Comuna de Paris

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INSURREIÇÃO POPULAR

Insurreição popular ocorrida em Paris em 1871, quando, pela primeira vez na história, se instala um governo revolucionário de tendência socialista.

Apesar da curta duração, dois meses, influencia movimentos socialistas posteriores, como a Revolução Russa.

A derrota sofrida pela França na Guerra Franco-Prussiana (1870) provoca a derrubada do imperador Napoleão III e a proclamação da III República.

O novo governo, chefiado por Adolphe Thiers, negocia a paz com Otto von Bismarck, da Prússia, sob protestos da população.

Os habitantes de Paris, sitiados pelo inimigo, revoltados com a capitulação francesa e castigados pelo alto custo de vida, organizam a resistência.

Em março de 1871, os rebeldes tomam o poder em Paris com o apoio da Guarda Nacional e organizam a Comuna.

O governo revolucionário, formado por um conselho de cidadãos eleitos pelo voto universal, conta com a participação de representantes de várias tendências socialistas.

A administração da cidade é delegada a funcionários eleitos e as fábricas passam a ser geridas por conselhos de trabalhadores. Em abril, a Comuna de Paris faz um manifesto à nação, conclamando todos os cidadãos franceses a formar uma federação de comunas livres e independentes. O

Tratado de Paz entre a França e a Alemanha é assinado em maio de 1871 e, em seguida, as tropas do governo de Thiers invadem Paris. Em poucos dias a Comuna é derrotada. Cerca de 20 mil pessoas são mortas e mais de 40 mil, presas. A

pós a derrota da Comuna, as tropas alemãs deixam o país.

A expressão Comuna de Paris também se refere ao governo instituído em Paris em 1792, durante a Revolução Francesa.

Na época, os sans-culotte, liderados pelos jacobinos, organizam tropas nacionais e assumem o governo da capital.

MARÇO A MAIO DE 1871

Nome por que se tornou conhecida a revolta popular que instalou na capital francesa, de março a maio de 1871, um governo revolucionário de tipo socialista.

A humilhante derrota infligida à França pela Prússia foi a causa imediata da instalação do governo popular da Comuna de Paris, que para Karl Marx constituiu o primeiro modelo de estado socialista.

Passou à história com o nome de Comuna a revolta popular que, de 18 de março a 27 de maio de 1871, instaurou em Paris um governo revolucionário.

A Assembléia Nacional, eleita em fevereiro de 1871 para concluir um tratado de paz depois da queda do segundo império francês (1852-1870), tinha uma maioria de monarquistas, reflexo do conservadorismo das províncias. Os parisienses, republicanos, temeram que a assembléia restaurasse a monarquia.

Adolphe Thiers, chefe do governo, transferiu as sessões da Assembléia Nacional para Versalhes, onde adotou medidas impopulares, como a supressão do soldo dos guardas nacionais – corporação civil integrada em grande parte por desempregados – e a anulação da moratória dos aluguéis, o que trazia o risco de desalojamento para milhares de pessoas. Apesar das ondas de protesto que essas medidas suscitaram, a revolução só explodiu em 18 de março, quando a assembléia decidiu apoderar-se dos canhões da guarda nacional. As tropas enviadas para confiscar essas armas passaram para o lado dos rebeldes e fuzilaram vários generais.

Ante a ordem governamental de evacuar Paris, a guarda respondeu escolhendo um comitê central, constituído por delegados dos distritos parisienses. As eleições municipais de 26 de março, organizadas por esse comitê, deram a vitória aos revolucionários, que formaram o governo da Comuna de Paris, integrado por noventa membros e dominado por diferentes ideologias.

Os blanquistas, seguidores do socialista Auguste Blanqui, se pronunciavam pela luta aberta contra Versalhes. Os jacobinos pretendiam que a comuna fosse a condutora de uma nova França revolucionária, como em 1792, enquanto os socialistas proudhonianos propunham uma federação de comunas de todo o país.

Esta última foi a orientação predominante no manifesto de 18 de abril, que ratificava o espírito republicano do regime revolucionário, abolia os subsídios à igreja e a separava do estado, e proclamava uma jornada de trabalho de dez horas. A revolução estendeu-se a outras cidades, como Lyon, Saint-Étienne, Toulouse e Marselha, mas nelas foi imediatamente reprimida.

Restava somente Paris, com muitos de seus habitantes dispostos a defender encarniçadamente o que consideravam o governo do povo. As forças leais a Thiers se concentraram em meados de maio no acampamento de Satory e foram reforçadas por soldados franceses oportunamente libertados pelos alemães.

A Comuna, embora tivesse canhões e meio milhão de fuzis, ressentia-se de grande indisciplina em suas forças e seus chefes careciam de experiência militar. Além disso, nem todos os habitantes de Paris estavam do lado dos revolucionários.

A luta foi cruenta

O general Mac-Mahon sitiou a cidade e, a partir de 11 de abril, iniciou um intenso bombardeio das posições dos rebeldes. A defesa se manteve entre o dia 24 desse mês e 20 de maio. As tropas governamentais entraram na capital em 21 de maio e, durante uma semana, travaram uma terrível batalha nas ruas de Paris, desesperadamente defendidas pelos insurretos, que incendiaram o palácio das Tulherias e a prefeitura. Depois da vitória, em 27 de maio de 1871, e durante anos, até a proclamação de uma lei de anistia em 11 de julho de 1880, o governo executou uma feroz repressão, procedendo a deportações e prisões em massa, que praticamente aniquilaram o partido revolucionário.

A herança da Comuna é universal e permanece com uma extraordinária atualidade. Democrática e plural, tentou no seu tempo, resolver problemas que ainda hoje nos afligem. Sem tempo, inexperiente e sem meios, a Comuna soçobrou. Mas ficou o seu exemplo e a sua obra.

PASSADOS 132 ANOS desde a sua eclosão, a Comuna assume toda a sua modernidade, perfilando-se como um referencial revolucionário para os trabalhadores de todo o mundo. Tal como hoje nos quatro cantos do planeta, nos finais do século XIX os proletários parisienses clamaram bem alto que “outro mundo era possível”.

Vários fatores concorreram para o desencadear do 18 de Março de 1871 – a riqueza extraordinária das tradições revolucionárias francesas (Revolução Francesa de 1789, Constituição de 1793 que proclamou o direito à insurreição, revoluções de 1830, de 1848…), a ascensão do movimento operário sob o Segundo Império Napoleónico (seção francesa da I Internacional, propagação do marxismo, poderoso movimento grevista com destaque para os operários de Creusot…), e a tremenda derrota e capitulação do exército francês de Napoleão III frente à Prússia. Procurando conservar o seu poder em perigo e com o objetivo de disputar a hegemonia na Europa, Napoleão III tinha declarado guerra à Prússia em Julho de 1870. O Imperador foi aprisionado em Sedan e os prussianos avançaram até às portas de Paris.

A 4 de Setembro de 1870 o Império foi derrubado, em grande parte devido à resistência e ao combate dos trabalhadores de Paris. O novo Governo republicano, sabotou a guerra com medo do povo em armas (a Guarda Nacional encontrava-se dotada de canhões comprados por subscrição popular). A burguesia, temendo o povo, assinou um armistício a 28 de Janeiro de 1871, cedendo a Alsácia e a Lorena à Prússia, elegeu uma Assembleia Nacional maioritariamente realista e instalou o Governo em Versalhes sob a presidência de Thiers. Na altura, o jornalista Francisque Sarcey observou de forma acertada que “a burguesia via-se, não sem uma certa melancolia, entre os Prussianos que lhe pisavam a garganta e aqueles a quem chamava vermelhos e que só via armados de punhais.

Não sei quais deles faziam mais medo: odiava mais os estrangeiros, mas temia mais os de Belleville”. A traição estava em marcha.

No dia 18 de Janeiro de 1871 Thiers ordenou ao exército que retirasse os canhões da Guarda Nacional das colinas de Montmartre. O povo do bairro mobilizou-se e confraternizou com as tropas. Os generais Clément Thomas e Lecomte, que várias vezes ordenaram que se disparasse sobre a multidão, foram fuzilados pelos seus próprios soldados. As forças governamentais recuaram em desordem para Versalhes. A batalha na Praça Pigalle fora decisiva. Depois da libertação de toda a cidade de Paris pelos proletários insurrectos, nos Paços do Concelho passou a flutuar vitoriosamente a bandeira vermelha da revolução.

A 21 de Março o comité central da Guarda Nacional proclamou: “Os proletários, no meio das tibiezas e traições das classes governamentais, compreenderam que chegara a hora de salvarem a situação tomando em mãos a direção da coisa pública”. A Comuna de Paris começava.

