Dia do Cronista Esportivo

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8 de Dezembro

A vida de cronista esportivo é difícil e uma das suas funções é preservar a memória do esporte brasileiro. Está destinado a expor sua opinião ao julgamento dos leitores ou ouvintes, para glória ou desgraça de sua reputação presente e futura.

A crônica é um dos maiores charmes do jornalismo esportivo. Vive em transformar a arte do esporte criando uma linguagem diferente para analisar o que acontece dentro e fora dos espaços esportivos. Com raras exceções, em entrevistas, nas análises e nos comentários, notamos que o cronista esportivo usa termos impróprios e inadequados. Nos matutinos, não temos uma linguagem amena e divertida na secção esportiva, mas sim de guerrilha.

No final de 1992, cento e onze presos foram mortos na Casa de Detenção, em São Paulo, e os jornais qualificaram o episódio de massacre. Na mesma semana, um time amador de futebol ganhava de 15 a 0 do adversário. No título de chamada dos jornais a mesma palavra: “time massacra adversário”.

A lista de termos de guerra, usado pelos cronistas esportivos é muito longa: ao invés de goleador, artilheiro; a trave ou o gol é o alvo; o chute é bomba, tiro ou petardo. Enquanto o campeonato, jogo ou torneio, é guerra, contenda e ainda a quadra esportiva ou o campo de futebol é chamado de arena.

O jogador não é inseguro, é covarde; ele não é ágil ou arisco, mas matador. Agora, o pior de tudo é que esses atributos são usados como positivos. Vamos então ao exemplo clássico de mais de meio século atrás. Trata-se do final da Copa do Mundo, onde o Uruguai venceu o Brasil, no Maracanã; até hoje, quando voltam a jogar o nome da partida é a vingança, usado em todas as crônicas esportivas. Até João Saldanha, numa de suas crônicas diz que um time fez “picadinho” de outro.

O esporte é um espetáculo, uma arte; é diversão e lazer. E hoje, um meio de integração, confraternização, e paz. As Federações dos Jogos Olímpicos Mundiais possuem mais membros do que a própria ONU. Todas estão envolvidas nesse movimento universal do uso do esporte como meio de promover a paz entre os povos.

Portanto, a participação do cronista esportivo é, e sempre será, essencial para que isso aconteça. Isso porque ele ingressa na profissão jovem com cerca de vinte anos onde fica até os oitenta anos ou mais. Ele não joga, mas viaja, hospeda-se nos mesmos hotéis e convive com os atletas profissionais ou amadores.

Por isso, terá toda a oportunidade e tempo para reverter essa situação como formador de opinião que é, auxiliando a resgatar os velhos valores para as crianças, jovens e para a sociedade em geral.

CRÔNICA ESPORTIVA BRASILEIRA

Histórico

A crônica há muito tempo tem sido utilizada nos meios de comunicação, sobretudo no jornalístico. Na área esportiva brasileira, a crônica aborda as diferentes modalidades, principalmente o futebol, que servirá como referência para a discussão do nascimento da crônica na França, da sua construção como gênero literário, da chegada no Brasil e seu desenvolvimento como gênero nacional e do papel do cronista na sua transformação. Faz uma revisão de literatura para construir o histórico da crônica no Brasil, associando o futebol à”nacionalização” e difusão desse gênero narrativo.

A crônica hoje se enquadra como gênero literário de assunto livre, de registro de pequenos fatos do cotidiano sobre política, arte, esporte e variados temas. Por se tratar de assuntos considerados menos importantes e por ser um texto limitado espacialmente nas edições dos jornais nas colunas ou em artigos opinativos, a crônica é tida como um gênero menor, o que, talvez, seja essa característica que permita ao cronista analisar “[…] as pequenas coisas que as grandes vistas não percebem” (LUCENA, 2003, p. 162).

A crônica conhecida nos dias de hoje no Brasil, nasceu nos folhetins franceses (século XIX), nos rodapés dos jornais, para entreter os leitores, aparecendo em 1799, no Journal Dibats, em Paris, com Julien-Louis Geoffrou […] fazendo crítica diária da atividade dramática (MOISÉS, 1982, p. 245).

Nos espaços de rodapé, começaram a aparecer textos de ficção, nascendo, assim, o folhetim romance e o folhetim variedades. O folhetim romance era desenvolvido em capítulos, o que permitia que o leitor acompanhasse a história dia a dia pelos jornais. Já o folhetim que deu origem ao gênero crônica foi o folhetim variedades. Lucena (2003, p. 164) descreve as transformações operadas nesse gênero de jornalismo: […] de onde ela emerge, a crônica vai instaurar rupturas tanto do ponto de vista lingüístico quanto, e principalmente, do ponto de vista temático .

O argumento central é que a crônica pode ser não ficcional, na medida em que deriva de fatos do cotidiano, ao mesmo tempo em que pode possuir uma dimensão ficcional, quando possibilita ao autor construir diálogos e acrescentar personagens, além das características poéticas também pertinentes à crônica. Mas esse sentimento […] não pode ser a simples expressão de uma dor de cotovelo, mas acima de tudo um repensar constante pelas vias da emoção aliada à razão […] papel [que] se resume no que chamamos de lirismo reflexivo (SÁ, 2002, p. 13).

Dessa forma, o presente artigo objetiva estabelecer a relação entre a crônica esportiva e o futebol no Brasil: a crônica como objeto que busca seu espaço nos meios de comunicação e o futebol se desenvolvendo como esporte popular.

O jornal se apresenta para nós como um veículo de […] manutenção e ‘construção’ de um passado que assume significados no presente da notícia […] no caso do futebol, as narrativas jornalísticas apresentam sua memória resgatando fatos, imagens, ídolos, êxitos e fracassos anteriores, no sentido de construir uma tradição, como um elo entre as gerações dos aficionados pelo esporte (SALVADOR et al., 2005).

