Segunda Guerra Púnica

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Segunda Guerra Púnica – O que foi

Período: 218-201 aC

A segunda guerra entre Roma e Cartago era um dos grandes conflitos militares do mundo antigo.

Hannibal conduziu suas forças a partir de Espanha através dos Alpes para a Itália, chegando perto do rio Po, em 218. Ele completamente derrotado uma força romano de mais de 15.000 em 217, mas não deu seguimento a sua vitória.

O general romano Quintus Fabius Maximus seguido, mas não se envolver, Hannibal-assim, impedindo-o de estabelecer uma base permanente de operações.

Em 216 Roma enviou um grande exército para atender Hannibal. As forças opostas se reuniu em Canas, onde Hannibal completamente derrotou os exércitos romanos. Sua tática era simples.

Ele permitiu que os romanos para conduzir através de seu centro. Em seguida, seu irmão Hasdrubal rodado sua cavalaria em torno de envolver o flanco inimigo e traseira. A força Roman foi cercado e quase aniquilada.

Hannibal novamente não deu seguimento a sua vitória com um ataque direto a Roma. Ele permaneceu na Itália, tentando trazer aliados de Roma para o seu lado.

Por 207 Hasdrubal tinha ido para a Espanha e voltou para a Itália com exércitos frescos. Roma foi logo ameaçado a partir do norte e do sul. As duas forças cartagineses, no entanto, não se juntam.

Os exércitos romanos combinados derrotado Asdrúbal, e Hannibal foi deixado para vaguear sul da Itália até ordens de voltar à África em 203. Além de Itália não estava lutando na Sicília e na Espanha. Por 210 toda a Sicília estava nas mãos dos romanos. Nesse mesmo ano Scipio Africanus, então conhecido como Publius Cornelius Scipio, foi colocado no comando de forças romanas em Espanha.

Ele não conseguiu impedir Hasdrubal de tomar um exército para a Itália em 208, mas ele terminou poder cartaginês na Espanha com uma grande vitória no Ilipa, perto de Sevilha moderna, em 206.

Depois de uma visita a Roma em 205, Scipio montou um exército e partiu para o Norte de África, em 204. Ele ganhou campanhas em 204 e 203 contra Cartago e seus aliados.

Em 202 Hannibal foi colocado no comando de forças cartagineses. Ele conheceu exército bem treinado e disciplinado de Scipio perto Zama.

Scipio ganhou e ganhou o apelido de Africanus pelo qual ele tem sido conhecido desde então.

Cartago processado por paz. Sob os termos de Roma, Cartago foi forçada a dar a Espanha e todas as ilhas do Mediterrâneo que controlava a Roma. Além disso, ele foi obrigado a pagar uma grande indenização e perder qualquer independência em política externa. Este foi o fim efetivo de Cartago como uma potência militar.

Segunda Guerra Púnica – História

Segunda Guerra Púnica

Desde a sua eclosão, a Segunda Guerra Púnica foi uma contenda muito mais séria do que a Primeira, que rebentou na Sicília e foi essencialmente uma luta pelo controle da ilha.

A invasão de Régulo colocou os Cartagineses à beira da capitulação mas resultou numa derrota e não foi repetida pelos Romanos.

O conflito converteu-se numa prova de resistência que acabou por ser decidida com a derrota da última esquadra púnica nas ilhas Egates.

O tratado de paz deixou Cartago forte na África e capaz de se expandir na Hispânia, mas afigurou-se mais duro depois de Roma se ter apoderado da Sardenha.

Segunda Guerra Púnica foi um conflito muito mais simples, pela supremacia, na qual os territórios foram sempre de importância secundária.

A tentativa cartaginesa de reconquista da Sardenha foi débil e as movimentações contra a Sicília só tiveram inicio alguns anos depois da eclosão da guerra. Em ambos os casos, a iniciativa partiu de lideres das ilhas e não de Cartago. A conquista de territórios ao inimigo e a persuasão dos seus aliados para que desertassem foram meios de exercer pressão e não fins a atingir.

Os tratados que garantiram a Estados como Cápua ou Tarento a independência de Cartago deixaram claro que não havia a intenção de estabelecer uma província púnica no Sul do Lácio.

A guerra foi travada para forçar o adversário a submeter-se e a aceitar um tratado muito favorável para o vencedor. Em 218, ambas as partes planejaram atacar o coração do território inimigo, os Romanos a África e na Hispânia, Hannibal na Itália.

Apesar dos reveses, das distrações e das discórdias no seio das lideranças rivais, este objetivo manteve-se até ao fim, com Asdrúbal e Magão renovando a invasão da Itália e Cipião terminando a guerra na África.

À medida que ambos os lados procuraram lançar ataques adicionais e incrementar a pressão sobre o inimigo o conflito alastrou a outros teatros. Mas estes estiveram sempre subordinados ao esforço principal.

A maior intensidade da Segunda Guerra Púnica é ilustrada pelo equilíbrio verificado entre os três tipos de combate principais, as batalhas, os cercos e as incursões.

As batalhas campais foram muito mais comuns mas os recontros navais foram poucos e em escala reduzida, nada que se compare as grandes batalhas navais da Primeira Guerra Púnica. Entre 218 e 202, registaram-se cerca de doze batalhas campais, três vezes o número das travadas entre 265 e 241, e talvez outros doze embates de alguma dimensão.

As breves narrativas de muitos recontros tornam difícil discernir a sua escala. A sua natureza é, por vezes, o seu desfecho, o que faz com que os números supra-referidos sejam aproximados.

Um pouco mais da metade das batalhas foi travada na Itália, as restantes na África e na Hispânia. Tal como na Primeira Guerra Púnica, o terreno da Sicília não favoreceu a ocorrência de batalhas campais formais e o mesmo aconteceu em grande parte da Hispânia, da Ilíria e da Grécia. E além de as batalhas campais se concentrarem em certas regiões, tenderam a ocorrer em períodos de campanha breves e de extrema intensidade. Hannibal travou três grandes batalhas e vários combates importantes entre 218 e 216, e muito menos nos anos posteriores.

Cipião Africano travou uma batalha na Hispânia, em 208, tentou infrutiferamente travar outra em 207, e completou a sua vitória com uma última batalha, em 206.

Repetiu este padrão na África, travando grandes batalhas em 203 e 202. As batalhas tinham mais tendência a ocorrer quando o general agia de forma excepcionalmente agressiva, de um modo geral internando-se profundamente em território inimigo, como foram os casos, por exemplo, das primeiras invasões da Itália e da África, ou das grandes incursões de Cipião na província púnica da Hispânia. A resposta romana a este tipo de ameaça foi a batalha campal, e foram necessárias sucessivas derrotas até que comandantes como Fábio Máximo instilassem alguma cautela nas operações romanas na Itália.

A ocorrência de uma batalha campal exigia um grau tão elevado de consentimento mútuo que até generais tão competentes como Hannibal e Cipião se viram frequentemente incapazes de obrigarem o inimigo a combater.

Esta realidade toma a decisão de Cipião de atacar uma posição tão formidável como a de Asdrúbal em Bécula tão notável como o seu sucesso.

Os Romanos perderam vários recontros de menor dimensão mas só foram derrotados numa batalha campal por Hannibal, na Itália. As derrotas de Públio e Gneu Cipião, em 212, resultaram de uma série de embates confusos, gerados por uma situação estratégica marcadamente desfavorável. À exceção destes casos, os exércitos romanos demonstraram, em batalhas campais, uma superioridade inegável sobre todos os outros exércitos e generais púnicos.

O exército de Hannibal na Itália foi, sem qualquer sombra de dúvida, o melhor jamais alinhado por Cartago, beneficiando da liderança carismática de Hannibal e dos longos anos de campanha na Hispânia.

Outra das suas vantagens foi um rácio cavalaria/infantaria excepcionalmente elevado, que chegou a ser de 1:3 a 1:4, mais do dobro da media de ambas as partes.

Os continuados êxitos de Hannibal sobre os Romanos conferiram ao seu exército uma vantagem em termos de moral que, até ao fim da campanha italiana, nunca perdeu.

Outros exércitos púnicos apresentaram uma mistura similar de nacionalidades e tipos de tropas, mas o seu desempenho no campo de batalha foi medíocre.

Os outros generais eram muito inferiores a Hannibal como lideres e táticos, e não tiveram a oportunidade para converter os dispares contingentes que comandavam numa unidade coesa através da combinação de uma instrução longa e da participação em operações bem sucedidas sob oficiais que lhes eram familiares.

As fontes apresentam com frequência um elemento como a única parte verdadeiramente fiável e eficaz do exército, como por exemplo, os Líbios em Ilipa ou os Celtiberos nas Grandes Planícies.

E nem Hannibal conseguiu, no pouco tempo disponível, fundir os três exércitos da África para a campanha de Cannae.

O sistema de milícia romano produzia exércitos muito mais homogéneos em termos de língua, cadeia de comando, instrução e organização. Isto facilitava a integração de legiões de diferentes forças num mesmo exército.

O prolongado tempo de serviço aumentava inexoravelmente a eficácia dos exércitos romanos, um processo que era muito mais rápido do que numa força púnica de várias nacionalidades.

As legiões da Segunda Guerra Púnica serviram durante muito mais tempo do que quaisquer outras tropas romanas até então, pelo que na fase final da guerra muitos soldados estavam tão bem instruídos e confiantes como quaisquer tropas profissionais. A flexibilidade tática demonstrada pelos Romanos no Metauro, em Ilipa e em Zama foi uma prova tangível desta realidade. Soldados e oficiais tinham-se tornado capazes de feitos que seriam inimagináveis em 218.

Estes exércitos eram muitíssimo superiores a maioria das forças púnicas e mesmo em grande inferioridade numérica conseguia derrotar o inimigo, como Cipião demonstrou. Com a evolução do conflito, o desdém que os Romanos mostravam por todos os exércitos e generais cartagineses – à exceção de Hannibal – foi-se fundamentando cada vez mais na realidade.

Apesar do considerável número de batalhas e recontros importantes tratados na Segunda Guerra Púnica, não deixaram de ser acontecimentos raros na experiência da maioria dos soldados, que participaram com muito mais frequência em incursões ou cercos. As incursões não se destinavam primariamente a providenciar comida para os exércitos, embora pudessem ser combinadas com esta atividade.

O seu objetivo principal era provocar o máximo de danos possível às zonas rurais do inimigo, matando ou capturando as populações, destruindo quintas e aldeias, incendiando as colheitas e roubando o gado.

Todas estas atividades exigiam tempo e esforço, e algumas, como por exemplo, a destruição das colheitas, só podiam ser concretizadas durante as semanas que antecediam a apanha.

Os danos tendiam a limitar-se a uma área e tinham pouco efeito a longo prazo mas eram inegavelmente horríveis para as vítimas. Mas quando as incursões prosseguiam durante um longo período, as consequências para a região podiam ser muito graves. As perdas em mão-de-obra rural, devido a captura, a morte ou a conscrição, e os danos prolongados aos campos, as colheitas e ao gado, reduziam a produtividade e davam origem a uma escassez de alimentos que por sua vez enfraquecia a população e encorajava o aparecimento de doenças, provocando um declínio adicional na produção.