A primeira revolução operária mundial

Os trabalhadores industriais constituíam a massa dos communards. O Conselho Geral da Comuna tinha 30% de operários, um número deveras significativo. Esta classe operária revolucionária, era uma classe “filha da época”, de um capitalismo em plena ascensão, por isso era uma classe operária mal estruturada, inexperiente, o que contribuiu em parte, para as rivalidades paralisantes da Comuna. Apesar das debilidades, os operários parisienses lançaram-se “ao assalto dos céus”.

A Comuna tomou diversas medidas de carácter social em relação aos operários. As multas patronais e o trabalho nocturno nas padarias foram abolidos, os alojamentos vagos requisitados. As oficinas, encerradas pelos patrões que desertaram, foram entregues a operários associados que retomaram a sua laboração.

Frankel, ministro do Trabalho da Comuna, frisou: “A Revolução do 18 de Março foi feita pela classe operária. Se não fizermos nada por essa classe, não vejo a razão de ser da Comuna”.

A democracia – o verdadeiro poder do povo

Proclamada a 28 de Março na praça dos Paços do Concelho, (a 26 o povo de Paris elegeu os membros da Comuna em eleições democráticas sem precedentes na história), perante uma multidão de milhares de pessoas que agitando bandeiras gritavam freneticamente “Viva a Comuna!”, o seu exemplo foi seguido pelos operários de Saint-Étienne e de Lyon, que se rebelaram contra o poder e proclamaram igualmente a Comuna.

A Comuna de Paris instaurou a mais autêntica das democracias, o verdadeiro poder do povo. Além das medidas de âmbito social já enunciadas, o programa dos communards também reivindicava a organização do crédito, da troca e da associação, a fim de assegurar ao trabalhador o valor integral do seu trabalho. A instrução gratuita, laica e integral. O direito de reunião e associação, a liberdade da imprensa, bem como a do cidadão. A organização do ponto de vista municipal dos serviços de polícia, forças armadas, higiene, estatística, etc.

Os eleitos da Comuna encontravam-se sujeitos a um mandato imperativo, respondiam pelos seus atos e eram revogáveis. Os juízes e funcionários também eram eleitos e revogáveis. A Guarda Nacional, que acumulava as funções de exército e de polícia (o exército permanente foi suprimido), elegia os seus oficiais e sargentos. Os próprios membros do Conselho da Comuna auferiam um salário equivalente ao salário médio de um operário.

A Comuna inventou a educação popular, procurando alargar os horizontes culturais do povo. Foram reorganizadas as bibliotecas e reabertos os teatros e as óperas.

Instaurou os cursos públicos, levando Louise Michel a evocar com entusiasmo: “Queríamos tudo de uma vez, artes, ciências, literatura, descobertas, os nossos olhos cintilavam”. Para o estabelecimento de uma escola laica e gratuita, a Comuna apelava à participação dos professores, pais e alunos e da sociedade para uma Educação Nova.

As mulheres tiveram um papel de destaque na Comuna. Louise Michel esteve na linha da frente em Montmartre, a russa Elisabeth Dmitrieff e a operária encadernadora Nathalie le Mel animaram uma União das Mulheres, organismo essencial para a emancipação da mulher, libertando-a assim das superstições e do poder da Igreja. Importantes conquistas foram conseguidas por este primeiro movimento feminino de massas, como a obtenção de salário igual para trabalho igual.

Os próprios estrangeiros adquiriram a cidadania de pleno direito, ocupando cargos dirigentes mesmo sem estarem naturalizados, o que não deixa de constituir um exemplo para os dias de hoje. Estão neste caso o judeu húngaro, Leo Frankel, operário joalheiro, ficando à frente do ministério do Trabalho; Elisabeth Dmitrieff dirigiu a União das Mulheres; os generais polacos Dombrowski e Wroblewski assumiram comandos militares.

A democracia communard funcionou com uma autêntica democracia, como o verdadeiro poder do povo, embora à escala de uma cidade e durante apenas 72 dias.

A Semana Sangrenta

Durante a Semana Sangrenta, 21 a 28 de Maio de 1871, os revolucionários da Comuna tiveram de enfrentar o poderoso exército versalhês de Thiers, que aumentou consideravelmente com a cumplicidade dos prussianos, já que estes libertaram o exército francês de Bazaine. As classes dirigentes, francesas, prussianas ou outras, nutriam um ódio visceral aos proletários de Paris, que pretendiam construir um outro mundo, mais justo, fraterno e solidário. Por esse fato, erigiram a República Universal como bandeira da Comuna e demoliram a coluna Vendôme que simbolizava o militarismo de Napoleão e o chauvinismo da burguesia.

Milhares de operários, mulheres e filhos, enfrentaram as tropas versalhesas que cercaram a Comuna. Trabalharam dia e noite para cavar trincheiras, ergueram barricadas, consolidaram fortes e muralhas, distribuíram canhões e munições. As trabalhadoras de Paris também pegaram em armas para participarem no combate. O Corpo Voluntário dos Cidadãos desempenhou um importante papel na luta para a defesa da Comuna.

A 28 de Maio, entrincheirados no cemitério de Père Lachaise, os últimos communards, cerca de 200, combateram corajosamente contra 5 000 soldados inimigos. Nenhum depôs as armas ou se rendeu. Foram fuzilados contra o muro do cemitério, gritando “Viva a Comuna!”. Este muro, chamado mais tarde como o “Muro dos Federados”, lembra os princípios da Comuna aos proletários e ao povo de todo o mundo, encorajando-os a combater até ao fim pela libertação do género humano.

Os versalheses transformaram Paris num matadouro, com a orgia de horrores, execuções sumárias, incêndios e pilhagens. As casamatas das fortificações, cheias de cadáveres, funcionaram como fornos crematórios. Foram enterrados communards vivos. Foi um autêntico banho de sangue entre os proletários parisienses – cerca de 30 000 fuzilados, 42 522 presos, 13 440 condenações em conselhos de guerra, entre as quais 270 a pena de morte (26 execuções) e 4 586 deportações para a Nova Caledónia, entre homens e mulheres.

Depois de todo este banho de sangue, o tenebroso Thiers declarou: “Livrámo-nos do socialismo”.

O significado e a modernidade da Comuna

Conforme nos diz o grande escritor Prosper-Olivier Lissagaray em a História da Comuna de 1871, “o massacre dos comuneiros não é um momento de loucura de um punhado de reaccionários; pelo contrário, é uma daquelas “horas da verdade” da luta de classes, quando vem ao de cima o ódio latente dos que permanentemente vigiam, com um misto de desprezo e receio, aqueles sobre cuja desgraça constroem os seus privilégios”. Tratou-se de um furor coletivo de uma classe que reagiu de forma planeada à ameaça ao seu estatuto. Só assim se compreende que, na época, intelectuais, escritores e artistas tenham coberto os communards de insultos.

À excepção de Courbet, Verlaine, Rimbaud, e até certo ponto Victor Hugo, a grande maioria reagiu com ódio profundo à Comuna. Grandes escritores como George Sand, Alphonse Daudet, Gustave Flaubert, Emílio Zola, Théophile Gautier e Dumas filho , aplaudiram a repressão e lançaram infames calúnias contra quem apenas pretendia construir um mundo novo.

O jornal Figaro aplaudia: “Nunca mais teremos ocasião igual para curar Paris da gangrena mortal que a corrói desde há vinte anos (…) Hoje, a clemência seria demência (…) Vamos, gente honesta! Ajudai a acabar com a praga democrática e social!”.

Afinal, quais foram os crimes da “canalha” à solta que motivaram toda esta febre de vingança? A Comuna de Paris foi mais que uma insurreição. Foi o surgimento de um princípio novo e a afirmação de uma política nunca antes conhecida. Começando pela defesa da República, evoluiu inexoravelmente para a procura do socialismo. A Comuna baseava-se na gestão coletiva e considerava que o Estado devia emanar diretamente do povo e manter-se sob o seu permanente controlo.

Defendia a coletivização dos meios de produção como uma condição prévia para a igualdade social, em que o trabalhador devia beneficiar do produto do seu trabalho por inteiro.

Derrotada, a Comuna não morreu. Victor Hugo, dirigindo-se-lhe, referiu: “O cadáver está na terra, mas a ideia está de pé”.

Pottier cantou: “Não importa, a Comuna não está morta”. O expectro da Comuna além de perseguir os “realistas” e impedir a restauração monárquica em França, inspirou o movimento operário mundial.