A crônica no Brasil

Chegando ao Brasil, a crônica ganhou nova roupagem, a ponto de exclamarem que esse gênero seria tipicamente brasileiro:

[…] a crônica assumiu entre nós caráter sui generis. Em outros termos, estamos criando uma nova forma de crônica (ou dando erradamente esse rótulo a um gênero novo) que nunca medrou na França. Crônica é para nós hoje, na maioria dos casos, prosa poemática, humor lírico, fantasia, etc., afastando-se do sentido de história, de documentário que lhe emprestam os franceses (MOISÉS, 1982, p. 246).

Para alguns, a crônica foi naturalizada brasileiro-carioca:

[…] se gaulesa na origem, a crônica naturalizou-se brasileira, ou melhor, carioca: é certo que há cronistas, e de mérito, em vários Estados onde a atividade jornalística manifesta vibração algo mais do que noticiosa, – mas também é certo que, pela quantidade, constância e qualidade de seus cultores, a crônica semelha em produto genuinamente carioca (MOISÉS, 1982, p. 246).

Naturalização essa que, para Moisés (1982), foi conseguida pelas profundas transformações promovidas pelos escritores brasileiros, sobretudo os cariocas, não só pela qualidade dos cronistas, mas também pela quantidade e pela constância com que publicavam.

O Rio de Janeiro, quando a crônica ganha força no início do Séc. XX, era a capital da República e um palco central de acontecimentos. Teria sido Mario Filho que, trazendo uma nova forma de escrita,1 um estilo mais simples, sepultou a escrita de fraque dos antigos cronistas esportivos.

Seria ele a referência do nascimento da crônica esportiva, incorporando ao gênero, além da nova linguagem, respeitabilidade ao ofício da crônica:

Mario Filho inventou uma nova distância entre o futebol e o público.

Graças a ele, o leitor tornou-se tão próximo, tão íntimo do fato. E, nas reportagens seguintes, iria enriquecer o vocabulário da crônica de uma gíria irresistível. E, então, o futebol invadiu o recinto sagrado da primeira página […]. Tudo mudou, tudo: títulos, subtítulos, legendas, clichês […]. O cronista esportivo começou a mudar até fisicamente. Por outro lado, seus ternos, gravatas e sapatos acompanharam a fulminante ascensão social e econômica.

Sim, fomos profissionalizados por Mario Filho. (RODRIGUES, 1987, p. 137-138).

Foi no Rio de Janeiro que se iniciou a atividade folhetinesca. Durante a década de 1930, tido como o ano da aceitação da crônica, após duas décadas de divulgação, a nação passava por momento político delicado. Tratava-se de um período da história do Brasil que se caracteriza pelo reformismo. A substituição, pura e simples, de um segmento das classes políticas dominantes por outro, sem que isso significasse qualquer transformação de base no país (CALDAS, 1990, p. 179).

Esse quadro político nacional estimularia a publicação de material crítico daqueles que estavam inseridos no processo, contra ou a favor do regime instaurado. O contexto em que se dava essa produção é que apresentava uma novidade: a correlação entre artista e intelectual de um lado, e Estado e sociedade de outro (CALDAS, 1990, p. 181). Nesse contexto de efervescência cultural, a crônica já estava legitimada como gênero, mas, desde a década de 1910, o futebol, em conjunto com outros assuntos, já estava presente nas penas de cronistas famosos: os grandes responsáveis por essa aceitação da crônica no Brasil foram João do Rio (1900 – 1920) iniciando o processo de divulgação desse gênero; depois com Rubem Braga, na década de 1930, seguido de vários outros, como Fernando Sabino, Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos (MOISÉS, 1982).

Esse mesmo contexto contribui também para mudanças literárias no País. Com a Academia Brasileira de Letras perdendo prestígio no cenário instituído, bem como a literatura de estilo rebuscado, caracterizada pelos escritos de Rui Barbosa, a chegada dos modernistas influenciou a entrada de uma nova perspectiva literária.

Pensamos que a crônica, nascida nos folhetins franceses e construída ao estilo francês, chega ao Brasil e sofre adaptações lingüísticas e temáticas, de maneira tão profunda que passa a ser considerada um gênero brasileiro. Moisés (1982) afirma que adaptação do gênero à realidade brasileira ou a apropriação do termo acabou por constituir-se num novo estilo de retratar o cotidiano. Nos termos de Burke (2003, p. 32) poder-se-ia pensar que estamos diante do processo de circularidade cultural, isto é, “[…] cada imitação é também uma adaptação”.

Esse processo de adaptação criou a marca do uso metafórico das palavras e os processos lingüísticos2 trabalhados na crônica brasileira, sobretudo, na esportiva. Esses usos teriam sido peças fundamentais para a constituição da crônica no Brasil e caracterização do gênero como brasileiro e carioca. Um cronista que trabalha de maneira diferenciada a linguagem é Armando Nogueira:

Sua crônica reveste-se, assim, dos efeitos catárticos, por transmudar em palavra poética, pelo viés da subjetividade, os sentimentos que subjazem à representação das coisas e objetos e por evocar as imagens mítico-simbólicas que ressoam no imaginário do futebol […]. Desta forma, Nogueira redefine a crônica de futebol, ao reorientar para o poético, em função de uma linguagem mítico-metafórica, um percurso supostamente referencial e, ao inserir nele as aspirações humanas dos aficcionados por esse esporte […] sua crônica, pelas implicações linguísticas da subjetividade do narrador, contribui para a classificação da crônica de futebol como um subgênero (RAMADAN, 1997a, p. 26).

