Democracia Racial

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Afinal, o que é a democracia racial brasileira?

Depois de denunciada como mito (cf. Fernandes, 1965) e transformada, nos anos de 1980, no principal alvo dos ataques do movimento negro, como sendo uma ideologia racista 1 , a “democracia racial” passou na última década a ser objeto de investigação mais sistemática de cientistas sociais e historiadores. A princípio, prevaleceu a compreensão de que se tratava realmente de um mito fundador da nacionalidade. Afinal, o Brasil teria sido percebido historicamente como um país onde os brancos tinham uma fraca, ou quase nenhuma, consciência de raça (cf. Freyre, 1933); onde a miscigenação era, desde o período colonial, disseminada e moralmente consentida; onde os mestiços, desde que bem-educados, seriam regularmente incorporados às elites 2 ; enfim, onde o preconceito racial nunca fora forte o suficiente para criar uma “linha de cor”. Viotti da Costa (1985) fez talvez a mais completa síntese dessa interpretação.

Em meados dos anos de 1990, com o recrudescimento dos ataques dos ativistas negros à “democracia racial” e à sua redução a ideologia dominante (e da raça opressora), alguns antropólogos (cf. Maggie, 1996; Fry, 1995- 1996; Schwarcz, 1999) lembraram que o mito, antes de ser uma “falsa consciência”, é um conjunto de valores que tem efeitos concretos nas práticas dos indivíduos. O mito da democracia racial, portanto, não poderia ser interpretado apenas como “ilusão”, pois em grande medida fora e ainda é um ideário importante para amainar e coibir preconceitos.

Em sucessivas aproximações (cf. Guimarães 2001; 2002; 2003), introduzi outro elemento no debate. Contra a tendência a interpretar a “democracia racial” como um mito atemporal, fundador da nacionalidade, procurei demarcar historicamente o seu surgimento, aferrando-me à investigação do aparecimento da expressão “democracia racial” em vez de buscar a origem histórica das idéias que a compõem. Separei, assim, analiticamente, o que era chamado pelos historiadores de “paraíso racial”, um conjunto de crenças na ausência de preconceitos de raça no Brasil, que pode ser retraçado ao Impé- rio, do mesmo conjunto de crenças que reivindicava para o Brasil não a imagem de paraíso, mas de democracia. Os estudos de Campos (2002; 2006), reforçando minha argumentação, revelaram depois que a expressão surge disseminadamente entre os intelectuais brasileiros na conjuntura de 1937- 1944, ou seja, durante o Estado Novo, diante do enorme desafio de inserir o Brasil no mundo livre e democrático, por oposição ao racismo e ao totalitarismo nazi-fascistas, que acabaram vencidos na Segunda Grande Guerra. Essa mudança no modo de entender “democracia racial” nos permite estudá-la não apenas como mito, ou seja, como construção cultural, mas também como “cooperação”, “consentimento” ou “compromisso” político 3 . Mais que uma ideologia, ela foi um modo tacitamente pactuado de integração dos negros à sociedade de classes do Brasil pós-guerra, para utilizar o famoso título de Florestan, tanto em termos de simbologia nacional, como em termos da sua política econômica e social.

Mas esse foi um compromisso duplamente limitado: por um lado, incluía apenas os trabalhadores das cidades, deixando de fora não apenas outros segmentos populares urbanos, como por exemplo os empregados domésticos, mas todos os trabalhadores do campo; por outro lado, era um pacto de poder restringido pelo fato de não haver espaço para o reconhecimento de formações étnicoraciais que pretendessem participar do sistema político. De fato, o sistema político fora concebido e funcionava guiado por princípios universalistas genéricos, que desconsideravam pertenças sociais específicas, enquanto na prática, ou seja, no nível do regime 4 , tratava-se de relacionar sindicatos, associações e lideranças de comunidades locais, geralmente de vizinhança, a líderes políticos e seus partidos.

Desenvolvi alhures (cf. Guimarães, 2002) o modo como o compromisso político se desfez com o golpe militar de 1964, a implantação do regime autoritário que se seguiu e a conjuntura política internacional dos anos de 1970, influenciada pela bem-sucedida montagem de uma ordem multirracial nos Estados Unidos.

Retomemos, em linhas gerais, como isso ocorreu.

Um dos traços peculiares do compromisso democrático, do ponto de vista ideológico, era a mobilização de intelectuais contra o personalismo e o mandonismo das oligarquias. Com efeito, a modernização dos costumes e a moralização das práticas políticas foram ideais perseguidos tanto ao centro como à esquerda do espectro político. O preconceito racial era entendido pelos sociólogos dos anos de 1960 (cf. Azevedo, 1953; Bastide e Fernandes, 1955; Fernandes, 1965) como característico dos privilégios do regime de castas (cf. Wagley, 1952) ou do patrimonialismo brasileiro (cf. Faoro, 1958). Todos pensavam (ou desejavam?) que ele e as desigualdades oriundas do escravismo deveriam ser eficazmente combatidos com a universalização das oportunidades de vida (educação e saúde, principalmente) e com garantias à competição por mérito em mercados livres de particularismos sociais, culturais, políticos ou biológicos. Como acontecera antes na Europa ocidental e nos Estados Unidos (revoluções inglesa, francesa e americana), tratava-se de implantar a democracia por meio de uma revolução (cf. Holanda, 1936; Wagley, 1960) que alijasse do poder a classe senhorial e estabelecesse uma democracia representativa cujo alicerce estivesse assentado sobre as classes produtoras e trabalhadoras urbanas. Os negros e mulatos, portanto, entravam politicamente no compromisso democrático como povo, como trabalhadores e como intelectuais. Nessa leitura, o texto de Muryatan Barbosa, neste número, é esclarecedor do modo como o universalismo de Guerreiro Ramos funde-se com a identidade diaspórica da negritude, para forjar um nacionalismo peculiar.

O regime militar entre 1964 e 1985 rompeu com alguns pressupostos desse compromisso, mas não todos. A universalização das oportunidades de vida e o combate à corrupção que empanava a competição por mérito foram, por exemplo, bandeiras de primeira ordem do regime autoritário.

Tomemos como exemplo o que se passou no ensino superior do país, algo que nos interessa particularmente por conta das atuais reivindicações de cotas, tratadas por Graziella Silva neste número. As reformas educacionais do período militar visaram, sobretudo, a ampliar o sistema educacional como um todo, universalizar o ensino primário e médio e, por meio da instituição de exames vestibulares unificados, classificatórios e objetivos (provas de múltipla escolha), assegurar que o ingresso às universidades se daria unicamente pelo desempenho nas provas.

O ensino público universitário manteve-se gratuito, embora a ampliação do ensino superior passasse a depender, principalmente, da criação de universidades privadas e pagas.

Já em meados dos anos de 1970, as conseqüências dessas escolhas faziam-se sentir: a proliferação de cursinhos particulares pré-vestibulares, a ampliação da rede privada de ensino primário e médio, a transferência dos filhos das classes médias para essas escolas. O acesso às melhores universidades passou, portanto, a associar-se com o ensino médio particular e pago, e não mais com o ensino público. Isso significou também associar o ingresso a essas universidades a rendas familiares mais altas e a cor de pele mais clara. Boa parte da população universitária na rede particular, aquela de menor desempenho, veio principalmente de escolas médias públicas, onde estudavam os de menor renda e os de cor.

Fracassaram politicamente todos os esforços de tornar pago, para as famílias de renda alta, o ensino superior público, o que daria alguma margem a programas de inclusão social baseados em bolsas de estudo ou em isen- ções de taxas, que conservariam a legitimidade e o mérito dos exames vestibulares. Ao contrário, o ingresso em universidades de escol, como a Universidade de São Paulo, passou a depender cada vez mais de formação em escolas pagas. Em 2006, por exemplo, apenas 27% dos alunos que ingressaram na USP vieram de escolas públicas. Com isso acentuou-se a rigidez da reprodução social das elites, voltando-se a associar classe, cor e oportunidades públicas de ascensão a níveis próximos, ao menos relativamente, aos da Primeira República.

O multiculturalismo no Brasil e na América Latina

Grande parte dos países da América Latina passou por ampla reforma constitucional nos anos de 1980 e 1990. Isso pode ser explicado em grande medida pela reconstrução do Estado democrático de direito depois das duas décadas de autoritarismo que assolaram o continente, de meados dos anos de 1960 até meados da década de 1980. A reconstrução não foi idêntica à do pós-guerra, entretanto, no sentido de que o ideário democrático e liberal dos anos de 1980 diferia em muito daquele dos anos de 1940. A semelhança deu-se no fato de que, de novo, os países da região buscavam se espelhar na Europa e nos Estados Unidos para reconstruir seus modelos democráticos.

Mas, entre os anos de 1940 e de 1980, mudaram pelo menos dois importantes paradigmas: o de nação e o de direitos civis. Primeiro, já não dominava mais internacionalmente o modelo de construção nacional nascido no século XIX, segundo o qual as nações eram comunidades de pertença cultural, lingüística e racial homogêneas. Ao contrário, prevalecem agora os paradigmas do multiculturalismo e do multirracialismo, pelos quais o Estado deve preservar e garantir a diversidade lingüística e cultural de seus cidadãos. Segundo, democracia já não poderia ser entendida em termos estritamente liberais, como igualdade formal dos cidadãos e garantia das liberdades individuais. Nos dias atuais, idéias como a de direitos coletivos, a de que há grupos sociais e coletividades que devem ter garantida a igualdade de oportunidades, assim como a idéia de que tal igualdade deve se refletir em termos de resultados, são correntemente aceitas internacionalmente

As reformas constitucionais recentes na América Latina, portanto, no que toca às identidades raciais, trouxeram como novidade a concepção de sociedades e nações pluriétnicas e multiculturais. Tais constituições submergiram, assim, o ideal fundador de nações mestiças e culturalmente homogêneas, vistas como produto da miscigenação biológica e cultural entre europeus, indígenas americanos e africanos, ideal cuidadosa e trabalhosamente gestado desde as guerras de independência do século XIX.