A herança da Comuna é universal e permanece com uma extraordinária atualidade. Democrática e plural, tentou no seu tempo, resolver problemas que ainda hoje nos afligem. Sem tempo, inexperiente e sem meios, a Comuna soçobrou. Mas ficou o seu exemplo e a sua obra. A Comuna passou a ocupar um importante lugar na evolução do socialismo. Lénine disse que a Comuna “é a forma “enfim descoberta” pela revolução proletária, que permite realizar a emancipação económica do Trabalho”.

Além da modernidade da Comuna de Paris, também é verdade que tempos novos requerem novas soluções, num mundo onde domina o Império global das injustiças. Por isso, continua a ser ainda muito atual o lema “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”.

A Comuna de Paris

Vista pela esquerda a Comuna foi a primeira experiência moderna de um governo realmente popular. Um extraordinário acontecimento histórico resultante da iniciativa de grupos revolucionários e do espontaneísmo político das massas, combinando patriotismo, republicanismo e socialismo, em meio à circunstâncias dramáticas de uma guerra perdida (Franco-Prussiana) e de uma guerra civil em curso.

Palavra-chave: criatividade instituinte.
Pressuposto:
É possível viver sob novas formas políticas e sociais, mais justas e igualitárias.
Motivação:
tomar de assalto aos céus.

Vista pela direita tratou-se de uma aberração política, obra de fanáticos revolucionários e de uma plebe ignorante que, ao afrontar as instituições, símbolos e interesses burgueses-aristocráticos, mereceu o castigo exemplar: nada menos que um banho de sangue, para repor esta gentinha em seu lugar e pensar duas vezes antes de aventurar-se novamente a ameaçar a boa sociedade.

Palavra-chave: pânico repressivo.
Pressuposto:
A sociedade e seu governo é uma prerrogativa (trans)histórica inextricável das elites proprietárias.
Motivação:
remeter os insurretos aos infernos.

Reflexão histórica

Devemos nos precaver de duas visões distorcidas dos processos revolucionários.Tanto uma visão condescendente que tende à idealizá-los, quanto uma visão intransigente e raivosa, que tende a demonizá-los. Fazer julgamentos peremptórios depois da ocorrência de tais eventos revela usualmente um conhecimento vulgar, ou então obscuros preconceitos ideológicos. Além de inúteis, tais concepções, pela distorção da verdade ou pela super-simplificação dos acontecimentos tornam impossível aprender qualquer coisa da história.

Ler a história exige pois método e modéstia; aprender com a história requer estudo e reflexão. Lembrar e celebrar acontecimentos demanda empatia e compromisso.

Investigar o processo histórico faz sentido para ajudar a compreender o presente. Através do materialismo histórico pode-se chegar à compreensão e à crítica da realidade social e ao desnudamento das suas contradições.

A partir destas reflexões podemos agora rastrear o episódio da Comuna.

Experiência histórica

A Comuna de Paris foi um dos mais gloriosos episódios na história da classe trabalhadora mundial. Pela primeira vez na história as massas populares, trabalhadores à frente, derrubaram o velho Estado e começaram a transformar a sociedade. Sem planos, sem liderança ou organização as massas demonstraram um elevado grau de coragem combativa, iniciativa revolucionária e de criatividade institucional e administrativa.

Nos dia 1 e 2 de setembro de 1870 o exército francês é derrotado em Sedan. No dia 4, em Paris os trabalhadores invadem o Palácio Bourbon e forçam a Assembléia Legislativa a proclamar a queda do Império de Napoleão III. Á noite, a Terceira República é proclamada . Um governo provisório de defesa nacional é estabelecido para continuar o esforço de guerra e para remover os prussianos da França. Na seqüência de outras derrotas diante dos prussianos em 27 e 31 de outubro, o governo francês decide abrir negociações de paz. Em 31 de outubro operários e seções revolucionárias da Guarda Nacional tomam o Hôtel de Ville (sede do governo burguês). Sob a pressão dos trabalhadores o governo promete renunciar e convocar eleições nacionais – o que não intencionava realizar. Os trabalhadores assim enganados acabam vítimas das artimanhas do governo, que restabelece sua dominação.

À 28 de janeiro Paris sitiada pelos prussianos e esfomeada capitula. Depois de uma série de concessões aos vitoriosos (na prática, traição ao povo) o governo francês de Thiers, em 18 de março tenta desarmar os operários (da Guarda Nacional) mas fracassa. Começa uma guerra civil entre povo/operários de Paris e o governo instalado em Versalhes. Em 26 de março um conselho municipal é eleito e a 28 proclamada a Comuna de Paris. Tanto sua composição quanto suas resoluções mostram um caráter marcadamente proletário. The London Times de 29 março descreve os acontecimentos como uma revolução em que predominou o proletariado sobre as classes ricas, o trabalhador sobre o seu patrão, o trabalho sobre o capital.

As medidas e iniciativas da Comuna foram, no entanto, relativamente moderadas, mas suficientes para enfurecer a burguesia francesa e européia.

A Comuna suprimiu o serviço militar obrigatório e o exército permanente, substituindo-o pelo povo armado. Isentou os pagamentos de aluguel de moradias durante o período da guerra; suspendeu a venda de objetos empenhados nos estabelecimentos de empréstimos (mais tarde ordena a supressão das casas de penhor, pois estas eram uma forma de exploração dos operários); decretou a separação da Igreja do Estado; estabeleceu um teto salarial para os funcionários públicos que não deveria exceder ao dos trabalhadores; destruiu símbolos do chauvinismo e de incitação do ódio entre as nações (a bandeira da Comuna era a bandeira da República mundial); ordenou a ocupação das fábricas fechadas pelos patrões e organizou o reinício de suas atividades pelos operários organizados em cooperativas; declarou extinto o trabalho noturno dos padeiros. A Comuna, porém, não teve força ou clarividência para tomar e nacionalizar o Banco da França, o que a deixou economicamente nas mãos de seus inimigos.

Politicamente a Comuna começou a substituir a velha máquina do Estado por uma democracia mais completa, pela substituição gigantesca de umas instituições por instituições de tipo fundamentalmente diferentes. Tratava-se de uma viragem da democracia burguesa para a democracia operária. Como escreveu Lenine “A Comuna substitui o parlamentarismo venal e apodrecido da sociedade burguesa por instituições onde a liberdade de opinião e de discussão não degenera em engano, porque os próprios parlamentares têm de trabalhar, executar eles próprios as suas leis, comprovar eles próprios o que se consegue na vida, responder eles próprios diretamente perante os seus eleitores. As instituições representativas permanecem, mas o parlamentarismo como sistema especial, como divisão do trabalho legislativo e executivo, como situação privilegiada para os deputados, não existe aqui.”

Precaveu-se a Comuna contra abusos burocráticos e carreirismos de seus próprios funcionários e mandatários, declarando-os demissíveis, a qualquer tempo.

Pretendia-se evitar que o poder governamental, como tradicionalmente ocorre, se transformasse de servidor da sociedade em seu senhor. Preencheu todos os cargos administrativos, judiciais e do magistério através de eleições, mediante o sufrágio universal, conferindo aos eleitores o direito de revogar a qualquer momento o mandato concedido.

Foram muitas medidas justas como essas que tornaram a experiência da Comuna tão significativa para as lutas posteriores dos trabalhadores. E tudo isto em tão pouco tempo, numa cidade sitiada por exército estrangeiro, e submetida à guerra civil internamente.

A Comuna, por tudo isto, era intolerável para a antiga ordem burguesa-aristocrática, que tratou de esmagá-la com ferocidade jamais vista.

Os operários e o povo da Comuna foram finalmente abatidos diante da superioridade de recursos de seus inimigos de classe. É certo que para esta derrota contribuíram, em última instância, a fragilidade organizativa da Comuna, a ausência de uma programa claro e objetivo, a inexperiência política de muitos de seus membros dirigentes.

No final de maio de 1871 o exército francês passa oito dias massacrando os trabalhadores e atirando indiscriminadamente nos civis. Aproximadamente 30.000 foram sumariamente executados, 38.000 aprisionados e 7.000 deportados.

Convém lembrar que a Comuna se insere numa longa trajetória de lutas sociais. Só para mencionar a França (mas de onde se irradiava para o resto do mundo) registre-se as Revoluções de 1789, 1830, 1848, 1871, e outras tantas revoltas e insurreições abortadas. O que se constata é uma continuada situação de opressão e exploração capitalista, que tem gerado o seu contrário, uma tenaz resistência dos povos, uma luta secular pela emancipação que ainda está em curso.