Algumas áreas, especialmente o Brútio e outras partes do Sul de Itália, onde Hannibal e o seu exército estiveram confinados durante anos, foram palco das repetidas incursões dos beligerantes e terão sofrido grandemente. Uma das grandes controvérsias da Segunda Guerra Púnica, que discutiremos num capitulo posterior, é o seu impacto sobre a população e a economia rural da Itália.

A consequência mais imediata das incursões eram os danos causados ao prestigio do inimigo por não conseguir defender o seu território. A visão das quintas a arder deixadas pela marcha de Hannibal, em 217, incitou Flaminio a persegui-lo incautamente, desejoso de vingar aquela humilhante demonstração da debilidade de Roma. Mais tarde, ainda no mesmo ano, Fábio Maximo tornou-se muito impopular por se negar a impedir tais depredações.

Um Estado que se revelava incapaz de proteger os seus aliados contra as depredações do inimigo perdia prestigio e poderia também perder os seus aliados.

Isto aplicou-se particularmente à áreas como a Sicília ou a Hispânia, onde as comunidades revelaram um empenho compreensivelmente diminuto para com ambos os lados.

O fracasso de Hannibal em proteger das incursões romanas muitos dos seus aliados italianos foi um fator de peso no seu lento mas inexorável regresso à aliança com Roma.

As cidades muralhadas estavam a salvo das incursões, e só as menores poderiam eventualmente sucumbir a um assalto. As cidades constituíam os centros políticos da maioria dos povos envolvidos no conflito, controlando amplas áreas circundantes. As incursões podiam intimidar a população de uma região, mas só a ocupação das suas praças-fortes mais importantes garantia o seu controle em termos permanentes.

A vitória romana na Sicília decorreu da conquista dos dois principais bastiões inimigos, Siracusa e Agrigento. Durante toda a guerra, nenhuma das partes conseguiu conquistar a capital inimiga, demasiado grande e defendida, ainda que, em várias ocasiões, tanto Roma como Cartago se tenham sentido diretamente ameaçadas. A conquista de posições fortificadas foi sempre extremamente difícil, o que constituiu um dos motivos para a predominância dos cercos na propaganda dos “Grandes Reis”, dos faraós em diante.

Só quando o exército profissional romano combinou as capacidades de engenharia com a predisposição para aceitar as baixas inevitáveis nos assaltos é que a balança começou a pender para os sitiantes.

Os ataques diretos contra uma grande cidade apenas tinham sucesso quando combinavam a surpresa com a traição ou com o conhecimento de pontos fracos nas defesas.

Os bloqueios demoravam muito mais tempo e exigiam a permanência de forças consideráveis no mesmo lugar durante meses ou anos, agudizando o problema do aprovisionamento.

Foi a superioridade numérica dos Romanos e a sua capacidade para alimentar os seus exércitos que lhes permitiu montar os longos e vitoriosos assédios À Cápua e Siracusa.

A devastação dos campos, a conquista das cidades e as batalhas campais eram os três meios de sapar a determinação do inimigo para prosseguir a luta.

O equilíbrio entre estes três meios variou de teatro para teatro mas o maior impacto adveio sempre de uma grande derrota em combate. A guerra terminou com a vitória romana de Zama, tal como a Primeira Guerra Púnica terminara com as Ilhas Egates. Outras batalhas revelaram-se vitorias táticas mais completas mas não tiveram um efeito tão decisivo.

Isto aplica-se particularmente à série de vitórias esmagadoras que Hannibal alcançou na Itália e que forçaram os Romanos a admitir que não podiam enfrenta-lo em campo aberto.

Hannibal assolou as terras por onde passou e, no Sul, promoveu a defecção de muitos aliados de Roma.

Mas apesar de tudo isto, os Romanos recusaram ceder. Quando reconquistou Cápua e Tarento, os mais importantes Estados desertores, Roma já se tinha reapoderado da maior parte das áreas que tinham desertado e o poder de Hannibal na Itália estava em declínio. Nenhuma cidade latina aderiu à sua causa.

As tentativas para o reforçar com novos exércitos fracassaram e tornou-se óbvio que não poderia vencer. Entretanto, os Romanos haviam reconquistado a Sicília, tinham expulsado os Cartagineses da Hispânia e estavam instalados na África.

É difícil ver o que mais poderia Hannibal ter feito para alcançar a vitória. Nunca saberemos a que ponto estiveram os Romanos de admitir a derrota.

Talvez uma marcha sobre Roma após Canaae tivesse levado os Romanos a perder o sangue-frio, mas não podemos estar certos de que assim seria e essa opção teria constituído um risco enorme.

Um dos problemas principais dos Cartagineses foi terem ao seu dispor um general soberbo à frente de um exército excelente num dado teatro, enquanto que em outros dispuseram de generais medíocres com exércitos medianos ou generais medianos com exércitos medíocres. Desde o principio, os Romanos conseguiram produzir, em quantidade considerável, exércitos e generais de qualidade mediana, com vantagem sobre todos os adversários à exceção de Hannibal. Com a evolução do conflito, os lideres e os soldados romanos adquiriram experiência e a sua superioridade sobre os outros exércitos púnicos tornou-se ainda mais vincada.

Se os Romanos não tivessem encontrado tropas para travarem e vencerem as campanhas nas frentes fora da Itália, o desfecho da guerra teria seguramente sido muito diferente.

O Senado romano teve o mérito imenso de continuar a empenhar homens e recursos em teatros de operações distantes quando o desastre parecia ameaçar a Itália.

Sob ameaça direta, Roma e Cartago comportaram-se de forma fundamentalmente diferente. Quando um exército romano apareceu às portas da cidade, em 255, 203 e 202, a liderança cartaginesa respondeu procurando a paz. Lívio acredita que o fizeram com falsidade em 203, e neste ano e em 255 retomaram as hostilidades quando não conseguiram garantir os termos que consideravam apropriados ao seu poderio, que ainda era considerável. Em 216, 212 ou em outra fase negativa da guerra, nunca o Senado ou qualquer general romano contemplou seriamente admitir a derrota e negociar com o inimigo. Apesar das perdas calamitosas, da sucessão de derrotas humilhantes, da defecção de alguns aliados e da continuação da nefasta presença do exército de Hannibal na Itália, os Romanos recusaram pura e simplesmente entender-se com os Cartagineses, tal como se tinham negado a negociar com Pirro. Depois, levaram o inimigo de vencido em todas as outras frentes e obrigaram Hannibal, apesar de invicto, a abandonar o Lácio e a regressar a Cartago para a proteger.

Os Cartagineses contavam que as guerras terminassem com uma paz negociada. Os Romanos contavam que as guerras terminassem com a sua vitória total ou com a sua própria aniquilação, algo que nenhum Estado contemporâneo dispunha de recursos para conseguir. Foi esta atitude que impediu os Romanos de perderem a guerra e que lhes deu a vitória.

O fator mais importante que permitiu a Roma adotar esta atitude tão rígida foi provavelmente a sua enorme reserva de potenciais soldados. As suas perdas foram colossais, muito superiores as da Primeira Guerra Púnica, com particular incidência sobre as classes mais abastadas, os senadores, os membros da Ordem Equestre e os lavradores que serviam na infantaria pesada das legiões.

Nos primeiros anos de guerra, Roma terá talvez perdido 25% dos homens qualificados para o serviço militar devido a mortes e defecções, mas mesmo assim o número de legiões foi aumentado.

Tornaram-se algumas medidas de exceção para colmatar a lacuna de recrutas, alistando homens mais novos e mais velhos do que o habitual, reduzindo as posses mínimas exigidas para o cumprimento do serviço militar e formando legiões com condenados e escravos. No seu conjunto, esta expansão foi possibilitada pela anuência dos cidadãos comuns em submeterem-se a anos de severa disciplina militar e de campanhas extremamente perigosas. É vital não nos esquecermos de que, em Roma e na maioria dos aliados, todas as classes mantinham fortes laços de lealdade entre si e para com o Estado. Verificaram-se algumas exceções, nomeadamente a recusa das doze colônias latinas de fornecerem mais homens, em 209, mas foram extremamente raras. E note-se que estas colônias apenas declararam ter esgotado os seus recursos.

Não recomendaram nenhum entendimento com o inimigo nem tomaram nenhuma medida tendente a desertarem. Do mesmo modo, alguns homens tentaram evitar o serviço militar, outros procuraram lucrar custa das tropas que deveriam abastecer e alguns, muito poucos, desertaram e combateram ao lado do inimigo; mas a esmagadora maioria não fez nada disto e foi movida, por orgulhoso patriotismo, a sacrificar-se pelo Estado.

Os Cartagineses sofreram muito menos baixas, quer em número, quer em percentagem do total dos cidadãos. Os cidadãos púnicos apenas entraram em campanha em número significativo na África, e as suas perdas nas Grandes Planícies e em Zama não foram elevadas. Parece nunca ter faltado dinheiro para contratar mercenários, mas o que frequentemente escasseou foi o tempo para os recrutar e converter num exército eficaz. A verdade é que Cartago não estava tão organizada para a atividade bélica como Roma, onde a guerra era parte integral do sistema politico. O Senado romano decidia anualmente a atribuição de comandos e recursos militares, e durante a Guerra Anibálica assistiu-se a uma simples continuação deste procedimento normal.

Não se pode afirmar peremptoriamente que os Romanos faziam a guerra com mais ou menos frequência do que outros povos contemporâneos, mas do que não restam dúvidas é de que a faziam com maior eficácia e entrega. Polibio acerta em cheio no alvo ao destacar a organização politica, a estrutura social e as instituições militares de Roma como chaves da sua vitória sobre Cartago. Durante a Guerra Anibálica, todas elas tiveram que ser modificadas para lidar com a crise.

Tornaram-se comuns as múltiplas magistraturas e promagistraturas, as lacunas nas fileiras do Senado foram preenchidas em massa, recrutaram-se escravos para o exército e a instrução ministrada às legiões foi de molde a permitir-lhes atingirem níveis inéditos de eficácia.

Cada uma destas instituições revelou-se suficientemente flexível para se adaptar sem ter que alterar a sua natureza essencial. No meio século seguinte, dariam a Roma o domínio do mundo mediterrânico.

Cartago reconhece sua derrota na Segunda Guerra Púnica

Segunda Guerra Púnica

Depois da batalha, Hannibal e o seu estado-maior fugiram para a sua base principal, em Adrumeto. Os Romanos reuniram os prisioneiros e pilharam o acampamento púnico.

Cipião recebeu a noticia animadora de que se aproximava de Castra Cornelia um comboio com mantimentos, e Lélio foi de novo enviado a Roma para dar conta da vitória.

A derrota do seu último exército deixou Cartago com a única alternativa de procurar novamente a paz. Cipião conduziu a esquadra numa demonstração de força junto da própria cidade de Cartago, uma pressão adicional para que se submetesse. Em termos militares, os Romanos pouco poderiam ameaçar uma urbe tão bem fortificada. Mesmo recorrendo a todo o seu exército, o cerco de Cartago teria sido uma empresa enormíssima e de desfecho incerto. Cipião rejeitou prontamente a ideia, apesar de, segundo Lívio, ter sido advogada por vários dos seus oficiais.

Não obstante ter-se negado a receber uma primeira embaixada de paz púnica, o general romano estava desejoso de chegar a um entendimento. Em particular, estaria de novo preocupado com a manutenção do seu comando e com a obtenção da glória que a vitória lhe merecera. De fato, mesmo com a guerra prestes a acabar, um dos cônsules de 201 tentou substituir Cipião no comando na África mas depois da intervenção de alguns dos tribunos da plebe e de novos debates senatoriais acabou por substituir Nero no comando naval.