Países como Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru e Venezuela reconheceram em suas novas Constituições os direitos históricos das suas minorias indígenas. Outros passaram a reconhecer direitos coletivos ou adotar formas de discriminação positiva para minorias negras, tais como o Brasil (Constituição de 1988, Lei 7.716, Cotas nas universidades, 2001), a Colômbia (Constituição de 1991 e lei 70 de 1993), o Equador (Constituição de 1998), Honduras, Guatemala e Nicarágua

Segundo Donna Van Cott (2000), esse modelo constitucional, que pode ser chamado de multicultural, tem as seguintes características:

1) reconhecimento formal da natureza multicultural de suas sociedades e da existência de povos indígenas como coletividades sociais e subestatais distintas;
2)
reconhecimento das leis consuetudinárias dos povos indígenas como leis públicas e oficiais;
3)
direito à propriedade coletiva com restrição à aliena- ção ou divisão de terras comunitárias;
4)
status oficial para línguas indígenas em unidades territoriais de residência; e
5) garantia à educação bilíngüe. No caso brasileiro, precisaríamos acrescentar um sexto elemento ao modelo:
reconhecimento do racismo como um problema nacional.

Ora, essas reformas constitucionais foram quase que imediatamente seguidas ou ocorreram concomitantemente à introdução de políticas neoliberais, no campo social e econômico. Ou seja, a redemocratização acompanhou, como não poderia deixar de ser, a reintegração das economias latino-americanas à nova economia mundial, depois da crise de acumulação dos anos de 1980. Tal concomitância da esfera política estatal e econômica ensejou algumas interpretações, que devem ser mencionadas.

A primeira delas (Brysk e Wise 1997; Yashar, 1999) é de que foram as reformas neoliberais dos anos de 1980 que deslancharam a reforma constitucional. Para esses autores, as reformas neoliberais ameaçaram a autonomia local, o que acarretou protestos e mobilização étnica. As reformas do Estado, outorgando direitos culturais, foram a resposta estatal a essa mobilização. Esses autores, diga-se de passagem, estudaram principalmente Estados centro-americanos

Numa linha interpretativa ligeiramente diferente, Van Cott (2000) argumentou que o multiculturalismo teria sido um meio de as elites políticas reconquistarem a legitimidade corroída por reformas econômicas e as crescentes demandas sociais. Hale (2002) preferiu argumentar que os Estados latino-americanos estariam reconhecendo ou cedendo direitos às suas minorias indígenas e negras como uma maneira de deslegitimar demandas mais radicais, que atentariam contra a ordem econômica neoliberal. Hooker, que republicamos neste dossiê, por seu turno, comparando os avanços de reconhecimento dessas duas minorias, argumenta que os indígenas tiveram mais facilidade em obter esses direitos coletivos que os negros porque historicamente foram definidos como pertencentes a outra cultura.

Afirma ela, neste número:

Argumentarei que o principal critério empregado para determinar os beneficiá- rios foi a posse de uma identidade cultural de grupo distinta. Além disso, em razão das diferentes maneiras pelas quais os dois grupos foram racializados na América Latina, a utilização de uma identidade de grupo distinta, concebida de forma étnica ou cultural, como critério para a concessão de direitos coletivos, permitiu que os indígenas fossem mais bem-sucedidos do que os afro-descendentes na reivindicação de tais direitos.

O fato é, contudo, que o maior ou menor reconhecimento obtido pelas minorias étnicas latino-americanas no período de redemocratização dos anos de 1980 dependeu, principalmente, de fatores que poderemos dispor em dois grupos: as condições internas a cada país e as condições externas ou internacionais

De um modo geral, podemos dizer que as características assumidas pelos movimentos negros que, na América Latina, lutaram por reconhecimento étnico ou racial dependem principalmente, no plano interno, de dois fatores: das tradições locais que são mobilizadas e das características dos seus contextos políticos e demográficos.

As diferenças demográficas entre esses países não explicam, entretanto, o fato mais intrigante de todos: o de que apenas no Brasil a mobilização política teve como objetivo a luta contra desigualdades raciais, enquanto em todos os outros as mobilizações tiveram como alvo principal o reconhecimento da diversidade cultural dos negros, que acompanhavam assim, com atraso, o movimento indígena. Compreende-se que, no que se refere aos indígenas, o colapso teórico e ideológico entre “raça” e “etnia” tenha sido sempre a tônica da colonização européia nas Américas, inclusive no Brasil, como bem lembrou Van Cott, o que aproximou naturalmente os mundos anglo-saxão e latino-americano.

No caso dos negros brasileiros, entretanto, a prática duradoura de incorporação de tradições africanas às culturas nacionais inibiu historicamente mobilizações de origem étnico-cultural e favoreceu aquelas puramente raciais (ou seja, aquelas que se pautavam pelo combate às conseqüências sociais do preconceito e da discriminação raciais). Em que circunstâncias internacionais se deram tais mobilizações?

Em primeiro lugar, há de se mencionar as mudanças de regime de Estado ocorridas nos anos de 1980. As ditaduras militares do Cone Sul, por exemplo, foram substituídas por democracias representativas, que buscaram novas formas de legitimidade internacional para seus países. Em seguida, relacionada à primeira, a integração à ordem econômica internacional dessas novas democracias deu-se em novo regime de acumulação, que ficou conhecido como neoliberalismo.

Arrematando o enunciado dessas circunstâncias externas, convém mencionar três outras de ordem mais cultural e ideológica:

1) a doutrina do multiculturalismo torna-se vitoriosa na luta contra o racismo nos Estados Unidos, na África do Sul e nos países anglosaxônicos;
2)
a luta pela garantia dos direitos humanos ganha proeminência internacional, o que se transforma, para os negros, em luta contra o racismo; e, finalmente,
3)
a importância que assumiram a ecologia, a defesa do meio ambiente e a diversidade biológica e cultural para as agências internacionais de fomento.

Os regimes que entram em crise na América Latina, nos anos de 1970, eram, na maioria, Estados autoritários nacional-desenvolvimentistas, que resolveram sua crise anterior de legitimidade fortalecendo a identidade de nações mestiças e de democracias raciais. Ora, na conjuntura de redemocratização dos anos de 1980, as oposições políticas e o povo em geral foram buscar para a democracia um significado mais radical, mais igualitário em termos de redistribuição de riquezas e de oportunidades de vida.

O multiculturalismo e as políticas de identidade eram práticas ideológicas que estavam disponíveis no mercado internacional de idéias no momento mesmo em que as novas democracias latino-americanas escreviam as suas constituições. É nesse sentido que Christian Gros (2000) afirmou que o multiculturalismo está para o neoliberalismo assim como a democracia racial esteve para o nacional-desenvolvimentismo.

O novo Estado mínimo

Ainda que o Brasil não tenha conhecido nunca o Estado de Bem-Estar Social, a verdade é que as conquistas que os trabalhadores urbanos amealharam desde Vargas, em termos de previdência, legislação trabalhista, educação e saúde públicas etc., serviram de modelo para todas as mobilizações e reivindicações populares desde os anos de 1930. Por parte do Estado, foi também a política de compromissos de classes que serviu de modelo para o atendimento das demandas vindas dos setores populares, organizados na forma de movimentos sociais, inclusive as organizações negras. Em geral, a absorção das demandas populares se deu pela ampliação da legislação previdenciária ou trabalhista para incluir novas áreas geográficas, novos contingentes populacionais, ou pelo simples crescimento do aparelho estatal, estendendo-o para novas áreas e pondo-o a serviço de um maior número de grupos sociais

No caso da população negra, a democracia racial condensou um compromisso, como salientei acima, que tinha duas vertentes, uma material e outra simbólica.

Materialmente, a ampliação do mercado de trabalho urbano absorveu grandes contingentes de trabalhadores pretos e pardos, incorporando-os definitivamente às classes operárias e populares urbanas. Incorpora- ção que foi institucionalizada por leis como a de Amparo ao Trabalhador Brasileiro Nato, assinada por Vargas em 1931, que garantia que dois terços dos empregados em estabelecimentos industriais fossem brasileiros natos; ou a lei Afonso Arinos, de 1951, que transformava o preconceito racial em contravenção penal. Simbolicamente, o ideal modernista de uma nação mestiça foi absorvido pelo Estado e as manifestações artísticas, folclóricas e simbólicas dos negros brasileiros foram reconhecidas como cultura afro-brasileira. O “afro”, entretanto, designava apenas a origem de uma cultura que, antes de tudo, era definida como regional, mestiça e, como o próprio negro crioula. A ideologia política da democracia racial, como pacto social, foi predominantemente o trabalhismo, tendência que data da Primeira República (ver, por exemplo, a ideologia de um Manoel Querino) e que foi continuada por novas lideranças, como Abdias do Nascimento..

Vimos que o regime militar, a partir de 1964, ainda que mantivesse a democracia racial em sua vertente material e simbólica, procurou retirar dela qualquer substrato político, ao reprimir pela força a vida sindical e associativa, e seus elos informais e formais com os partidos políticos. O pacto desfez-se, portanto, junto com a democracia representativa e o Estado nacional-desenvolvimentista.

Restabelecida a vida democrática em 1985, o Estado tentará por um curto tempo restabelecer o antigo jogo de classes, tentando relacionar-se com os novos movimentos sociais a partir dos partidos políticos, da amplia- ção do seu próprio aparelho e do aggiornamiento de sua legislação. Em rela- ção à população negra, a atualização legal deu-se com a criminalização do racismo pela Constituição de 1988, regulamentada pela lei 7.716, de 1989; enquanto os marcos simbólicos principais foram a criação da Fundação Cultural Palmares, em 1988, e a instituição de Zumbi como herói nacional, em 1995.