Referência teórica

Da derrota da Comuna muitas questões se colocaram para a reflexão teórica dos comprometidos com a superação revolucionária do capitalismo. Outros tantos desdobramentos se produziram sobre a organização do movimento operário internacional, quanto à táticas de luta, formas políticas e ideológicas.

Do ponto de vista marxista, duas principais questões se destacam: a primeira, um esboço de uma teoria de Estado, com o conceito de “ditadura do proletariado”, como instrumento e fase necessária para a transição ao socialismo, para uma sociedade sem classes e sem Estado.

Como escreveu Marx: “A Comuna era essencialmente um governo da classe operária (…), a forma política finalmente encontrada para permitir a realização da emancipação econômica do trabalho.”

A segunda questão refere-se à políticas de aliança, que evitassem o isolamento político da classe operária; alianças a serem efetivadas com outros setores subalternos, especialmente com o campesinato para promoverem uma revolução vitoriosa.

Do ponto de vista anarquista (fortemente presente na Comuna), se aprofundam e desdobram ênfases no federalismo, na autogestão e na ação organizada voluntária, múltipla e descentralizada para minar o monopólio estatal, formando então uma rede organizativa não-estatal de uma nova sociedade.

Atualidade e perspectivas

Por mais sugestiva que tenha sido a experiência da Comuna para as lutas futuras dos trabalhadores, não convém tomá-la como paradigma para outros processos de tentativa de superação do capitalismo.

Como se aprende com o materialismo histórico, o que conta em cada situação é a dinâmica que as lutas de classe imprimem ao processo histórico e não um modelo dado ou esboçado em outras circunstâncias e por outros atores, que deveria então ser tomado como protótipo.

O que Marx escreveu sobre a derrota das revoluções em 1848 também caberia sobre a derrota da revolução de 1871:

A comuna está morta! Viva a Comuna.

Fonte: geocities.yahoo.com.br

Comuna de Paris

ENSINAMENTOS

Ela manteve o poder por apenas 72 dias, mas deixou um legado de heroísmo e lições que continuam válidos.

As avaliações dos acontecimentos revolucionários levam, em geral, a diferentes análises, algumas até mesmo contraditórias. Em relação à Comuna de Paris, por seu caráter de classe e socialista, há diferentes avaliações, colocando em posições extremas os reacionários – com disposições contrárias, criticando-a radicalmente –, e os “idealistas”, que a glorificam. Mas, uma análise menos apaixonada e mais objetiva nos permite compreender que sua ressonância e suas conseqüências ultrapassam em muito seus limitados 72 dias de existência.

Algumas das debilidades explicitadas pela Comuna já haviam sido apontadas por Marx e pela Internacional que, ao considerar que as condições históricas não comportavam naquele momento uma revolução de caráter popular e socialista, chamavam a atenção para as debilidades organizativas, para o perigo do isolamento político do proletariado de Paris e para a superioridade numérica das tropas da reação. Haviam, até mesmo, se manifestado contra a deflagração da insurreição parisiense.

Do ponto de vista político foram vários os erros cometidos, em geral pela benevolência e “liberalidade” diante do inimigo de classe e pela ausência de uma organização e de um comando político centralizado, que contribuíram para a falta de unidade política entre as diferentes iniciativas do Conselho da Comuna e de seu Comitê Central, o que repercutiu negativamente diante da unidade política da reação.

Os erros políticos da Comuna de Paris

Parte dos erros políticos tiveram por conteúdo a visão ideológica de profundo respeito à propriedade burguesa, especialmente ao Banco da França.

“Um dos maiores erros da Comuna foi a reverência com que olhavam o Banco da França. E uma vez mais, grande parte deste erro foi devido à minoria. O banco armazenava gigantescas reservas de ouro da burguesia francesa, que estavam servindo para manter aos inimigos de Versalhes, ou seja, a contra-revolução. Na realidade conservou em seus postos o antigo diretor e os membros da antiga diretoria. Nomeou somente um comissário que tinha a responsabilidade de resguardar a segurança do capital da burguesia francesa. O banco tinha um total de três bilhões de francos em ouro, bilhetes e documentos. A quantidade representada somente em ouro e brilhantes era de 1,3 milhões de francos. Sob os olhos da Comuna, o Banco da França fornecia dinheiro sem nenhuma dificuldade ao governo de Versalhes. Se a Comuna tivesse tomado posse do banco, a burguesia francesa teria exercido pressão sobre o governo de Versalhes para exigir que assinasse um acordo com a Comuna. Houve também muitas divergências ideológicas: anarquistas, blanquistas, babeufistas e outras correntes pequeno-burguesas no seio da classe operária da época, dificultando a unidade de decisão em momentos cruciais do que se aproveitou a contra-revolução para obter a vitória”. (MOURA, 1991: 43)

Do ponto de vista militar deve-se considerar que as inovações ocorridas nos instrumentos de destruição – invenção da metralhadora, ampliação do diâmetro dos canhões, ampliação dos efeitos destrutivos das granadas – e a urbanização de Paris com a destruição de muitas ruas estreitas e a construção de avenidas amplas, faziam com que desde 1848, as insurreições circunscritas aos espaços urbanos isoladas política e geograficamente já estivessem a priori destinadas ao fracasso. (BARBOSA, 1999: 5) A limitação da Comuna somente a Paris, a deflagração da insurreição sem um trabalho antecedente e sem sua ampliação a outras regiões e a concentração do poder destrutivo do Estado aristocrático-burguês, condenou-a à derrota, em que pese o heroísmo e a bravura dos communards.

Mas, apesar de suas debilidades e de sua derrota, aqueles que defendem uma perspectiva socialista não se limitam a apontar seus erros e buscam aprender com a experiência e extrair o máximo de ensinamento proporcionado por essa heróica insurreição proletária.

Mesmo no limite da ordem aristocrático-burguesa é possível detectar alguns resultados devidos à Comuna: um diz respeito à própria França e outro à Alemanha unificada – aprendizado que proporcionou a Bismarck.

Assim, os governos monarquistas e autoritários da Alemanha e Áustria-Hungria, preocupados com a possibilidade de sublevações generalizadas das classes trabalhadoras, buscaram promover condições para uma mediação entre o Capital e o Trabalho, para uma colaboração de classes em que o Estado tivesse importante papel, delinearam um “Estado assistencial”, que algumas décadas depois, caracterizaria o “Estado de bem-estar social”. Por “ironia da história” são os governos monarquistas autoritários da Alemanha e Áustria-Hungria que, temerosos diante da “onda vermelha” que ameaçava seus interesses de classe, iniciam a efetivar a presença e o controle estatal da questão operária e social.

A Comuna e o novo tipo de Estado

Comuna de Pari

O proletariado, ao assumir o poder em Paris, frente à desorganização do aparato estatal, à submissão de grande parte do funcionalismo ao governo burguês-monarquista que se encontrava em Versalhes, e orientado por princípios democráticos e igualitários, compreende a necessidade de organizar novas instituições, pois as existentes não correspondiam ao novo poder que se estabelecia. Era necessário organizar um novo tipo de democracia, qualitativamente diferente da liberal-burguesa, no fundamental destinada à manutenção da sociedade de classes, da exploração e da opressão sobre a grande maioria da população.

O novo poder se baseava numa nova forma de democracia, ampliada, que se voltava ao atendimento dos interesses da maioria da população, onde podemos destacar os seguintes aspectos: eliminação da separação de responsabilidades entre o Executivo e o Legislativo e organização de um único órgão representativo; estabelecimento de eleições para todos os cargos públicos; eliminação do político profissional – os representantes eleitos continuariam seus trabalhos profissionais – e estabelecimento do mandato revogável a qualquer momento, desde que o eleito não correspondesse à responsabilidade assumida com seus eleitores; substituição da polícia e do Exército permanentes pelo armamento popular; instituição dos tribunais populares; e organização das atividades político-administrativas e burocráticas de forma a garantir o controle dos operários e moradores em cada região. Os salários, nos diferentes níveis da administração, foram estabelecidos segundo o salário médio dos operários, tornando-se uma eficaz barreira ao arrivismo e à caça aos altos empregos – sem falar na revocabilidade dos mandatos dos delegados aos corpos representativos que a Comuna igualmente introduziu. (MARX, 1977: 167) Essas medidas democráticas permitem às classes trabalhadoras exercer o controle de todas as atividades de governo.

Marx e Engels já elaboravam, a partir de experiências, revolucionárias ou não, uma nova concepção de Estado. Com a Comuna de Paris formulam a compreensão de que a efetivação da democracia econômica, social e política só é possível com a eliminação das relações e estruturas jurídico-políticas, burocráticas e militares, que correspondem à ditadura da burguesia.