No jornalismo esportivo brasileiro, Armando Nogueira é um exemplo da construção da crônica poética, ficcional. Esse cronista usa […] adjetivações valorativas, ritmo, jogo de imagens, subterfúgio da metáfora (RAMADAN, 1997a, p. 29) Em outra direção, Tostão situa sua narrativa na dimensão não ficcional (real) enfatizando as análises táticas e técnicas do futebol.

Essas formas diferentes de escrever nos levam a crer que a crônica pode ser construída no campo poético e no campo jornalístico. A crônica poética , atemporal, ficcional tem suas características próximas do conto, mas se diferenciam quanto ao tamanho e, principalmente, quanto à intensidade poética. Já a crônica jornalística, temporal, tem a coluna como sua semelhante. Porém, a coluna procura relatar e à crônica é permitida a opinião.

A quantidade de cronistas e a qualidade apresentada nos textos mais o uso da metáfora em grande escala transformaram um gênero estrangeiro na terra que configuraria o “país do futebol”. A crônica no Brasil acompanhou as modificações ocorridas no esporte e, em relação ao futebol, pode-se perceber que os assuntos são buscados também pela evolução desse esporte contando os feitos dos craques nas décadas de 1930, 1940 e 1950; nas décadas de 1960 e 1970 com a inclusão da discussão das táticas desenvolvidas; e atualmente temos o planejamento físico e as jogadas ensaiadas em destaque (MARQUES, 2000).

Trouche (2002) considera as décadas de 1920, 1930 e 1940 como sedimentadoras da prática do futebol, massificando e “[…] transformando o futebol, mais do que em esporte nacional, numa verdadeira paixão popular mobilizando um contingente de centenas de milhares de praticantes e torcedores a cada final de semana”.

Uma breve observação nos periódicos nas primeiras décadas do século XX nos permite dizer que a imprensa do Rio de Janeiro ampliou o espaço dedicado aos esportes. Esta ampliação se dá no momento em que a imprensa se direciona para o amplo público que se formava em torno do futebol, tomando como alicerce o caráter empresarial que caracterizava os grandes jornais (BOTELHO, 2006, p. 328).

O desenvolvimento do esporte fez a imprensa mudar o olhar e a maneira de trabalhar a formação profissional da área. A editoria de esportes, antes considerada um ofício para iniciantes, uma escola para os novos profissionais da imprensa, com a evolução do esporte e a especialização profissional, mudou o conceito acerca do esporte e reescreveu o perfil do jornalista esportivo: além de saber regras, devia conhecer “[…] história, personagens, fatos, evolução nos tempos, implicação cultural e social” (COSTA, 2001, p. 31).

A caracterização de que o esporte seria, dentro dos jornais, uma editoria que acolhe profissionais com pouca experiência/conhecimento teria contribuído, também, para que a crônica esportiva fosse tratada como gênero menor. Para Trouche (2002) os anos de 1960 e 1970 […] representam indiscutivelmente o apogeu do futebol brasileiro em todos os sentidos e é neste contexto que a crônica esportiva conquista espaço definitivo nos principais órgãos de imprensa do país e, principalmente, se profissionaliza definitivamente, adquirindo contornos poéticos próprios, e redesenhando novas fronteiras para o universo do literário.

Reforça essa ideia o discurso abaixo, que inclui outros segmentos da cultura social envolvidos na difusão do esporte:

[…] o futebol, a literatura, a imprensa e a música popular constituíram no Brasil um poderoso tripé para a implementação e principalmente a popularização do esporte nas grandes cidades do país. Escritores, jornalistas e músicos assumiram através de seus trabalhos um diálogo constante com seus pares e com os torcedores. Ao mesmo tempo, participaram ativamente do cotidiano do esporte, atuando não só como agentes culturais, mas também como cronistas,
narradores esportivos, diretores de clubes, compositores de hinos e até mesmo como jogadores. As relações entre futebol, literatura, imprensa a música popular brasileira são, portanto, mais do que uma relação estética ou de inspiração temática, constituindo um novo espaço popular na sociedade (COELHO, 2006, p. 231).

Apesar disso, Lucena (2003) aponta que, com o passar dos dias, a crônica sofre com a perda do seu vigor. Com sua fase áurea, entre as décadas de 1950 e 1970, a crônica teria perdido sua força, talvez por dois motivos: o surgimento da televisão e a inexpressividade dos cronistas que surgiam. Porém, Ramadan (1997a, p. 18) nos remete ao fato de que, ao contrário do que se pensa, a crônica conquistava mais espaços:

Estas previsões pessimistas caem por terra se examinarmos jornais e revistas de grande circulação. Em quase todos […] há um espaço cada vez maior destinado à voz dos cronistas. E pode-se afirmar que a crônica revitalizou-se de tal forma que, hoje, encontra-se em grau de especialização. Assim se explica a crônica humorística de Jô Soares e Luís Fernando Verríssimo, publicada em jornais e revistas da atualidade, ou a futebolística de Armando Nogueira.

Em outro momento, o jornalismo esportivo perdeu força com o profissionalismo do futebol. Enquanto o futebol seguia amador, a Associação de Cronistas Desportivos (ACD) promovia o Torneio Initium, no Rio de Janeiro. Iniciado em 1916, durou até 1977, com o objetivo de incentivar torcedores a acompanhar suas equipes no campeonato estadual.

Esta imprensa escrita tem grande importância no que diz respeito ao desenvolvimento do futebol como objeto de consumo, a partir do momento em que o esporte ocupa, de maneira ampliada, o universo temático dos jornais. Assim o futebol passa a ser considerado um elemento que vai ajudar a ampliar as vendas de determinado periódico, à medida que este aumento ao espaço de atuação dos cronistas esportivos.