O próprio ativismo negro, por um breve período, voltou a florescer de modo articulado à política de classes, tal como encenada pelos movimentos sociais e respaldada pelos partidos políticos, principalmente o PT, o PDT e o PMDB, e depois o PSDB. A partir de 1988, entretanto, crescentemente, o movimento negro passará a tomar a forma de uma constelação de organizações não-governamentais, financeira, ideológica e politicamente autônomas

Muitas das novas ONGs negras se afastam tanto do antigo trabalhismo, representado agora pelo PDT, como do novo, representado pelo PT. Gestase a fusão de duas tendências que, no Brasil, pareciam opostas: a busca de maior integração e participação na vida nacional e a construção de um sentimento étnico, baseado na consciência racial. Mesmo que se possa traçar uma distinção nítida entre ONGs políticas e culturais, dificilmente se encontram hoje entidades culturais negras que não defendam alguma forma de ação afirmativa na área social, assim como dificilmente uma organização política negra deixa de embeber seu discurso no que se chama hoje de “cultura negra”.

Por outro lado, a partir do governo Collor, em 1990, o Estado brasileiro passa a assumir explicitamente um discurso mais liberal. O seu objetivo passa a ser reestruturar os aparelhos governamentais, procurando livrar-se de muitas das funções do antigo Estado nacional-desenvolvimentista e concentrando-se sobretudo na reforma dos sistemas previdenciário, trabalhista, educacional e de saúde, de modo a descolar a gestão da economia da gestão da política social. Os órgãos de planejamento estatal são enxugados com a finalidade de expulsar dos aparelhos estatais o conflito político de redistribuição de riqueza, e muitas das funções de assistência e de atendimento sociais do Estado são passadas para ONGs e empresas privadas, principalmente na forma de parcerias.

Tal redirecionamento dos aparelhos de Estado acaba por fortalecer as ONGs em geral, e as negras em particular, que avançam enormemente no atendimento às populações carentes, oferecendo serviços os mais diversos, mormente nas áreas de educação, saúde, lazer e advocacia de direitos humanos.

Consolida-se também, por essa via, o que fora gestado na expansão da educação superior: uma ampla camada intelectual negra, formada por quadros profissionais de nível superior, em grande parte autônoma em relação ao Estado, que tem como principal fonte de recursos grandes fundações internacionais, igrejas e instituições de direito privado.

Por outro lado, o Estado brasileiro deixa de certo modo de se preocupar com a gestão da política de identidade nacional, retirando-a da pauta dos Ministérios da Educação e da Cultura. Adota um discurso de multiculturalismo e passa aos agentes não-governamentais a responsabilidade e a liberdade de gerenciá-la.

No meu entender, a culminação desse tipo de Estado mínimo dá-se no governo Lula, quando o Estado procura absorver em grande parte as reivindicações dos movimentos sociais por meio da incorporação de seus quadros aos aparelhos estatais, tornando mais fluida a comunicação entre Estado e ONGs, ao mesmo tempo em que mantém a política econômica totalmente desvinculada do atendimento às demandas populares. Isso talvez explique por que o Partido dos Trabalhadores, que durante o tempo que esteve na oposição foi tão refratário às ações afirmativas e às políticas de identidade não-classistas, tidas como políticas burguesas, tenha, uma vez no poder, transformado seu governo no que mais avançou no atendimento à agenda das organizações negras

O novo regime neoliberal incentiva, assim, a autonomia das ONGs; ao contrário do antigo regime nacional-desenvolvimentista, que favorecia compromissos políticos, forçando o Estado a atender as reivindicações dos movimentos sociais e criando, para tanto, elos diretos entre, de um lado seus aparelhos e quadros, e, de outro, os quadros e aparelhos das organiza- ções partidárias ou associativas. Naqueles idos, os movimentos perdiam algo de sua ideologia própria, parte de seu idioma étnico, para ajustar-se à ideologia nacional; no momento atual, o Estado abdica de seu discurso nacionalista em favor de uma multiplicidade de idiomas e de identidades que se harmonizam a partir de regras de convivência social e democrática, sintetizados nos direitos da cidadania.

O que Gramsci chamou de transformismo, ou seja, a absorção pelo Estado dos quadros dos movimentos sociais, que gerava uma espécie de rotinização das reivindicações sociais, despindo-as de potencial revolucionário, foi substituído pela autonomia relativa de todos os agentes políticos, cuja incorporação ao sistema é automática: a regra geral do regime é a participação no jogo democrático do Estado de direito, guardadas todas as especificidades não necessárias ao jogo.

O regime anterior podia atender as reivindicações dos movimentos negros (principalmente o combate às discriminações e ao preconceito raciais) destituindo-os de linguagem étnica e integrando-os simbolicamente à na- ção. Podia também, na cena internacional, brandir a ideologia da democracia racial como a solução mais civilizada para superar o problema real das desigualdades na distribuição de riquezas e de oportunidades, entre negros e brancos

Ora, as lideranças negras, desde a ruptura democrática de 1964, passaram a duvidar da efetividade da democracia racial. Em substituição, come- çaram a expressar suas queixas em linguagem étnica. O que sabemos hoje é que essa linguagem fusiona os elementos tradicionais da identidade afrobrasileira às ideologias negras de circulação internacional, tais como o panafricanismo, a negritude e o afrocentrismo.

Mas nem a formação de uma nova linguagem, nem o novo regime de Estado, evidentemente, explicam tudo. A maior parte do que foi conseguido pelo movimento, em termos de cotas para o ensino universitário, por exemplo, se deu em instâncias autônomas de poder, como as universidades federais. Em algumas delas, ativistas negros, na condição de representantes do movimento social, chegam mesmo a participar do processo de seleção dos alunos cotistas.

Fica por investigar, portanto, o modo como as bandeiras do movimento negro, principalmente as cotas para negros nas universidades, ganharam o apoio de políticos, tecnocratas e autoridades universitárias. Ou seja, como e por que o multiculturalismo torna-se uma ideologia dominante em várias esferas do Estado.

Hoje, para muitos (cf. Petruccelli, 2006), o multiculturalismo é a ideologia apropriada ao Estado contemporâneo, que necessita reconhecer as novas identidades sociais baseadas na raça e na cultura, ou seja, os novos grupos sociais e atores políticos (os negros, os indígenas etc.). O Estado precisa nomear e mensurar as diferenças e as desigualdades sociais prejudiciais a esses grupos se pretende ser um bom governo. Para outros (cf. Carvalho, 2004), o multiculturalismo é uma ideologia profundamente contrária ao espírito que norteou a formação histórica da nação brasileira.

Mais que isso: argumentam que as políticas de cotas desembocariam necessariamente no funcionamento de comissões julgadoras para decidir sobre a “cor” ou a “etnia” de um possível beneficiário, deixando patentes duas coisas: que a “cor” ou a “etnia” têm caráter menos sólido e menos consensual, em termos sociológicos, do que o requerido para critérios de seleção de benefícios; e que o direito individual de nomear-se ou auto-representar-se é conseqüentemente desrespeitado

No Brasil atual, ganha força a corrente de opinião que defende que as desigualdades raciais, ou seja, as desigualdades sociais atribuíveis à idéia de raça e à forma como as pessoas se classificam ou são classificadas racialmente, só podem ser combatidas com ações e políticas que reforcem essas identidades raciais. Ou seja, as políticas de ações afirmativas requereriam políticas de identidade.

A reprodução das desigualdades em diferentes regimes de Estado

O argumento de que as desigualdades sociais no Brasil estão amarradas a mecanismos invisíveis (ou invisibilizados) de discriminação racial, que favorecem a sua reprodução ampliada, passou paulatinamente a ser consensual, atingindo na última década não apenas o espaço público onde atuam os movimentos sociais, mas os próprios organismos de planejamento governamental. O argumento do “círculo cumulativo de desigualdades” foi construído originalmente pelos sociólogos Carlos Hasenbalg ([1979] * 2005) e Nelson do Valle Silva (1978), no final dos anos de 1970. Com base na análise dos dados censitários (ou de amostras domiciliares) de renda, educa- ção, naturalidade, origem rural ou urbana, ocupação, ocupação dos pais, estado de residência, cor e outros, eles demonstraram, de modo estatisticamente irreprochável, que a cor dos indivíduos tinha grande peso na explica- ção da pobreza e na sua reprodução. A pobreza teria, portanto, as cores preta e parda.

O argumento político conseqüente foi de que a simples universalização da educação formal, a ausência de barreiras raciais legais e a ampliação das oportunidades de emprego e renda, trazidas pelo avanço capitalista, não seriam suficientes para diminuir as desigualdades sociais brasileiras, visto que elas tinham um caráter racial implícito e não visível, que impedia qualquer ilusão de universalização das oportunidades. A democracia racial era realmente um mito e uma farsa, tal como algumas lideranças negras e alguns sociólogos já diziam desde o final dos anos de 1960 (depois do golpe militar). Carlos Hasenbalg, na entrevista que publicamos neste número, reitera esses argumentos.

Tal conseqüência política, aliás, já tinha sido adotada por diversos atores sociais e políticos, em sua maioria jovens universitários negros que, beneficiando-se do boom dos anos de 1970, fizeram seus estudos superiores e encontravam resistências raciais e culturais à sua absorção em mercados que se haviam formado como nichos de brancos – mídia, escolas e universidades, por exemplo (cf. Santos, 1985); além de ativistas de direitos civis não de todo à vontade com explicações exclusivamente derivadas do marxismo.

Foi assim que a luta contra a discriminação racial inscreveu-se desde cedo no movimento de luta pela redemocratização do país. A resistência democrática ganha força no final dos anos de 1970 e deságua na adoção de capítulos e leis anti-racistas e multiculturalistas, seja na Constituição, seja nas leis, durante os anos de 1980 e 1990.

O cenário que esbocei serve para discutirmos a proposição (cf. Tilly, 2003a; 2003b) segundo a qual as desigualdades sociais (no caso as desigualdades raciais) poderiam entrincheirar-se na sociedade brasileira atual graças ao uso de políticas públicas que passem a categorizar e a “criar” grupos com base em rótulos raciais. Principalmente tendo em vista que agora, em 2006, pelo menos trinta universidades públicas já adotaram cotas para negros ou alguma outra forma de ação afirmativa.