E, contrapõem à ditadura (=democracia) burguesa um novo tipo de Estado: a ditadura (=democracia) do proletariado, que corresponde a uma nova forma de organização social, com a atribuição fundamental de criar condições materiais necessárias para a eliminação da sociedade de classes e para a construção da sociedade sem classes – a sociedade comunista.

Marx e Engels, com a análise da Comuna de Paris de 1871, formulam com base em estudos anteriores, as características essenciais do conteúdo de classes do Estado e a possibilidade de extinção das classes e construção de uma sociedade sem classes. Compreendem que em todas as sociedades existentes até então, após o surgimento da propriedade privada dos meios de produção, são baseadas na divisão em classes sociais antagônicas, engendradas pela contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção; a infraestrutura e a superestrutura; a aparência – mistificada –, com a qual se apresenta, e a essência – real – de classes do modo de produção.

O Estado burguês se apresenta assim, de forma sacralizada, como produto de um pacto social, um acordo tácito entre iguais, consolidado na Constituição, que estabelece direitos e deveres iguais, independente da cor de sua pele, sua ideologia, do poder aquisitivo – todos os indivíduos são “livres e iguais” diante da lei. Assim sendo, a Constituição, a Carta Magna – intocável para alguns, quando expressa seus interesses de classe –, fundada na igualdade jurídica de direitos como guardiã da igualdade no abstrato, em princípio é, de fato, a legalização – político-jurídica – da desigualdade real; e um instrumento de mistificação das relações – reais – entre as classes; velando assim, para que, na aparência, não seja explicitada sua essência, ou seja, as contradições sobre as quais se fundam as sociedades de classes.

O Estado, como expressão mistificadora dos antagonismos sociais, para manter-se, necessita de um conjunto de instituições aparentemente neutras e com funções meramente administrativas, mas, no fundamental, colocadas a serviço das classes proprietárias e dominantes, beneficiárias da ordem existente.

A centralização e a forma de organização – da hierarquia burocrática – do aparato estatal é conseqüência e corresponde ao desenvolvimento das forças produtivas e da divisão de trabalho – na fábrica, na organização burocrática do Estado, nos serviços – do que “deriva todo caráter despótico do exercício das tarefas do Estado: compartimentalização vertical descendente, ocultação do conhecimento dos funcionários (a preservação de seu conhecimento como segredo de Estado)” (SAES, 1994: 41), criando condições ideológicas – o burocratismo – necessárias à dominação e à reprodução das relações burguesas.

A hegemonia burguesa se afirma e conquista “legitimidade” quando incorpora em seu projeto reivindicações que superam seus interesses econômicos e políticos exclusivos e imediatos, exteriorizando-as como exemplos de universalidade de seu Estado. (GRAMSCI, 1978: 33) Ao incorporar e expressar essas reivindicações como “igualizadoras a todos os homens, qualquer que seja sua condição sócio-econômica, o Estado burguês cria a forma ideológica da cidadania.

Isto significa que, sob o Estado burguês, todos os homens podem se sentir como se estivessem nas mesmas condições diante do Estado; ou seja, eles passam a se sentir como iguais uns aos outros enquanto elementos relacionados com o Estado. E significa também que, sob o Estado burguês, todos os homens se sentem envolvidos em uma relação impessoal com o Estado. O efeito político principal da imposição de normas igualizadoras, assim como da criação da forma-cidadania pelo Estado burguês é a individualização dos membros das classes sociais antagônicas e a conseqüente atomização dessas classes sociais antagônicas”. (SAES, 1994: 129-130).

De fato, o Estado burguês, enquanto elemento de mistificação das relações de desigualdade e do antagonismo de classes, é um instrumento das classes proprietárias que o utilizam para assegurar-se do monopólio do poder econômico, político-jurídico, cultural e ideológico organizado para manter a opressão e a exploração da maioria da população: as classes trabalhadoras. Mas, o Estado contém em si diferentes contradições e não manifesta somente os aspectos abordados acima. “Para Marx, pois, o Estado não é só e exclusivamente um órgão da classe dominante; responde também aos movimentos do conjunto da sociedade e das outras classes sociais, segundo, é óbvio, a determinação das relações capitalistas. Conforme o grau de desenvolvimento das forças produtivas, das relações de produção e das forças políticas da sociedade, o Estado pode adquirir contornos mais ou menos claros, revelar-se mais ou menos diretamente vinculado aos interesses exclusivos da burguesia. Inclusive, há ocasiões em que pode ser totalmente capturado por uma facção da burguesia, assim como, em outra ocasião, pode ser politicamente (não economicamente) capturado por setores da classe média ou por militares”. (IANNI, 1988: 39).

O movimento popular e operário e, principalmente o proletariado na Comuna, chega por sua experiência histórica à compreensão de que o Estado, por mais democrático que seja sua forma de governo, não representa alteração essencial no tipo de Estado ou em sua essência de classe. Em mais de um século de lutas, de revoluções e contra-revoluções, os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, de uma República social, não se transformaram em realidade mesmo nos períodos de maior democracia.

O “traço essencial da democracia capitalista: os oprimidos são autorizados, uma vez cada três ou seis anos, a decidirem qual dentre os membros das classes dominantes será o que, no Parlamento, os representará e os esmagará!”. (LÊNIN, 1987: 109) “É diretamente, através do voto universal, que a classe proprietária domina. Enquanto a classe oprimida – no nosso caso, o proletariado – não está madura para promover sua própria emancipação, a maioria de seus membros considera a ordem social existente como a única possível e, politicamente, forma a cauda da classe capitalista, sua ala de extrema esquerda. Entretanto, na medida em que vai amadurecendo para a auto-emancipação, constitui-se como um partido independente e escolhe a seus próprios representantes e não os dos capitalistas. (…) No dia em que o termômetro do voto universal registrar para os trabalhadores o ponto de ebulição, eles saberão – tanto quanto os capitalistas – o que lhes cabe fazer.” (ENGELS, 1984: 231)

A Comuna de Paris e a organização de um novo tipo de Estado

O proletariado na Comuna de Paris, ao confrontar-se com a violência institucional e organizada das classes proprietárias, elimina o serviço militar obrigatório, extingue o Exército permanente e proclama a Guarda Nacional proletária como única força armada, a que devem “pertencer todos os cidadãos válidos”. (MARX, 1977: 161) No esboço da organização estatal nacional, foi proposta a organização de Comunas em todo o país, as quais deveriam administrar as questões coletivas com a mais ampla participação e substituir o Exército permanente por “uma milícia popular, com um tempo de serviço extremamente curto. As Comunas rurais de cada distrito administrariam seus assuntos coletivos”. (MARX, 1977: 197).

Essa forma de organização comunal deve pressupor uma relação de complementaridade entre a descentralização e a centralização democrática, como garantia da unidade nacional. “A Comuna é o primeiro esforço da revolução proletária para demolir a máquina do Estado burguês; é a forma política, ‘finalmente encontrada’, que pode e deve substituir o que foi demolido”. (LÊNIN, 1987: 69-70)

A Comuna de Paris, ao se posicionar contrária à submissão da França e à entrega de Paris à dominação prussiana, não o faz movida simplesmente pelo sentimento nacional – forma em que se mostra concretamente a luta de classes –, mas também por uma série de razões, as quais, naquele momento, colocavam com grande evidência que a luta de classes não se limita às fronteiras nacionais, a apenas um país – ela é internacional, conforme ficou demonstrado cristalinamente pelas posições assumidas pelo proletariado de Paris e pelas classes proprietárias francesas em aliança com as tropas prussianas de ocupação.

