feita, o texto de KRYSZCZUN (2005) é tomado como exemplo:

“A sociedade indígena tem “uma íntima relação com a natureza, uma cultura baseada na tradição, magia e medicina natural”. Estas são algumas das características comuns entre as tribos indígenas do Brasil e da América. Além destas, podemos citar a resistência em manter acesos seus costumes e as lutas por espaço territorial e direito à diferença. São os aspectos culturais, políticos e sociais que formam a identidade destas raças, que faz com que o grupo se reconheça como índio seja reconhecido pela sociedade não-índia e permita que as mudanças na cultura não alterem sua identificação. Com esta caracterização, o saber indígena tem tentado se perpetuar. Para os povos Indígenas da América, reconhecer que o índio sofre e luta e perceber as dificuldades preconceituosas que encontra no mundo moderno, é importante e é tema em qualquer discussão etnológica.

Outra coisa é reconhecer a força e inteligência dos povos indígenas e parabenizá-los pela persistência.A parte bonita destes séculos de luta é ver a riqueza incomensurável de culturas que de dizimação em dizimação, de processos de aculturação e de catequização à escravidão se mantêm e podem orgulhar-se de ver um dia em que a sociedade não-índia tenha que se curvar perante sua força, seu conhecimento e sua SABEDORIA. Manter culturas acesas através de séculos de terríveis confrontos e mudanças sociais é digno de um povo lutador, inteligente e símbolo mais forte da história viva mundial: o povo indígena das Américas. Muito se fala, se admira e se engrandece a cultura do Egito Antigo.

Há de se reconhecer sua grandeza e riqueza. Mas as dinastias e faraós cansaram-se, renderam-se às mudanças e ficaram no passado histórico. Os povos indígenas da América lutaram, sofreram perseguições, enfrentaram mudanças, e aí estão: em bem menor número do que o inicial, enfraquecidos, mas presentes, contando um passado histórico, porém construindo a história hoje e transmitindo às suas gerações a carga hereditária social para continuar uma história futura. Grandes civilizações são as da América indígena, que além de servirem ao não-branco, ensinaram-no muito de sua cultura, sendo honrosos em seus princípios de divisão.

Nos séculos XVI e XVII exploradores embrenharam-se no Rio Amazonas atrás de escravos, terras e tesouros mitológicos. Mas o que encontraram de mais precioso foram os relatos de ricas e complexas culturas. As terras às margens do Rio Amazonas eram organizadas em “províncias/estados” pertencentes aos diferentes povos. Estas sociedades viviam em constante comunicação, seja para transações comerciais e políticas ou mesmo em situações de guerra (Mota, Lúcio, 1994). As regiões andinas e amazônicas são as mais ricas, histórica, antropológica e arqueologicamente, por serem grandes potências de sociedades indígenas complexas. As cerâmicas e vestígios materiais indígenas que a arqueologia e a antropologia vêm descobrindo em toda América, revelam enormes variações e fases culturais datadas de até 6000 a.C (…). Suas contribuições e desenvolvimento vêm acontecendo através da história nos níveis não só culturais, mas ideológicos e ecológicos.

O mito do indígena passivo é desacreditado pelo próprio fato de ainda existirem e deixarem na sociedade não-índia marcas de sua identidade cultural. Foram e são sociedades duras em sua luta pela liberdade e contra os vilipêndios a que são submetidos. Apesar de ágrafos em sua maioria e com uma parcela de sociedades com proto-escrita, os povos indígenas da América possuem incomparável qualidade de transmissão oral, que permite que a tradição seja passada de geração em geração do mesmo modo e com os mesmos exemplos.

Além disso, possuem a arte cerâmica em diversas tribos e a pintura rupestre que, com inscrições, transmitem costumes, detalhando aos arqueólogos e antropólogos sua ordem de execução das tarefas, os executores e toda hierarquia e processo de desenvolvimento da vida diária indígena por vários séculos.”

O texto vigoroso da autora ainda enfatiza as relações entre a transmissão do conhecimento oral com aspectos da própria relação das sociedades índias e o ecossistema em que habitam.

“Estas histórias fantásticas da estrutura social, política e religiosa, além do cotidiano de rituais, etiquetas e educação só são encontrados em livros específicos de etnografia/etnologia. Não há divulgação da maravilhosa e rica história destes povos de cultura diferente da capitalista do mundo não-indígena. Não há interesse dos meios de acesso à grande massa, a mídia, em levar a conhecer mais a fundo tais riquezas da história humana”.