Os termos do tratado ditado por Cipião foram duros. Entrega, sem resgate, de todos os prisioneiros e desertores romanos. Confiscação de todos os elefantes de guerra. Redução da armada a dez trirremes.

Cartago manteve a maior parte do seu território na África mas perdeu todas as suas possessões ultramarinas, e até na África foi obrigada a reconhecer Masinissa como soberano de um reino substancialmente aumentado. Cartago foi obrigada a pagar uma indenização de 10.000 talentos de prata, em prestações anuais, durante mais de cinquenta anos, uma recordação constante da sua derrota. Outra indicação do seu novo estatuto foi a estipulação de que Cartago não poderia entrar em guerra fora da África, e na África só com autorização de Roma. Cartago continuaria a ser governada pelas suas próprias leis mas ficava claramente subordinada a Roma em todos os assuntos extemos. Por fim, os Cartagineses deveriam fornecer alimentos e provisões ao exército de Cipião durante três meses, e custear o seu soldo até a ratificação do tratado.

E em pagamento pelo que os Romanos consideravam ser a sua recente traição, deveriam também indenizar a perda de bens romanos aquando da violação da trégua e do ataque ao comboio naval.

Foram selecionados reféns entre as famílias nobres da cidade, como garantia para que não se repetisse o mesmo tipo de incidente durante as negociações.

A mensagem do tratado foi clara e talvez reforçada se, como afirma Apiano, os Cartagineses passariam a ser designados como ?Amigos e Aliados? do povo romano, a formula usada para os aliados subordinados de Roma na Itália. E tinham-se efetivamente tornado, de forma inequívoca, aliados subordinados de um Estado superior ao qual pagavam um tributo anual e a cuja autoridade se submetiam em questões importantes de politica externa.

O império ultramarino e a marinha orgulhosa que o protegera foram abolidos. Não admira que alguns líderes púnicos pretendessem rejeitar tão dura paz. Quando um dos senadores embarcou num discurso nesta veia, Hannibal, sempre realista, arrastou-o do pódio dos oradores. Pediu desculpa pelo seu comportamento, dizendo que trinta e seis anos de ausência de Cartago o tinham levado a esquecer a etiqueta politica, mas instou com veemência os líderes a não rejeitarem uma paz que, tendo em conta a situação de Cartago, poderia ter sido muito pior. Por fim, o senado púnico aceitou esta via e enviou delegações a Roma para confirmar os termos.

Foi somente no principio da Primavera de 201 que o Senado confirmou finalmente a sua decisão anterior de aceitar quaisquer termos de paz propostos por Cipião. Imediatamente após o regresso dos emissários, acompanhados por representantes do clero romano, os feciais, para supervisionar os importantes rituais envolvidos, as provisões do tratado começaram a ser implementadas.

Um grande número de navios de guerra púnicos, 500 segundo algumas das fontes de Lívio, saiu do grande porto da cidade e foi depois incendiado.

Aos desertores que tinham combatido pelos Cartagineses, estava reservado um destino terrível: os romanos foram crucificados e os latinos decapitados. Cipião regressou a Roma, onde celebrou um triunfo espetacular.

As causas da Segunda Guerra Púnica

Existiram decerto momentos de tensão depois da Primeira Guerra Púnica, mas as relações entre Roma e Cartago não eram inteiramente hostis. Renovado o intercâmbio comercial, os mercadores púnicos eram uma visão tão familiar em Roma como os italianos parecem ter sido em Cartago. Com efeito, terá sido durante estes anos que foram criados laços de hospitalidade – ou ressuscitados os anteriores a 265 -, uma característica tão comum das relações internacionais no mundo antigo, ligando famílias aristocráticas púnicas e romanas. A paz concluída em 241 durou vinte e três anos, se descontarmos a ameaça romana de reabrir as hostilidades por causa da Sardenha, em 238, e terminou quando Hannibal Barca, comandante supremo cartaginês na Hispânia, atacou a cidade ibérica de Sagunto, que estava sob proteção romana. Nenhuma das partes se mostrou muito relutante em entrar em guerra, não obstante as memórias do conflito anterior que fora renhido e dispendioso.

Os motivos que as levaram a guerra têm sido tema de intensos debates desde então, debates que procuram quase sempre atribuir a culpa a uma das partes. E com igual frequência, os historiadores têm caído na armadilha de analisar os eventos em função de padrões modernos, esquecendo-se de que até Estados antigos mais politicamente avançados entravam em guerra com frequência e entusiasmo, em especial quando contavam vencer e imaginavam os benefícios que a vitória lhes traria.

Antes de abordarmos estas questões, convirá passarmos em revista à sucessão de acontecimentos que levaram à declaração de guerra por parte de Roma.

Provavelmente em 226, Asdrúbal aceitou as exigências de emissários romanos no sentido de os Cartagineses não atravessem o rio Ebro.

A ideia de colocar uma fronteira física ao poder de um Estado era um conceito familiar a ambas as culturas. Nesse caso, não se tratou de uma grande restrição, já que o coração da província púnica ainda estava muito longe do rio. Os argumentos de que o tratado definiu uma fronteira muito mais a sul não convencem, e são ainda menores os fundamentos para o comum pressuposto de que os Romanos se comprometeram a não intervir a sul do Ebro. De fato, nesta altura, o Estado romano carecia de qualquer ligação direta à Hispânia, exceto se considerarmos que a sua aliada, Massília, tinha comunidades dependentes em Empório e Rode.

Em determinada altura, depois de 226, Roma associou-se à cidade de Sagunto (a moderna Sagunto, perto de Valência). Polibio diz-nos que isto aconteceu “alguns anos” antes da época de Hannibal.

Mas seria plausível a sua menção no tratado do Ebro se a ligação já existisse, dado que a cidade se localizava muito a sul do rio.

A discussão sobre se existia ou não um tratado formal garantindo o estatuto de aliada a Sagunto ou se a cidade simplesmente requereu a proteção de Roma, como Utica tentara fazer durante a Guerra dos Mercenários, não é relevante para o nosso propósito. A dada altura, o Senado romano foi solicitado a arbitrar a disputa interna da cidade, muito possivelmente entre facções rivais adeptas de Roma e Cartago, e os enviados ordenaram a execução de vários nobres saguntinos. Parecem óbvios para a cidade hispânica os atrativos de uma aliança com Roma. Sagunto, uma cidade-estado de importância local, assistiria com preocupação a expansão da província cartaginesa na sua direção. O apoio romano oferecia a maior segurança possível contra o seu poderoso vizinho.

O motivo pelo qual os Romanos aceitaram a aliança é menos claro e está estreitamente associado à causa da guerra.

Em 221, Hannibal, então com 26 anos de idade, sucedeu ao cunhado e continuou a agressiva politica expansionista na Hispânia, levando a cabo operações muito mais vastas do que os seus antecessores.

Conduziu os seus exércitos contra as tribos da Hispânia Central, avançando bastante para norte, até região da moderna Salamanca. Cerca de 220-219, eclodiu uma disputa entre Sagunto e uma tribo vizinha, acusada de realizar incursões no seu território. Os pormenores são obscuros e até o nome do povo em causa é incerto, mas a tribo era aliada de Cartago e recebeu o apoio de Hannibal. No Inverno, uma embaixada romana apresentou-se a Hannibal, em Nova Cartago, e recordou-lhe a existência do tratado do Ebro, avisando-o também para não atacar Sagunto.

A embaixada foi recebida com extrema frieza e deslocou-se a Cartago para repetir as suas exigências. O jovem general também pediu instruções a Cartago, e na Primavera conduziu o seu exercito contra a cidade.

Sagunto situava-se numa posição forte, no cimo de uma colina, a quilómetro e meio do mar (No Outono de 1811,os defensores espanhóis de uma fortaleza improvisada entre as ruinas ibéricas, romanas e mouras da cidade repeliram vários ataques lançados por um dos mais capazes comandantes de Napoleão, Suchet.) Hannibal levou oito meses para se apoderar da cidade, mas desde o inicio foi claro que a sua intenção era toma-la de assalto e não submetê-la pela fome.

As suas tácticas foram muito mais agressivas do que as adotadas pelos Cartagineses em qualquer um dos cercos da Primeira Guerra Púnica, pelo que as baixas também foram mais elevadas.

Lívio diz mesmo que o próprio Hannibal foi ferido ao dirigir um ataque demasiado próximo da peleja.

Os Romanos nada fizeram para auxiliar os Saguntinos depois de iniciado o assedio. Lívio afirma que enviaram outra embaixada a Hannibal, mas a sua cronologia é irremediavelmente confusa neste ponto e, dado que Polibio não menciona semelhante iniciativa, mais vale rejeitá-la. Sagunto caiu em finais de 219 ou nas primeiras semanas de 218, e a noticia poderá ter chegado a Roma num mês.

No fim do Inverno, foi enviada a Cartago uma embaixada que incluía os dois cônsules de saída, Lúcio Emilio Paulo e Marco Lívio Salinator. Lívio diz que a delegação era chefiada por Quinto Fábio Máximo, ficando assim completo o trio que desempenharia papeis de relevo na guerra que se avizinhava, mas parece mais provável que o líder fosse Marco Fábio Buteão, o experiente ex-censor que combatera na Sicília quando era cônsul, em 245. A embaixada protestou contra os atos de Hannibal e exigiu saber se ele agia com a aprovação do senado cartaginês.

Os Cartagineses viram-se confrontados com as alternativas de condenarem Hannibal e entregarem-no e aos seus oficiais superiores aos Romanos para serem punidos, ou de entrarem em guerra contra Roma.

O estilo de diplomacia praticado pelas embaixadas romanas raramente parece ter sido muito sutil, mas neste caso os Romanos eram claramente obrigados a vingarem um ataque contra um aliado.

Numa versão da história, que refere um poderoso partido oposto aos Barcas, um certo Hanão terá condenado as ações de Hannibal mas os Cartagineses, na sua maioria, responderam furiosamente as bruscas exigências romanas. Negaram-se a reconhecer o tratado do Ebro, dizendo que nunca o tinham ratificado, citaram o exemplo de Catulo, que em 241 submetera os termos de paz a apreciação de Roma, e contestaram a sua obrigatoriedade de terem que reconhecer qualquer relação entre Roma e Sagunto.

Reza a história que Fábio se plantou no meio da câmara e anunciou que trazia nas dobras da toga a paz e a guerra, e que deixaria cair a que os Cartagineses escolhessem.

Os ânimos dos senadores púnicos exaltaram-se e o sufeta presidente gritou-lhe que escolhesse ele. Quando Fábio respondeu que deixava cair a guerra, o salão encheu-se com um grande grito de “Aceitamos”.

Assim foi declarada a guerra, mas talvez já fosse inevitável. Regressado aos aquartelamentos de Inverno depois da queda de Sagunto, Hannibal fez seguramente preparativos para a invasão da Itália, e também é bastante possível que os Comitia Centuriata já tivessem votado a favor da guerra caso os embaixadores não conseguissem uma resposta satisfatória de Cartago.

Polibio discute com algum detalhe as causas subjacentes à retoma das hostilidades e conclui que foram três os fatores principais.