A organização proletária na Comuna, como primeiro passo à socialização dos meios de produção, desapropia, e entrega “às organizações operárias, sob reserva de domínio, todas as oficinas e fábricas fechadas, tanto nos casos dos patrões fugidos quanto de terem preferido suspender o trabalho”. (MARX, 1977: 203)

Progressivamente, “a Comuna pretendia abolir essa propriedade de classe que convertia o trabalho de muitos na riqueza de alguns poucos. A Comuna aspirava à expropriação dos expropriadores. Pretendia fazer da propriedade individual uma realidade, transformando os meios de produção, a terra e o capital, que hoje são fundamentalmente meios de escravização e de exploração do trabalho, em simples instrumentos de trabalho livre e associado. (…) A classe operária não esperava da Comuna nenhum milagre. Os operários já não têm nenhuma utopia já pronta para introduzir “par décret du peuple”. Eles sabem que para conseguir sua própria emancipação, e com ela essa forma superior de vida para a que tende irresistivelmente a sociedade atual, por seu próprio desenvolvimento econômico, terão de enfrentar longas lutas, toda uma série de processos históricos que transformarão as circunstâncias e os homens. Eles não têm de realizar nenhum ideal, mas simplesmente libertar os elementos da nova sociedade que a velha sociedade burguesa agonizante traz em seu seio”. (MARX, 1977: 200)

A ditadura do proletariado, enquanto organização estatal transitória, expressa os interesses fundamentais da classe operária e das classes trabalhadoras em geral, por ser o instrumento para a eliminação da propriedade privada dos meios de produção e do capital; a destruição da sociedade de classes; a liquidação das classes exploradoras; e a construção da sociedade sem classes: o comunismo. “Assim, o conceito de ‘ditadura do proletariado’ significa, simplesmente, o poder de Estado (ditadura) da classe operária (do proletariado), que compõe junto com os outros trabalhadores, a maioria da sociedade. Como o objetivo maior da revolução proletária é exatamente superar a divisão da sociedade em classes, o Estado (como órgão de dominação) também deve ser superado. O reconhecimento de que até o poder político dos trabalhadores (como qualquer poder político) é uma ditadura, mantém a perspectiva de que se trata de um Estado transitório a ser superado, e não perpetuado”. (FERNANDES, 1990: 9)

A duração desse período de transição é determinada pela persistência e pela necessidade de superação de fatores econômicos, sociais, políticos, culturais etc, que impedem o pleno desenvolvimento das forças produtivas e dificultam a superação da escassez, da persistência das diferenças fundamentais entre a classe operária e o campesinato, entre o campo e a cidade, entre trabalho físico e trabalho intelectual; fatores que separam o capitalismo do comunismo.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a ditadura do proletariado – forma proletária do Estado socialista – corresponde à mais ampla democracia – aparência sob a qual é exercido o poder político – e é um poder estatal que, ao explicitar seu conteúdo de classe, se afirma como não-Estado e possibilita a criação de condições para sua extinção. É que democracia proletária serve para designar não só o Estado socialista-proletário, mas também, o componente não-estatal da dominação da classe proletária, ou seja, a necessidade de, no próprio momento em que se implanta o Estado socialista-proletário, começar a desestatização progressiva das tarefas administrativas e militares.

Nesse nível específico, democracia proletária designa a esfera não-estatal: a gestão de massa, efetivada para as organizações de trabalhadores de cada unidade de produção particular e do conjunto do aparato produtivo; o desempenho direto, pela população armada, das tarefas de defesa nacional; a resolução pré-judiciária nos próprios lugares de trabalho (fábrica, fazenda) ou de habitação (bairros, quarteirão) dos conflitos interindividuais etc. (SAES, 1987: 31)

A persistência dessas características torna indispensável a planificação e intervenção estatal proletária para eliminar as diferenças e os restos das velhas relações entre as classes; diminuir, minimizar e eliminar essas contradições. A ditadura do proletariado, enquanto organização estatal necessária ao período de transição do capitalismo ao comunismo, será extinta gradualmente, na medida em que ocorre o pleno desenvolvimento das forças produtivas e sejam criadas as condições objetivas e subjetivas para a extinção do Estado.

O Estado não é um fenômeno eterno. Surgiu e desaparecerá em determinadas condições históricas (econômicas, sociais, políticas). Não de uma hora para outra, inesperadamente, por decreto ou desejo subjetivo, mas, gradualmente, na proporção em que forem criadas as condições para a extinção das classes e a construção da sociedade sem classes, o comunismo.

Silvio Costa é professor de Sociologia e Ciência Política na Universidade Católica de Goiás, doutorando na Universidad Complutense de Madrid.

Este texto é uma versão reduzida e com modificações do artigo “Concepção marxista de Estado”, publicado como anexo no livro Comuna de Paris: o proletariado toma o céu de assalto, publicado pelas editoras Anita Garibaldi e da UCG em 1998 e relançado neste ano.

Fonte: www.vermelho.org.br

Comuna de Paris

Herdeira das tradições revolucionárias francesas, a Comuna de Paris foi um governo popular organizado pelas massas parisienses em 18 de março de 1871, sendo fortemente marcado por diversas tendências ideológicas, populares e operárias. Tornou-se posteriormente, uma referência na história dos movimentos populares e revolucionários.

Comuna de Pari

De acordo com o escritor Prosper-Olivier Lissagaray, um communard que se tornou historiador da Comuna, esta teria sido “uma revolução feita por homens comuns e que deu aos trabalhadores a consciência de sua força, sem que esses pudessem desenvolver suas idéias”. que, em suma, visavam melhorar as condições de vida dos indivíduos que compunham aquela sociedade, tão marcada por conflitos políticos, econômicos e sociais.

Embora a Comuna não deva ser pensada como uma revolução socialista, é importante frisarmos que suas propostas traziam em si preocupações de caráter social. Priorizando, pois, tais preocupações, procuraremos em um segundo momento desta abordagem compreender o exemplo das propostas dos communards para educação, considerando-as como parte importante de um programa que visava, entre outras coisas, garantir a gratuidade de todos os serviços públicos para a população e sem nenhuma distinção.

A experiência da Comuna, todavia, duraria pouco tempo (72 dias). Sob as ordens de Adolphe Thiers as tropas militares entraram em Paris e sufocariam a Comuna com feroz violência. Cerca de 20 mil pessoas foram mortas em uma única semana – a Semana Sangrenta. Era, portanto, o fim da Comuna.

Últimos combates da Comuna de Paris

Sua lembrança, no entanto, ficará na memória.

Um comovente texto escrito por Marx em 30 de maio de 1871, expressava o significado da Comuna: “Os trabalhadores de Paris, com sua comuna serão sempre considerados como gloriosos precursores de uma nova sociedade. A memória de seus mártires será cuidadosamente conservada no grande coração da classe trabalhadora. Ahistóriajá prendeu seus exterminadores nesse eterno pelourinho, de onde não conseguirão arrancá-los todas as orações de seus sacerdotes”.

Comuna de Pari

OS COMMUNARDS E A EDUCAÇÃO

A proposta de superação do Antigo Regime manifesta pela Revolução Francesa assentaria as bases para o desenvolvimento de uma educação pública e nacional.

Com ela se estabeleceriam princípios que dariam a educação um caráter popular, convertendo-a em um direito a todos os homens e garantido pelo Estado.

Segundo a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão redigida em maio de 1793, “a instrução é necessidade de todos os homens e a sociedade a deve igualmente a todos os seus membros”. Ao longo de sua história, porém, a França revolucionária tornar-se-ia cada vez mais moderada em relação a esses princípios que, na prática, não se estenderiam igualmente a todos os membros da sua sociedade.

Seria na expectativa de construir uma sociedade que atendesse as necessidades dos setores populares que a compunham, que a Comuna de Paris assentaria as bases de suas propostas. O resgate da antiga proposta revolucionária de um ensino público, gratuito, laico e obrigatório seria, portanto, devidamente retomado como uma das dimensões que atendessem as necessidades desses indivíduos.

A proposta dos communards para educação visava assim, modificar uma realidade que lhes era limitada, quando não excludente, a exemplo da educação feminina.

Nesse sentido, a Comuna tomou um conjunto decisões e medidas que procuraram redefinir os objetivos educacionais e da escola, a saber: abertura de todas as instituições de ensino gratuitamente ao povo e emancipado da interferência da Igreja e do Estado; organização do ensino primário e profissional; busca pela integração entre educação e trabalho; administração gratuita pelos profissionais dos instrumentos de trabalho escolar; instrução para as mulheres.

Seria assim criada pelo delegado do Ensino, o communard Edward Vaillant, em 23 de abril de 1871, uma comissão com a finalidade de ajudar a Delegação de Ensino a organizar o ensino primário e profissional de um modo uniforme, além de transformar o ensino religioso em leigo. Não tardou muito para que em 6 de maio a primeira escola profissional fosse aberta no local anteriormente ocupado pelos jesuítas. A 24 de maio, uma comissão feminina foi instituída com a responsabilidade de organizar e cuidar do ensino destinado às mulheres.

A Delegação de Ensino ainda solicitaria em 17 de maio, informações às municipalidades distritais acerca dos locais e estabelecimentos adequados à pronta instituição de escolas profissionais. Estas deveriam instruir os alunos não só profissionalmente, mas também lhes oferecer uma instrução científica e literária.