Outro olhar que também considera a transmissão do conhecimento tradicional é o ambientalista, que, inclusive, subsidiou a construção do termo “populações tradicionais” que hoje está amplamente divulgado em muitos setores da sociedade incluindo os governamentais. Esta afirmativa é corroborada quando se analisa o texto publicado pelo órgão governamental “ Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA)” transcrito a seguir:

“A idéia de Populações Tradicionais está essencialmente ligada à preservação de valores, de tradições, de cultura. Ao longo da sua história, o homem através de múltiplas experiências e situações vivenciadas, tem alcançado importantes conquistas que o fazem avançar, que elevam sua dignidade de espécie humana. Acontece que o ritmo das mudanças, a velocidade das descobertas tem crescido em ritmo geométrico, nos últimos 50 anos, tornando obrigatória à consolidação de certos valores, ou então o resgate de valores que apenas são conservados por populações tradicionais; caso contrário, podem ser jogadas ao esquecimento conquistas seculares da humanidade. (…) Para entender melhor a questão das populações tradicionais é fundamental entender sua cultura que está intimamente dependente das relações de produção e de sobrevivência.

O professor Diegues enumera as seguintes características das culturas tradicionais: (a) dependência e até simbiose com a natureza, os ciclos naturais e os recursos naturais renováveis a partir do qual se constrói um “modo de vida”; (b) conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos que se reflete na elaboração de estratégias de uso e de manejo dos recursos naturais.

Esse conhecimento é transferido de geração em geração por via oral; (c) noção de território ou espaço onde o grupo se reproduz econômica e socialmente; (d) moradia e ocupação desse território por várias gerações, ainda que alguns membros individuais possam ter-se deslocado para os centros urbanos e voltado para a terra dos seus antepassados; (e) importância das atividades de subsistência, ainda que a produção de mercadorias possa estar mais ou menos desenvolvida, o que implica numa relação com o mercado; (f) reduzida acumulação de capital; (g) importância dada à unidade familiar, doméstica ou comunal e às relações de parentesco ou de compadrio para o exercício das atividades econômicas, sociais e culturais; (h) importância de mito e rituais associados à caça, à pesca e às atividades extrativistas; (i) a tecnologia utilizada é relativamente simples, de impacto limitado sobre o meio ambiente.

Há uma reduzida divisão técnica e social do trabalho, sobressaindo o trabalho artesanal. Nele, o produtor e sua família, dominam o processo de trabalho até o produto final; (j) fraco poder político, que em geral reside com os grupos de poder dos centros urbanos; e (k) auto-identificação ou identificação pelos outro de se pertencer a uma cultura distinta das outras.

Ainda podem ser agregados a visão antropológica e ambientalista, estudos da área de genética de populações sobre a migração humana para as Américas em interação com elementos históricos relacionados com o desenvolvimento da escrita. Cabe salientar que os resultados por ora obtidos baseiam-se e estão limitados por três condições: (1) que a investigação das causas relacionadas à diversidade genética da espécie humana tem sido objeto de estudo há muitos anos e assim, a construção deste conhecimento é continuada e não está finalizada; (2) que à medida que novas estratégias metodológicas e tecnológicas, como é o caso do uso de marcadores moleculares, tem sido utilizadas está sendo possível aprofundar cada vez mais estas investigações; (3) que dentro da abordagem genético-molecular além de marcadores mitocondriais já utilizados a partir da década de 80, nesta última década, outros marcadores mais confiáveis como os presentes no cromossomo Y e no DNA nuclear do genoma humano em regiões conhecidas como microssatélites começaram a ser utilizados aumentando ainda mais a acurácia das análises.

Respeitando estas condições, atualmente o estudo considerado referência mundial é o de BORTOLINI et al. (2003). A autora e seus colaboradores compararam o perfil genético de 438 indivíduos de 24 populações nativas da América (indígenas) e 404 indivíduos originários da Mongólia. Os resultados obtidos foram consistentes com a idéia da ocorrência de duas migrações principais a partir da região sudeste e central da Sibéria para as Américas. Baseado na diversidade genética observada, os autores estimaram que a migração para o continente Americano ocorreu a cerca de 14 mil anos atrás, período, que está em concordância com dados arqueológicos previamente estudados.

Se for tomada esta estimativa de migração humana para o continente americano, a mesma ocorreu cerca de 8 mil antes da evolução da escrita no velho continente. Mesmo que seja considerada uma “redução conceitual” duas categorias comportamentais divergentes na espécie humana podem ser visualizadas a partir desta estimativa temporal: a dos que ficaram e progrediram tecnologicamente e a dos que migraram e progrediram geograficamente. Em ambos os casos é inegável o “esforço” de cada grupo e a relevância das suas ações.