Ora, dois dos argumentos mais ouvidos no Brasil de pessoas contrárias à adoção de políticas de ação afirmativa que beneficiem os negros seguem de perto o esquema causal avançado por Tilly. Primeiro, a imposição estatal de categorias classificatórias baseadas em pertenças raciais levaria à racialização da sociedade brasileira, ou seja, à fixação da idéia de raça, nos discursos públicos e privados, como identidade social, reforçando o ciclo de racismo por acaso existente; segundo, que tal categorização dos brasileiros em brancos e negros (ou não-brancos) é um “empréstimo” infeliz aos nossos vizinhos do Norte.

Uma observação preliminar a ser feita é de que, para Tilly, a “imposição”, governamental ou não, parece vir sempre de um grupo dominante ou a serviço de tal grupo, ao passo que o grupo dominado ocuparia um papel de resistência, defesa ou reação. Aqui, ao contrário, é o grupo dominado que pretensamente se beneficia da imposição e a “resistência” viria de parte do grupo dominante.

Ou seja, se aplicado ao Brasil, o esquema teria um caráter “conservador” aparentemente não desejado por Tilly, mas muito bem notado por João Feres (2005), que segue a caracterização feita por Hirschman (1991) das estratégias discursivas conservadoras: a “racialização” da sociedade brasileira, ou seja, a adoção de políticas públicas baseadas em pertenças a grupos raciais, beneficiaria, a longo termo, apenas aos racistas

De um modo ou de outro, seja ou não conservadora, trate-se ou não de uma mera estratégia discursiva utilizada por conservadores ou por anti-racistas radicais, a explicação causal avançada por Tilly nos põe diante de três questões diferentes: as “raças” no Brasil são ou não um mecanismo de reprodução ampliada das desigualdades sociais, como querem Hasenbalg e Silva (1988; 1992), Telles (2003), Soares (2000) e muitos outros? Em caso afirmativo, como combatê-las sem reconhecê-las publicamente como constructos raciais e assim correr o risco de cristalizá-las e reproduzi-las como fatos naturais? Historicamente, no âmbito da histó- ria real dos negros brasileiros, as “raças” e as “estratégias racializadas” de demanda por bens públicos são estranhas à sua tradição? Ou seja, podese caracterizar o discurso ativista dos últimos anos de demanda de cotas nas universidades públicas, na mídia e nos empregos públicos e privados como simples “empréstimos”?

Historicamente, as identidades negras no Brasil formaram-se em diálogo com as demais identidades negras nas Américas. Nesse contexto, pareceme mais produtiva a idéia de um Atlântico Negro (cf. Gilroy, 1993) por onde circulam pessoas, objetos e idéias, do que o conceito de “empréstimo”.

Do mesmo modo, a pergunta que me parece mais correta é: por que apenas a partir dos 1980 a idéia de “raça” e de “cultura negra” ganha força entre os ativistas e intelectuais que se consideram negros, e não antes, por exemplo nos anos de pós-guerra, quando o prestígio da negritude francesa foi tão forte no Brasil? Por que apenas nos anos de 1990 a idéia de ação afirmativa parece aplicável ao Brasil, quando desde 1925 os ativistas negros se queixam do “preconceito de cor” que aflige toda a comunidade “negra” brasileira? Que consensos discursivos tiveram que ser superados ou rompidos para que tais reivindicações pudessem ser formuladas?

Do mesmo modo, vimos que a idéia de “democracia racial” não pode ser analisada como simples mito, ideal ou ideologia. Temos que nos perguntar sobre o caráter real da “democracia” no Brasil nos anos do pós-guerra (1945- 1964); nos anos da ditadura militar (1964-1985) e da Nova República (depois de 1985).

Teria a “democracia” o mesmo sentido, despertaria as mesmas expectativas, nutriria as mesmas esperanças e aspirações nos três períodos?

Meu argumento, em grande medida, apóia-se na hipótese de que foi a mudança das aspirações contidas nas democracias de hoje, baseadas principalmente na promessa de direitos civis, sociais e políticos plenos, para todos, que acabou por retirar o apelo inicial das “democracias raciais” latino-americanas. Estas tinham seu nódulo central na ausência de barreiras legais ou violentas à mobilidade social dos “homens de cor”, por contraste à segmentação hierárquica herdada da escravidão e do período colonial. As novas democracias que se reinstituem a partir dos anos de 1980, ao contrário, terão que oferecer direitos multiculturais e reconhecer diferenças raciais de modo a acomodar expectativas de integração, de mobilidade e de igualdade que, alternativamente, só poderiam ser tratadas no paradigma dos conflitos de classe, à moda francesa ou inglesa. Ora, para começar, a moderna organiza- ção social em classes supõe níveis de igualdade social, de pleno emprego e seguridade social muito mais balanceados do que as sociedades latino-americanas atuais podem exibir.

A implicação mais forte do modelo de Tilly, todavia, é que ele não nega, ao contrário reafirma, o fato de que se trata de processos que transcorrem moldados por estruturas sociais, econômicas e de personalidade que estão profundamente arraigadas. Assim, a “imposição”, o “empréstimo”, ou seja, os mecanismos causais, parecem ser contingenciais e referentes a um tempo concreto, tomado arbitrariamente, desligados por assim dizer do fluxo da história.

Acionadas para resolver uma forma de desigualdade, as categorias raciais não parecem ter o dom de desfazer as desigualdades sociais e mesmo raciais, mas apenas de estabelecer certo equilíbrio de forças entre grupos que lutam, seja para impor um monopólio (o caso inicial da colonização), seja para escapar de um destino imposto por essas mesmas categorias em algum momento anterior de tempo (o caso pós-colonial).

Resta, finalmente, tocar num ponto crucial do modelo explicativo de Tilly.

Mesmo que possamos descartá-lo para a análise do modo como as desigualdades sociais no Brasil passaram a ser percebidas pelos “negros”, e mes mo que possamos argumentar convincentemente que as categorias raciais “impostas” pelas políticas públicas eram secularmente atuantes na sociedade brasileira, precisamos responder à implicação maior do modelo, qual seja: as políticas públicas racializadas, ou multiculturais, não superam ou suprimem as desigualdades por si só, mas apenas as reproduzem num quadro mais claro e preciso. Ou seja, regulamentam o conflito distributivo em novas bases, sem pôr em risco a reprodução do sistema com um todo.

Nesse aspecto, Tilly parece ter razão: não há por que esperar que a nova forma de organização dos atores políticos (em bases étnicas, raciais ou culturais) seja necessariamente mais eficiente para impedir a reprodução das desigualdades sociais.

Antonio Sérgio Alfredo Guimarães

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Fonte: www.scielo.br

Democracia Racial

Os estudantes das relações raciais no Brasil ficam sempre intrigados com a origem e a disseminação do termo “democracia racial”. A começar pelo simples fato da expressão, atribuída a Gilberto Freyre, não ser encontrada em suas obras mais importantes e de não aparecer na literatura especializada a não ser tardiamente, nos anos 1950.

Ademais, porque empregar uma metáfora política para referir-se às relações sociais entre brancos e negros? Porque tal locução passou a exprimir tão perfeitamente um pensamento que conceitos anteriores – como “sociedade multirracial de classes”, empregado por Pierson (1942) ou “relações raciais harmoniosas”, usado pela UNESCO (Maio 1997) – foram incapazes de expressar? Essas são algumas das indagações que procuro responder neste artigo

Sem ter consultado sistematicamente documentos ou jornais da época, mas concentrando-me na produção jornalística e acadêmica de alguns pioneiros no estudo das “relações raciais”, busquei primeiramente traçar a cronologia de cunhagem do termo “democracia racial”

Ao que parece o termo foi usado pela primeira vez por Arthur Ramos (1943), em 1941, durante um seminário de discussão sobre a democracia no mundo pós-fascista (Campos 2002). Roger Bastide, num artigo publicado no Diário de S. Paulo em 31 de março de 1944, no qual se reporta a uma visita feita a Gilberto Freyre, em Apipucos, Recife, também usa a expressão, o que indica que apenas nos 1940 ela começa a ser utilizada pelos intelectuais. Teriam Ramos ou Bastide cunhado a expressão ou a ouvido de Freyre? Provavelmente, trata-se de uma tradução livre das idéias de Freyre sobre a democracia brasileira. Este, como é sabido, desde o meados dos 1930, já falava em “democracia social” com o exato sentido que Ramos e Bastide emprestavam à “democracia racial”; ainda que, nos seus escritos, Gilberto utilize a expressão sinônima “democracia étnica” apenas a partir de suas conferências na Universidade da Bahia, em 1943.

Na literatura acadêmica, a expressão só aparece alguns anos mais tarde. “O Brasil é renomado mundialmente por sua democracia racial”, escrevia Wagley, em 1952, na “Introdução” ao primeiro volume de uma série de estudos sobre relações entre negros e brancos no Brasil, patrocinados pela UNESCO (Wagley 1952). Ao que parece, Arthur Ramos, Roger Bastide e, depois, Wagley introduziram na literatura a expressão que se tornaria não apenas célebre, mas a síntese do pensamento de toda uma época e de toda uma geração de cientistas sociais. Como veremos adiante, Gilberto Freyre (1933, 1936) não pode ser responsabilizado integralmente, nem pelas idéias nem pelo seu rótulo; ainda que fosse o inspirador da “democracia racial”, evitou, no mais das vezes, nomeá-la assim, tendo-a conservado, ademais, com um significado bastante peculiar.

A idéia de um paraíso racial

A idéia de que o Brasil era uma sociedade sem “linha de cor”, ou seja, uma sociedade sem barreiras legais que impedissem a ascensão social de pessoas de cor a cargos oficiais ou a posições de riqueza ou prestígio, era já uma idéia bastante difundida no mundo, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, bem antes do nascimento da sociologia. Tal idéia, no Brasil moderno, deu lugar à construção mítica de uma sociedade sem preconceitos e discriminações raciais.

Mais ainda: a escravidão mesma, cuja sobrevivência manchava a consciência de liberais como Nabuco, era tida pelos abolicionistas americanos, europeus e brasileiros, como mais humana e suportável, no Brasil, justamente pela ausência dessa linha de cor.