O fim prematuro da comuna impediu que essas propostas fossem levadas a cabo. No entanto, o resgate de uma proposta preocupada em garantir a instrução como um direito de todos naquela sociedade é só um exemplo que a história nos mostra acerca da importância de repensarmos as falhas produzidas por uma sociedade ao longo de sua construção. A eficácia da proposta de uma educação igualitária a todos os homens é, até nossos dias, um problema a ser resolvido e um desafio a ser conquistado por muitas sociedades.

Fonte: www.historia.uff.br

Comuna de Paris

Primeira experiência de ditadura do proletariado na história, governo revolucionário da classe operária criada pela revolução proletária em Paris.

Durou 72 dias: de 18 de Março a 28 de Maio de 1871.

A Comuna de Paris foi resultado da luta da classe operária francesa e internacional contra a dominação política da burguesia. A causa direta do surgimento da Comuna de Paris consistiu no agravamento das contradições de classe entre o proletariado e a burguesia decorrente da dura derrota sofrida pela França na guerra contra a Prússia (1870-1871). O empenho do governo reacionário de Thiers da fazer recair o fardo dos gastos da guerra perdida sobre os amplos setores da população originou um podereoso movimento das forças democráticas.

No princípio exerceu o poder um governo revolucionário provisório chamado Comitê Central da Guarda Nacional, ou seja, um órgão eleito pelos batalhões da milícia popular que haviam se formado para defender a cidade contra os exércitos prussianos.

Porém em 28 de março o poder passou às mãos da Assembléia de Deputados do Povo: a Comuna.

O papel governante cabia aos operários, muitos dos quais eram membros da Primeira Internacional. Foram proclamadas, também, Comunas em Lion, Marselha, Tolouse e algumas outras cidades que, entretanto, existiram por pouco tempo.

A Comuna de Paris destruiu a máquina estatal burguesa (liquidou o exército permanente e a polícia, separou a Igreja do Estado, etc) e criou um Estado de novo tipo, que foi a primeira forma de ditadura do proletariado da história.

O novo aparato do poder se organizava de acordo com os princípios democráticos: a elegibilidade, responsabilidade e a demissibilidade de todos os funcionários e o caráter colegiado da direção.

Para dirigir os assuntos públicos foram criados comissões eletivas que substituiram aos antigos ministérios: comissão do trabalho, da indústria e comércio, de serviços públicos, de alimentos, da fazenda, da segurança pública, da justiça, da educação, de relações exteriores e militar. O trabalho das comissões era coordenado por uma Comissão Executiva, que posteriormente incluiu todos os presidentes de todas as comissões. Essa Comissão Executiva foi substituida, em 1 de maio, pelo Comitê de Salvação Pública, órgão executivo superior da Comuna de Paris. Cada membro da Comuna se integrou em uma comissão conservando ao mesmo tempo os vinculos com seu distrito eleitoral e reunindo-se ali com os eleitores.

Foi desmantelado o velho aparato estatal, se expulsou os burocratas e os altos funcionários; se reduziu os vencimentos e o salário dos trabalhadores do aparato da Comuna e de seus membros foram fixados proporcionalmente ao salário médio de um operário. Os juizes reacionários foram substituidos por juizes eleitos. Foram demolidos os monumentos do militarismo e da reação. Os nomes das ruas foram substituidos para eliminar os nomes de figuras odiosas. Foi eliminada a ajuda financeira do Estado à Igreja.

Como governo da classe operária, a Comuna de Paris, exercia seu poder em benefício do povo.

Mostrou grande cuidado pelo melhoramento da situação material das grandes massas: fixou a remuneração mínima do trabalho, foram tomadas medidas de proteção do trabalho e de luta contra o desemprego, de melhoramento das condições de moradia e do abastecimento da população. A Comuna preparou a reforma escolar, fundamentada no princípio da educação geral, gratuita, obrigatória, laica e universal. Tiveram extraordinária importância os decretos da Comunsa sobre a organização de cooperativas de produção nas empresas abandonadas por seus donos, a implantação do controle operário, a elegibilidade dos dirigentes de algumas empresas estatais. Na sua política exterior, a Comuna se guiou pelo empenho de estabelecer a paz e a amizade entre os povos.

As principais causas da derrota da Comuna de Paris foram:

1) a inexistência das condições econômicas-sociais necessárias a insuficiente maturidade da classe operária, que não possuia seu próprio partido político aparelhado com a doutrina da luta de classes do proletariado;
2) a heterogeneidade da composição política da Comuna;
3) a ausência de aliança combativa entre a classe operária e o campesinato;
4)
o isolamento de Paris das outras zonas do país em consequência do bloqueio da cidade pelos versailheses e as tropas prussianas de ocupação.

O breve período de existência da Comuna, seus erros táticos e sua derrota não reduzem a sua importância na história do movimento de libertação do proletariado.

A experiência da Comuna e seus ensinamentos instrutivos desempenharam importante papel no desenvolvimento da teoria marxista-leninista, na história do movimento operário internacional, na preparação e realização da Grande Revolução Socialista de Outubro, com uma série de postulados importantes: confirmou a necessidade da destruição revolucionária do poder dos exploradores e da instauração da ditatuda do proletariado. a impossibilidade – nas condições de então – de tomar o poder sem insurreição armada. Demonstrou qu a classe operária não pode limitar-se a tomar em suas mãos e por em marcha a velha máquina estatal, mas que deve acabar com ela e substitui-la por uma nova.

Os ensinamentos da Comuna de Paris demonstraram a necessidade de defender com as armas as conquistas da revolução, a necessiadade da tática ofensiva na guerra revolucionária, a inadimissibilidade de se mostrar debilidade e ingenuidade frente aos inimigos.

Sobre a Comuna

Karl Marx e Friedrich Engels
30 de Maio de 1871

“Na alvorada de 18 de Março (1871), Paris foi despertada por este grito de trovão: VIVE LA COMMUNE! O que é pois a Comuna, essa esfinge que põe tão duramente à prova o entendimento burguês?

“Os proletários da capital – dizia o Comité Central no seu manifesto de 18 de Março – no meio das fraquezas e das traições das classes governantes, compreenderam que chegara para eles a hora de salvar a situação assumindo a direção dos assuntos públicos… O proletariado… compreendeu que era seu dever imperioso e seu direito absoluto tomar nas suas mãos o seu próprio destino e assegurar o triunfo apoderando-se do poder.”

Mas a classe operária não se pode contentar com tomar o aparelho de Estado tal como ele é e de o pôr a funcionar por sua própria conta.

O poder centralizado do Estado, com os seus órgãos presentes por toda a parte: exército permanente, polícia, burocracia, clero e magistratura, órgãos moldados segundo um plano de divisão sistemática e hierárquica do trabalho, data da época da monarquia absoluta, em que servia à sociedade burguesa nascente de arma poderosa nas suas lutas contra o feudalismo.”

“Em presença de ameaça de sublevação do proletariado, a classe possidente unida utilizou então o poder de Estado, aberta e ostensivamente, como o engenho de guerra nacional do capital contra o trabalho. Na sua cruzada permanente contra as massas dos produtores, foi forçada não só a investir o executivo de poderes de repressão cada vez maiores, mas também a retirar pouco a pouco à sua própria fortaleza parlamentar, a Assembleia Nacional, todos os meios de defesa contra o executivo.”

“O poder de Estado, que parecia planar bem acima da sociedade, era todavia, ele próprio, o maior escândalo desta sociedade e, ao mesmo tempo, o foco de todas as corrupções.”

“O primeiro decreto da Comuna foi pois a supressão do exército permanente e a sua substituição pelo povo em armas.

A Comuna era composta por conselheiros municipais, eleitos por sufrágio universal nos diversos bairros da cidade. Eram responsáveis e revogáveis a todo o momento. A maioria dos seus membros eram naturalmente operários ou representantes reconhecidos da classe operária. A Comuna devia ser, não um organismo parlamentar, mas um corpo ativo, ao mesmo tempo executivo e legislativo. Em vez de continuar a ser o instrumento do governo central, a polícia foi imediatamente despojada dos seus atributos políticos e transformada num instrumento da Comuna, responsável e revogável a todo o momento. O mesmo se deu com os outros funcionários de todos os outros ramos da administração. Desde os membros da Comuna até ao fundo da escala, a função pública devia ser assegurada com salários de operários.”

” Uma vez abolidos o exército permanente e a polícia, instrumentos do poder material do antigo governo, a Comuna teve como objetivo quebrar o instrumento espiritual da opressão, o “poder dos padres”; decretou a dissolução e a expropriação de todas as igrejas, na medida em que elas constituíam corpos possidentes.