Entretanto, é importante que se questione se o esforço de “migrar” teria cobrado o tributo de “empobrecimento cultural” a estas populações? Muitos poderiam argumentar que a “força da estratégia da escrita e subseqüente metodologia científica para produzir conhecimento (ciência?) seria inegável em relação à força da transmissão oral do conhecimento” (sabedoria?). Será que esta visão representa uma verdade concreta?

É inegável a contribuição da ciência moderna para o progresso da civilização humana não-india. Entretanto, a explosão de conhecimento gerada a partir do estabelecimento do método científico e que teve seu auge ao longo do século XX levou a um acúmulo de informações específicas e simplificadas a partir da aplicação da estratégia do “isolamento de variáveis”. O problema foi que a idéia de o todo seria constituído pela soma das suas partes não se mostrou verdadeira na medida que sistemas complexos passaram a ser analisados O todo mostrou ser mais do que a soma das partes, pois é um conjunto de inter-relações que inclui elementos sinérgicos, vetoriais, etc. não previstos.

Como nas ciências ditas naturais, o método científico com padrão newtoniano-cartesiano acabou se constituindo praticamente em um dogma, a compreensão de que “sistemas complexos não eram um somatório de partes” foi um duro golpe a racionalidade técnica. Sem desprezar a relevância da ciência moderna e seus produtos, não resta outra alternativa do que a de fazer uma auto-critica, reconhecendo o que há muito tempo as “ciências sociais” já tinham percebido, existe ciência para além da visão positivista.

Nestes termos o final do século XX foi um período em que o paradigma da ciência baseada nas especializações começou a ser questionado, dando lugar a emergência de uma concepção de ciência que busca perceber o todo, considerando as complexidade dos fenômenos e causas envolvidas. Tomando a química e a biologia como exemplo, após uma corrida pela identificação de estrutura e função de moléculas provenientes de sistemas bióticos e abióticos, o mundo científico volta-se para a investigação de interações que ocorrem entre tais moléculas.

Tais investigações mostram que, muitas vezes propriedades funcionais relacionadas a um determinado composto de origem vegetal e animal não são, necessariamente, produzidas por uma única molécula, mas sim pelo sinergismo de diversas moléculas. Um bom exemplo desta afirmativa é o caso do vinho.

Este alimento, considerado desde a antiguidade como possuidor de propriedades positivas a saúde humana, quando quimicamente investigado mostrou um conjunto de moléculas ativas (denominadas flavonóides) com funções definidas, mas que, quando ingeridas isoladamente não tinham o mesmo efeito observado com a ingestão do “alimento integro”. Este exemplo é um dos milhares que põem em xeque a idéia de que a “ciência se constrói obrigatoriamente por um isolamento asséptico e atemporal de variáveis”.

Deste modo, o novo milênio parece caminhar para um retorno a produção de um conhecimento mais sistêmico, holístico, interativo, inter-relacional e integrativo, que, em termos gerais, significa a base do conhecimento das populações tradicionais como é o caso das indígenas.

Segundo GOTTLIEB E BORIN (2002), no seu artigo “Shamanism or science?”: “um novo entendimento holístico do funcionamento da natureza contrasta com abordagens convencionais reducionistas, requerendo integração dos níveis básicos da organização da vida: metabolismo, morfologia e biogeografia”.

GARRIDO E OLMOS (2005), em seu artigo “Las historias de vida como método de acercamiento a la realidad social” comentam que:

“Definitivamente o método científico é único; mas isso não significa aceitar sua “ditadura3 metodológica”. Na atualidade posturas extremas são rechaçadas. A concepção científica se flexibiliza, não só aceitando uma explicação causal, mas também teleológica, e a complementaridade dos métodos abre espaço para a hora da investigação e a primazia de uns sobre outros que ocorre em função dos objetivos de cada pesquisador.”

Neste sentido, é pouco provável que comunidades tradicionais como as indígenas tenham acumulado conhecimento sobre princípios ativos ou mecanismos, que estão por trás de uma determinada ação ou função da natureza. Entretanto, isto parece não ter sido um empecilho para que tais comunidades produzissem, ao longo da sua história, conhecimento sobre os seus usos, de modo tão confiável quanto o mais rigoroso teste científico realizado. Ou seja, apesar de não entender as causas do fenômeno, entendem o fenômeno e conseguem usar este entendimento em benefício próprio.