A ACD começa a perder sua força à medida que o futebol e o jornalismo começam efetivamente a profissionalizar-se. Com o enfraquecimento do amadorismo, a partir de 1923, o futebol começa lentamente a deixar de ser organizado pelos jornalistas. E finalmente, em 1933, passa a girar inteiramente numa órbita profissional (BOTELHO, 2006, p. 330).

Para Normando (2003), o desinteresse relacionado com o futebol estava presente na área acadêmica, e a produção acerca da temática “futebol” estava fortemente associada aos cronistas esportivos:

O futebol, por volta da segunda metade do século XX, deixou de frequentar a pauta de interesse acadêmico ou, pelo menos, teve drasticamente diminuído as pesquisas e a divulgação do trabalho intelectual sobre a temática. À exceção mais notória de um punhado de cronistas esportivos – dos quais o maior exemplo talvez tenha sido Nelson Rodrigues -, poucos se dignaram a olhar o jogo de bola com uma perspectiva investigativa mais profunda.

A fase de crescimento da crônica se relaciona com o aumento dos interessados em esporte, e isso, conseqüentemente, se deve ao desenvolvimento do esporte.

O futebol, que aos poucos caía no gosto popular e passava a movimentar os populares, deixando o turfe e as regatas em segundo plano, formou cronistas e público. Em 1900, Olavo Bilac já escrevia crônicas descrevendo o cotidiano da cidade; em 1878, Machado de Assis já discorria sobre turfe; em 1884, havia crônica sobre regatas (LUCENA, 2001).

Assim, o cotidiano metropolitano ganhava mais um acontecimento a ser contado: o esporte. Com seu desenvolvimento, ganhava cada vez mais espaço e se inseria no cotidiano da cidade e no gosto popular. Aqueles que escreviam sobre o dia-a-dia da cidade passaram a observar essa nova realidade. As crônicas sobre o esporte e, sobretudo o futebol ganhavam a alcunha de crônica esportiva, […] num exemplo da relação que se aprofundava entre a linguagem jornalística e a crônica, que vai passo a passo se constituindo num gênero-síntese (LUCENA, 2003, 167). É o que argumenta Marques (2000, p. 4):

O papel da simplicidade, brevidade e graça, próprias da crônica deixa de ser comentário argumentativo e expositivo, para colocar de lado a seriedade nos problemas e transformar-se em aparente conversa fiada . Seu amadurecimento se dá numa composição de um fato miúdo, analisado com um toque humorístico e mais um quantum satis de poesia.

A relação com o Rio de Janeiro pode ter se estabelecido em conseqüência de esta cidade ser o pólo esportivo do País na época e ainda contar com grandes escritores. Além disso, a rápida propagação do esporte nos subúrbios da cidade, inclusive com fundação de clubes que agregavam os moradores de bairros-sede dessas associações que, estatutariamente não excluíam a participação de sócios por raça, credo, posição social, formava grande público praticante e leitor de cônicas esportivas (PEREIRA, 2000).

Tentando compreender a difusão das práticas esportivas no Rio de Janeiro do século XIX e no período de transição para o século XX, Melo (1999), vai apelar também às crônicas como uma forma de melhor visualizar o contexto em que estavam crescendo as ações nos diferentes esportes. Para Melo, era também importante assumir que a crônica, da forma como ela se constrói entre nós e em especial no Rio de Janeiro, que tem uma forte ligação com esse gênero, torna-se uma fonte relevante que nos permite ter acesso aos pequenos fatos do cotidiano (LUCENA, 2003, p. 162).

Como já foi visto, da mesma forma que a crônica transita entre o ficcional e o não ficcional, ela também o faz entre o literário e o jornalístico. Pensamos que a crônica esportiva pese mais para o lado jornalístico, analisando os fatos recorrentes, porém com o adicional da liberdade do cronista em transformar a notícia.

Costa (2001) argumenta a favor de uma análise esportiva mais próxima do cotidiano, quando diz que […] o escritor esportivo se apóia no real, se compromete de alguma forma, com a realidade de um fato (p. 53).

Neste ponto entre ficcional e histórico/real, percebemos que o ficcional existe, mas a essência da crônica esportiva no Brasil, publicada em jornais, não tende a friccionar os fatos, que são contados pelo olhar e experiência de quem vê, e seu discurso é elaborado pelo fato em si. Tentando buscar uma maneira de classificar sem qualificar as estruturas temáticas das crônicas esportivas, teríamos, então, os poetas, que, segundo Trouche (2002), numa explicação de fácil entendimento, sem entrar nos méritos linguísticos, resume estas crônicas como “[…] uma conversa que promove um evidente processo de ficionalização, capaz de transformar uma partida numa batalha épica, e jogadores em personagens e heróis e/ou vilões”; os críticos/opinativos, que seriam os mais numerosos, que atuam “[…] no propósito imediato de comentar e analisar temas de eventos do cotidiano da prática do futebol […] praticado por um grupo bastante heterogêneo incluindo aí alguns ex-jogadores como Paulo Roberto Falcão e Tostão […]”.

O Cronista

O cronista faz uso de citações de personalidades e fatos históricos. Inserido em um contexto que possibilita o uso do recurso “ficção”, busca soluções criativas na sua imaginação, sem comunicar agressividade.

Usa de uma densidade característica, pois é essa densidade a linha tênue entre crônica e conto. No conto o autor mergulha no universo do personagem, do tempo, do espaço e da atmosfera que darão força ao fato exemplar , o cronista age de maneira mais solta, dando a impressão de que pretende apenas ficar na superfície de seus próprios comentários […] (SÁ, 2002, p. 9).

É importante que o cronista não ultrapasse a fronteira existente entre crônica e conto, sendo a poesia uma das mediadoras dessa passagem: Não estranha, por isso, que a poesia seja uma de suas fronteiras, limite do espaço em que se movimenta livremente; e o conto, a fronteira de um território que não lhe pertence (MOISÉS, 1982, p. 255).