O primeiro foi o ressentimento ou a raiva de Amílcar Barca no fim da Primeira Guerra Púnica, ao ser forçado a capitular apesar de invito na Sicília. O segundo fator – e o mais importante – foi a descarada conquista romana da Sardenha, em 238, quando Cartago ainda se encontrava abalada pela desordem da Revolta dos Mercenários. Esta humilhação, além de aumentar o ressentimento de Amílcar, propalou o ódio a Roma a toda a população púnica. Foi com o objetivo de construir uma base de poder para usar contra Roma que Amílcar se deslocou para a Hispânia, lançando-se de corpo e alma num programa de expansão. Os êxitos da sua família na Península Ibérica constituíram a terceira causa, pois o crescimento do poderio cartaginês encorajou os Púnicos a julgarem-se suficientemente fortes para derrotarem a sua antiga rival.

Polibio sustenta a sua visão da motivação de Amílcar com um episódio narrado por Hannibal na corte do rei selêucida Antioco III, na década de 190. Pouco antes de partir para assumir o comando na Hispânia, Amílcar Barca sacrificou no altar de uma divindade a que Polibio chama Zeus e Lívio designa por Júpiter, mas tratava-se provavelmente de BaaI Shamin. Recebendo sinais favoráveis, chamou junto de si o seu filho Hannibal, então com nove anos de idade, e perguntou-lhe se gostaria de o acompanhar na expedição. O garoto, que provavelmente vira poucas vezes o pai durante os seus primeiros anos de vida, respondeu entusiasticamente, implorando-lhe autorização para ir com ele.

Amílcar colocou a mão do rapaz na vitima sacrificial e obrigou-o a jurar solenemente nunca ser amigo dos Romanos. Hannibal contou esta história para convencer Antioco de que não estava conluiado com os Romanos, que eram inimigos do rei, e dado que Polibio a recebeu em terceira mão – na melhor das hipóteses -, é impossível avaliar a sua veracidade. Na versão romana, que é posterior, o juramento torna-se mais severo, com o garoto prometendo inimizade eterna a Roma.

Na versão dos acontecimentos dada por Polibio, Hannibal herda do pai a guerra contra Roma, do mesmo modo que Alexandre Magno realizaria a expedição à Pérsia planejada por Filipe II, seu pai.

Durante muito tempo, os historiadores modernos aceitaram esta interpretação e alguns foram mais longe, afirmando que o plano de invadir a Itália pelos Alpes e até as táticas de combate de Hannibal poderão ter sido concebidas pelo pai. Mais recentemente, a ideia de que a guerra foi um projeto premeditado dos Barcas caiu em desfavor, em parte porque os historiadores tem geralmente relutância em atribuir acontecimentos importantes aos humores e ações dos líderes, preferindo procurar a explicação em tendências mais gerais. O debate tem incidido, com mais frequência, nos pormenores e na cronologia dos acontecimentos que conduziram à guerra, dado que Polibio é vago nesta matéria, enquanto que as outras fontes que possuímos são de questionável credibilidade.

De importância fundamental é a questão de saber o que esperavam conseguir na Hispânia os Cartagineses liderados pelos Barcas, e também aqui temos que lamentar a ausência de fontes ilustrativas da perspectiva púnica.

Tem-se partido do principio de que a perda de territórios rentáveis na Sicília e na Sardenha forçou Cartago a procurar receitas noutros locais, e as minas de prata ibéricas são amiúde citadas neste contexto.

É certo que Amílcar colocou muitas delas sob controlo púnico, e embora tenham sido necessários vários anos para dar inicio à sua exploração, isto permitiu à sua família cunhar várias series de moedas com um teor de prata especialmente elevado. Noutros aspectos, é difícil perceber como é que a expansão na Hispânia permitiu uma exploração mais lucrativa dos seus recursos do que através das comunidades púnicas presentes na região. No curto prazo, várias campanhas bem sucedidas geraram certamente receitas consideráveis, parte das quais poderá ter chegado às mãos do Estado – daqui a resposta de Amílcar, quando a embaixada romana exigiu saber porque travava ele tantas guerras de conquista, de que necessitava de anexar terras para ter lucros com que pagar a divida de guerra púnica a Roma.

Uma grande parte dos dividendos restantes das campanhas foi para pagar e aumentar o exército na Hispânia. Há muito que os oficiais púnicos recrutavam soldados hispânicos, mas a província bárcida assumiu o controle sobre grande parte desta enorme reserva de recursos humanos.

As comunidades da Hispânia produziam um excedente de jovens que não podiam obter o seu sustento da terra e era frequente tonarem-se bandidos ou mercenários. Em pelo menos uma ocasião, Amílcar recrutou para o seu exército guerreiros inimigos capturados, dado que a remoção deste elemento da sociedade tornava as conquistas mais seguras. Os exércitos da Primeira Guerra Púnica tinham sido predominantemente africanos, mas embora muitos destes soldados ainda estivessem no ativo, na Segunda Guerra Púnica o seu número seria ultrapassado, de longe, pelos Hispânicos.

Na sua maioria, estes guerreiros hispânicos não serviriam como mercenários, por dinheiro, mas sim na qualidade de aliados.

A Hispânia proporcionou aos Barcas e – dependendo da perspectiva que se tenha da independência do seu poder – a Cartago uma força militar formidável e a riqueza para a sustentar.

Embora este recurso tenha permitido a Hannibal prosseguir a guerra com tanta eficácia, isto não significa necessariamente que tenha sido criado para a fazer.

Poderá argumentar-se que o incremento do poderio militar púnico foi essencialmente defensivo, dando-lhe alguma proteção contra atos romanos tão arbitrários como o roubo da Sardenha.

A perda da guerra contra Roma e os acontecimentos que se lhe seguiram foram claramente um grande golpe para o orgulho de um império poderoso.

A empresa hispânica poderia simplesmente ter sido uma tentativa de reafirmação da sua independência. Contudo, para validar esta afirmação seria necessário acreditar que o ataque de Hannibal a Sagunto foi uma mera declaração de revivalismo do poderio púnico, que não contava provocar uma guerra com Roma.

A rapidez com que Hannibal deu início aos colossais preparativos para a expedição à Itália torna esta hipótese extremamente improvável.

Os Romanos parecem ter sentido sempre algum nervosismo perante as atividades dos Barcas na Hispânia, como comprova o número de embaixadas que aí enviaram.

Segunda Guerra Púnica foi claramente uma herança do primeiro conflito, que terminou subitamente, com ambos os beligerantes quase no mesmo nível de exaustão.

Os Romanos esperavam que as guerras que travavam se saldassem pela vitória completa das suas armas, com o ex-inimigo deixando de constituir uma ameaça ao ser geralmente absorvido na qualidade de aliado subordinado. Fosse qual fosse a autonomia interna que preservavam, os aliados não estavam autorizados a conduzir uma politica externa independente, e muito menos uma que entrasse em conflito com os interesses de Roma. Em 241, Cartago era demasiado grande e estava demasiado longe para ser absorvida por Roma do mesmo modo que acontecera grande parte da Itália, mas mesmo assim os Romanos negaram-se a tratá-la como igual nas décadas que se seguiram à guerra. A Sardenha deu corpo a um exemplo gritante desta atitude, com os Cartagineses obrigados a curvarem-se perante uma exigência injusta, e as repetidas intervenções romanas na Hispânia foram outro sintoma.

Embora o tratado do Ebro possa não ter imposto grandes limites a expansão cartaginesa na Hispânia, deixou bem claro que os Romanos se sentiam no direito de imporem restrições as atividades púnicas longe de território romano.

A aceitação de uma ligação com Sagunto recordou aos Cartagineses que os Romanos não se submetiam aos mesmos constrangimentos.

O pagamento anual da indenização era uma lembrança constante da derrota de Cartago, mas estaria provavelmente concluído em meados da década de 220, e foi talvez nesta altura que Roma se começou a interessar cada vez mais pela Península Ibérica.

Um antigo inimigo que aparentasse estar a converter-se de novo numa potência independente e rival seria considerado pelos Romanos uma ameaça inequívoca, independentemente da realidade da situação militar.

As intervenções das embaixadas romanas serviram para recordar a Cartago o seu estatuto. Até 219, os Cartagineses cederam sempre perante as exigências romanas.

É muitíssimo provável que o Senado contasse que o fizessem de novo quando a delegação disse a Hannibal para não atacar Sagunto, e a surpresa dos senadores quando ele ignorou a proibição ajuda a explicar porque é que os Romanos não enviaram nenhuma ajuda a cidade.

Os Cartagineses não viam qualquer razão para se comportarem como um aliado subordinado de Roma. A sua cultura militar era diferente da romana e não esperava que os desfechos das guerras fossem tão definitivos.

Além do mais, o seu poder real não fora tão enfraquecido pela derrota de 241 como a atitude romana sugeria, especialmente depois de Cartago ter recuperado dos custos da guerra e da agitação da Revolta dos Mercenários. Cartago ainda era um Estado grande e rico, com extensos territórios na África e um reino em expansão na Hispânia. Não existiam bons motivos para que os cidadãos púnicos considerassem a sua cidade inferior a Roma, e é compreensível o seu ressentimento face a recusa dos Romanos de reconhecerem esta realidade. Ambos os Estados possuíam amplos recursos para fazerem a guerra e desconfiavam um do outro.

Nestas circunstâncias, a retoma das hostilidades afigura-se menos surpreendente.

O desejo de se reafirmarem como potência independente era tão natural para os Cartagineses como aparentemente ameaçador para os Romanos. Alguns indivíduos poderão ter desejado e planejado a guerra.

Hannibal era um jovem nobre a frente de um exército poderoso e estava seguro da sua capacidade para o comandar. Os autores antigos explicam sempre as grandes guerras como inspiradas pela ânsia de gloria de reis, imperadores e príncipes, e faríamos mal em rejeitar Iiminarmente esta visão. É possível que Hannibal tenha procurado uma guerra, e não restam dúvidas de que a aceitou prontamente e que a travou com considerável entusiasmo. Poderia certamente existir em Cartago quem se opusesse ao jovem general e desejasse a paz, mas a verdade é que a maioria da elite não via motivos para que o renovado Estado púnico se submetesse a exigências romanas tão arrogantes.

É impossível dizer se aquiesceram nas atividades de Hannibal que provocaram a crise, ou se as terão mesmo ordenado.Existiram decerto momentos de tensão depois da Primeira Guerra Púnica, mas as relações entre Roma e Cartago não eram inteiramente hostis. Renovado o intercâmbio comercial, os mercadores púnicos eram uma visão tão familiar em Roma como os italianos parecem ter sido em Cartago.

Com efeito, terá sido durante estes anos que foram criados laços de hospitalidade – ou ressuscitados os anteriores a 265 -, uma característica tão comum das relações internacionais no mundo antigo, ligando famílias aristocráticas púnicas e romanas. A paz concluída em 241 durou vinte e três anos, se descontarmos a ameaça romana de reabrir as hostilidades por causa da Sardenha, em 238, e terminou quando Hannibal Barca, comandante supremo cartaginês na Hispânia, atacou a cidade ibérica de Sagunto, que estava sob proteção romana.

Nenhuma das partes se mostrou muito relutante em entrar em guerra, não obstante as memórias do conflito anterior que fora renhido e dispendioso.