É claro que tecer uma afirmativa desta natureza requer evidências, se for considerado o “rictus científico tradicional”. Desta forma, as autoras deste estudo, conscientes da necessidade de trabalhar dentro modelo científico, evitando assim que as afirmativas feitas sejam consideradas “ideológicas” e, por conseqüência, “espúrias perante o mundo da ciência”, optaram por analisar questões relacionadas ao conhecimento tradicional na área da saúde resgatado a partir de revisão bibliográfica em uma base de dados ampla e mundialmente utilizada (MEDLINE).

Utilizando como palavra-chave “traditional medicine” foram identificados 15106 estudos publicados de 1979 até 2005. Quando a palavra “indians” foi agregada, estes estudos foram reduzidos a 443, existindo 42 revisões sobre o tema. Uma análise geral dos temas relacionados às revisões permitiu a identificação de alguns estudos que merecem serem comentados. Alguns destes estão relacionados aos cuidados com os pacientes e outros a procedimentos (uso de drogas ou outras abordagens).

Em relação ao cuidado, SHANKAR E LIAO (2003) na sua revisão sobre sistemas tradicionais de medicina (Traditional systems of medicine) comentam que:

“Os caminhos tradicionais de cura originados em sociedades ancestrais são hoje denominados de “medicina complementar”. Muitos dos sistemas médicos tradicionais estão baseados em princípios fundamentais e de práticas seculares pelos “cuidadores da saúde” da comunidade. Na revisão feita, uma característica, que permeia todos os sistemas estudados, é a abordagem holística da pessoa que se baseia no bem estar integrado do corpo, da mente e do espírito da pessoa”.

Nesta mesma linha, outra publicação baseada em pesquisa fenomenológica de “mulheres cuidadoras de saúde de comunidades tradicionais” de índios canadenses (índios Ojibwa e Cree) mostra que a ação destas é diferenciada das sociedades ocidentais e, também, fortemente baseada em uma concepção holística (STUTHERS, 2003).

Outro estudo conduzido, nos Estados Unidos, relacionado com o cuidado de pacientes, mostrou diferenças importantes no comportamento do atendimento da população indígena de profissionais de saúde que eram também nativos. No caso, mesmo que sejam utilizadas abordagens clínicas de sociedades não-indias, indivíduos nativos demonstraram sensibilidade no atendimento dos seus pares e tendem também a empregar uma postura holística na sua atuação. Deste modo, os autores salientam que fatores culturais influenciam significativamente as práticas de saúde desenvolvidas por profissionais de origem ameríndia (SANCHEZ et al. 1996).

Em relação a procedimentos, foi observado que muitos estudos descrevem e analisam aspectos etno-farmacológicos relacionados às comunidades tradicionais. Um estudo brasileiro, conduzido por ELISABETSKY E POSEY (1994) avaliou a busca por compostos antivirais para o tratamento de desordens gastrointestinais a partir da farmacopéia indígena Kayapó. Após a identificação das plantas utilizadas, sugeriram que as mesmas teriam um potencial uso clínico.

Dentro dos trabalhos revisados, talvez o de LEONTI et al. (2003) é o que mais expressa a acurácia potencial da produção e transmissão de conhecimentos tradicionais entre gerações de comunidades não-indias. Estes autores basearam-se nos seguintes pressupostos para a realização do seu estudo: nas ciências biológicas o uso de plantas medicinais em culturas indígenas parece ser comumente baseado em um processo longo de transmissão de conhecimento (medicina tradicional).

Entretanto, sob condições normais, estudos etnobotânicos não conseguem fornecer evidências da antiguidade do uso específico de certas plantas, uma vez que a tradição oral acaba deixando evidências históricas e arqueológicas limitadas. Para tentar investigar o tempo potencial de conhecimento produzido, estes pesquisadores levantaram os tipos de plantas utilizados na região dos Olmecas, no México, e compararam com a farmacopéia de plantas medicinais usadas por dois grupos indígenas contemporâneos, que estão geograficamente separados a mais de 2000 anos (Mixe das terras baixas e Zoque-Popoluca).

Os resultados mostraram que, apesar desta separação, o vernáculo das plantas medicinais possui um núcleo comum. Para 15 espécies, nomes cognatos foram identificados. Adicionalmente, um segmento estatisticamente significativo da flora é utilizado com propósitos similares. Esta afirmativa pode ser mais bem visualizada a partir da observação de que cerca de 123 espécies são compartilhadas entre os dois grupos e, destas, 62 são utilizadas para a mesma finalidade. Em nove casos também estas plantas possuem nomes similares. Estes achados mostram que a transmissão de tal conhecimento ocorreu desde a época dos Olmecas.