Ludicamente o cronista percorre a cidade. Ouve conversas, recolhe frases interessantes, observa as pessoas, registra situações […] através do olhar de quem brinca e, pelo jogo da brincadeira, reúne forças para superar a realidade sufocante. É nesse contexto que o fato em si ganha mais importância do que os personagens (SÁ, 2002, p. 45).

Ainda sobre a percepção do cronista, Moisés (1982, p. 255) trata da impessoalidade destinada à crônica:

A impessoalidade é não só desconhecida como rejeitada pelos cronistas: é a sua visão das coisas que lhes importa e ao leitor; a veracidade positiva dos acontecimentos cede lugar à veracidade emotiva com que os cronistas divisam o mundo.

Além das características linguísticas, impessoalidade é fundamental para a construção da crônica, exatamente para mostrar a opinião do escritor para que o texto seja formado. Tostão nos serve como exemplo para que tratemos de impessoalidade. As concepções táticas e suas evoluções, seleção brasileira, jogadores e conceitos técnicos das posições têm em suas crônicas as experiências pessoais como filtro para a produção do texto. Exatamente este “filtro” suas experiências pessoais direciona a escrita do cronista e o estilo do seu texto, demonstrando claramente a força opinativa da crônica.

Essa “veracidade emotiva” deve ser avaliada pelo cronista para que não tenha como produto final um conto, e a presença de sua opinião no que escreve o diferencia de um escritor de colunas. Somadas às temáticas já citadas, formação de talento e as “escolas” de futebol no Brasil constituem aproximadamente 32% dos assuntos tratados por ele, de 1997 a 2005. A opinião presente nos textos é clara e consistente: trata dos assuntos com a sua experiência de maior jogador mineiro da década de 1960 e com a passagem na seleção brasileira, conquistando o tricampeonato mundial em 1970; após abandonar precocemente o futebol se tornou médico, professor universitário e se afastou do futebol para retornar a esse esporte na condição de cronista esportivo.

O “filtro” que move a sua escrita ainda se constitui de 20 anos afastado do futebol, o esporte que o projetou para o mundo, as críticas por essa postura e sua estréia no mundo jornalístico. Sua escrita técnica, direta e, sobretudo, honesta, é resultado da sua vasta experiência pessoal e profissional que o aproxima da crônica jornalística e o afasta da crônica poética.

Dentro do grupo dos cronistas poéticos, estão, além de Armando Nogueira, o carioca Mario Filho e seu irmão Nelson Rodrigues. O futebol, para esses cronistas, é motivo de poesia, por essa razão eles muitas vezes deslizam seus comentários do campo técnico e tático do futebol para pensar a natureza humana a partir daí. A crônica possibilita ao autor abordar diversos assuntos num mesmo texto que lhe permitam, ao final, amarrar as matérias que escolheu. Bender e Laurito (1993, p. 50) relacionam essa gênese da crônica jornalismo e literatura como uma dificuldade de definir o gênero: Até onde vai o jornalista e termina o escritor? , perguntam.

Por todas as características que permitem uma crônica ser uma crônica, emendam: Logo não vamos esperar que a Academia Brasileira de Letras decida conceituar nossa crônica. É crônica e só. Todos sabem do que estamos falando (p. 44). Esse apelo expressa, entre outras fatos, a simplicidade da crônica e o sentimento de posse do gênero. A fala de discordância por uma definição da crônica demonstra um gênero popular lutando contra uma possível dominação de instâncias superiores.

A liberdade de escrita na construção da crônica é tão grande que também a falta de assunto pode levar à transformação do autor em personagem, atitude chamada de persona literária (POLETTO, 2003). Assim, experiências pessoais se transformam em mote para que uma crônica tenha início: “[…] há a importância dos estereótipos ou esquemas culturais na estruturação e na interpretação do mundo” (BURKE, 2003, p. 26).

Considerações Finais

Como se pode perceber, o entendimento da crônica não se mostra tão simples. A crônica se torna um gênero ambíguo em sua criação, transitando entre o literário e o jornalístico, o que influencia diretamente sua escrita e permite ao cronista opções únicas de construção de texto. Fatores como linguagem, ora poética ora coloquial, fatos reais sendo ficcionados e outras crônicas podendo ser usadas como fonte, construídas no ou para o jornal, transformando-se em temporal ou atemporal, constituem a riqueza da crônica, ampliando as possibilidades de compreensão e construção.

A partir disso, pode-se pensar o uso errado do termo cronista para definir aquele que escreve sobre o cotidiano e que adiciona ao texto sua opinião, o que poderia caracterizar uma coluna. Por outro lado, o uso demasiado poético na construção da crônica poderia transformá-la em um conto. Porém, a origem da crônica e a liberdade de escrita presente nesse gênero permitem que tenhamos esse contexto quando procuramos definir os limites de sua construção. O esporte, sobretudo o futebol, trouxe uma nova forma de escrita, novos conceitos de construção da crônica no Brasil, massificou o gênero entre os populares e incentivou a profissionalização dos profissionais envolvidos no jornalismo esportivo.

Dessa forma, consideramos que o fato de a crônica esportiva no Brasil se fazer mais jornalística que poética se dá pela da interpretação condicionada pelas experiências do narrador, influenciada pelas estruturas lingüísticas utilizadas que foram incorporadas e desenvolvidas durante o processo de construção da crônica esportiva. Essa característica pessoal influencia sobremaneira a construção opinativa presente na crônica brasileira, caracterizando-a e diferenciando-a de outras formas de escrita.