Os motivos que as levaram a guerra têm sido tema de intensos debates desde então, debates que procuram quase sempre atribuir a culpa a uma das partes. E com igual frequência, os historiadores têm caído na armadilha de analisar os eventos em função de padrões modernos, esquecendo-se de que até Estados antigos mais politicamente avançados entravam em guerra com frequência e entusiasmo, em especial quando contavam vencer e imaginavam os benefícios que a vitória lhes traria.

Antes de abordarmos estas questões, convirá passarmos em revista à sucessão de acontecimentos que levaram à declaração de guerra por parte de Roma.

Provavelmente em 226, Asdrúbal aceitou as exigências de emissários romanos no sentido de os Cartagineses não atravessem o rio Ebro.

A ideia de colocar uma fronteira física ao poder de um Estado era um conceito familiar a ambas as culturas. Nesse caso, não se tratou de uma grande restrição, já que o coração da província púnica ainda estava muito longe do rio. Os argumentos de que o tratado definiu uma fronteira muito mais a sul não convencem, e são ainda menores os fundamentos para o comum pressuposto de que os Romanos se comprometeram a não intervir a sul do Ebro. De fato, nesta altura, o Estado romano carecia de qualquer ligação direta à Hispânia, exceto se considerarmos que a sua aliada, Massília, tinha comunidades dependentes em Empório e Rode.

Em determinada altura, depois de 226, Roma associou-se à cidade de Sagunto (a moderna Sagunto, perto de Valência). Polibio diz-nos que isto aconteceu “alguns anos” antes da época de Hannibal.

Mas seria plausível a sua menção no tratado do Ebro se a ligação já existisse, dado que a cidade se localizava muito a sul do rio.

A discussão sobre se existia ou não um tratado formal garantindo o estatuto de aliada a Sagunto ou se a cidade simplesmente requereu a proteção de Roma, como Utica tentara fazer durante a Guerra dos Mercenários, não é relevante para o nosso propósito. A dada altura, o Senado romano foi solicitado a arbitrar a disputa interna da cidade, muito possivelmente entre facções rivais adeptas de Roma e Cartago, e os enviados ordenaram a execução de vários nobres saguntinos. Parecem óbvios para a cidade hispânica os atrativos de uma aliança com Roma. Sagunto, uma cidade-estado de importância local, assistiria com preocupação a expansão da província cartaginesa na sua direção. O apoio romano oferecia a maior segurança possível contra o seu poderoso vizinho.

O motivo pelo qual os Romanos aceitaram a aliança é menos claro e está estreitamente associado à causa da guerra.

Em 221, Hannibal, então com 26 anos de idade, sucedeu ao cunhado e continuou a agressiva politica expansionista na Hispânia, levando a cabo operações muito mais vastas do que os seus antecessores.

Conduziu os seus exércitos contra as tribos da Hispânia Central, avançando bastante para norte, até região da moderna Salamanca. Cerca de 220-219, eclodiu uma disputa entre Sagunto e uma tribo vizinha, acusada de realizar incursões no seu território. Os pormenores são obscuros e até o nome do povo em causa é incerto, mas a tribo era aliada de Cartago e recebeu o apoio de Hannibal. No Inverno, uma embaixada romana apresentou-se a Hannibal, em Nova Cartago, e recordou-lhe a existência do tratado do Ebro, avisando-o também para não atacar Sagunto.

A embaixada foi recebida com extrema frieza e deslocou-se a Cartago para repetir as suas exigências. O jovem general também pediu instruções a Cartago, e na Primavera conduziu o seu exercito contra a cidade.

Sagunto situava-se numa posição forte, no cimo de uma colina, a quilómetro e meio do mar (No Outono de 1811,os defensores espanhóis de uma fortaleza improvisada entre as ruinas ibéricas, romanas e mouras da cidade repeliram vários ataques lançados por um dos mais capazes comandantes de Napoleão, Suchet.) Hannibal levou oito meses para se apoderar da cidade, mas desde o inicio foi claro que a sua intenção era toma-la de assalto e não submetê-la pela fome.

As suas tácticas foram muito mais agressivas do que as adotadas pelos Cartagineses em qualquer um dos cercos da Primeira Guerra Púnica, pelo que as baixas também foram mais elevadas.

Lívio diz mesmo que o próprio Hannibal foi ferido ao dirigir um ataque demasiado próximo da peleja.

Os Romanos nada fizeram para auxiliar os Saguntinos depois de iniciado o assedio. Lívio afirma que enviaram outra embaixada a Hannibal, mas a sua cronologia é irremediavelmente confusa neste ponto e, dado que Polibio não menciona semelhante iniciativa, mais vale rejeitá-la. Sagunto caiu em finais de 219 ou nas primeiras semanas de 218, e a noticia poderá ter chegado a Roma num mês.

No fim do Inverno, foi enviada a Cartago uma embaixada que incluía os dois cônsules de saída, Lúcio Emilio Paulo e Marco Lívio Salinator. Lívio diz que a delegação era chefiada por Quinto Fábio Máximo, ficando assim completo o trio que desempenharia papeis de relevo na guerra que se avizinhava, mas parece mais provável que o líder fosse Marco Fábio Buteão, o experiente ex-censor que combatera na Sicília quando era cônsul, em 245. A embaixada protestou contra os atos de Hannibal e exigiu saber se ele agia com a aprovação do senado cartaginês.

Os Cartagineses viram-se confrontados com as alternativas de condenarem Hannibal e entregarem-no e aos seus oficiais superiores aos Romanos para serem punidos, ou de entrarem em guerra contra Roma.

O estilo de diplomacia praticado pelas embaixadas romanas raramente parece ter sido muito sutil, mas neste caso os Romanos eram claramente obrigados a vingarem um ataque contra um aliado.

Numa versão da história, que refere um poderoso partido oposto aos Barcas, um certo Hanão terá condenado as ações de Hannibal mas os Cartagineses, na sua maioria, responderam furiosamente as bruscas exigências romanas. Negaram-se a reconhecer o tratado do Ebro, dizendo que nunca o tinham ratificado, citaram o exemplo de Catulo, que em 241 submetera os termos de paz a apreciação de Roma, e contestaram a sua obrigatoriedade de terem que reconhecer qualquer relação entre Roma e Sagunto.

Reza a história que Fábio se plantou no meio da câmara e anunciou que trazia nas dobras da toga a paz e a guerra, e que deixaria cair a que os Cartagineses escolhessem.

Os ânimos dos senadores púnicos exaltaram-se e o sufeta presidente gritou-lhe que escolhesse ele. Quando Fábio respondeu que deixava cair a guerra, o salão encheu-se com um grande grito de “Aceitamos”.

Assim foi declarada a guerra, mas talvez já fosse inevitável. Regressado aos aquartelamentos de Inverno depois da queda de Sagunto, Hannibal fez seguramente preparativos para a invasão da Itália, e também é bastante possível que os Comitia Centuriata já tivessem votado a favor da guerra caso os embaixadores não conseguissem uma resposta satisfatória de Cartago.

Polibio discute com algum detalhe as causas subjacentes à retoma das hostilidades e conclui que foram três os fatores principais.

O primeiro foi o ressentimento ou a raiva de Amílcar Barca no fim da Primeira Guerra Púnica, ao ser forçado a capitular apesar de invito na Sicília. O segundo fator – e o mais importante – foi a descarada conquista romana da Sardenha, em 238, quando Cartago ainda se encontrava abalada pela desordem da Revolta dos Mercenários. Esta humilhação, além de aumentar o ressentimento de Amílcar, propalou o ódio a Roma a toda a população púnica. Foi com o objetivo de construir uma base de poder para usar contra Roma que Amílcar se deslocou para a Hispânia, lançando-se de corpo e alma num programa de expansão. Os êxitos da sua família na Península Ibérica constituíram a terceira causa, pois o crescimento do poderio cartaginês encorajou os Púnicos a julgarem-se suficientemente fortes para derrotarem a sua antiga rival.

Polibio sustenta a sua visão da motivação de Amílcar com um episódio narrado por Hannibal na corte do rei selêucida Antioco III, na década de 190. Pouco antes de partir para assumir o comando na Hispânia, Amílcar Barca sacrificou no altar de uma divindade a que Polibio chama Zeus e Lívio designa por Júpiter, mas tratava-se provavelmente de BaaI Shamin. Recebendo sinais favoráveis, chamou junto de si o seu filho Hannibal, então com nove anos de idade, e perguntou-lhe se gostaria de o acompanhar na expedição. O garoto, que provavelmente vira poucas vezes o pai durante os seus primeiros anos de vida, respondeu entusiasticamente, implorando-lhe autorização para ir com ele.

Amílcar colocou a mão do rapaz na vitima sacrificial e obrigou-o a jurar solenemente nunca ser amigo dos Romanos. Hannibal contou esta história para convencer Antioco de que não estava conluiado com os Romanos, que eram inimigos do rei, e dado que Polibio a recebeu em terceira mão – na melhor das hipóteses -, é impossível avaliar a sua veracidade. Na versão romana, que é posterior, o juramento torna-se mais severo, com o garoto prometendo inimizade eterna a Roma.

Na versão dos acontecimentos dada por Polibio, Hannibal herda do pai a guerra contra Roma, do mesmo modo que Alexandre Magno realizaria a expedição à Pérsia planejada por Filipe II, seu pai.

Durante muito tempo, os historiadores modernos aceitaram esta interpretação e alguns foram mais longe, afirmando que o plano de invadir a Itália pelos Alpes e até as táticas de combate de Hannibal poderão ter sido concebidas pelo pai. Mais recentemente, a ideia de que a guerra foi um projeto premeditado dos Barcas caiu em desfavor, em parte porque os historiadores tem geralmente relutância em atribuir acontecimentos importantes aos humores e ações dos líderes, preferindo procurar a explicação em tendências mais gerais. O debate tem incidido, com mais frequência, nos pormenores e na cronologia dos acontecimentos que conduziram à guerra, dado que Polibio é vago nesta matéria, enquanto que as outras fontes que possuímos são de questionável credibilidade.

De importância fundamental é a questão de saber o que esperavam conseguir na Hispânia os Cartagineses liderados pelos Barcas, e também aqui temos que lamentar a ausência de fontes ilustrativas da perspectiva púnica.

Tem-se partido do principio de que a perda de territórios rentáveis na Sicília e na Sardenha forçou Cartago a procurar receitas noutros locais, e as minas de prata ibéricas são amiúde citadas neste contexto.

É certo que Amílcar colocou muitas delas sob controlo púnico, e embora tenham sido necessários vários anos para dar inicio à sua exploração, isto permitiu à sua família cunhar várias series de moedas com um teor de prata especialmente elevado. Noutros aspectos, é difícil perceber como é que a expansão na Hispânia permitiu uma exploração mais lucrativa dos seus recursos do que através das comunidades púnicas presentes na região. No curto prazo, várias campanhas bem sucedidas geraram certamente receitas consideráveis, parte das quais poderá ter chegado às mãos do Estado – daqui a resposta de Amílcar, quando a embaixada romana exigiu saber porque travava ele tantas guerras de conquista, de que necessitava de anexar terras para ter lucros com que pagar a divida de guerra púnica a Roma.

Uma grande parte dos dividendos restantes das campanhas foi para pagar e aumentar o exército na Hispânia.

Há muito que os oficiais púnicos recrutavam soldados hispânicos, mas a província bárcida assumiu o controle sobre grande parte desta enorme reserva de recursos humanos.