Apesar da escassez, este tipo de estudo expõe nitidamente a “qualidade potencial da transmissão oral” na produção e preservação do conhecimento. Apesar do conjunto de evidências ainda ser fragmentado e estar subsidiado por diversas áreas do conhecimento que historicamente não tem dialogado por um longo período, o debate sobre o tema apresentado é, no mínimo instigante. Assim, para as autoras, conjunto das considerações feitas questiona “o discurso da primitividade indígena baseado na pretensa pobreza do seu conhecimento e progressão cultural”.

É claro que, uma das possíveis limitações presentes no estudo diz respeito ao “viés ideológico” das autoras frente ao seu objeto de estudo (populações índias). Isto porque, não é possível negar a “sedução” sofrida pelas autoras por conseqüência do contato com sujeitos índios que parece ter levado a ruptura, ou, no mínimo a um questionamento do “elemento narcísico eurocêntrico” comumente presente nos sujeitos não-indios. Outro viés seria o da formação acadêmica das autoras na área das ciências biológicas com forte base conceitual ecológico-evolutiva que reconhece as diferenças como “diversidades” interativas, cooperativas. Apesar destas limitações, a texto aqui proposto, ainda que não esgote o tema, tenta produzir um dialogo entre áreas do conhecimento a décadas ofuscadas pelo “iluminismo científico do século XX”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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WELSCH, K. e JENLINK, P. (1998). “Challenging Assumptions about Teaching and Learning: Three Case Studies in Constructivist Pedagogy.” Teaching and Teacher Education, Vol.14, No.4.

Fonte: sis.funasa.gov.br

Dia das Raças Indígenas da América

18 de Maio

Através da história, quando se reuniam líderes indígenas e representantes dos Estados se esperavam confrontações. A segregação e a pobreza despertam rancores que são utilizados pelos que querem se aproveitar das terras e florestas de uso indígena.

Dia das Raças Indígenas da América

Um novo tipo de relacionamento vem se constituindo entre o Estado e os povos indígenas nas Américas. Mas por que agora? Porque em um mundo globalizado os povos indígenas vêem os Estados democráticos como uma garantia para seus direitos. E os Estados vêem aos povos indígenas como uma organização social e produtiva, parte integrante de sua dinâmica política.

O fim da guerra fria fez desaparecer idéias obsoletas e retirou sentido às lutas que deixavam os indígenas “entre dois fogos”. Essa percepção se faz sentir a partir de conquistas concretas em todo o continente. O Canadá vem estabelecendo novas formas de cooperação, auto-governo e desenvolvimento com as comunidades indígenas.

Em vários países da América Latina as constituições e os governos estão regularizando questões como a posse de terras e o respeito às autoridades indígenas. No Brasil, mais de 80% das terras indígenas já estão demarcadas.

No Chile, Bolívia, Paraguai, Argentina e Colômbia, entre outros países, novas leis e acordos estão buscando resolver os problemas relacionados com a posse das terras e a sobrevivência da cultura indígena. Na Venezuela, a Suprema Corte de Justiça está exigindo o respeito ao direito de consulta quando as ações do Estado podem afetar as comunidades indígenas. No Equador, Guatemala e Guiana as organizações indígenas estão participando das reformas constitucionais.

Na América Central e no Caribe, o recente reconhecimento da contribuição dos povos indígenas e afro-caribenhos está criando soluções inovadoras, tais como o crescente gráude à autonomia política conquistada pelos Miskitos na Nicaragua e os Kunas no Panamá. No México, o sistema educativo indígena atinge a quase um milhão de jovens no curso primário e, em alguns estados mexicanos, a administração política local está sob controle indígena.

Nos Estados Unidos, a instituição de graus de imunidade e a concessão de cassinos demonstram uma evolução da realidade indígena. Os organismos internacionais de financiamento e cooperação técnica vem adotando normas específicas para favorecer o respeito às comunidades indígenas.

Não estão solucionados, ainda, os problemas relacionados com a pobreza, marginalidade e a segregação que atingem muitos indígenas. A população indígena nas Américas tem menor escolaridade e recebe salários mais baixos que os demais cidadãos. O respeito que se encontra nos museus não é transmitido ao indígena real, repetidamente marginalizado da vida política, cultural e econômica.

Fonte: OEA

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