Considerando a existência de dois estilos de se fazer crônica esportiva no Brasil, a forma noticiosa, mais crítica do cotidiano, de análise do esporte, do jogo, é mais freqüente nos jornais, escrita para os jornais. A crônica esportiva, com tom mais poético, menos realista, com personagens, é uma vertente também utilizada no Brasil, porém o estilo mais utilizado pela crônica esportiva nacional é o informativo, noticioso.

Referências

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RODRIGUES, Nelson. Mário Filho, o criador de multidões. In: MARON FILHO, Oscar;
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SALVADOR, Marco Antonio, et al. A imprensa e a memória do futebol. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 14, 2005, Porto Alegre. Anais… Porto Alegre Conbrace GT Comunicação e Mídia, 2005. 1. CD-ROM.
SÁ, Jorge de. A crônica. 6. ed. São Paulo: Ática, 2002.
TROUCHE, André Luiz Gonçalves. Será este, o país do futebol? Hispanista, v. 3, n. 10, jun./ago., 2002. Disponível em <http.www.hispanista.com.br/revista/rosto.htm>. Acesso em 2 jun. 2006.

A CRÔNICA ESPORTIVA EM TEMPOS DE JORNALISMO PARTICIPATIVO

Uma experiência inicial com cronistas do Sport Club do Recife

A crônica esportiva no Brasil

Crônica: definição, origem e marca brasileira

Podemos hoje enquadrar a crônica como um gênero jornalístico-literário de assunto livre, que registra pequenos fatos do cotidiano sobre política, arte, esporte, entre vários outros temas. Por tratar de assuntos considerados menos importantes e por ser um texto limitado espacialmente nas edições dos jornais nas colunas ou em artigos opinativos, a crônica é tida como um gênero menor, o que, talvez, seja essa característica que permita ao cronista analisar as pequenas coisas que as grandes vistas não percebem (LUCENA, 2003, p. 162).

A crônica tal como a conhecemos hoje no Brasil, nasceu nos rodapés dos jornais franceses do século XIX com o objetivo de entreter os leitores. Nestes espaços, começaram a aparecer textos que diferiam do caráter jornalístico do contéudo editorial. Eram os chamados folhetim-romance e folhetim-variedades. O folhetim romance eram textos ficcionais desenvolvidos em capítulos, o que permitia que o leitor acompanhasse a história dia a dia pelos jornais. Já o folhetim variedades comentava fatos do cotidiano, dando liberdade ao autor de construir diálogos, acrescentar personagens, além de se exprimir em uma linguagem mais livre que o restante da edição. Foi o este último que deu origem a crônica.

No Brasil, sobretudo a partir do final do século XIX, o gênero foi ganhando uma nova roupagem, a ponto do professor e crítico literário Moisés Massaud afirmar que criamos uma outra forma textual. Para ele:

[…] a crônica assumiu entre nós caráter sui generis. Em outros termos, estamos criando uma nova forma de crônica (ou dando erradamente esse rótulo a um gênero novo) que nunca medrou na França. Crônica é para nós hoje, na maioria dos casos, prosa poemática, humor lírico, fantasia, etc. […] (MOISÉS, 1982, p. 246).

Ao longo de todo século XX, a crônica brasileira se firmou e se afirmou como gênero, estabelecendo uma tradição de bons autores, muitos deles pertencentes ao cânone literário nacional como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, José Lins do Rêgo, Clarice Lispector, entre outros.

Mário Filho, o inventor do futebol brasileiro

O futebol é visto como um dos principais símbolos da chamada identidade brasileira . No entanto, tal construção identitária é relativamente recente na história cultural do Brasil. Seu marco cronológico inicial ocorre na década de 1930, momento em que o esporte se torna profissional no país, graças à popularização promovida de forma determinante pelo jornalismo, através da mediação das transmissões dos jogos pelo rádio e do aumento de espaço nas editorias dos jornais impressos.

Nesse movimento de crescimento da presença do futebol na imprensa brasileira, um nome contribuiu de maneira crucial: Mário Rodrigues Filho. Sua atuação na promoção de competições, eventos, notícias e fatos, em suma, do próprio espetáculo futebolístico, foi de fundamental importância para tornar o esporte popular entre nós.

Nascido no Recife em 1908, Mário Filho se transferiu para o Rio de Janeiro ainda durante a infância. Em 1926, na adolescência, iniciou a carreira jornalística ao lado do pai, Mário Rodrigues, então proprietário do jornal A Manhã, como repórter esportivo, um ramo do jornalismo ainda inexplorado. Como era um entusiasta do futebol, já neste primeiro trabalho Mário Filho dedicou páginas inteiras à cobertura das partidas dos times cariocas. No Crítica, segundo jornal de propriedade de seu pai, Mário revolucionou o modo como a imprensa mostrava os jogadores e descrevia as partidas, adotando uma abordagem mais direta e livre de rebuscamentos, inspirado no linguajar dos torcedores.

Foi desta época a popularização da expressão “Fla-Flu”, que muitos consideram ter sido criada pelo próprio Mário. Após a morte de seu pai e o fim do Crítica (que dirigiu por poucos meses) em 1931, Mário fundou aquele que é considerado o primeiro jornal inteiramente dedicado ao esporte em todo o mundo, O Mundo Sportivo, de curta existência. No mesmo ano passou a trabalhar no jornal O Globo, ao lado de Roberto Marinho, seu companheiro em partidas de sinuca. Neste novo emprego, levou a mesma forma de escrever inaugurada no Crítica, um estilo que foi fundamental para tornar o futebol – então uma atividade da elite – um esporte de massas.