Célia Marinha de Azevedo (1966) registra a intervenção de Frederick Douglas, numa palestra em 1858, em Nova York:

“Mesmo um país católico como o Brasil – um país que nós, em nosso orgulho, estigmatizamos como semibárbaro – não trata as suas pessoas de cor, livres ou escravas, do modo injusto, bárbaro e escandaloso como nós tratamos. (…) A América democrática e protestante faria bem em aprender a lição de justiça e liberdade vinda do Brasil católico e despótico”. (apud Azevedo 1996: 150).

Célia Azevedo registra ainda a opinião do francês Quentin, em 1867, segundo a qual “o que facilitará singularmente a transição [para o trabalho livre] no Brasil é que lá não existe nenhum preconceito de raça”. (apud Azevedo 1996: 156). Do mesmo modo, para o período pós-abolicionista, Hellwig (1996) alinhava uma série de artigos escritos por afroamericanos, entre 1910 e 1940, reafirmando a crença generalizada num país sem preconceitos ou discriminações raciais, no qual o valor e o mérito individual não seriam empanados pela pertença racial ou pela cor.

É verdade que na fala transcrita acima, Douglas contrasta a democracia e o senso de injustiça dos americanos, por um lado, ao despotismo e ao senso de justiça dos brasileiros, por outro lado, no trato dado aos homens de cor. Mas não vai além disso. Não usa a palavra “democracia” para referir-se a relações sociais. Democracia guarda seu sentido puramente político, referindo-se tão somente à forma de governo.

Os historiadores fazem bem em tratar essa utopia como o “mito do paraíso racial”, pois, na verdade, a expressão “democracia racial”, além de mais recente, está envolta numa teia de significados muito específica.

Nos anos 1930, quando se organiza pela primeira vez o movimento político negro no Brasil, sob o nome de Frente Negra Brasileira , essa utopia não será posta em dúvida, pelo menos de imediato. Em sua “Mensagem aos Negros Americanos”, Manoel Passos (1942), presidente da União Nacional dos Homens de Cor, prefere, por exemplo, salientar o abandono a que está relegada a população negra, sua falta de instrução e seus costumes arcaicos, como responsáveis pela situação de “degenerescência” dos negros. Até mesmo o “preconceito de cor”, de que se ressentem os negros, é parcialmente atribuído à fraqueza moral das populações negras.

Esta auto-flagelação só será revertida com a democratização do país, em 1945, quando surgem novas organizações negras, as quais serão, de certo modo, incorporadas pela Segunda República. Incorporadas no sentido de que funcionarão livremente, além de influenciarem a vida nacional em termos culturais, ideológicos e políticos. O Teatro Experimental do Negro (TEN), formado em 1944, é sem dúvida a principal dessas organizações.

Antecedentes: A democracia social e étnica de Freyre

Na sociologia moderna, Gilberto Freyre foi o primeiro a retomar a velha utopia do paraíso racial, cara ao senso comum dos abolicionistas, dando-lhe uma roupagem científica.

Em 1936, em Sobrados e Mucambos, Freyre chega mesmo a retomar as imagens de “aristocracia” e “democracia” para contrastar a rigidez da organização patriarcal e a flexibilidade das relações entre raças:

“Até o que havia de mais renitentemente aristocrático na organização patriarcal de família, de economia e de cultura foi atingido pelo que sempre houve de contagiosamente democrático ou democratizante e até anarquizante, no amalgamento de raças e culturas e, até certo ponto, de tipos regionais, dando-se uma espécie de despedaçamento das formas mais duras, ou menos plásticas, por excesso de trepidação ou inquietação de conteúdos” (Freyre 1936: 355)

Mas, a história literária do que ficou conhecido como a “democracia racial” brasileira começa nos anos trinta do século XX, mais precisamente em 1937, quando Gilberto Freyre profere em Lisboa a conferência “Aspectos da influencia da mestiçagem sobre relações sociais e de cultura entre portugueses e luso-descendentes” . Nessa conferência, Gilberto fala da “democracia social” como o legado mais original e significativo da civilização luso-brasileira à humanidade.

“Há, diante desse problema de importancia cada vez maior para os povos modernos – o da mestiçagem, o das relações de europeus com pretos, pardos, amarelos – uma atitude distintamente, tipicamente, caracteristicamente portuguesa, ou melhor lusobrasileira, luso-asiática, luso-africana, que nos torna uma unidade psicológica e de cultura fundada sobre um dos acontecimentos, talvez se possa dizer, sobre uma das soluções humanas de ordem biológica e ao mesmo tempo social, mais significativas do nosso tempo: a democracia social através da mistura de raças” (Freyre 1938: 14)

Impregnado pelas idéias do excepcionalismo ibérico (Rugai: 2002), que bebera nas páginas de Unamuno e de Ortega e Grasset, Gilberto contrapõe a democracia social lusobrasileira à simples democracia política dos ingleses, para ressaltar-lhe as virtudes.

“Por esse seu dinamismo cultural – que não fecha a cultura européia a outras influencias; pela valorização no homem, o mais possível, de qualidades autênticas, independentes de cor, de posição, de sucesso econômico ; pela igualdade – tanto quanto possivel – de oportunidades sociais e de cultura para os homens de origens diversas, as areas de formação portuguesa – formação por meio da mestiçagem – constituem hoje uma antecipação ou, mais do que isso, uma aproximação, daquela democracia social de que se acham distantes os povos atualmente mais avançados na prática da tantas vezes ineficiente, injusta e anti-humana democracia política, simplesmente política.” (Freyre 1938: 18)

Entretanto, a cunhagem da expressão “democracia étnica”, por Gilberto Freyre, surge no contexto da sua militância contra o integralismo. Seguidas agressões a Freyre, no Recife, culminaram, em setembro de 1943, num contundente manifesto, de cunho integralista, assinado pelo Diretório dos Estudantes da Universidade de Direito do Recife, que tenta desmoralizá-lo 5 . A mobilização das forças democráticas e de esquerda em defesa de Gilberto foi imediata. Entre estas, estava a União de Estudantes da Bahia, logo secundada por várias instituições baianas, que convidou Freyre para uma visita à Salvador, oportunidade em que lhe seriam prestadas diversas homenagens de desagravo. O convite foi aceito em novembro do mesmo ano e, no dia 26, Gilberto leu a primeira de suas conferências na Faculdade de Medicina da Bahia.

Em seu elogio à Bahia e à matriz lusobrasileira de sua cultura, diz Gilberto:

“Encontram-se aqui [na Bahia] esses resultados num clima em que nenhuma região do Brasil é mais doce, de democracia étnica, inseparável da democracia social. E sem democracia social, sem democracia étnica, sem democracia econômica, sem democracia sócio-psicológica – a dos tipos que se combinam livremente em expressões novas, admitidas, favorecidas e estimadas pela organização social e da criatura – que pode ser senão um artifício a simples democracia política?” (Freyre 1944: 30)

Observe-se que, desde 1937, Freyre deixa de contrastar “democracia” à “aristocracia”, como em Sobrados e Mucambos, e passa a enfatizar o contraste entre democracia social e democracia política. Para ele, apenas a primeira parece imune ao racismo. E é justamente o racismo, e não apenas o totalitarismo político, que é veementemente condenado por Freyre. Se o fascismo era uma imbricação peculiar do totalitarismo ao racismo, Brasil e Portugal encontrariam em sua tradição de mestiçagem racial o antídoto contra tal perigo. Mais ainda, não era apenas a tensão entre democracia e fascismo, presente na guerra da Europa, que ajudava a definir o conteúdo “social” da democracia brasileira, mas também a tensão regional entre uma matriz luso-brasileira, consolidada no Norte, e as várias influências européias ainda em gestação no Sul.

Mais que isto: tudo que não fosse genuinamente luso-brasileiro, misturado, sincrético, era visto como um perigo para a jovem democracia brasileira .

Isso fica melhor explicitado no trecho abaixo:

“Nesse sentido a recente demonstração de energia cívica da Baía, sua magnífica ostentação de espírito político preocupado não apenas com o estreito destino da Baía estadual mas do vasto mundo brasileiro que no Rio Grande do Sul se denomina compreensivelmente Baía, creio que ficará histórica. Marca bem o inicio de um período novo na historia da cultura brasileira. A velha “Virginia do Império” se levanta com um novo sentido imperial de sua força, de seu matriarcado e de sua fecundidade política e intelectual: o imperialismo da democracia sobre trechos do Brasil ainda indecisos entre essa tradição genuinamente nossa e o racismo violentamente anti-brasileiro, o nazi-jesuitismo,o fascismo sob disfarces sedutores, inclusive o da “hispanidade”.” (Freyre 1944a)

Elide Rugai Bastos (2001) pode nos elucidar o sentido exato de “democracia social e étnica” em Freyre. Nos dias de hoje, em que a idéia de democracia está intimamente ligada à idéia de direitos civis e individuais, de caráter universal, falar de “democracia étnica” ou “racial” poderia até nos levar a associar tais expressões aos direitos de representação e autenticidade de minorias étnicas ou raciais. Nada mais contrário a Freyre. Assim como para as gerações literárias espanholas de 1898 ou 1914, “em Gilberto, esse caráter [ibérico] responsável pela harmonia social, leva a que a democracia política passe a segundo plano, uma vez substituída pela democracia étnica/social. Mais ainda, justifica a não adoção, no Brasil, de medidas sociais e políticas universais, pois as mesmas não caberiam em uma sociedade marcada pela heterogeneidade, caracterizada por uma formação não tipicamente ocidental” (Bastos 2001: 62)

Freyre forja a idéia de “democracia social” ainda nos anos 1930, contra o fato patente da ausência de democracia política, quer no Brasil ou em Portugal. Ou seja, põe-se o desafio de traçar a inserção luso-brasileira no concerto das nações democráticas, contra todas as semelhanças e simpatias dos regimes autocráticos de Vargas e de Salazar com o fascismo. Sua linha de argumentação apóia-se no fato de que a cultura luso-brasileira é não apenas mestiça, como recusa a pureza étnica, característica dos regimes fascistas e nazistas da Itália e da Alemanha. Do ponto de vista “social”, portanto, estes regimes seriam democráticos, posto que promovem a integração e a mobilidade social de pessoas de diferentes raças e culturas.