Os padres foram remetidos para o calmo retiro da vida privada, onde viveriam das esmolas dos fiéis, à semelhança dos seus predecessores, os apóstolos. Todos os estabelecimentos de ensino foram abertos ao povo gratuitamente e, ao mesmo tempo, desembaraçados de toda a ingerência da Igreja e do Estado. Assim, não só a instrução se tornava acessível a todos, como a própria ciência era libertada das grilhetas com que os preconceitos de classe e o poder governamental a tinham acorrentado.

Os funcionários da justiça foram despojados dessa fingida independência que não servira senão para dissimular a sua vil submissão a todos os governos sucessivos, aos quais, um após outro, haviam prestado juramento de fidelidade, para em seguida os violar. Assim como o resto dos funcionários públicos, os magistrados e os juizes deviam ser eleitos, responsáveis e revogáveis.”

“Após uma luta heróica de cinco dias, os operários foram esmagados. Fez-se então, entre os prisioneiros sem defesa, um massacre como se não tinha visto desde os dias das guerras civis que prepararam a queda da República romana. Pela primeira vez, a burguesia mostrava a que louca crueldade vingativa podia chegar quando o proletariado ousa afrontá-la, como classe à parte, com os seus próprios interesses e as suas próprias reivindicações. E, no entanto, 1848 não passou de um jogo de crianças, comparado com a raiva da burguesia em 1871.”

“Proudhon, o socialista do pequeno campesinato e do artesanato, odiava positivamente a associação. Dizia dela que comportava mais inconvenientes do que vantagens, que era estéril por natureza e até mesmo prejudicial, pois entravava a liberdade do trabalhador; dogma puro e simples… E é também por isso que a Comuna foi o túmulo da escola proudhoniana do socialismo.”

“As coisas não correram melhor aos blanquistas. Educados na escola da conspiração, ligados pela estrita disciplina que lhe é própria, partiam da ideia de que um número relativamente pequeno de homens resolutos e bem organizados era capaz, chegado o momento, não só de se apoderar do poder, mas também, desenvolvendo uma grande energia e audácia, de se manter nele durante um tempo suficientemente longo para conseguir arrastar a massa do povo para a Revolução e reuni-la à volta do pequeno grupo dirigente. Para isso era preciso, antes de mais nada, a mais estrita centralização ditatorial de todo o poder entre as mãos do novo governo revolucionário. E que fez a Comuna que, em maioria, se compunha precisamente de blanquistas? Em todas as suas proclamações aos franceses da província, convidava-os a uma livre federação de todas as comunas francesas com Paris, a uma organização nacional que, pela primeira vez, devia ser efetivamente criada pela própria nação. Quanto à força repressiva do governo outrora centralizado, o exército, a polícia política, a burocracia, criada por Napoleão em 1798, retomada depois com prontidão por cada novo governo e utilizada por ele contra os seus adversários, era justamente esta força que devia ser destruída por toda a parte, como o fora já em Paris.”

“Para evitar esta transformação, inevitável em todos os regimes anteriores, do Estado e dos órgãos do Estado em senhores da sociedade, quando na origem eram seus servidores, a Comuna empregou dois meios infalíveis. Primeiro, submeteu todos os lugares, da administração, da justiça e do ensino, à escolha dos interessados através de eleição por sufrágio universal e, evidentemente, à revogação, em qualquer momento, por esses mesmos interessados. E segundo, retribuiu todos os serviços, dos mais baixos aos mais elevados, pelo mesmo salário que recebiam os outros operários. O vencimento mais alto que pagou foi de 6000 francos. Assim, punha-se termo à caça aos lugares e ao arrivismo, sem falar da decisão suplementar de impor mandatos imperativos aos delegados aos corpos representativos.

Esta destruição do poder de Estado, tal como fora até então, e a sua substituição por um poder novo, verdadeiramente democrático, estão detalhadamente descritas na terceira parte de A Guerra Civil.(Karl Marx) Mas era necessário voltar a referir aqui brevemente alguns dos seus traços, porque, precisamente na Alemanha, a superstição do Estado passou da filosofia para a consciência comum da burguesia e mesmo de muitos operários. Na concepção dos filósofos, o Estado é “a realização da Ideia” ou o reino de Deus na terra traduzido em linguagem filosófica, o domínio onde a verdade e a justiça eternas se realizam ou devem realizar-se. Daí esta veneração que se instala tanto mais facilmente quanto, logo desde o berço, fomos habituados a pensar que todos os assuntos e todos os interesses comuns da sociedade inteira não podem ser tratados senão como o foram até aqui, quer dizer, pelo Estado e pelas suas autoridades devidamente estabelecidas. E julga-se que já se deu um passo prodigiosamente ousado ao libertarmo-nos da fé na monarquia hereditária e ao jurarmos pela república democrática.” (FRIEDRICH ENGELS: Introdução á Guerra Civil em França )

“Em presença de ameaça de sublevação do proletariado, a classe possidente unida utilizou então o poder de Estado, aberta e ostensivamente, como engenho de guerra nacional do capital contra o trabalho”

“A constituição comunal restituiria ao corpo social todas as forças até então absorvidas pelo Estado parasita que se alimenta da sociedade e lhe paralisa o livre movimento”

“A unidade da nação não deveria ser quebrada, mas, pelo contrário organizada pela Constituição comunal; ela deveria tornar-se uma realidade pela destruição do poder de Estado que pretendia ser a encarnação desta unidade mas que queria ser independentemente desta mesma nação e superior a ela, quando não era mais do que uma sua excrescência parasitária.”

“Em vez de se decidir de três em três, ou de seis em seis anos, qual o membro da classe dirigente que deveria “representar” e calcar aos pés o povo no Parlamento, o sufrágio universal devia servir um povo constituído em comunas, tal como o sufrágio individual serve qualquer patrão à procura de operários, de capatazes ou de contabilistas para a sua empresa.”

“A Comuna era composta por conselheiros municipais, eleitos por sufrágio universal nos diversos bairros da cidade. A maioria dos seus membros eram naturalmente operários ou representantes reconhecidos da classe operária. A Comuna devia ser, não um organismo parlamentar, mas um corpo ativo, ao mesmo tempo executivo e legislativo. Em vez de continuar a ser o instrumento do governo central, a polícia foi imediatamente despojada dos seus atributos políticos e transformada num instrumento da Comuna, responsável e revogável a todo o momento. O mesmo se deu com os outros funcionários de todos os ramos da administração. Desde os membros da Comuna até ao fundo da escala, a função pública devia ser assegurada com salários de operários. Os benefícios habituais e os emolumentos de representação dos altos dignatários do Estado desapareceram ao mesmo tempo que os altos dignatários. Os serviços públicos deixaram de ser propriedade privada das criaturas do governo central. Não só a administração municipal, mas toda a iniciativa até então exercida pelo Estado, foi posta nas mãos da Comuna.”

“Uma vez abolidos o exército permanente e a polícia, instrumentos do poder material do antigo governo, a Comuna teve como objetivo quebrar o instrumento espiritual da opressão, o “poder dos padres”; decretou a dissolução e a expropriação de todas as igrejas, na medida em que elas constituíam corpos possidentes. Os padres foram remetidos para o calmo retiro da sua vida privada, onde viveriam das esmolas dos fiéis, à semelhança dos seus predecessores, os apóstolos.”

“A Comuna realizou a palavra de ordem de todas as revoluções burguesas, um governo barato, abolindo essas duas grandes fontes de despesas que são o exército permanente e o funcionalismo de Estado.”

“A supremacia política do produtor não pode coexistir com a eternização da sua escravatura social. A Comuna devia pois servir de alavanca para derrubar as bases económicas em que se fundamenta a existência das classes e, por conseguinte, a dominação de classe. Uma vez emancipado o trabalho, todo o homem se torna um trabalhador e o trabalho produtivo deixa de ser o atributo de uma classe.”

“A Comuna tinha perfeitamente razão ao dizer aos camponeses: “A nossa vitória é a vossa única esperança”.

“O domínio de classe já não se pode esconder sob um uniforme nacional, pois os governos nacionais formam um todo unido contra o proletariado.”

“A Paris operária, com a sua Comuna, será para sempre celebrada como a gloriosa percursora de uma sociedade nova. A recordação dos seus mártires conserva-se piedosamente no grande coração da classe operária. Quanto aos seus exterminadores, a História já os pregou a um pelourinho eterno, e todas as orações dos seus padres não conseguirão resgatá-los.

Karl Marx (Guerra Civil em França – 30 de Maio de 1871)

Fonte: www.marxists.org

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