Em 1936, Mário comprou de Roberto Marinho o Jornal dos Sports, publicação em que criou os Jogos da Primavera em 1947, os Jogos Infantis em 1951, o Torneio de Pelada no Aterro do Flamengo e o Torneio Rio-São Paulo. No final dos anos 40, o jornalista lutou pela imprensa contra o então vereador Carlos Lacerda, que desejava a construção de um estádio municipal em Jacarepaguá, para a realização da Copa do Mundo de 1950. Mário conseguiu convencer a opinião pública carioca de que o melhor lugar para o novo estádio seria no terreno do antigo Derby Clube, no bairro do Maracanã, e que o estádio deveria ser o maior do mundo, com capacidade para mais de 150 mil torcedores.

Considerado o maior jornalista esportivo brasileiro de todos os tempos, Mário faleceu de um ataque cardíaco, aos 58 anos. Em sua homenagem, o antigo Estádio Municipal do Maracanã ganhou o seu nome. Em paralelo a popularização do futebol, o trabalho de Mário Filho promoveu a valorização do métier do analista e do repórter esportivo. Para o também cronista e dramaturgo Nelson Rodrigues, seu irmão, foi Mário quem inventou a crônica esportiva brasileira, dando-lhe uma linguagem própria que aproximou, através da palavra, o futebol do povo. Sobre isto, ele colocou:

Mario Filho inventou uma nova distância entre o futebol e o público. Graças a ele, o leitor tornou-se tão próximo, tão íntimo do fato. E, nas reportagens seguintes, iria enriquecer o vocabulário da crônica de uma gíria irresistível. E, então, o futebol invadiu o recinto sagrado da primeira página […]. Tudo mudou, tudo: títulos, subtítulos, legendas, clichês […]. O cronista esportivo começou a mudar até ûsicamente. Por outro lado, seus ternos, gravatas e sapatos acompanharam a fulminante ascensão social e econômica. Sim, fomos proûssionalizados por Mario Filho (RODRIGUES apud MARON FILHO; FERREIRA (orgs.), 1987, p. 137-138 ).

O futebol entre a paixão e a razão

A partir da década de 1950, quando finalmente a polêmica sobre se o futebol seria ou não parte constitutiva da cultura nacional foi apaziguada no meio intelectual, a crônica esportiva ganhou prestígio no país, sobretudo por intermédio dos textos de autores como o próprio Mário Filho, o citado Nelson Rodrigues e José Lins do Rego.

No entanto, neste mesmo período, uma cisão de caráter estilístico veio à tona em relação ao gênero, uma querela entre os racionalistas, que preferiam escrever sobre a parte técnico/tática da modalidade, e os apaixonados, mais preocupados com os aspectos sociais ligados ao esporte do que com a partida propriamente dita. Podemos afirmar que um dos grandes motivos, senão o maior, desta cisão foi de ordem tecnológica. Foi na década de 50 que a televisão foi introduzida no Brasil, não tardando em utilizar o recurso do videoteipe.

Até então, a crônica esportiva brasileira, como nos casos dos textos dos cronistas citados, era, conforme a tipologia descrita acima, apaixonada. Livres do registro da imagem, os autores usavam a imaginação e estimulavam as dos leitores, discorrendo sobre fatos curiosos (e muitas vezes líricos) que ocorriam nas partidas e, sobretudo, nos seus entornos (vida social, torcida, arredores dos estádios etc.). A própria falta de uma estrutura profissional mais sólida na imprensa esportiva do país permitia ao cronista a liberdade de criar textos mais fantasiosos, inventando, em algumas ocasiões, situações ficcionais, sem que pudesse ser desmentido por gravações televisivas.

O advento da televisão trouxe uma maior profissionalização do jornalismo esportivo. Com ela, o público passou a ter acesso as transmissões de jogos, programas esportivos, mesas-redondas com participações de especialistas, uso do videoteipe, entre outros recursos. Tudo isso terminou por influenciar a crônica futebolística que foi perdendo seus enredos imaginativos, cedendo espaço para análises mais técnicas dos jogos.

Mais novo que Mário Filho e José Lins do Rêgo, Nelson Rodrigues foi o cronista que mais intensamente viveu esta mudança estilística da crônica esportiva nacional, sendo o mais emblemático naquele momento. Isto porque, com o estabelecimento da televisão, Nelson, com seu estilo passional e de pendor dramático, teve em várias ocasiões suas crônicas questionadas por outros cronistas que divergiam dos seus posicionamentos pautados nas imagens para esses criou a expressão idiotas da objetividade , que terminou sendo recorrente em seus textos.

Para o autor, as transformações trazidas pelos novos meios tecnológicos tolhiam a imaginação. Foi por acreditar nisso que cunhou a frase: O viedeoteipe é burro , também bastante repetida em suas declarações. Cabe aqui ressaltar, no entanto, que esta tipologia entre cronistas apaixonados e racionalistas não se deu de forma tão categórica, tendo em vista que vários autores não permaneceram no rígido limite imposto por ela. Neste sentido, André Mendes Capraro, na sua tese Identidades imaginadas: futebol e nação nas crônicas esportivas brasileiras do século XX, faz a seguinte colocação:

(…) mesmo que permaneçam dentro dos limites de um tipo de crônica, muitos podem alterar sua forma de abordagem textual exatamente para escapar do convencional, buscando a adesão do público leitor que, no decorrer de décadas, ganhou um repertório cada vez maior de crônicas e escritores nos periódicos brasileiros (…) (CAPRARO, 2007, pág. 47).

Porém, mesmo concordando com Capraro, ao longo de toda segunda metade do século XX e até o momento atual, esse conflito se faz presente, caracterizando a escrita dos cronistas esportivos nacionais. Mesmo flertantando entre um estilo e outro, não é difícil para nós percebermos as tendências dos escritores perante a categorização da tipologia descrita acima. Apenas a título de ilustração, entre os autores que escrevem hoje na imprensa brasileira, podemos considerar mais racionalistas os textos de Tostão, Fernando Calazans e Lédio Carmona, por exemplo; com viés mais apaixonado, temos as crônicas de Armando Nogueira, Luís Fernando Veríssimo, José Geraldo Couto, Xico Sá, entre outros autores.