Quanto a “democracia racial”, Freyre não usa tal expressão senão em 1962, quando no auge da sua polêmica defesa do colonialismo português na África, e no bojo da construção teórica do que chamará de luso-tropicalismo, julga conveniente atacar o que ele considerava como influência estrangeira sobre os negros brasileiros, particularmente o conceito de “negritude”, cunhado inicialmente por Aimé Cesaire, em 1937, desenvolvido posteriormente por Leopold Senghor, Chiant Diop e outros, no contexto da descolonização do pós-guerra, e reelaborado, no Brasil, por Guerreiro Ramos e Abdias do Nascimento (Bastide 1961).

Em discurso no Gabinete Português de Leitura, naquele ano, dirá Freyre:

“Meus agradecimentos a quantos, pela sua presença, participam este ano, no Rio de Janeiro, da comemoração do Dia de Camões, vindo ouvir a palavra de quem, adepto da “vária cor” camoneana, tanto se opõe à mística da “negritude” como ao mito da “branquitude”: dois extremos sectários que contrariam a já brasileiríssima prática da democracia racial através da mestiçagem: uma prática que nos impõe deveres de particular solidariedade com outros povos mestiços. Sobretudo com os do Oriente e os da Áfricas Portuguesas. Principalmente com os das Áfricas negras e mestiças marcadas pela presença lusitana.” (Freyre 1962)

Voltarei mais adiante a Freyre, por ora cabe-me ainda precisar o emprego do termo por Roger Bastide.

O “Itinerário da democracia” de Roger Bastide

A expressão “democracia racial” aparece pela primeira vez um pouco antes do fim da Segunda Guerra.

Artur Ramos (1943), em Guerra e Relações de Raça, narra-nos assim a sua intervenção numa conferência nos Estados Unidos, em 1941:

“Tomei parte na discussão, declarando que não sabíamos o que era realmente um ambiente democrático, porque ao falarmos de democracia temos que separar vários conceitos, como, por exemplo, democracia política, democracia social, democracia racial, democracia religiosa, etc. Pedi a Lewin para definir para mim o seu conceito de democracia, por não saber o que realmente era.” (Ramos 1943 apud Campos 2002: 165)

Ramos voltava a separar analiticamente, como o fizera Freyre em 1937, os diversos significados de democracia, em busca de um lugar para o Brasil no mundo moderno. Lugar este que, nos anos 1940, começa a ser reconhecido pela “comunidade científica” internacional. Um dos primeiros a compreender o significado do que dizia Freyre foi Roger Bastide. Vamos a ele.

Roger Bastide empreende em 1944 a sua primeira viagem ao nordeste brasileiro. As impressões recolhidas nesta viagem, muito influenciadas pela leitura de Freyre, ajudaram a formar a sua primeira percepção das relações raciais no Brasil. Essas impressões serão modificadas apenas nos 1950, a partir do momento em que Bastide se engaja com Florestan Fernandes numa pesquisa de campo sobre “brancos e negros em São Paulo”, patrocinada pela UNESCO e pela Revista Anhembi.

Bastide colabora então regularmente com a imprensa diária paulista e de outros estados brasileiros, engajando-se em fértil diálogo com o mundo artístico e intelectual local (Peixoto 2000). Em março de 1994, nos dias 17, 24 e 31, Bastide publica no Diário de S. Paulo uma série de artigos que intitula “Itinerário da Democracia”, produto de suas visitas a Bernanos, Jorge Amado e Gilberto Freyre, no Rio de Janeiro, Salvador e Recife, respectivamente. O Brasil encontra-se alinhado aos Estados Unidos, Grã-Bretanha e Rússia na guerra contra o Eixo, enquanto a França continua ocupada pelas tropas alemães. O mundo está então dividido entre a democracia e o fascismo.

No primeiro destes artigos, Bastide nos explica que essa fora “uma viagem ideológica, através das conversações, na qual cada grande capital visitada constituía como que uma etapa neste caminho da ideologia democrática” (Bastide 1944a). O encontro com Bernanos, no Rio, serve de pretexto para Bastide explorar a idéia universal de democracia representativa. Bernanos, cristão militante, que ajudara a organizar a resistência francesa a partir do Rio, pelas ondas da BBC de Londres, teria uma compreensão eminentemente moral da democracia, estendendo-a para além da idéia de direitos civis, no sentido da ética da ação política. Mas, para nós, o decisivo, nesse artigo, é que Bastide inclui o Brasil no rol das nações democráticas não pela obediência a certa ética pública ou mesmo pela garantia ao exercício de liberdades civis, mas pelo fato deste, ao engajar-se na guerra contra o fascismo na Europa compartilhar uma certa “concepção da vida e da dignidade do homem” (Bastide 1944a).

O segundo artigo, dedicado ao encontro com Jorge Amado em Salvador, versa, ao contrário, sobre algo mais concreto: a constituição do povo e da cultura popular, os sujeitos e a forma estética da democracia brasileira. Bastide (1944b) começa o artigo com uma rápida referencia ao romance Jubiabá, de Jorge Amado, “onde ele mostra como pouco a pouco o negro, no lugar de procurar uma compensação para o seu labor cotidiano na mística, que o separa do branco, fixando-o numa tradição africana, volta-se para o sindicalismo que o agrega a seus companheiros de trabalho, o funde numa comunhão que ultrapassa a raça para dar-lhe uma outra mentalidade que é a classe”. Bastide argumenta, em seguida, que o povo, para Amado, não se resume aos proletários, à uma categoria econômica, mas se expressa na alegria da festa: “O povo é o conjunto dos proletários, sem dúvida, mas considerado como alegria de festa, como criador de valores estéticos, como mantenedor de uma certa cultura, muitas vezes a mais saborosa de todas as culturas.” Jorge Amado, o comunista que luta pela liberdade, teria lhe ensinado a lição de que a democracia “é igualmente o nascimento de uma cultura”.

No terceiro e último artigo da série, dedicado ao encontro com Gilberto Freyre, no Recife, Bastide reflete sobre a ordem social própria à democracia brasileira, ordem que seria baseada na ausência de distinções rígidas entre brancos e negros. É nesse contexto que aparece, pela primeira vez, a expressão “democracia racial”.

Reconstituamos a cena:

“Regressei para a cidade de bonde. O veículo estava cheio de trabalhadores de volta da fábrica, que misturavam seus corpos fatigados aos dos passeantes que voltavam do parque dos Dois Irmãos. População de mestiços, de brancos e pretos fraternalmente aglomerados, apertados, amontoados uns sobre os outros, numa enorme e amistosa confusão de braços e pernas. Perto de mim, um preto exausto pelo esforço do dia, deixava cair sua cabeça pesada, coberta de suor e adormecida, sobre o ombro de um empregado de escritório, um branco que ajeitava cuidadosamente suas espáduas de maneira a receber esta cabeça como num ninho, como numa carícia. E isso constituía uma bela imagem da democracia social e racial que Recife me oferecia no meu caminho de regresso, na passagem crepuscular do arrebalde pernambucano.” (Bastide 1944c)

Vê-se, portanto, que a democracia brasileira, tal como Bastide a pensa em 1944, é antes de tudo “social e racial”. “Social”, entretanto, num sentido muito preciso, que nada tem a ver com os direitos sociais a que se refere Marshall (1967). Seria, antes, a constituição de uma ordem social em que a “raça” teria evoluído para a “classe”, mas na qual o “povo” daí resultante não teria copiado a expressão cultural pequeno-burguesa, européia e puritana, tal como nos Estados Unidos, mas construído uma forma original de cultura miscigenada, livre e festiva.

A democracia a que Bastide se refere, inspirada em Freyre e Amado, não pode ser reduzida a direitos e liberdades civis, mas alcançaria uma região mais sublime: a liberdade estética e cultural, de criação e convívio miscigenado.

Muito interessante, e ademais decisivo, é que Bastide, ao contrário de Freyre, ao referir-se a essa ordem use o adjetivo “racial” para denominá-la, mesmo depois de reconhecer a evolução da “raça” para a “classe”. Tal referência à mistura social e à miscigenação entre brancos e negros como “racial” mostra como era artificial a pretendida abolição (acadêmica) das raças, a sua evolução para “classes” e a regra acadêmica de tratá- las como “etnias”. Na linguagem dos jornais e da política, mais próxima do senso comum e dos sentidos “nativos”, será a “democracia racial” e não “democracia étnica” que prevalecerá.

O primeiro mito: contra a democracia racial dos anos 1960

O projeto sobre relações raciais no Brasil, que a UNESCO patrocinou entre 1952 e 1955, galvanizou o debate em torno da situação das relações raciais no Brasil 8 . Rapidamente a discussão se polarizou em torno da existência ou não do “preconceito racial”. Isso porque Bastide e Fernandes como que não aceitavam a conclusão de Wagley, segundo a qual, no Brasil, “em todo seu imenso território semi-continental a discriminação e o preconceito raciais estão sob controle, ao contrário do que acontece em muitos outros países” (Wagley 1952: 7). Ao contrário, Bastide e Fernandes tratavam a “democracia racial” a que se referia Charles Wagley, não como algo que existisse concretamente, mas apenas como um padrão ideal de comportamento.

Bastide escreve:

‘Nós brasileiros, dizia-nos um branco, temos preconceito de não ter preconceito. E esse simples fato basta para mostrar a que ponto [o preconceito racial] está arraigado no nosso meio social’. Muitas respostas negativas [que dizem não haver preconceito racial no Brasil] explicam-se por esse preconceito de ausência de preconceito, por esta fidelidade do Brasil ao seu ideal de democracia racial” (Bastide e Fernandes (1955: 123, grifos meus)

Ou seja, Bastide e Fernandes não vêem problemas em conciliar a realidade do “preconceito de cor” ao ideal da “democracia racial”, tratando-os, respectivamente, como prática e norma sociais, as quais podem ter existências contraditórias, concomitantes e não necessariamente excludentes. Em Bastide dos anos 1950, “democracia racial” significa um ideal de igualdades de direitos, e não apenas de expressão cultural, artística e popular, constituindo-se num alargamento da noção de “democracia social e étnica” de Gilberto Freyre.