As comunidades da Hispânia produziam um excedente de jovens que não podiam obter o seu sustento da terra e era frequente tonarem-se bandidos ou mercenários. Em pelo menos uma ocasião, Amílcar recrutou para o seu exército guerreiros inimigos capturados, dado que a remoção deste elemento da sociedade tornava as conquistas mais seguras.

Os exércitos da Primeira Guerra Púnica tinham sido predominantemente africanos, mas embora muitos destes soldados ainda estivessem no ativo, na Segunda Guerra Púnica o seu número seria ultrapassado, de longe, pelos Hispânicos. Na sua maioria, estes guerreiros hispânicos não serviriam como mercenários, por dinheiro, mas sim na qualidade de aliados.

A Hispânia proporcionou aos Barcas e – dependendo da perspectiva que se tenha da independência do seu poder – a Cartago uma força militar formidável e a riqueza para a sustentar.

Embora este recurso tenha permitido a Hannibal prosseguir a guerra com tanta eficácia, isto não significa necessariamente que tenha sido criado para a fazer.

Poderá argumentar-se que o incremento do poderio militar púnico foi essencialmente defensivo, dando-lhe alguma proteção contra atos romanos tão arbitrários como o roubo da Sardenha.

A perda da guerra contra Roma e os acontecimentos que se lhe seguiram foram claramente um grande golpe para o orgulho de um império poderoso.

A empresa hispânica poderia simplesmente ter sido uma tentativa de reafirmação da sua independência. Contudo, para validar esta afirmação seria necessário acreditar que o ataque de Hannibal a Sagunto foi uma mera declaração de revivalismo do poderio púnico, que não contava provocar uma guerra com Roma.

A rapidez com que Hannibal deu início aos colossais preparativos para a expedição à Itália torna esta hipótese extremamente improvável.

Os Romanos parecem ter sentido sempre algum nervosismo perante as atividades dos Barcas na Hispânia, como comprova o número de embaixadas que aí enviaram.

Segunda Guerra Púnica foi claramente uma herança do primeiro conflito, que terminou subitamente, com ambos os beligerantes quase no mesmo nível de exaustão.

Antecedentes da Segunda Guerra Púnica

Os Romanos reagiram com muita lentidão ao ataque a Sagunto, provavelmente em parte, como vimos, por esperarem que os Cartagineses se submetessem à pressão diplomática. Além disso, a prática bélica romana ainda estava muito ligada ao ano consular. Quando o Senado soube que Sagunto estava sitiada, os cônsules desse ano já se encontravam no estrangeiro, no comando da esquadra e do exército em campanha na Ilíria. Esta guerra ainda estava em curso, e mesmo que um cônsul fosse chamado levaria algum tempo a recrutar um novo exército. Por conseguinte, a época de campanha já estaria bastante adiantada quando um exército romano chegasse a Hispânia, e serlhe-ia difícil conseguir alguma coisa antes que o Inverno pusesse fim às operações. Era mais sensato e, pelos padrões romanos, próprio para o Senado aguardar e atribuir a importante guerra contra Cartago como responsabilidade especial aos cônsules de 218, que assumiriam o cargo em Março. Obviamente, isto de pouco serviu aos Saguntinos, que lutaram sozinhos até ao fim contra um inimigo avassalador mas é duvidoso que lhes pudesse ter sido enviado qualquer auxilio eficaz.

O plano do Senado para a conduta da guerra era simples e direto, de um modo caracteristicamente romano. Os cônsules operariam separadamente, um indo para a Hispânia para fazer frente a Hannibal, enquanto o outro iria para a Sicília, de onde lançaria uma invasão ao Norte da África. Assim, o general inimigo que provocara a guerra seria derrotado em combate e as autoridades cartaginesas que o tinham apoiado ver-se-iam a braços com um ataque direto à sua cidade.

Ao confrontarem o inimigo nos seus pontos mais fortes, os Romanos colocavam uma forte pressão sobre os pilares da sua oposição. Cartago quase se vergara sob esta pressão em 256-255, e não havia razões para pensar que não voltaria a faze-lo. De fato, dada a tendência de Cartago de ceder às ameaças romanas nas décadas entre as guerras, os Romanos terão contado que seria menos resistente em caso de guerra.

Quanto aos cônsules de 218, Público Cornélio Cipião recebeu a Hispânia como província e Tibério Semprônio Longo a Sicília e a África. Foram criadas seis legiões para esse ano, consistindo cada uma de 4000 infantes e 300 cavaleiros. Foi atribuído a cada cônsul um exército consular padrão de duas legiões apoiadas por duas alas latinas. No total, Cipião recebeu 14.000 infantes e 1.600 cavaleiros aliados, e Longo 16.000 infantes e 18000 cavaleiros. As restantes legiões, juntamente com 10.000 infantes e 1.000 cavaleiros aliados, foram enviadas para a Gália Cisalpina, sob o comando do Pretor Lúcio Mânlio Vulsao.

A prontidão para alterar o tamanho dos contingentes aliados de modo a lidar com a escala do problema demonstra mais uma vez que o sistema militar romano não era tão rígido como às vezes se julga.

A avaliação que o Senado fez da tarefa em mãos refletiu-se também na distribuição dos recursos navais. Longo, cuja projetada invasão da África contaria possivelmente com a oposição de uma poderosa esquadra púnica, recebeu 160 quinquerremes e vinte navios mais ligeiros.

Cipião teria muito menos probabilidades de encontrar uma forte armada inimiga ao deslocar o seu exercito para a Hispânia, pelo que lá foram atribuídos sessenta “cincos”.

A recente guerra na Ilíria terá garantido a boa condição da marinha romana.

Antes que pudesse ser empreendida qualquer movimentação contra Cartago, eclodiu uma rebelião na Gália Cisalpina, novamente provocada pelo ressentimento das tribos perante as incursões dos colonos romanos.

Os Boios e os Insubres expulsaram-nos das colônias de Cremona e Placência, que ainda não estavam fortificadas, e perseguiram-nos até a cidade de Mutina. Depois, os Gauleses plantaram-se junto s muralhas da urbe e deram início a um bloqueio. Três comissários senatoriais, enviados para organizarem a distribuição de terras nas novas colônias, foram presos ao tentarem negociar.

Partiu imediatamente uma coluna de socorro, sob o comando do pretor Mânlio Vulsão. Marchando rapidamente e negligenciando o reconhecimento do terreno, foi emboscada ao avançar por um trilho numa região densamente arborizada e sofreu pesadas baixas – Lívio afirma que se perderam 500 homens numa primeira emboscada e 700 e seis estandartes na segunda.

O exército, muito maltratado, conseguiu chegar a uma cidadezinha chamada Taneto, onde ficou também bloqueado.

A situação era grave e a agitação na Gália Cisalpina demasiado próxima de Roma para que o Senado a ignorasse até a conclusão da guerra contra Cartago.

O exército de Cipião estava a reunir-se no Norte de Itália antes de partir para a Hispânia, pelo que o Senado ordenou a outro pretor, Gaio Atulio Serrano, que assumisse o comando de uma legião e 5000 soldados aliados e socorresse Mânlio, uma missão que ele cumpriu com rapidez e sem oposição. Cipião recebeu ordens para recrutar uma nova legião e tropas aliadas adicionais para substituir estas unidades, mas não é claro se o total avançado por Lívio de seis legiões constituídas para esse ano inclui este contingente. A demora consequente significou o adiamento do avanço para a Hispdnia. Entretanto, Longo rumou a Lilibeu, onde empreendeu grandes preparativos pana a expedição africana. No entanto, a guerra não seria travada como o Senado contava.

Durante a Primeira Guerra Púnica, os Cartagineses tinham invariavelmente respondido as movimentações romanas em vez de tentarem eles próprios ditar o rumo da contenda.

Tinham sido sempre os seus oponentes a escalar o conflito e a procurar um resultado decisivo. Pois a Segunda Guerra Púnica foi muito diferente desde o início, e a principal razão para que assim tenha sido prende-se com a influência de um homem, Hannibal Barca. Nas fontes, Hannibal é apresentado como o autor de todas as decisões cruciais para organizar o esforço bélico púnico inicial, em 219-218, não só na Hispânia, mas também na África. Por norma, os Cartagineses interferiam muito pouco com os generais que nomeavam para as suas missões, chegando frequentemente ao ponto de não os apoiarem nas operações subsequentes, mas os recursos ao dispor imediato do jovem general eram enormes. É nesta altura, mais do que em qualquer outra, que Hannibal aparenta ser o senhor do principado semi-independente da Hispânia retratado por alguns estudiosos.

A guerra eclodira a propósito de uma disputa local na Hispânia, com os Cartagineses deixando de reconhecer as restrições que os Romanos lhes tinham imposto na região.

Os Romanos esperavam claramente que os Cartagineses permanecessem no local e travassem uma guerra defensiva para protegerem o seu território, semelhança da que tinham travado na Sicília.

Com as forças ao seu dispor, Aníbal encontrava-se numa posição sólida para enfrentar qualquer invasão. De fato, beneficiaria de uma grande superioridade numérica sobre o único exército consular que Cipião ia conduzir para a Península, e derrotá-lo-ia facilmente se conseguisse forçá-lo ao combate. Contudo, a experiência da Primeira Guerra Púnica mostrara que a destruição de uma esquadra ou de um exército romanos significaria simplesmente que seriam substituídos por outros.

A tenaz persistência que os Romanos haviam demonstrado face a perdas colossais tornava improvável que desistissem rapidamente.

Quanto mais se prolongasse a guerra na Hispânia, menos sólidas pareceriam as conquistas dos Barcas.

Muitas tribos tinham ficado atemorizadas face ao poderio militar púnico mas a sua lealdade poderia não perdurar na presença de um exército hostil cujos comandantes não poupariam seguramente esforços para seduzirem os chefes hispânicos.

A prática bélica cartaginesa, mais tradicional, resistir ao inimigo até o seu poder começar a enfraquecer, na melhor das hipóteses, a perspectiva de um impasse prolongado ou, no pior dos cenários, a derrota quando o inimigo era Roma. Hannibal rejeitou a partida à opção defensiva e decidiu que deveriam ser empreendidos todos os esforços para derrotar Roma.

Dado que as pesadas perdas sofridas por Roma no estrangeiro pouco tinham enfraquecido o seu poder, Roma teria que ser confrontada e vencida no seu próprio território, na Itália.

Em muitos aspectos, a invasão da Itália foi uma operação marcadamente “romana”, aplicando diretamente uma força poderosa contra um ponto forte do inimigo.

Neste sentido, talvez fosse de esperar que os Romanos tivessem ficado menos surpreendidos quando Hannibal escolheu esta opção, mas a forma de guerrear púnica, conhecida do passado, não indiciava uma iniciativa arrojada, especialmente tendo em conta as inerentes dificuldades de ordem prática. Em 218, uma invasão anfíbia não era exequível.

Sem bases na Sicília, até o Sul de Itália ficava no limite máximo do alcance operacional de uma esquadra de gales operando a partir do Norte da África, e o poderio naval púnico na Hispânia não era substancial.

Em qualquer dos casos, o desembarque numa costa hostil, provavelmente face à oposição de uma poderosa marinha romana, era uma empresa extremamente arriscada e não é de crer que pudesse ser desembarcado um exército suficientemente grande para operar com um mínimo de eficácia.