A Web 2.0 e o Jornalismo Participativo

Como acabo mostrar, a televisão teve uma influência fundamental no aspecto estilístico da crônica esportiva brasileira. Nas duas últimas décadas, estamos vivenciando uma outra revolução comunicacional com o surgimento e o rápido desenvovimento das chamadas novas tecnologias de informação e comunição (TICs).

No campo do jornalismo, é bastante perceptível uma mudança de panorama, tanto no que diz respeito à produção como ao consumo, com a chegada da rede mundial de computadores, a mais representativa e importante dessas novas tecnologias. Um panorama que vem alterando – e deve se alterar ainda mais – com o advento da chamada Web 2.0.

A expressão Web 2.0 foi empregada em público pela primeira vez no ano de 2004, como nome de uma série de conferências sobre o tema realizadas pela editora O’Reilly Media1 e pela MediaLive International, empresa promotora de eventos naárea de tecnologia. Desde então, ela vem se popularizando de forma avassaladora.2 Web 2.0 é um termo que se refere à segunda geração de serviços e aplicativos da Internet e aos recursos, tecnologias e conceitos que permitem um maior grau de interatividade e colaboração na utilização da rede mundial de computadores.

Tim O’Reilly, fundador da O’Reilly Media, a define de forma sucinta e paradigmática:

Web 2.0 é a mudança para uma internet como plataforma, e um entendimento das regras para obter sucesso nesta nova plataforma. Entre outras, a regra mais importante é desenvolver aplicativos que aproveitem os efeitos de rede para se tornarem melhores quanto mais são usados pelas pessoas, aproveitando a inteligência coletiva.

Baseado nesta idéia de inteligência coletiva , sua maior revolução vem sendo, sem dúvida, possibilitar uma efetiva participação dos usuários na criação de conteúdos produzidos livremente na Internet, sem a chancela de uma instituição ou mesmo de um suporte de técnicas jornalísticas de apuração. Com a Web 2.0, a rede ganhou caráter ainda mais social, integrando os indivíduos no processo de geração, distribuição e organização da informação, e possibilitando a interação entre eles na disseminação de seus conhecimentos. No Brasil, por exemplo, segundo a F/Radar, pesquisa realizada pelo instituto DataFolha a pedido da F/Nazca, 53% dos que acessam a Internet já incluíram ou incluem textos e/ou informações de sua autoria no ciberespaço3.

A popularização da Web 2.0 vem trazendo mudanças nas empresas e práticas jornalísticas da Internet. O envolvimento de cidadãos comuns, antes considerados meros leitores, na publicação e edição de conteúdos dos veículos comunicacionais, é uma prática cada vez mais corrente. Esta tendência é chamada de Jornalismo Participativo, Jornalismo Cidadão, Jornalismo Open-Source ou mesmo Jornalismo 2.0.

A crônica esportiva em tempos de jornalismo participativo

Como o jornalismo participativo é um fenômeno muito recente, ainda é difícil avaliar do ponto de vista estilístico como ele vem afetando a crônica esportiva brasileira – este é um dos pontos que pretendo investigar no futuro de minha pesquisa. No entanto, uma caracterísitica que se apresenta de imediato com esta nova tendência jornalística é a democratização da produção textual. A cada dia cresce o número de pessoas que, independente de estarem ligados ou não a algum órgão da imprensa, escrevem matérias, reportagens, crônicas, enfim, toda sorte de textos jornalísticos para serem publicados na Internet. No caso específico da crônica esportiva brasileira, a quantidade de cronistas profissionais, amadores, torcedores de clubes, amantes do esporte etc., que escrevem em sites e blogs, sejam eles dos grandes veículos de comunicação, das agremiações oficiais ou não -, ou mesmo pessoais, sobre futebol já salta aos olhos.

Fontes bibliográficas:

BENDER, Flora; LAURITO, Ilka. A crônica: história, teoria e prática. São Paulo: Scipione, 1993.
CAPRARO, André Mendes. Identidades imaginadas: futebol e nação na crônica esportiva brasileira do século XX. 2007. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal do Paraná, 2007.
JARDIM, Gabriela. Mediações sociais no jornalismo colaborativo: uma análise dos websites OhMyNews International, Wikinews e Overmundo. Monografia (Graduação em Comunicação Social). Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, 2005.
LUCENA, R. de F. A crônica como gênero que introduziu o esporte no Brasil. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 25, n. 1, p. 159-171, set. 2003.
MARON FILHO, Oscar; FERREIRA, Renato (org). Fla-Flu… e as multidões despertaram. Rio de Janeiro: Europa, 1987.
MOISÉS, Massaud. A criação literária. 10. ed. São Paulo: Cultrix, 1982.
PEREIRA e SILVA, Crystiam Kelle. Web 2.0: a migração para a Web social. Monografia (Graduação em Comunicação Social). Universidade Federal de Juiz de Fora, 2007.
ROCCO JÚNIOR, Ary José. O gol por um clique: uma incursão ao universo da cultura do torcedor de futebol no ciberespaço. Tese (Doutorado em Comunicação Social). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006.
SALVADOR, Marco Antonio, et al. A imprensa e a memória do futebol. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 14, 2005, Porto Alegre. Anais… Porto Alegre (Conbrace GT Comunicação e Mídia), 2005. 1. CD- ROM.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da; SANTOS, Ricardo Pinto dos (Orgs.). Memória social dos esportes: futebol e política: a construção de uma identidade nacional. Rio de Janeiro: Mauad Faperj, 2006.

Fonte: www.trabalhonota10.com.br/ www.proteoria.org/www.cencib.org

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