Essa reintrepretação de Bastide e Fernandes já podia ser encontrada, de fato, na prática de intelectuais negros, como Abdias do Nascimento e Guerreiro Ramos, que justificavam seus objetivos de desmascaramento da discriminação racial e de desrecalque da “massa negra” em termos daquele ideal. Nota-se, assim, que o debate acerca da existência ou não do preconceito racial no Brasil ainda não punha em causa o consenso sobre a “democracia racial”, mesmo que polarizasse o seu significado.

De fato, a disseminação e aceitação política da expressão “democracia racial” pode surpreender os militantes de hoje, tendo sido de uso corrente no movimento negro dos anos 1940.

Basta lembrar, por exemplo, que o jornal Quilombo, dirigido por Abdias do Nascimento, entre 1948 e 1950, tem uma coluna intitulada justamente “Democracia Racial”, em que assinam artigos intelectuais brasileiros e estrangeiros, aliados à luta antiracista de então: Gilberto Freyre, Arthur Ramos, Roger Bastide, Murilo Mendes, Estanislau Fischlowitz, Ralph Bunche.

O engajamento dos militantes negros com a “democracia racial” fica meridianamente claro na fala inaugural de Abdias ao I Congresso do Negro Brasileiro, em agosto de 1950:

“Observamos que a larga miscigenação praticada como imperativo de nossa formação histórica, desde o início da colonização do Brasil, está se transformando, por inspiração e imposição das últimas conquistas da biologia, da antropologia, e da sociologia, numa bem delineada doutrina de democracia racial, a servir de lição e modelo para outros povos de formação étnica complexa conforme é o nosso caso” (1950a apud 1968:67).

Sem ter cunhado a expressão, e mesmo avesso a ela, posto que evocava uma contradição em seus termos, mas grandemente responsável pela legitimação científica da afirmação da inexistência de preconceitos e discriminações raciais no Brasil, Freyre manteve-se relativamente quieto enquanto a idéia de “democracia racial” permaneceu consensual, seja como tendência da sociedade brasileira, seja como padrão ideal de relação entre as raças. Isto é, enquanto a luta anti-fascista e a luta anti-racista o aproximou da esquerda e dos escritores e políticos progressistas brasileiros. Quando, entretanto, no decorrer dos 1960, a situação polarizou-se na África, com as guerras de libertação, e no Brasil, com o avanço ideológico da “negritude” e do movimento pelas “reformas de base”, Freyre voltou a brandir a “democracia racial” ou “étnica”, desta vez para contrapor-se aos ideais igualitários das esquerdas, e em defesa do que considerava uma cultura não apenas luso-brasileira, mas luso-tropical.

Ironicamente, tratará a “negritude” como um mito racial (ou mística):

“Palavras que ferindo o que Angola tem de mais democrático – a sua democracia social através daquela mestiçagem que vem sendo praticada por numerosos luso-angolanos, ao modo brasileiro – fere o Brasil; e torna ridícula – supremamente ridícula – a solidariedade que certos diplomatas, certos políticos e certos jornalistas do Brasil de hoje pretendem, alguns do alto de responsabilidades oficiais, que parta de uma população em grande parte mestiça, como a brasileira, a favor de afroracistas. Que afinidade com esses afroracistas, cruamente hostis ao mais precioso valor democrático que vem sendo desenvolvido pela gente brasileira – a democracia racial – pode haver da parte do Brasil? Tais diplomatas, políticos e jornalistas, assim procedendo, ou estão sendo mistificados quanto ao afroracismo, fantasiado de movimento democrático e de causa liberal, ou estão sendo eles próprios mistificadores dos demais brasileiros. Nós, brasileiros, não podemos ser, como brasileiros, senão um povo por excelência anti-segregacionista: quer o segregacionismo siga a mística da “branquitude”, quer siga o mito da “negritude”. Ou o da “amarelitude”.” (Freyre 1962)

Os acontecimentos políticos posteriores, principalmente a vitória das forças conservadoras, em 1964, farão prevalecer, nos círculos do poder, a idéia freyreana de “democracia racial” enquanto padrão cultural de interação interracial e não a consigna negra de luta pela igualdade social entre brancos e negros. Prevalecerá o lado hierárquico e não o lado igualitário da fábula das três raças (Da Matta 1981). Para as esquerdas, a partir de 1964, no contexto do rompimento da democracia brasileira, estava finalmente madura a idéia de que a “democracia racial” mais que um ideal era um mito; um mito racial, para usarmos as palavras de Freyre. O autor dessa nova fórmula política (“o mito da democracia racial”) foi justamente alguém que já dialogava criticamente com a obra e as idéias de Freyre desde o início de sua formação acadêmica: Florestan Fernandes.

Utilizando-se do mesmo contraste entre “aristocracia” e “democracia” e do mesmo conceito de “mito” usado por Freyre, o diálogo com este não poderia ser mais explícito:

“Portanto, as circunstâncias histórico-sociais apontadas fizeram com que o mito da ‘democracia racial’ surgisse e fosse manipulado como conexão dinâmica dos mecanismos societários de defesa dissimulada de atitudes, comportamentos e ideais ‘aristocráticos’ da ‘raça dominante’. Para que sucedesse o inverso, seria preciso que ele caisse nas mãos dos negros e dos mulatos; e que estes desfrutassem de autonomia social equivalente para explorá-lo na direção contrária, em vista de seus próprios fins, como um fator de democratização da riqueza, da cultura e do poder”.(Fernandes 1965: 205)

O rompimento do pacto democrático que vigeu entre 1945 e 1964 e que incluiu os negros, seja como movimento organizado, seja simbolicamente como elemento fundador da nação, parece ter decretado também a morte da “democracia racial” enquanto compromisso social e político. Doravante, ainda que aos poucos, os intelectuais e ativistas negros referirão tanto as relações entre brancos e negros, quanto o padrão ideal destas relações como o “mito da democracia racial”.

O objetivo era claro: opor-se à ideologia oficial patrocinada pelos militares e propalada pelo luso-tropicalismo.

Abdias do Nascimento, em 1968, a poucos dias de partir para o exílio, já fala em “logro”:

“O status de raça, manipulado pelos brancos, impede que o negro tome consciência do logro que no Brasil chamam de democracia racial e de cor”. (Nascimento 1968: 22)

Ainda em 1968, em depoimento em evento organizado pelos Cadernos Brasileiros (1968, n. 47, p. 23), ficam claras as tensões entre Abdias do Nascimento e a esquerda nacionalista, sinalizando o fim da “democracia racial” enquanto compromisso político.

Ali, já aparece o uso da “negritude” em sentido multiculturalista e em sua pretensão ecumênica:

“Entendo que o negro e o mulato – os homens de cor – precisam, devem ter uma contra-ideologia racial e uma contra-posição em matéria econômico-social. O brasileiro de cor tem de se bater simultaneamente por uma dupla mudança: a) a mudança econômico-social do país; b) a mudança nas relações de raça e cor. Aqui entra a Negritude como conceito e ação revolucionários. Afirmando os valores da cultura negro-africana contida em nossa civilização, a Negritude está afirmando sua condição ecumênica e seu destino humanístico. Enfrenta o reacionário contido na configuração de simples luta de classe do seu complexo econômico-social, pois tal simplificação é uma forma de impedir ou retardar sua conscientização de espoliado por causa da cor e da classe pobre a que pertence”.

Em 1977, retornando do exílio, Abdias escreve e publica, em Lagos, The Racial Democracy” in Brazil: myth or reality ?, republicado em 1978, no Brasil, como O Genocídio do Negro Brasileiro.

No prefácio, Florestan escreve:

“[Abdias] não fala mais em uma “Segunda Abolição” e situa os segmentos negros e mulatos da população brasileira como estoques africanos com tradições culturais e um destino histórico peculiares. Em suma, pela primeira vez surge a idéia do que deve ser uma sociedade pluri-racial como democracia: ou ela é democrática para todas as raças e lhes confere igualdade econômica, social e cultural, ou não existe uma sociedade pluri-racial democrática.” (Nascimento 1968: 20)

O segundo mito: contra a política de identidade racial

Como é sabido, os movimentos políticos negros no Brasil, depois de 1978, ressurgem a partir da reelaboração da tradição de resistência negra inscrita internacionalmente no pan-africanismo de DuBois, no afro-centrismo de Diop, no anticolonialismo de Fanon e no quilombismo de Abdias do Nascimento. Durante toda a década de 1980, o “mito da democracia racial” será denunciado sistematicamente como um dogma da “supremacia branca” no Brasil.

O incômodo da academia brasileira frente ao avanço do que ela considerava “dogmatismo”, nos anos 1990, teve alguns pivôs importantes: primeiro um certo exagero do discurso militante, que transparece no emprego de termos como “genocídio” para referir-se ao comportamento da sociedade brasileira em relação aos negros, e a vontade de fazer crer que a opressão dos negros no Brasil era pior do que a situação norte-americana ou sul-africana. Ou seja, a propaganda do movimento queria transformar a imagem do Brasil de paraíso em inferno racial (Sansone 1996). Segundo, a pretensão do movimento em politizar a classificação racial brasileira, redefinindo identidades como “preto”, “pardo” ou “moreno” em “negro”, sem no entanto consegui-lo, pois a massa da população, na melhor das hipóteses, só muito lentamente poderia seguir tal redefinição (Harris et al. 1993; Maggie 1996). Terceiro, um evidente descompasso entre o discurso político da militância e o comportamento eleitoral das massas, as quais se revelavam muito mais permeáveis ao populismo trabalhista que aos apelos afro-cêntricos do MNU (Souza 1971; Santos 1985; Agier 2000; Guimarães 2001).

Do ponto de vista teórico, a reação acadêmica começa com o esforço de reintrepretação do Brasil empreendido por DaMatta (1979), em termos da dicotomia entre “individuo” e “pessoa”, tomada de empréstimo a Louis Dumont (1966), e que culmina com a sugestão de que as relações raciais no Brasil sejam regidas por uma “fábula das três raças” (DaMatta 1981).