Restava a opção de uma invasão terrestre a partir da Hispânia, mas as dificuldades eram formidáveis. A expedição implicaria uma marcha de centenas de quilômetros pelo território de tribos neutrais – no melhor dos cenários – ou potencialmente hostis, e a travessia do importante obstáculo formado pelos Alpes. Na Itália, o exército púnico não disporia de nenhuma base nem de mantimentos, e teria pela frente um número crescente de inimigos. Foi uma empresa arriscada, e o fato de conhecermos a história não nos deve levar a ignorar o choque que os Romanos terão tido quando souberam que fora precisamente essa a opção de Hannibal.

Depois da queda de Sagunto, Hannibal retirou para invernar em Nova Cartago, onde recompensou prodigamente os seus soldados com parte dos despojos.

As tropas hispânicas foram autorizadas a regressar aos seus lares, com ordens para se apresentarem no princípio da Primavera. Prevendo corretamente as movimentações romanas, Hannibal tomou medidas para melhorar as defesas da África e da Hispânia. Os números relativos às forças envolvidas são invulgarmente precisos pelos padrões antigos, e Polibio diz-nos que provieram de uma inscrição erguida por ordem do próprio Hannibal durante a sua estada na Itália. A África foi reforçada com 13.850 infantes e 1200 cavaleiros ibéricos, apoiados por 870 dos selvagens fundibulários das Baleares. Um pequeno destacamento destas tropas foi estacionado na cidade de Cartago, juntamente com 4000 infantes Ilírios, que entregaram reféns como penhor do bom comportamento das suas comunidades.

O grosso das forças foi instalado na região Líbia conhecida por Metagônia. Asdrúbal, irmão de Hannibal, recebeu o comando da província hispânica, dando continuidade à tradição de governo pelos Barcas.

Asdrúbal parece ter sido um homem capaz e gozava indubitavelmente da confiança do irmão, mas outro motivo para a tomada desta decisão poderá ter sido a natureza pessoal da lealdade entre as tribos hispânicas.

Além dos aliados que podiam ser recrutados na província, Asdrúbal recebeu um poderoso contingente de soldados africanos. No total, dispunha de vinte e um elefantes, 2500 cavaleiros (450 líbio-fenícios e líbios, 300 ilergetes e 1800 númidas oriundos de quatro tribos) e 12.650 infantes, na sua maioria líbios mas incluindo 300 ligures e 500 fundibulários das Baleares. O apoio naval era garantido por uma pequena esquadra de 50 “cincos”, 2 “quatros” e 5 “três”, mas apenas uma parte – trinta e duas quinquerremes e todas as trirremes – se encontrava devidamente guarnecida e em estado de prontidão.

O intercâmbio de soldados recrutados na Hispânia e na África era considerado um bom método para garantir a sua lealdade, dificultando-lhes a possibilidade de desertarem e regressarem a casa.

O grosso dos preparativos prendeu-se com a expedição à Itália, congregando, segundo Polibio, o gigantesco total de 12.000 cavaleiros e 90.000 infantes.

Infelizmente, Polibio não entra em pormenores quanto à sua composição, embora seja provável que estivessem presentes a maioria das nacionalidades e tipos de tropas constantes dos outros contingentes.

O grosso provinha evidentemente da Península Hispânica, e os acontecimentos posteriores mostram claramente a presença de representantes dos principais povos da região – Iberos, Lusitanos e Celtiberos.

Estes povos tribais forneceram tropas de qualidade, cavalaria para combater em ordem cerrada e infantaria para combater em ordem cerrada e aberta.

Incluíam-se ainda um forte contingente de infantaria regular africana, bem treinada e disciplinada, cavaleiros ligeiros e talvez alguns infantes númidas, e uma unidade de elefantes de guerra – Apiano fala em trinta e sete.

Este exército era muito maior do que qualquer outra força registada para os Cartagineses durante o século, e é provável que muitos soldados, em particular os hispânicos, tivessem sido recrutados recentemente.

O núcleo do exercito era constituído pelas tropas que, sob o comando de Hannibal, de seu pai e seu cunhado, tinham vencido as muitas guerras de conquista na Hispânia.

Eram lideradas por um conjunto de oficiais superiores que conheciam e em quem confiavam. Estes homens tinham fundido os guerreiros de muitas raças díspares numa força de combate extremamente eficaz e que, para o número dos seus efetivos, era provavelmente melhor do que quaisquer outras forças então existentes no mundo mediterrânico.

Pelos padrões da época, esta gigantesca tropa requeria um gigantesco apoio logístico para se alimentar, vestir e equipar.

Este problema terá ocupado Hannibal e os seus oficiais durante todo o Inverno e provavelmente durante muitos meses ou anos antes. Houve quem sugerisse que as campanhas hispânicas de Hannibal, a partir de 221, tiveram como um dos seus objetivos principais a conquista de algumas das regiões mais férteis da Península de modo a garantir o abastecimento de cereais para a projetada expedição à Itália.

E havia muitos outros preparativos que não podiam ser completados rapidamente. Foram enviados homens para obterem o máximo possível de informações sobre a rota que se pensava seguir para Itália e, em particular, sobre os grandes obstáculos como os Alpes. Foram enviados representantes as tribos localizadas ao longo do caminho, em especial as da Gália Cisalpina, procurando o seu apoio contra Roma quando o exército chegasse à Itália.

A memória recente das pesadas derrotas infligidas pelos Romanos desde 225 garantiu uma calorosa recepção a estas aproximações. Com aliados transalpinos, Hannibal poderia contar com provisões e acrescentar muitos guerreiros ao seu exército. Polibio diz-nos que os emissários regressaram no fim do Inverno e garantiram a Hannibal um bom acolhimento.

Isto significa que terão partido logo após a queda de Sagunto, o mais tardar, e é bem possível que tenham partido antes. Todos estes preparativos indiciam que a expedição à Itália, e consequentemente a guerra contra Roma, vinham sendo ponderadas há muito e talvez ativamente preparadas pelo jovem general púnico.

Alguns autores vêem na expectativa de auxilio gaulês como parte do plano à prova de que o conceito não pode ter sido elaborado antes de 225, pelo que, no máximo, terá sido uma criação de Asdrúbal e não de Amílcar. Todavia, talvez isto signifique apenas que um plano anterior se tornou mais exequível a partir dessa data. Mais uma vez, na ausência da perspectiva cartaginesa, resta-nos especular.

Aníbal empreendeu outro preparativo no Inverno, talvez tão importante como todos os outros pelos padrões antigos – não pelos modernos: deslocou-se a Gades para sacrificar no Templo de Melcarte-Hércules, uma divindade associada aos Barcas e que surge em algumas moedas por eles cunhadas.

Cumpriu votos antigos e fez novos votos em nome do êxito da expedição.

Qual foi o objetivo de Hannibal ao invadir a Itália?

Há muito que este tópico vem sido sujeito a intenso debate, frequentemente centrado na sua decisão de não marchar sobre Roma quando teve a oportunidade para o fazer, em 217 ou 216.

A opinião hoje mais comum é a de que o plano de Hannibal nunca foi conquistar a cidade, mas sim enfraquecer o seu poder persuadindo o maior número possível dos seus aliados italianos e latinos a desertar.

Por consequência, quando Hannibal negociou uma aliança contra Roma com Filipe V da Macedônia, os termos previam claramente que Roma continuaria a existir, num estado enfraquecido, depois da sua vitória conjunta. De modo similar, Lívio diz que depois de Cannae, em 216, Hannibal se dirigiu aos prisioneiros romanos e lhes garantiu que não combatia para os aniquilar, mas sim “pela honra e pelo poder”.

A resposta é muito mais simples do que a controvérsia sobre esta matéria sugeriria. Hannibal atacou a Itália para ganhar a guerra. No período em causa, raramente era possível um beligerante aniquilar por completo o inimigo, a menos que os Estados envolvidos fossem muito pequenos e um deles detivesse uma vantagem esmagadora. Mais tarde, em 146, Roma possuiu este tipo de vantagem sobre Cartago e conseguiu, depois de uma luta renhida destrui-la como entidade politica. Por norma, as guerras, em particular entre Estados tão grandes como Cartago ou Roma, terminavam quando um dos lados perdia a vontade de prosseguir o combate, e não a capacidade para o fazer. Chegado a esse ponto, tal como Cartago esteve a ponto de fazer em 255 e fez efetivamente em 241, reconhecia a derrota e aceitava termos de paz que a refletissem. O objetivo de qualquer guerra era encurralar o inimigo numa posição em que seria obrigado a ceder.

O método poderia ser vencê-lo em uma ou em várias batalhas campais, conquistar-lhe cidades, devastar-lhe os campos e incendiar-lhe aldeias ou, mais frequentemente, uma combinação de todas estas coisas.

Todos os Estados mais poderosos tinham absorvido muitas comunidades pequenas como aliados subordinados com vários graus de aceitação.

Uma demonstração de fraqueza por parte dos seus amos às mãos de um invasor daria seguramente lugar a defecções, com cada comunidade procurando alinhar-se com o potencial vencedor do conflito.

A maioria das cidades-estado e tribos estavam fraturadas por disputas internas cujas facções não costumavam ter pejo em alinharem com uma potência estrangeira que estivesse disposta a colocá-los no controle do seu próprio povo. Foi assim que as cidades sicilianas se juntaram rapidamente a Roma depois dos seus êxitos iniciais, em 264, e que os Líbios, em 240, alinharam de imediato com os mercenários rebeldes. Durante a Segunda Guerra Púnica, as tribos hispânicas mostraram-se sempre prontas a renegarem uma aliança e a juntarem-se ao lado que aparentasse estar na mó de cima.

Um Estado que visse os seus aliados e súditos a romperem consigo ver-se-ia ainda mais pressionado para entrar num compromisso e aceitar a derrota. Por consequência, não é irrazoavel acreditar que, se Hannibal conseguisse chegar à Itália e começasse a obter vitórias, os aliados começariam a vacilar. Hannibal não estava a adotar uma estratégia novel, e não é necessário declarar que ele compreendeu que a verdadeira força de Roma assentava na sua rede de aliados.

Hannibal estava simplesmente a travar uma guerra como soíam travar-se. Aquilo que os seus planos tiveram de invulgar, pelo menos em comparação com as recentes práticas bélicas cartaginesas, foi a predisposição para agir de modo tão agressivo e levar a guerra a uma conclusão.

Roma após a Segunda Guerra Púnica

A conquista romana do Mediterrâneo trouxe como consequência inevitável profundas mudanças na vida política, social e econômica de Roma e da Itália. No âmbito politico, a conduta do Senado com respeito ao esforço realizado na guerra com Hannibal e seus subsequentes triunfos no Leste grego comportou uma aceitação geral entre as pessoas do governo senatorial; a legislação popular e os ataques a ordem estabelecida foram muito pouco frequentes no século seguinte ao tribunado de C. Flaminio em 232 a.e.c.. Foi um período de aparente calma e estabilidade politica, mas Cícero o recordaria como a idade de ouro do mandato senatorial.

O Senado mesmo foi dominado pelos nobres, que se encontravam divididos em dois campos totalmente opostos.

Esses grupos adotaram uma forma de alianças ad hoc entre amigos e parentes que se uniam para promover programas políticos próprios e mobilizavam seus clientes e seguidores para votar e favorecer seus candidatos nas eleições.

Na verdade, essas facções não eram partidos políticos permanentes, e, apesar de algumas amizades terem durado mais tempo que outras, isso não é suficiente para supor que os políticos romanos fossem dominados por alianças preestabelecidas e hereditárias de famílias nobres ou gentes. As rivalidades entre indivíduos e grupos eram habituais, o que garantia uma espécie de equilíbrio; mas as tensões dentro da oligarquia senatorial ressurgiram em consequência do aumento da retribuição pelos cargos e da forte concorrência pelas magistraturas principais.

No curso da guerra contra Hannibal, as necessidades militares obrigaram, na prática, a prolongar os mandatos dos generais vitoriosos para além do limite regulamentar de um ano.

Ainda que isso pudesse ser justificado do ponto de vista prático, teve como resultado perigosas consequências politicas, já que gerou ambições pessoais como as de Cipião, que minaram de fora o sistema das magistraturas anuais. Esses homens também se destacaram de seus iguais por levar um estilo de vida afetado e luxuoso e por vangloriar-se de seu conhecimento da cultura grega.

Outros nobres se apressaram a segui-los, e o resultado foi a intensificação da luta pelos cargos, o auto-enriquecimento, a corrupção e um indiscriminado culto ao helenismo.

A oposição a essas tendências foi assumida por Catão, o Censor (234-149 a.e.c.), que adotou deliberadamente um tom austero de vida, imitando com isso um dos grandes homens do passado, M. Cúrio Dentato.

Catão ridicularizou o frívolo exibicionismo dos helenistas, advogou pelas virtudes simples e mostrou profundo respeito pelas tradições nacionais italianas.

Seus esforços por manter a coesão tradicional da oligarquia lhe permitiram levar a cabo um ataque politico contra Cipião, que se viu obrigado a tirar-se por algum tempo da vida pública em 184 a.e.c. Catão apoiou o cumprimento de leis suntuárias e se opôs com frequência aos subornos, à corrupção e aos abusos de poder.

A oposição de Catão ao helenismo não se baseou em simples preconceitos. Ele mesmo falava grego e conhecia a cultura grega muito melhor que muitos daqueles que atacava; favoreceu de fato que se tomassem emprestadas idéias gregas, sempre que pudessem ser adaptadas às necessidades romanas. Foi Catão quem ordenou, durante o período de censura que ele mesmo iniciou, a construção da primeira basílica romana, no estilo das construções gregas. É um dos numerosos exemplos de construções públicas de tipo grego que se ergueram nessa época.

Mas o exemplo mais notável da adaptação das idéias gregas às necessidades romanas é o desenvolvimento da literatura latina, para o que Catão contribuiu decisivamente.

O primeiro escritor da literatura latina foi Lívio Andrônico, um grego levado preso para Roma depois da tomada de Tarento em 272 a.e.c. A Lívio Andrônico se deve a tradução para o latim da Odisseia; ele compôs também tragédias baseadas em originais gregos. Seu exemplo foi seguido por Cneu Névio (para 275-200 a.e.c.) e Quinto Ênio (239-169), que escreveram poemas épicos e obras teatrais.

Vale destacar que não eram latinófonos: Cneu Névio, procedente da Campânia, era de fala osca, e Quinto Ênio era um messápio de Rúdias. Idêntica situação foi a do Úmbrio Tito Mácio Plauto, do celta Célio Estácio e de Públio Terêncio Áfer, que produziram durante a primeira metade do século II a.e.c. comédias latinas ao estilo grego (as de Tito Plauto e as de Públio Terêncio Áfer tem o mesmo estilo).

Outras figuras proeminentes da literatura latina inicial foram os autores trágicos M. Pacúvio (220 – por volta de 130 a.e.c.) e C. Acio (170 – por volta de 90 a.e.c.) e o satírico C. Lucilo (por volta de 180-20 a.e.c.).

O grande êxito de Catão foi a criação da literatura latina em prosa. Entre suas obras, há discursos, 142 dos quais foram conhecidos por Cícero, que os admirou muito; uma obra sobre agricultura, que se conservou; e uma obra histórica sobre Roma e a Itália intitulada Origines. As historias mais antigas de Roma (por exemplo, a de Fábio Pictor) foram escritas em grego.

Uma das características das Origines foi que incluía tanto a historia dos povos italianos como a dos romanos.

Assim, os esforços de Catão se voltaram para a exploração construtiva da cultura grega tomada de empréstimo e a recusa da influência corruptora da riqueza, do luxo e da busca do poder, que ele associava ao helenismo como produto indireto da conquista militar. Mas, como podemos ver, Catão não se dava conta das profundas e sérias consequências do imperialismo romano. Durante sua vida, a economia rural da Itália foi transformada por um processo que levou a uma crise agrária grave. Os sintomas mais óbvios dessa mudança foram o empobrecimento e deslocamento do campesinato italiano, como resultado de mais de meio século de guerras continuas.

A guerra afetou a política econômica da Itália em dois aspectos: primeiro, com os efeitos diretos da invasão de Hannibal, que teve por resultado uma extensa devastação do campo, sobretudo no Sul da Itália, e a aniquilação de comunidades inteiras. Por exemplo, quando Tarento caiu nas mãos dos romanos em 209 a.e.c., a maior parte de sua população foi escravizada, e aquela cidade, antes próspera, se transformou num lugar desolado. A devastação afetou necessariamente a capacidade produtiva do terreno agrícola, e a destruição das colheitas, das edificações do gado foi suficiente para arruinar muitas famílias de camponeses e para despovoar grandes áreas do território.

Os efeitos indiretos das continuas guerras foram até mais sérios para os camponeses que tiveram de suportar a carga de um prolongado serviço militar.

O exército romano tradicional foi uma milícia camponesa que se mostrou eficiente enquanto as guerras eram locais e os conflitos eram com as comunidades vizinhas; mas foi insuficiente para as necessidades militares romanas durante e depois da guerra contra Hannibal, quando se recrutaram grandes contingentes de soldados para servir por muitos anos em áreas distantes do Mediterrâneo.

Estimou-se que, em media, os exércitos combinados de romanos e italianos, durante os 35 anos que se seguiram à derrota de Hannibal, superavam os 130.000 homens; isso representa uma proporção muito elevada do total de homens adultos da Itália.

A média de cidadãos romanos homens adultos em serviço por certo tempo durante os dois últimos séculos da República é calculada em cerca de 13 por cento.

Isso significa que mais da metade dos homens adultos serviu regularmente nas legiões por no mínimo sete anos. Tal nível de dedicação à guerra foi desastroso para o pequeno campesinato.

Muitas famílias de camponeses ficaram assim privadas da força de trabalho essencial durante longos períodos e até permanentemente, Se seus homens morressem no campo de batalha. As fazendas foram abandonadas, contraíram-se dividas, e a isso se seguiu o despojamento através da venda ou do despejo. O processo se acelerou pelo fato de os ricos buscarem investir os ganhos das guerras vitoriosas em terras italianas. Isso permitiu o crescimento de grandes fazendas (latifundia) mediante a acumulação por parte de poucos da terra que antes o pequeno campesinato havia trabalhado.

Famílias inteiras de camponeses foram afastadas de suas terras por esses endinheirados investidores e substituídas por escravos.

Estes eram fornecidos em abundância graças às vitórias militares e às escravizações maciças de populações vencidas; organizados em verdadeiras equipes de trabalhadores para proporcionar o trabalho necessário às empresas agrícolas em grande escala, eram relativamente baratos, e havia a vantagem adicional de os escravos serem isentos do serviço militar. Assim, o desenvolvimento dos latifundia se viu favorecido pelo influxo da riqueza e dos escravos, produto das vitórias conseguidas pelos esforços e sacrifícios dos camponeses italianos que serviram no exército.

Como diz Keith Hopkins: “Os soldados camponeses romanos lutaram para ser desalojados”.

O desenvolvimento dos latifúndios no século II a.e.c. foi acompanhado de novos métodos de cultivo, pensados para proporcionar aos latifundiários ausentes s rendas da venda dos produtos excedentes.

O novo regime foi bem exemplificado na obra de Catão De Agricultura, manual dirigido aos proprietários de fazendas de tipo médio (ele especifica propriedades de 25 a 60 hectares) trabalhadas por escravos e supervisionadas pelos vilici, escravos administradores residentes.

Catão trata especialmente dos cultivos de vinhas e oliveiras, que dão bons lucros, mas requerem um alto investimento de capital inicial e posses relativamente extensas para conseguir economias em grande escala.

Igualmente proveitosa era a prática da criação de gado e do pastoreio de ovelhas, mas também requeria capital e grandes áreas. Havia pastos extensivos disponíveis no Sul da Itália, onde a totalidade das regiões tinha ficado despovoada na Segunda Guerra Púnica.

Muitas daquelas terras se transformaram tecnicamente em agerpublicus, ao terem sido confiscadas por Roma aos Estados aliados que se tinham unido a Hannibal.

Mas o governo romano não foi muito exigente diante da expropriação de tais terras e não fez cumprir as restrições legais à extensão das propriedades.

Parece provável que acontecesse o mesmo com o agerpublicus em outras partes da Itália.

Muitos dos camponeses deslocados emigraram para as vilas ou cidades da Itália e especialmente para Roma, onde começaram a ser criadas possibilidades de emprego devido aos grandes gastos dos ricos em luxos, serviços, subornos políticos e diversões. Assim, os gastos públicos contribuíram para o desenvolvimento de uma economia de mercado urbanizada. As receitas estatais em forma de butim, indenizações e taxas foram imensas; depois da colonização da Macedônia em 167 a.e.c., aboliu-se o tributum e não se exigiram taxas diretas sobre as propriedades dos cidadãos romanos.

Uma elevada proporção das receitas públicas foi reinvestida em conquistas ulteriores, ou seja, foi gasta em pagamentos e fornecimentos ao exército.

O restante serviu para levar a cabo extensos projetos de obras públicas empreendidos por todas as partes em Roma e nas cidades da Itália durante o século II a.e.c. (isso demonstra que não houve um declínio na atividade construtora na década de 130, como às vezes se disse).

O desenvolvimento ou crescimento das cidades criou um mercado para os produtos dos grandes Latifundiários, enquanto as necessidades do exército deram conta de grande parte da lã e do couro que se produziam nas fazendas do Sul da Itália.

Os povos e as cidades também foram centros de intensa produção e de certa atividade industrial em pequena escala, provavelmente baseada no trabalho dos escravos.

O principal mercado de produtos manufaturados foi indubitavelmente o exército, que necessitava regularmente de provisões de roupas, equipamento e armas.

A organização do fornecimento era levada a efeito por setores privados que competiam pelos contratos com o governo. Esses contratistas privados eram chamados publicanos “publicani”.

Faziam contratos para a construção e reforma dos prédios públicos e das estradas e outros serviços, e foram ele que adquiriram os direitos de exploração das propriedades mineiras do Estado e de arrecadação dos impostos indiretos (como pedágios e direitos portuários), bem como das rendas do erário público.

Os contratos que cada cinco anos os censores emitiam foram imensamente lucrativos e de grande importância econômica.

Polibio conta que quase não houve ninguém em Roma que não estivesse envolvido na venda desses contratos ou nos negócios que surgiam deles. Isso implicou riqueza e poder para os principais publicanos, que formaram um grupo de pressão muito influente fora do Senado (aos senadores não era permitido participar dos contratos públicos).

Fonte: www.thelatinlibrary.com/www.roma.templodeapolo.net/vereda.saber.ula.ve/www.history.com

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