Mais tarde, reagindo à analise de Michael Hanchard (1996), que via na denúncia pública de racismo na sociedade brasileira o fim do mito da democracia racial, Peter Fry escreve:

“… nem por isso precisamos descartar a ‘democracia racial’ como ideologia falsa. Como mito, no sentido em que os antropólogos empregam o termo, é um conjunto de idéias e valores poderosos que fazem com que o Brasil seja o Brasil, para aproveitar a expressão de Roberto DaMatta.” (Fry 1995-1996: 134).

Lília Schwarcz (1999a: 309) sintetiza tal posição do seguinte modo:

“Dessa maneira, tomando os termos de Lévi-Strauss, poderíamos dizer que o mito se ‘extenua sem por isso desaparecer’ (1975). Ou seja, a oportunidade do mito se mantém, para além de sua desconstrução racional, o que faz com que, mesmo reconhecendo a existência do preconceito, no Brasil, a idéia de harmonia racial se imponha aos dados e à própria consciência da discriminação.”

Ou seja, ao que parece, a denúncia do “mito da democracia racial”, forjada por Florestan em 1964, que respaldou toda a mobilização e protestos negros nas décadas seguintes, sintetizando a distância entre o discurso e a prática dos preconceitos, da discriminação e das desigualdades entre brancos e negros no Brasil, finalmente se esgota enquanto discurso acadêmico, ainda que como discurso político sobreviva com alguma eficiência.

Na academia brasileira, o “mito” passa agora a ser pensado como “chave” para o entendimento da formação nacional, enquanto as contradições entre discursos e práticas do preconceito racial passam a ser estudadas sob o rótulo mais adequado (ainda que altamente valorativo) de “racismo”. Ou seja, no mesmo terreno em que o movimento negro o pôs. Foi o próprio DaMatta, inspirador da nova leva de estudos (Guimarães 1995; Hasenbalg 1996) que visam definir a especificidade do racismo no Brasil, quem cunhou a expressão “racismo à brasileira” (DaMatta 1981, 1997; Pereira 1996), depois substituída, no senso comum, por outra – “racismo cordial” (Folha de S. Paulo/DataFolha 1995) – forjada pela mídia. Ou seja, não é mais a democracia que será adjetivada para explicar a especificidade brasileira, mas o racismo.

O que continua em jogo, entretanto, é a distância entre discursos e práticas das relações raciais no Brasil, tal como Florestan e Bastide colocavam nos idos anos 1950.

Ainda que, certamente, para as ciências sociais, o mito não possa ser pensado da maneira maniqueísta como Freyre e Florestan pensaram, transpondo-o diretamente para a política, permanecem os fatos das desigualdades entre brancos e negros no Brasil, apesar do modo como se classifiquem as pessoas.

Mais que isto: as diferenças raciais se impõem à consciência individual e social, contra o conhecimento científico que nega as raças (são como bruxas que teimam em atemorizar, ou como o sol que, sem saber de Copérnico, continua a nascer e a se pôr?). Novos estudos sobre as desigualdades raciais no Brasil, elaborados inicialmente no âmbito da Sociologia e da Demografia, ganham outras disciplinas sociais, como a Economia (Barros e Henriques 2000; Soares 2000), enquanto saem das universidades e se aninham nos órgãos de planejamento estatal, a respaldar as reivindicações do protesto negro.

Conclusões

Entre 1930 e 1964, vigeu no Brasil o que os cientistas políticos chamam de “pacto populista” ou “pacto nacional-desenvolvimentista”. Neste pacto, os negros brasileiros foram inteiramente integrados à nação brasileira, em termos simbólicos, através da adoção de uma cultura nacional mestiça ou sincrética, e em termos materiais, pelo menos parcialmente, através da regulamentação do mercado de trabalho e da seguridade social urbanos, revertendo o quadro de exclusão e descompromisso patrocinado pela Primeira República. Nesse período, o movimento negro organizado concentrou-se na luta contra o preconceito racial, através de uma política eminentemente universalista de integração social do negro à sociedade moderna, que tinha a “democracia racial” brasileira como um ideal a ser atingido.

O golpe militar de 1964, que destrói o pacto populista, estremece também os elos do protesto negro com o sistema político, que se teciam principalmente através do nacionalismo de esquerda. De fato, no começo dos 1960, a política externa brasileira já se encontrava estressada quanto à posição que o Brasil deveria tomar frente aos movimentos de libertação das colônias portuguesas na África. O movimento negro brasileiro, influenciado, internacionalmente, pela négritude, enfatizava as suas raízes africanas, o que gerava a reação de intelectuais como Gilberto Freyre (1961, 1962), em sua cruzada em prol dos valores da mestiçagem e do luso-tropicalismo. A discussão sobre o caráter da “democracia racial” no Brasil – ou seja, se se tratava de realidade cultural (como queriam Freyre e o establishment conservador) ou de ideal político (como queriam os progressistas e o movimento negro) – acaba levando à radicalização das duas posições.

A acusação de que “democracia racial” brasileira não passava de “mistificação”, “logro” e “mito” toma então conta do movimento, à medida que a participação política se torna cada vez mais restrita, excluindo a esquerda e os dissidentes culturais. A partir de 1968, os principais líderes negros brasileiros vão para o exílio.

Com a redemocratização do país, a impossibilidade de se conter as reivindicações sociais dos negros brasileiros nos estreitos parâmetros da idéia freyriana de “democracia social” fica de todo evidente. A nação brasileira, constituída como mestiça e sincrética, já não precisava reivindicar uma origem “não tipicamente ocidental”. Ao contrário, as classes e grupos sociais farão dos direitos civis, individuais e universais o principal objetivo das lutas sociais.

A reconstrução da democracia no Brasil, a partir de 1978, ocorre pari passu ao renascimento da “cultura” e do protesto negro.

Mais que isto: dá-se num mundo em que a idéia de multiculturalismo, ou seja de tolerância e respeito a diferenças culturais que se querem íntegras, autênticas e não-sincréticas, ao contrário do ideal nacionalista (universalista) do pós-guerra, é dominante. O fato é que a conquista de direitos econômicos e sociais e de representação política da massa de “excluídos” (sub-proletários, diria Marx) e das classes médias negras, face ao recuo da sociedade de classes, talvez exija, ao menos temporariamente, uma política de identidade bem demarcada. Em todo caso, nesse ambiente, todo o trabalho de reconstrução de um pacto racial democrático, no que pese o esforço de incorporação simbólica e material do estado brasileiro, está fadado a um (in)sucesso limitado.

Seria errôneo atribuir o recrudescimento da “consciência negra” e do cultivo da identidade racial, no Brasil dos anos 1970, à influência estrangeira, especialmente norteamericana. Ao contrário, o renascimento cultural negro deu-se nestes anos sob a proteção do estado autoritário e de seus interesses de política exterior (Santos 2000; Agier 2000). Ademais, a guinada do movimento negro brasileiro em direção à negritude e às origens africanas data dos anos 1960 e foi, ela mesma, responsável pela geração das tensões políticas surgidas em torno do ideal de democracia racial. Do mesmo modo, as idéias e o nome de “democracia racial”, longe de serem o logro forjado pelas classes dominantes brancas, como querem hoje alguns ativistas e sociólogos, foi durante muito tempo uma forma de integração pactuada da militância negra.

Em resumo, “democracia racial” foi, o modo como Arthur Ramos, Bastide e outros, traduziram as idéias expressas por Freyre em suas conferências na Europa, em 1937, na Universidade da Bahia e de Indiana, em 1943 e 1944, respectivamente. Idéias essas caudatárias, elas próprias, das reflexões de Freyre sobre a formação patriarcal da sociedade brasileira. Nessa “tradução”, Bastide e Ramos omitem o caráter “ibérico”, restritivo, que Freyre atribuía, no mais das vezes, ao termo; pelo contrário, alargam-no, realçam-lhe o caráter propriamente universalista de “contribuição brasileira à humanidade” (também reivindicado por Freyre), mais apropriado à coalizão anti-fascista e anti-racista da época. Assim transposta para o universo individualista ocidental, a “democracia racial” ganhou um conteúdo político, distante do caráter puramente “social” que prevalece em Freyre, fazendo com que, com o tempo, a expressão ganhasse a conotação de ideal de igualdade de oportunidades de vida e de respeito aos direitos civis e políticos que teve nos anos 1950. Mais tarde, em meados dos 1960, “democracia racial” voltou a ter o significado original freyriano de mestiçagem e mistura étnico-cultural tout court. Tornou-se, assim, para a militância negra e para intelectuais como Florestan, a senha do racismo à brasileira, um mito racial.

Finalmente, para alguns intelectuais contemporâneos, o mito transforma-se em chave interpretativa da cultura brasileira. Mas é preciso que se lembre sempre de que o mito, no sentido antropológico, transforma-se facilmente em falsa ideologia, quando ganha a arena política, perdendo seus referentes históricos e sociais, obscurecendo o jogo de interesses e de poder que lhe dá sentido em cada época. Ou seja, quando é tomado como valor atemporal e a-histórico. Ora, é isso justamente que fez Gilberto Freyre a partir dos 1930. Em Gilberto, a “democracia social e étnica” brasileira é característica imanente e perene à cultura luso-brasileira. Mas, sabemos hoje que todos os sentidos culturais são construídos e reconstruídos a cada momento.

Morta a democracia racial, ela continua viva enquanto mito, seja no sentido de falsa ideologia, seja no sentido de ideal que orienta a ação concreta dos atores sociais, seja como chave interpretativa da cultura, seja como fato histórico. Enquanto mito continuará viva ainda por muito tempo como representação do que, no Brasil, são as relações entre negros e brancos, ou melhor, entre as raças sociais (Wagley 1952) – as cores – que compõem a nação.

Noção criada (1937) e expandida (1943-1944) durante as duas ditaduras varguistas para nos incluir no mundo dos valores políticos universais, a “democracia racial” precisaria hoje ser apenas democracia, que inclui a todos sem menção a raças. Estas, que não existem, faríamos melhor se não as mencionássemos em nosso ideal de nação, reservando o seu emprego para denunciar o racismo.

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Fonte: www.fflch.usp.br

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